Desertor do Caos Brasileira

Autor(a): Morrigan


Volume 1

Capítulo 17: O artista

 

 

 Daniel olhou ao redor, como se estivesse em busca de ouvidos curiosos, abaixou seu rosto próximo do seu sobrinho e falou baixinho para ele: ― Aquele bosta que você conheceu na favela, fiquei sabendo sobre.

 As cenas sangrentas da favela reverberaram pela mente do rapaz, fazendo sua cabeça pesar, o fazendo levar a mão na cabeça e quase tombou para o lado.

 Seu tio, notando o desequilíbrio do rapaz, o ajudou a se apoiar com um semblante fechado, claramente alimentado por preocupação.

 ― Você está bem?

 ― Sim, tudo bem. O que você fez com ele?

 Antes que o bardo pudesse responder, a porta da taberna foi aberta de forma bruta, revelando dezenas de homens com armaduras brilhantes, adoradas com um brasão de uma bigorna e um martelo no peito, fazendo menção a família Viribus que estava dentre as famílias do conselho de Elion.

 Eles começaram a afugentar todos que não lhe interessavam do lugar, deixando os clientes regulares passarem por eles sem obstrução, aquele que estava atrás do balcão servindo bebidas e se portava como dono do lugar, olhou para o músico no fundo dos seus olhos, como se buscasse uma resposta, ele só acenou levemente a cabeça, fazendo o homem também sair do lugar.

 Arthur pressionou seus dedos contra a mesa com ansiedade, acreditando que estavam atrás dele, prontos para levá-lo de volta para atrás das grades, em meio àquele turbilhão, olhou para seu tio, reparando em como virava a caneca de cerveja com satisfação, nem parecia ter tomado nota dos guerreiros no lugar.

 Um dos guerreiros usava uma armadura bem ajustada ao seu corpo, com um aço límpido que facilmente refletia a luz ambiente, colocou-se à frente do grupo, com uma carta em punho enrolada como um pergaminho, que rapidamente desenrolou para ler.

 ― Em nome da honrada casa Viribus, venho por meio desta…

 Daniel estava entornando bebida em sua boca, parecia imperturbável, até que bateu a caneca com força na mesa, interrompendo o discurso pomposo do homem, lançou um sorriso irônico para o mensageiro.

 ― Qual é, seus metidos à nobreza?! Porque não pulamos para os finalmentes.

 O guerreiro da casa Viribus, momentaneamente surpreso, ajustou sua postura e tentou prosseguir com a leitura da carta. Mas antes que pudesse continuar , uma caneca de cerveja voou até ele, mas rapidamente encontrou labaredas de fogo, um dos homens que o acompanhava soltou, a transformando em pó.

 Com sua leitura interrompida novamente, as mãos que antes seguravam com elegância a mensagem, agora tensionavam o papel quase a ponto de rasgá-lo, mostrando como sua paciência se tornará escassa.

 ― Acredito que as formalidades nos diferem dos animais e vagabundos. ― Seus olhos azuis apontados como facas para Daniel.

 ― Interessante, pensei que cachorro da nobreza, só latia quando o dono mandava ― respondeu o bardo enquanto caminhava em direção ao bar, pegando uma garrafa e enchendo um novo copo, com um largo sorriso no rosto.

 ― Acho que o título de herói do povo subiu a sua cabeça.

 ― Nah! Só não suporto os burgueses safados como você e os que servem. ― Seus olhos se encheram de êxtase após virar o copo, fechando-os enquanto lambia os lábios em degustação ― isso está incrível! Quer um copo antes de não poder mais?

 ― Hã?

 ― Sei que no fundo sabe como isso vai terminar, vou chutar essa sua bunda murcha, você vai correr e contar para o seu dono. ― O músico disse, enquanto levantava o copo como se estivesse brindando a todos ali, esbanjando confiança.

 A testa do mensageiro enrugou, tensionando claramente com raiva em seu semblante: ― Desgraçado arrogante!

 ― Não é arrogância, se for fato. ― Daniel esticou os braços e deu de ombros.

 ― Estou farto, o levarei a justiça pelo assassinato de um oficial da guarda e membro da família Viribus.

 ― Vocês podem tentar.

 Arthur observou o homem enrijecer no lugar, tremendo de raiva, acenando para os homens que devido ao pouco espaço do lugar, avançavam uniformes e ordenados.

 Seu olhar recaiu sobre o seu tio que balançava a cabeça com uma pequena curva em sua boca, ele bebia diretamente da garrafa, deixando claro seu deboche com a situação.

