Desertor do Caos Brasileira

Autor(a): Morrigan


Volume 1

Capítulo 18: Proposta

 

 

Com seus olhos se ajustando a claridade da sala, pode ver poucos móveis dispostos, sentiu a maciez do sofá que já tinha se moldado a suas costas e impregnado o cheiro do seu suor.

Na TV passava notícias sobre o conflito que se intensificava no oriente, o presidente deixava claro que sua resposta seria dura aos ataques terroristas cometidos em seu território.

O noticiário não parava de dizer como dessa vez a guerra poderia ter novas proporções, com as grandes potências tomando partido na tentativa de ganhar uma nova escalada de poder e sobrepor seus adversários, causando uma terceira guerra que poderia dizimar o mundo que conheciam.

A cabeça de Arthur doía, ao ponto de pesar, fazendo com que ele desancasse-a em suas mãos. Aquela sala parecia familiar para ele, mas estava longe de uma memória recente, claramente estava em uma memória da vida passada.

 Como se estivesse programado, desligou a TV usando o controle que estava ao lado do seu corpo cansado daquele sofá. Encarando o aparelho desligado, observou o próprio reflexo, lembrou da sua versão mais velha no mundo dos sonhos, era mais magra e frágil, com um rosto pálido, doente, que não via a luz solar a tempos.

 Uma mulher morena com olhos castanhos cansados dos desafios da vida, entrou na sala com um sorriso quente, igual de uma mãe que apesar das dores se aquecia com a imagem dos seus filhos, enquanto segurava uma vasilha com sopa quente, falou.

 ― Finalmente cansou de ver as desgraças do mundo?

 Era estranho para o rapaz, pois ao desenrolar da cena, sentiu as palavras virem a sua boca, o fazendo se sentir tanto o protagonista, como um espectador, um verdadeiro ator em cena, não conseguindo diferenciar se aquilo realmente era passado ou presente, só aceitando as palavras e pensamentos quem vinham em mente.

 ― Só queria ter certeza que investi minha vida em falsas causas.

 ― Não fale assim, você lutou pelo acreditava ― disse ela, enquanto puxava uma poltrona para a frente dele. ― Agora, diga ahhh!

 Os olhos dele amoleceram, estendendo uma de suas mãos para afagar as bochechas daquela figura doce.

 ― Estou doente, não virei criança, posso comer sozinho.

 ― Se não quiser ser tratado como uma, não haja como uma ― O semblante dela enfatiza a suas palavras, enquanto encarava-o.

 ― O que?!

 Aquele sorriso quente, escureceu, deixando um olhar distante e triste em seu lugar ― Talvez possa tentar um pouco mais, quem sabe...

 ― Pare, não quero discutir de novo ― interrompeu antes que ela continuasse, a puxando para mais perto com cuidado e beijando sua boca.

 Aceitando o pedido dele, não prosseguiu com o assunto, oferecendo uma colher que ele prontamente aceitou, lambendo os lábios com deleite, ao ponto que fez um longo e sonoro, hum!

 Após esvaziar a vasilha e entornar um copo de suco de caju, o seu favorito, afagou os cabelos macios e bem cuidados de sua amada, dando um beijo em sua cabeça.

 ― Com toda certeza, você é a resposta para tudo na minha vida, eu não sou azarado como achava.

 ― Como assim? ― ela o fitava de lado, claramente em confusão.

 ― Casei com a melhor cozinheira do mundo, o amor da minha vida, sou um sortudo, isso sim.

 Aquele sorriso que tanto o encantava, floresceu no rosto dela, enquanto seus lábios se aproximavam dos dele, mas antes que se tocassem, a campainha soou, parando-a no meio do caminho.

 A testa de Arthur se enrugou em confusão, não costumavam receber visitas, tirando o síndico do prédio que vinha cobrar o condomínio.

 ― Quem será? Já pagamos esse mês ― ele disse, enquanto voltava seu olhar para sua esposa, que em resposta, olhou para o chão, não querendo olhar para os seus olhos, coçando seu braço esquerdo se mostrando ansiosa.

 ― Gatinho, não se irrite.

 Sua sobrancelha levantou, sabia que tinha uma surpresa inesperada por vir.

