Desertor do Caos Brasileira

Autor(a): Morrigan


Volume 1

Capítulo 19: O galante jovem mestre

 

Sentindo suas nádegas baterem contra o duro assento da carruagem, graças ao solavanco da cabine depois passar por cima de uma pedra, o rapaz da família Umbra acordou levando suas mãos a cabeça, sentindo uma dor latente.

As memórias do que viveu naquele sonho, reverberou em sua mente como um espinho no pé, impossível de ignorar.

Conseguia sentir como tudo aquilo foi uma lembrança real de uma vida que não conseguia entender de verdade, mas sentia que estava cada dia mais próximo de compreender seu passado naquele mundo que só viu em livros sobre os viajantes.

Coçando a cabeça enquanto bocejava repleto de sono, pois não conseguia descansar de forma adequada durante a viagem, já fazia quinze dias que aguentava o encosto gasto de tanto tempo suportando o peso do seu corpo, ao ponto que sentia seus ombros tensos e enrijecidos.

Observou Sebastian ao seu lado, que dormia de forma silenciosa com sua espada apoiando sua cabeça e mantendo todo seu corpo ereto.

Logo, sons consistentes de um poderoso ronco chamaram sua atenção a suas pernas, onde descansava seu tio que dormia como um urso no inverno, só acordando para se alimentar nas poucas paradas que fizeram.

Olhando para Daniel, lembrou das histórias narradas por Gemma, não conseguindo deixar de ter uma forte curiosidade sobre o tal homem que surgiu com um abrigo para os que fugiam dos terrores da guerra, e a possibilidade de relação com seu amigo de outra vida, por mais absurda que essa possibilidade parecesse.

Como não faltava tanto tempo para alcançarem seu destino, decidiu aguentar até alcançar o castelo para conversar adequadamente, sabia como seu tio odiava as longas viagens, dormindo para não ficar enjoado.

(...)

Em uma mansão iluminada pelo pouco sol daquela manhã nublada, aparentava ser inóspita devido a ausência de som para os transeuntes que movimentavam a ruas de uma vila afastada no reino de Edhen.

 Em meio a seus inúmeros cômodos, tinha todos os móveis e objetos contido nele, estranhamente se alinhando formando um diagrama octogonal com um trigrama de cada lado.

 Um jovem que aparentava estar na casa dos vinte e cinco anos, cabelos prateados, vestindo um quimono azul-claro e sentado na posição de lótus, com os olhos fechados, ele meditava como uma estátua.

O jovem de repente abre seus olhos, revelando uma íris vermelha como fogo, dando um ar pitoresco a seus traços, focando seu olhar na porta à sua frente, como se esperasse algo, pouco depois, o quarto ressoou com o som de três batidas consecutivas na porta.

O jovem fechou os olhos novamente e com um sorriso no canto dos lábios disse de forma despreocupada.

─ Você sabe que não precisa bater, Clara.

A porta do quarto então abriu lentamente, revelando uma menina baixa, vestindo um vestido longo e branco como a neve, cabelos negros e aparentava ser muito saudável, apesar da pele extremamente branca. Com o rosto inclinado para o chão, tentando esconder o nervosismo, ela levantou as mãos e ofereceu uma carta, aparentava ter origem comum, sem algum lacre ou selo.

― Senhor Diego, trouxe essa carta para você, o mensageiro disse que deveria ser entregue em suas mãos.

Diego abriu os olhos sem muita pressa, mas ao observar o nome de quem enviou a carta, teve seu tom mudado de forma áspera.

― Me dê isso, suas preciosas mãos podem ser manchadas com uma carta enviada de alguém tão asqueroso.

Clara levantou o rosto com um semblante cheio de estranheza, e sem demora, entregou a carta, virando-se para porta, ela preparou para retirar-se do ambiente, quando a voz dele ressoou.

― Não vai me dar nem um beijinho de despedida?

Ficando vermelha ao escutar a provocação, falou de forma irritada: ― Senhor, me perdoe a ousadia, mas poderia parar com essas brincadeiras? ― Depois de uma pequena pausa se virou para Diego o olhando de forma profunda e continuou.

― Não somos mais crianças onde esse tipo de coisa era somente palavras jogadas ao ar, com o coração de uma garota não se deve brincar e se eu levasse a sério suas palavras?

Ele se levantou sem retirar seus olhos dela, ficando em silêncio com os olhos travados aos dela.

― E quem está brincando?

A garota congelou onde estava e antes que seus movimentos voltassem e pudesse reagir, o homem de cabelos prateados continuou.

― Nos conhecemos desde que me conheço como gente, e você foi uma das poucas pessoas importantes para mim, lembra de como nos conhecemos?

Neste momento Clara abaixou sua cabeça com um olhar nostálgico como se estivesse lembrando daquele dia e continuou a escutar o discurso de Diego sem dizer nada.

― Com sua caixinha de primeiros socorros entrou na cabana e quando me avistou no chão sujo e coberto de feridas sem nem conseguir me levantar sozinho.