 O que estava à frente dos demais guerreiros, portava um grande escudo de ferro que estacionou com força no chão, próximo ao bar, enquanto o que vinha logo atrás lançou uma lança pesada de chamas em direção ao homem bebendo.

 A lança rasgava o ar, com o som das chamas que permaneciam queimando de forma mística, acompanhando o ruído mortal do metal no ar. A vitima daquele ataque, levantou uma de suas mãos de forma despreocupada, que tinha um véu negro profundo cobrindo sua palma.

 A ponta da lança finalmente alcançou sua mão, que atravessou sem deixar vestígios por ela, como se um buraco negro tivesse a engolido, mas, logo a ponta da arma surgiu por debaixo do guerreiro de escudo.

 Seus olhos se abriram em horror até suas pupilas ficarem pequenas como dois pontos pulsantes, mas antes que pudesse ter reação sua cabeça foi atravessada, e seu corpo foi posto em chamas, o fazendo cair sobre o escudo como um pedaço de madeira, criando uma fogueira humana no lugar.

 O lanceiro logo atrás estava de boca aberta com olhos arregalados que refletiam o seu horror, claramente incrédulo com a facilidade que seu ataque foi refletido em seu companheiro, mas apertando os dentes, recuperou sua arma e avançou como um trem desgovernado.

 ― Esse tipo nunca aprende. ― Daniel disse balançando a cabeça enquanto observava seu agressor avançar em uma fúria desenfreada. A lança incendiada, buscou a sua barriga, próximo ao seu centro de equilíbrio, todavia, rapidamente foi aparada com o dorso de sua mão livre do álcool.

 Ao ter sua arma mudando de direção de forma brusca, o homem que antes corria como um kamikaze para frente, perdeu o equilíbrio, e teve suas pernas raspadas do lugar o jogando ao ar, para logo em seguida o bardo chuta-lo nas costas, jogando-o contra o chão com tanta força que fez o chão rachar e estalos de ossos permear o lugar.

 Daniel manteve seu pé fixo no agressor, curvou o corpo e fez um gesto com as mãos, semelhante a um artista que agradece seus espectadores.

 ― Espero que tenham gostado do primeiro ato ― disse o homem que não derramou uma gota de sua bebida, piscando para Sebastian e Arthur, que permaneceram sentados na mesa desde que o conflito se iniciou.

 O rapaz não pode deixar de coçar a cabeça, com um sorriso constrangido, sabia que seu tio tinha uma personalidade única. O lobo velho, por outro lado, mantinha o alaúde em segurança em seu colo, com um olhar afiado direcionado ao Umbra que se divertia como se estivesse em um picadeiro.

 Os enviados pela família Viribus, estavam congelados no lugar, com os músculos de suas faces se contraindo, e mãos apertando com força suas armas, mostrando sua revolta a aquela atitude debochada do seu alvo, que os tratava como personagens de sua peça.

 Finalmente, a voz intensa do mensageiro reverberou pelo ambiente, se tornando uma força motriz para tirar o estado de inércia do lugar.

 ― O que estão esperando, assumam suas posições e avancem.

 Dentre os despertados pelas palavras, o que carregava uma grande espada de duas mãos, foi o primeiro a impulsionar seu corpo para frente em direção ao bardo que mantinha a pose anterior.

 Ele permaneceu diante do avanço do espadachim com um sorriso desafiador. O ambiente tenso da taberna tornou-se uma arena improvisada. Movimentou-se com uma graça peculiar, desviando habilmente dos golpes do guerreiro, enquanto suas palavras fluíam com uma mistura de humor e destemor.

 ― Acho que não te ensinaram a dançar na escola de nobres? ― provocou Daniel, deslizando para o lado e evitando um golpe que teria fatiado um oponente menos ágil.

 O guerreiro, em resposta, investia com ferocidade, mas o bardo desviava com uma agilidade que parecia desafiar as leis da física. A espada rasgou o ar em direção às pernas dele, que em um momento de ousadia, saltou sobre uma mesa vazia, executando um mortal para trás, que deixou o adversário momentaneamente desconcertado por nem mesmo o ver perder sua garrafa.

  O musicista, enquanto balançava sua mão livre, pedindo tempo, virou o resto da garrafa e a jogou para o lado, e dirigiu-se ao guerreiro com um tom teatral: ― Acho que preciso dar o clímax para minha audiência. Talvez você prefira um final mais dramático?