― O que não me contou?

 ― David, falou que vinha nos visitar.

 Arthur levou sua mão a testa em contestação, sabia que ela não fazia por mal, mas ninguém além dos dois, sabia do pouco tempo que lhe restava.

 ― Porque não me contou? ― perguntou ao som do segundo toque da campainha, o lembrando que não poderia evitar esse encontro que tanto evitou, da discussão que não queria ter.

 ― Vocês são amigos desde o ensino médio, ele te vê como um irmão.

 ― Eu sei, amor, mas não tem como eu contar isso para ele ― disse Arthur com a cabeça em direção ao chão, recusando-se encarar a sua frente.

 ― Acha certo mesmo deixar uma carta para ele?

 ― Você mexeu nos meus documentos?

 ― Ele largou a faculdade para servir com você.

 ― E por pouco não tive que enterrá-lo por isso ― ele respondeu com seu rosto tensionado em completa consternação.

A campainha tocou novamente, lembrando-o que não poderia escapar da visita. Ele foi seu melhor amigo desde a adolescência, o seguindo por todo o canto, tendo uma grande fé nele.

― Vou atender ― ela caminhou até a porta, deixando pra trás um Arthur que estendeu sua mão para impedi-la, mas logo a recuou em resignação.

 Ao abrir a porta, um homem de cabelos negros bem arrumados se destacava com seus olhos azuis marcantes, que vibraram ao ver a mulher diante de si, muito animado por finalmente o atenderem.

 ― Quanto tempo minha cunhada, trouxe um presente para você ― disse enquanto estendia uma das sacolas que carregava ― Um estoque de carnes vegetarianas, daquele açougue vegano que você adora.

 ― Oh! Obrigada David! Você é sempre um amor. ― Após dar um abraço em forma de cumprimento e agradecimento, direcionou o braço para sala, o convidando para entrar.

 David olhou ao redor até encarar Arthur no sofá, andando em sua direção: ―Art, seu corno sem amor, não responde minhas mensagens a meses, nem sequer para dizer que está vivo.

 Ao chegar em frente o sofá, enrugou a testa ao se deparar com a cena do seu pálido amigo, sentado de maneira que deixava claro a fragilidade do seu corpo, magro e de forma que ele jamais tinha visto.

 ― Cara, você parece péssimo.

 ― Obrigado, me sinto lisonjeado ― respondeu Arthur com olhar distante.

 ― O que você tem, trouxe até seus chocolates preferidos ― seus olhos azuis direcionados a sacola restante em sua mão.

 ― Relaxa, foi o tratamento que me deixou assim, logo devo me recuperar um pouco.

 ― Que droga de tratamento te deixa parecendo um defunto?

 ― Hahaha! Verdade. Por isso desisti dele, não estava me salvando de qualquer forma.

 ― Hã? ― O rosto de David se encheu de confusão, olhando para a mulher em busca de respostas, mas só recebeu um semblante triste de volta.

 ― A má notícia é que talvez eu não tenha nem um ano de vida ― Continuou Arthur, com um sorriso debochando de sua própria desgraça.

 Antes que os olhos azuis piscassem despertando do choque, a voz suave e doce, porém embargada, ressoou no ambiente: ― Vou guardar as carnes, os deixarei conversando.

 Rapidamente ela saiu dali, podendo aos poucos escutar soluços distantes vindo da cozinha.

  Finalmente piscando para acordar daquele estado que fazia parecer ter congelado no tempo, uma curvatura surgiu no canto dos seus lábios, não demorando para ele cair na gargalhada.

― Hahaha, você não presta, fazendo esse tipo de piada depois de desaparecer por tanto tempo.

― David, estou morrendo, de verdade ― disse o homem doente, com um tom de pesar, enquanto encarava as pupilas do amigo.

O semblante do visitante escureceu, tirando todo o brilho dos seus olhos azuis celeste, sua boca se abria mas palavras não saíam, mostrando como sua mente corria solta, sem conseguir engajar em uma linha de raciocínio coerente, era como se a morte tivesse tocado sua foice fria nele mesmo.

