Volume 1

Capitulo 2: Despertar (II)

— Estão atrasados — ele falou. 

— Wally demorou pra se trocar. 

— Wally? Ou você que estava tentando fugir de suas obrigações?   

      Gal desviou seu tenso olhar para outro canto da arena, Gaius se aproximou lentamente e colocou uma mão no cabelo de Gal. 

— Você ou o Wally? 

      Observei calado enquanto ele começava a apertar o cabelo de Gal aos poucos, até que Galileu desistiu, amoleceu seu corpo e se ajeitou em direção de Gaius. 

— Sim... eu que demorei para chama-lo. 

      Gaius deu uma boa puxada no cabelo de Gal por um momento e rapidamente o soltou. Gal observando o solo da arena estava em silêncio esperando uma repreensão, porém, Gaius apenas passou sua mão sobre a cabeça de Gal, acariciando seu curto cabelo ondulado. 

— Você vai treinar o dobro do Wally hoje — Gaius falou sorridente. 

— O que?! Mas por que?! 

      Gaius surpreendeu a nós dois. Eu estava tão confuso quanto Gal, mas com esse ambiente leve e engraçado, acabei deixando escapar uma leve risada. 

— Achou engraçado? — Gal me perguntou.  

      Minhas risadas aumentaram assim que me confrontou, tentei esconder, mas não consegui e antes mesmo que eu pudesse responder, Gal virou para Gaius e disse: 

— Deixe-nos fazer o primeiro treino de combate amanhã; por favor. 

      Ele pediu com muita vontade, inclinou-se um pouco para frente, fechou os olhos com força e até utilizou suas mãos em forma de prece. 

— Hum... amanhã não é... certo; acho que chegou a hora. 

      Gal ajeitou seu corpo mais uma vez e se virou para mim rindo e esfregando suas mãos, não cheirava coisa boa, obviamente ele tinha acabado de planejar algo. 

— Amanhã correto? Melhor começar a se preparar Gal — provoquei com um sorriso no rosto.  

      Comecei a me alongar preparando para correr. Virei meu pescoço em direção a Gaius com um grande sorriso no rosto e perguntei: 

— Quantas serão hoje? 

      Gaius abriu um sorriso de orelha a orelha, colocou a mão em seu queixo, inclinou a cabeça um pouco para cima e sorriu mais ainda. 

— Hoje vão ser quinze voltas na arena, cento e cinquenta flexões, cem agachamentos, cem socos e cinquenta chutes. 

      Sorri para Gal e em seguida comecei a correr. Gal desatento veio logo em seguida. Todo aquele momento era sempre doloroso, odioso e tenebroso, mas... apenas fisicamente.  

      Quando estávamos reunidos o mundo parecia mais leve, o tempo passava mais rápido, tudo que era ruim... se tornava bom. