Desertor do Caos Brasileira

Autor(a): Morrigan


Volume 1

Capítulo 12: Entre a Dor e o Sonho

 

 

Um homem imponente se postava à entrada da cela, a chave da prisão girando casualmente em seus dedos calejados. Era o mesmo brutamontes que havia levado um soco do guarda no outro dia. Seu olhar lascivo e sujo, revelava suas intenções, fazendo Arthur estremecer.

― Olá, bonitinho ― o homem se desencostou da grade com um sorriso malicioso. ― Pronto para uma noite inesquecível?

Arthur engoliu em seco, tentando processar a situação. Por que aquele homem estava ali? E por que tinha a chave de sua cela? A compreensão atingiu Arthur como um raio. Um dos guardas deve ter enviado aquele homem.

― O que você quer? Quem te enviou? ― Arthur perguntou, tentando manter a voz firme.

― Calma, rapaz. Só quero um pouco de diversão ― o olhar do homem percorreu o corpo de Arthur, fazendo-o se sentir exposto.

O homem então se virou para trancar a cela, enviando uma mensagem clara para Arthur. Ele ficou paralisado por um momento, mas logo sua mente começou a trabalhar rapidamente. Ele sabia que não podia ficar parado.

Com um movimento rápido, Arthur se levantou e chutou o joelho do homem, fazendo-o cambalear e derrubar a chave. Aproveitando a distração, Arthur desferiu um soco rápido na têmpora do homem.

Para sua surpresa, o homem mau vacilou. Com um rosnado de irritação, ele agarrou o pulso de Arthur e o empurrou com força contra o chão frio da cela. O peso do homem pressionava contra ele, deixando Arthur sem fôlego e lutando para se libertar.

Desgarrou um dos seus pés da prisão do homem, direcionando um forte chute as suas partes íntimas, o fazendo uivar de dor, aproveitando a abertura, empurrou o homem de lado e mesmo cansado da briga corporal, se colocou em quatro apoios para rastejar longe dali, foi quando sentiu uma pontada que fez um calor surgir da lateral do seu estômago.

― Filho da puta, vou fazer com você, o mesmo que fiz com a piranha que me colocou aqui ― falou o homem com um caco de vidro sujo de sangue em uma das suas mãos, que o rapaz nem sequer imaginou que o homem teria escondido em seu macacão de prisioneiro.

A dor lancinante na lateral do estômago de Arthur o fazia fraquejar, fazendo-o perder suas forças e se sentir incapaz, foi quando sentiu o ar quente encostar em suas orelhas e a voz do homem soar.

― O tenente mandou um oi para o bastardo ― disse enquanto arrumava as calças de Arthur e as suas. ― Tenho que te agradecer, além de ganhar uma puta, ganhei uma diminuição de pena.

O rapaz ao sentir que iria ser violado, tentava com todas suas forças se levantar, tentando ignorar a dor que permeia todo o seu corpo e o fazia se sentir incapaz, trazendo lágrimas que misturavam sua dor presente e a sensação de um destino inevitável que o mancharia para sempre.

Tentou circular sua energia primordial pelo corpo, sentindo o bloqueio no bracelete que o jogava para uma situação sem salvação, pois se tentasse forçar a passagem de sua energia, provavelmente causaria sua morte, mas dada a sua situação, ele não sabia qual realidade era pior.

― Que viadagem é essa na minha cela?

O corvo surgiu na porta da cela, com um olhar recheado de repulsa, deixando claro como a cena à sua frente o enjoava.

― Vou te dar três segundos para puxar suas calças e tirar sua cara nojenta daqui.

― Não fode, desgraçado, vaza daqui ― o homem sobre o rapaz, não mostrou intenções de obedecer, com um olhar que denota sua sensação de poder naquela situação.

― Um!

― Tá de sacanagem? Foi um oficial que me mandou aqui.

― Dois!

― A puta é minha, deram a mim.

― Três!

― Vai fazer o que?

Zing! zim!

Quase como resposta, o corvo se moveu com uma velocidade assustadora, chegando frente ao abusador que só teve a reação de esbugalhar seus olhos com espanto e ter seu rosto deformado com o impacto do soco brutal do corvo que o jogou contra a parede e derrubou o balde de excrementos em seu corpo.

Apesar do forte impacto, o homem demonstrou uma ótima resistência, tendo um olhar raivoso enquanto levava uma das mãos no nariz quebrado.