Arthur ficou calado diante da reação, já esperava algo do tipo, pois sabia o quanto era importante para ele por ter sido um alívio ao seu ambiente familiar hostil, principalmente após a morte da mãe do amigo.

Foi quando se aproximaram mais, começando a dividir sonhos e visões de mundo, criando um laço que não necessitava de sangue.

Quebrando o silêncio que foi instaurado no ambiente, a voz arranhada de David surgiu: ― E o tratamento, podemos encontrar um meio seja lá o que for.

― Mano, está espalhado por todo o meu corpo.

― Meu pai, conhece muita gente, com toda certeza posso encontrar um meio.

― Acreditar em uma cura, é o mesmo que acreditar em milagre.

― Se você não tentar, é óbvio que não vai achar, precisa acreditar! ― O corpo de David se inclinava em direção ao amigo, enquanto sua voz se intensificava.

― Desde quando acredita em milagre?

― Acredito na ciência, porra.

― Vai se foder cara, eu decido como vou morrer ― disse Arthur, perdendo a sobriedade em sua voz, a escalando no mesmo tom de seu amigo.

― EU QUERO QUE VIVA, PRECISO DE VOCÊ!

O semblante dos dois amoleceu ao final daquelas palavras, deixando um véu frio cobrindo o lugar, ao ponto que os soluços advindos da cozinha, sem tornaram ainda mais pesados, causando um ferida em ambos corações.

 ― Mano, me desculpa. ― O pálido homem já não conseguia esconder as barragens prestes a explodir em seus olhos.

Um semblante distante de David, impregnado com um tom mórbido que acompanhava seu silêncio sepulcral, logo foi aceso com uma chama intenso que começou a queimar em seus olhos, lembrando uma lamparina que resiste aos fortes ventos em uma tempestade.

― Acho que posso te salvar.

― Cara...

― É sério, confie em mim.

― O que eu mais fiz nessa vida foi confiar nas pessoas e olha onde essa confiança me levou. ― Enfatizou Arthur, enquanto encarava suas mãos com um suspiro cansado.

― Dessa vez sou eu, podemos alcançar até aqueles sonhos impossíveis.

― Do que está falando?

― Está atento sobre a guerra iminente?

― Estava vendo o noticiário agora a pouco.

― Os chineses e EUA, perderam controle das I.As.

A sobrancelha de Arthur levantou em confusão, deixando claro sua falta de compreensão: ― O que isso tem a ver com a guerra?

― Eles pretendem tirar o foco delas, aproveitando para destruir as do outro lado. ― Os olhos azuis, enrugaram junto com os sulcos do nariz, mostrando seu nojo.

― Ainda não entendi o que isso tem a ver com você.

― Eu convenci meu pai, a me dar fundos para minha pesquisa, até outros países se interessaram.

― Como conseguiu essa proeza? ― O homem doente sabia como a relação deles era difícil, pois o filho sempre discordou de seguir os passos políticos do pai.

― Se as máquinas evoluem, mostrei que também temos de evoluir.

― ?

― Tenho um projeto de evolução humana, “chave de Darwin”.

Arthur já sentia a tensão em suas costas o alertarem do estresse que sentia com todo esse assunto, saber que uma guerra entre potências mundiais estava logo a frente, e ainda essa loucura de ficção científica do seu amigo, o fez sentir que não poderia morrer em paz.

― Está me dizendo que me quer como cobaia?

― Quero mais que isso, te salvar e tornar o herói que sempre soube ser. ― A chama crescentes nos olhos de David, tomaram o seu auge, longe da tristeza anterior, mas recheado com esperança de um futuro dos sonhos que era vivo em seu semblante. O homem pálido engoliu em seco, sufocado com as pretensões utópicas do seu amigo, que tinha duas lamparinas queimando com vigor em seu rosto esperançoso, o fazendo não pode deixar de encarar a agora silenciosa cozinha, se recordando da sua esposa que tanto esperava um milagre.

Tinha medo do que fariam com seu corpo, mas agora não passava de uma figura decrépita esperando seu sono eterno, nada poderia ser pior do que a morte certa, pelo menos agora existia uma esperança real, além de prolongar seu tempo de leito, definhando em um hospital.

― Certo, me ajude.

 

 

 

 

 



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