 Antes que o guerreiro pudesse reagir, ele desencadeou um chute rápido, culminando em um golpe preciso que desarmou seu oponente. O agora humilhado diante de todos, recuou, e a taberna ficou envolta em silêncio momentâneo.

 Daniel, sem perder o tom irônico, voltou-se para a família Viribus.

 ― Alguém mais quer tentar a sorte ou já podemos terminar nossa noite?

 Os enviados, ainda processando a reviravolta, trocaram olhares indecisos, enquanto o artista desta improvável performance, aguardava sua próxima “cena”.

 ― Entendo, vamos encerrar a noite. ― Daniel então foi sugado por sua própria sombra, e ressurgindo atrás do reluzente mensageiro, que mal teve tempo de reagir, pois logo teve sua bunda chutada com força, o jogando ao chão de quatro. ― hmm, essa posição dá dinheiro.

 Ignorando todos os homens de armadura ao seu redor, o bardo se abaixou próximo ao homem que foi retirado sua dignidade, e disse próximo ao seu ouvido.

 ― Eu te avisei, agora, vai enviar uma mensagem ao seu dono.

 ― Seu verme insolente, isso não vai ficar... ― Antes que pudesse terminar de destilar sua fúria, o mensageiro teve sua boca tampada, por aquele que o colocou naquela posição.

 ― Arthur será o principal representante dos Umbras no torneio dos reinos, se ele perder, tanto eu como ele, seremos exilados. ― Aquele ar descontraído sumiu do semblante do músico, que colocou seus olhos vidrados nos do mensageiro, deixando claro o tom do aviso ― É pegar ou... Bem, não vão querer outra opção.

 Ele endireitou a postura sem esperar a resposta, afundou em sua sombra, aparecendo atrás do seu sobrinho, e com uma face longe da cheia de zombaria anteriormente, falou em alto e bom tom.

 ― Façam uma boa viagem, e não esqueçam minha mensagem.

Após deixar suas últimas palavras, abriu os braços convocando suas sombras, tornando elas na forma de uma cortina, em frente a ele e seus companheiros, logo, fazendo um movimento com os dedos, ela se fechou até cair no chão, sem deixar rastro dos indivíduos por trás dela.

(...)

 Saindo daquela familiar penumbra, Arthur viu a luz do luar iluminar a sua visão, mostrando o ambiente onde se encontrava, cercado por cavalos e o cheiro pútrido de suas fezes infestam suas narinas.

Perscrutando as sombras dançantes entre os estábulos vizinhos. O cheiro de feno e cavalos impregnava o ar, mesclado ao aroma adocicado da madeira envelhecida das estruturas.

Frente às portas de madeira do lugar, uma carruagem estava estacionada, já com um cocheiro de prontidão, era o mesmo homem que estava cuidando do bar.

 Seu tio logo pulou para dentro do veículo sem pestanejar, com o mordomo indo calmamente o acompanhar, impulsionando o rapaz a seguir o exemplo, mesmo cheio de questionamentos em sua mente.

 Ele sabia muito bem sobre como o torneio dos reinos que aconteceria daqui a um ano funcionava, principalmente por ser um palco para os lutadores que procuravam se destacar e ganhar reconhecimento em suas famílias.

 Era um momento que os três reinos usavam para se reunir, estreitar suas relações, mas também para exaltar seus prodígios talentosos no combate.

Já sentado ao lado do seu familiar, suas mãos não paravam de se mexer em ansiedade, até que não suportou se manter em silêncio: ― Tio, sobre o torneio e a família Viribus, eu...

 ― Relaxa meu garoto, em casa irei explicar tudo ― disse enquanto acenava para o cocheiro, que fez um gesto de empurrar com as mãos, criando uma ventania para abrir as portas do estábulo.

Enquanto as portas do estábulo se abriam com um rangido metálico, revelando a noite estrelada lá fora, Arthur percebeu que aquele ambiente simples escondia a grandiosidade e os desafios que viriam. A escuridão das sombras projetadas pelas lanternas parecia ecoar a incerteza que pairava sobre seu destino.

As lanternas penduradas emitiam uma luz suave, criando padrões intrigantes de sombras nas paredes. O tio, agora meio adormecido, murmurou algo sobre a textura áspera do banco da carruagem.

― Por hora, de volta a Shakil! ― entonou Daniel com um forte bafo de bebida, antes de cair no colo do rapaz e começar a roncar alto.

 


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