― Desgraçado, vou fazer vocês dois de minhas putas, depois matá-los e usá-los até seus corpos esfriarem ― a voz odiosa do detento era uma clara alegoria do diabo encarnado, que se levantava com raiva no olhar.

O corvo observou o vidro no chão e, quando o brutamontes se levantou partindo para cima dele, com uma agilidade surreal, pegou o caco no chão, moveu-se para as costas do detento que novamente ficou espantado com a velocidade, mas não teve respostas para o golpe que atingiu a sua jugular, tudo que pôde fazer foi soltar suas últimas palavras com um olhar incrédulo.

― Como pode usar sua ener... ― antes que pudesse finalizar, levou um segundo golpe na altura do coração que retirou suas forças finais.

― Fala demais para quem só serviu para sujar o chão ― o corvo não mostrava nenhum resquício de sentimentos com suas palavras.

Arthur tinha observado toda a luta no chão, seu corpo já mostrava intenção de apagar, ele não entendia ao certo porque aquele homem o tinha salvo, mas era extremamente grato pelo ato, mesmo que tivesse sido por mero capricho, e assim sua mente nublou apagando-o.

Seu mundo dos sonhos estava ali novamente, um universo estranho que se dividia em duas partes opostas, onde uma grande metrópole estava de um lado e um ambiente catastrófico dominado pela destruição, do outro.

O rapaz se encontrava na exata divisa dos dois mundos, mas logo notou sua própria figura sentada naquela mesma cadeira, onde o reconheceu da última vez. Parecia estar tomando um chá, enquanto encarava-o e, com uma das mãos, fazia gestos para ele se aproximar.

Quando ele alcançou a mesma cadeira que se sentou da última vez que esteve nessa realidade estranha, escutou sua própria voz mais velha falar.

― Parece que tivemos mais contratempos, hein?! ― o homem mais velho falava enquanto tomava aquele chá, deixando Arthur intrigado se ele sentia algo naquele mundo, ou só era pose.

― Minha vida quase acabou.

 ― Novamente? ― com um olhar  irônico e repleto de escárnio, foi a personificação da indiferença, saboreando mais um gole do seu chá com uma tranquilidade desconcertante.  

― Você não poderia fazer algo?

― Quem sabe, talvez pudéssemos ter dado cabo dele ― continuou a sua versão mais velha.

― Quer dizer que poderia ter me ajudado e não fez nada?

― Acho que esquece que eu sou você, sou só uma imagem residual de si, que vai aparecer no momento propício e reviver suas memórias.

― E o que faltou para isso?

― Te faltou ódio ― respondeu enquanto descansava a xícara de chá e mostrava um estranho olhar despreocupado.

― Ódio?

― Porque não desejou que pudesse matar ele?

― O que? ― Arthur ficou confuso com a pergunta repentina.

― Achou melhor morrer do que matar, mas se sentiu grato quando o viu morrer.

― O que está falando, eu fui salvo, como deveria me sentir?

― Você coloca o julgamento alheio à frente de si, tem medo de como aqueles que ama, vão achar de você ― o olhar de julgamento daquela versão de si mesmo, penetrava de forma profunda em seus olhos.― Um bastardo adotado, sem pai e com uma mãe que só o aceitou por pena, pobre rapaz, a vergonha da família.

Arthur sentiu seu sangue ferver, aquelas palavras pareciam adagas precisas, que tentava fugir com todas as forças. Como resposta, se levantou com irritação e lançou-se em direção a sua imagem distorcida, com suas mãos em direção ao seu pescoço.

― Muito bom, mas... ― com um dedo apontado para o chão, lançando Arthur contra a superfície  antes que pudesse reagir, um forte redemoinho surge, aparentemente do nada.

― Esse ódio é bom, pena que é contra si mesmo ― continuou a versão mais velha, com um olhar que Arthur não sabia dizer se era desprezo ou pena. ― Desapareça daqui e retorne quando tiver a coragem necessária para se aceitar como realmente é.

Com um estalar de dedos, o mundo dos sonhos desapareceu para Arthur. Após alguns instantes, uma dor lancinante começou a se espalhar por todo seu corpo, fazendo-o lembrar da ferida. Ele abriu os olhos lentamente, sendo recebido pela fraca luminosidade que permeava a sombria cela em que se encontrava, incomodando seus olhos cansados, forçando-o a fechá-los... 