Ele então pausou por um momento, olhando com carinho para ela, não conteve um sorriso no canto de seus lábios se formar, fechando seus olhos como se tentasse se lembrar com mais vontade continuou.

― Eu vi em seu olhar algo que a muito tempo eu não sentia, diferente de outros, onde deboche ou olhares de pena que escondiam na verdade um grande escárnio em minha direção, eu vi compaixão e talvez até mesmo admiração, apesar de não entender muito bem o porquê.

Interrompendo Diego de continuar sua recordação a voz de Clara ressoou.

― Senti admiração pela sua força de vontade, coragem e determinação em continuar a flagelar seu corpo de tal forma para agradar sua família.

Diego manteve seu semblante contagiado pelas memórias, até sua face ficar explicita com dúvidas do passado. ― Porque que nos dois anos que se seguiram após aquilo você sumiu?

― Seu avô apareceu na porta do meu quarto, ele me disse que apesar de ter cometido um delito grave ao não ter obedecido as ordens de não ajudar o jovem mestre, não iria ser punida, mas tinha uma proposta que seria benéfica para os dois.

Ela então se calou e mostrou um semblante sério como se lembrasse de algo importante e exalou um ar de melancolia e endireitou seu corpo como se tivesse terminado suas palavras.

O homem mostrando uma rara impaciência em seu semblante a encorajou continuar.

― Que proposta?

Como se não tivesse escutado a pergunta dele, sem dizer mais nada, Clara andou em direção a saída, até seu pulso ser preso de forma firme por ele ― Senhor, já trouxe a carta e agora se me der licença, estou com muitas tarefas a fazer.

― Vai simplesmente terminar nossa conversa assim?

Clara puxou seu pulso das mãos dele, e sem dizer mais nada, saiu do quarto fechando a porta sem olhar para trás.

Ele ficou parado, com os olhos sem reação travados na porta, ainda tinha um pouco do perfume feminino no ambiente, finalmente após alguns minutos estático começou a se mover indo em direção ao centro do quarto e se sentando novamente em posição de lótus, enquanto olhava para a carta que ainda se encontrava em suas mãos.

Colocando a carta ao seu lado, Diego fechou os olhos se preparando para voltar a meditar, respirando fundo, pensou “talvez ela só precise de tempo para pensar”.

Na manhã seguinte, quando um raio de sol alcançou a janela do quarto, fazendo o homem abrir os olhos com dificuldade, percebendo que adormeceu novamente na posição de lótus, observou sua cama em uma das extremidades do quarto e resmungou baixo.

― Parece que acabei dormindo novamente nessa posição, estou começando a me esquecer do conforto de uma cama.

Pegando a carta e um livro ao seu lado, levanta com certa dificuldade como se suas pernas não estivessem prontas para lhe suportar naquela manhã, depois de se alongar por um tempo, andou até a estante de madeira no quarto e guardou o livro de forma cuidadosa.

 Se dirigiu ao guarda-roupa e retirou um quimono azul com um raio prata bordado nas costas, levou a manga do quimono que estava usando com curiosidade ao nariz dando uma boa cheirada e não demorou muito para jogar a cabeça para trás com uma careta estampada de nojo.

― Um gambá dormiu ao meu lado hoje pelo jeito, parece que preciso tomar um banho antes de ir até a casa de meu avô, ele me bateria se eu “contaminasse” o ar com este cheiro.

 Diego então colocou a carta na escrivaninha, saindo do cômodo, caminhou por pouco tempo até um prédio alto que ficava próximo ao seu. Pela porta do lugar saía fumaça constantemente, como se estivesse bem quente dentro, então se preparou para entrar no prédio, quando parou seus passos de forma brusca ao perceber que alguém se aproximava.

Não demorou muito e três jovens surgiram em seu campo de visão se aproximando do prédio, os três aparentavam ser um pouco mais novos que ele e estavam entretidos conversando enquanto caminhavam juntos, com o do meio estando um pouco a frente.

 Quando finalmente notaram Diego em frente ao prédio pararam de falar, dois dos três demonstraram desprazer em seus rostos ao reconhecer de quem se tratava, todavia o que estava mais a frente logo abriu um sorriso

 ― Ora ora! Vejam só, parece que encontramos um falso gênio, o que faz aqui farsa. Não me diga que pretende usar o banheiro masculino, deveria saber que covardes não são homens de verdade.

Suspirando diante a provocação do rapaz, Diego falou em tom irônico.

― Aff, porque tenho que escutar isso de um idiota que cria uma gangue de merda para satisfazer seu desejo de poder.

O jovem atingido pelas palavras de Diego esboçou uma careta, mas logo a conteve forçando uma risada.

― hahaha, me diga que qualificação você tem para falar isso, quando não passa de um covarde que fugiu de um duelo contra meu irmão?

― Augusto…, um se autoglorifica por ter desafiado alguém vinte anos mais novo, e o outro... bem é você. ― Diego respondeu balançando a cabeça, fingindo consternação. ― Mas o que esperar de uma dupla de idiotas que nasceram do ventre da mesma cobra.

Augusto teve uma mudança radical em sua face, ficando incendiada de ódio, como se uma fogueira acabasse de ser acesa.

― Você realmente ousa falar de tal forma de minha mãe?

― E porque não ousaria, até onde sei eu não disse mentira alguma. Uma cobra é uma cobra, uma pessoa sem valores que vende o próprio marido em troca de poder é o que?

― Seu filho da puta, vou te ensinar a não falar asneira.

Finalmente perdeu o resto da compostura que mantinha ao escutar sobre sua mãe, e sem dizer mais nada disparou na direção do Diego. Com ajuda dos dois jovens que o acompanhavam logo atrás, mesmo tendo trocado brevemente olhares de desconforto.

Diego manteve um semblante calmo e descontraído como se não precisasse de preocupação com a investida dos três.

De repente uma voz cheia de autoridade se manifestou. ― Parem agora mesmo!

Fazendo os três pararem sem nem ao menos pestanejar, Augusto que tinha uma mistura de alegria e surpresa recheando sua face se direcionou ao dono da voz e curvando-se de forma respeitosa como se fosse uma pessoa completamente diferente falou.

― Irmão, desculpem o meu descontrole, mas senti a necessidade em defender a honra de nossa mãe.

Um homem alto com corpo esguio, se portava como um príncipe pronto para ser recebido por seus súditos, enquanto se aproximava do conflito.

― E desde quando nossa santa Mãe precisou de um moleque fraco para defender sua honra?!

Após a surpresa estampar seu rosto pela resposta, o irmão mais novo recuperou a compostura e franzindo sua testa e baixando a cabeça logo em seguida, com um ar de vergonha entoou: ― Desculpe minha arrogância, irmão, mas não pude suportar a audácia daquele covarde em mencionar nossa mãe de tal forma.

― Eu entendo sua raiva, mas é uma vergonha perder a compostura em frente aos ratos.

O mais novo ainda prostrado no chão, balançou a cabeça assentindo sem falar mais nada, o homem que acabará de chegar, finalmente retornou seu olhar a Diego e disse cheio de desprezo.

― Não tem vergonha em falar de forma chula sobre uma superior da família?

― Superior, hahaha, não brinque comigo, Matheus. Sabemos muito bem que no fim estamos longe de ser companheiros, muito menos família.

― Entendo, fico triste ao saber que alguém que carrega o mesmo sobrenome pense de tal maneira, mas vindo de um rato como você não me surpreende.

Diego se aproximou ainda mais de Matheus com um sorriso no canto dos lábios e falou de forma quase inaudível dando a chance de somente os dois compreender.

― Vai ficar surpreso quando você for aquele a ser descartado?

Instantaneamente o semblante do homem esguio escureceu como uma reação natural do seu corpo, mas antes que durasse, recuperou o controle de suas emoções, retornando ao semblante esnobe e calmo que normalmente mantinha.

― Não pense que tem controle sobre a sua situação, no fim seu respaldo já está com um pé na cova. ― Sem dizer mais nada, Matheus passou por ele e caminhou em direção oposta a ele.

Augusto, como se tivesse entendido um comando, se colocou a correr atrás de seu irmão com seus amigos, sem nem olhar para sua espalda.

Quando finalmente sairão do seu campo de visão, Diego suspirou com alívio. ― Aqueles caras sabem como tirar alguém do sério, felizmente foram sibilar em outro lugar e me deixaram em paz para me banhar.

Enquanto Diego comemorava uma voz calma e carregada de poder surgiu. ― Como se você fosse um pirralho fácil de lidar.

Após um momento de surpresa, se animou com velocidade. ― Então você retornou, vovô?

Um senhor com aparência robusta aparentava estar na casa dos cinquenta surgiu em frente à casa de banhos como se sempre estivesse ali, tinha cabelos curtos e azuis, com uma leve aparência de embranquecimento, mas isso não afetava sua aura poderosa e misteriosa. Ao ouvir a pergunta de Diego ele falou com uma voz profunda. ― Isso é só uma alucinação de sua mente, e estou aqui para satisfazer o seu desejo de reencontrar o grande ancião marcial.

― Nossa, pensei que um ancião marcial seria mais temível, e não um avô que logo vai precisar do seu neto para se levantar.

Fazendo uma careta diante da resposta de Diego ele não pode deixar de falar.

― É incrível como fica mais cheio de si a cada dia que passa, acho que está com saudade dos meus treinamentos e não sabe como pedir.

― Que isso vovô, eu só estava brincando com o senhor. ― Disse Diego enquanto balança os braços desesperadamente em negação. ― O grande general Lucca é uma entidade sem igual no campo de batalha, que tipo de tolo iria agir cheio de si perto do senhor?

 

 



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