Estava deitado em uma cama dura e desconfortável. Seu corpo estava coberto de suor frio e suas roupas estavam grudadas em sua pele. Ele podia sentir a dor latejante vindo do lado de seu estômago, onde uma atadura grossa estava enrolada firmemente.

Ele abriu os olhos lentamente, piscando contra a luz fraca que se infiltrava através das barras da cela. O ar estava frio e úmido, o cheiro de mofo e sujeira enchiam suas narinas. Ele sentiu dificuldade para se levantar, apoiando-se no cotovelo enquanto levava a mão livre ao curativo em seu estômago.

A dor era intensa, mas Arthur sabia que já tinha sido pior. Os eventos da luta ressurgiram em sua mente, a figura imponente do homem que o atacara, e a imagem salvadora do Corvo. Ele reviveu o medo que havia sentido, a sensação de impotência e desespero que o consumira.

Seu corpo parecia pesado e cansado, tudo o que ele queria fazer era fechar os olhos e dormir. Com um suspiro cansado, Arthur reuniu suas forças para se erguer e sentar-se. Ele balançou um pouco, fazendo um choque percorrer seu corpo, sua mão indo automaticamente para o curativo em seu estômago. Ele podia sentir o sangue quente e pegajoso sob seus dedos.

― Tem sorte de estar vivo, moleque ― o corvo estava confortável em sua cela, com outro livro em suas mãos, lendo de forma tranquila.

― O que aconteceu? Quem cuidou de mim? ― Arthur falava com dificuldade.

― Os guardas te levaram para enfermaria quando chegaram aqui.

Arthur ficou confuso com aquela informação, o venderam anteriormente e agora o salvaram, qual era o sentido disso, ele não conseguia entender direito. O corvo parecendo ler a mente do rapaz continuou.

 ― Eles não podem fazer parte da sua morte, se é que me entende.

O rapaz não tinha forças para raciocinar adequadamente, mas sentia que aquela história estava longe de acabar, logo percebeu que entrelaçou aquele homem nos seus problemas também.

― Obrigado por me salvar.

O homem fechou seu livro e, com uma voz baixa falou: ― Fiz por capricho, ele estava no meu território.

― Obrigado mesmo assim, é diferente do que imaginava de um corvo, meu tio parecia odiar vocês.

― Oh, nem todos entendem que nossa luta, devemos cortar o mal que tenta ditar nossas vidas ― o corvo falava como se estivesse recitando um anúncio que com frequência entoava. ― Você poderia ajudar a nossa causa e libertar quem mais precisa.

O rapaz ficou sem saber como responder, estava grato com o homem, mas não queria ser atrelado a um grupo considerado terrorista.

― Ainda acha que as tais autoridades são tão confiáveis assim?

― Quem sabe o que nos reserva no futuro ― respondeu Arthur, não querendo parecer ingrato com o homem que o salvou. ― Mas e você, como fica nessa situação?

― Veremos, a noite será uma criança.

― O que quer dizer? ― perguntou com inocência o rapaz.

― Acha mesmo que vai sair dessa assim? Bem, eu tenho um cara aqui dentro, mas parece que ele não gostou muito do que fiz.

Arthur estava cansado demais e a ideia que logo teria mais um inferno para resistir o fez pensar, deveria estar pagando algum pecado que aquela sua imagem do passado tinha feito contra os deuses e agora o estava punindo.

Sentado em silêncio, por um momento, perdido em seus próprios pensamentos. Uma pergunta não dita entre eles apareceu na mente dele, havia um convite para compartilhar mais do que apenas a situação atual.

Arthur engoliu em seco, sentindo a dor latejante em seu estômago diminuir um pouco e decidiu se apresentar.

― Ainda não me apresentei, meu nome é Arthur e o seu?

― Em outras ocasiões só diria que sou o corvo, mas quem sabe pode virar meu aprendiz ― respondeu o homem com um sorriso no rosto. ―  Meu nome é Arbus.

 


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Chegamos ao final deste capítulo emocionante! Espero que tenha desfrutado desta jornada tanto quanto eu. Se você gostou do que leu ou se tiver alguma sugestão para melhorar a história, por favor, compartilhe seus pensamentos nos comentários abaixo. Seus feedbacks são fundamentais para me ajudar a criar uma narrativa mais envolvente e personagens memoráveis.

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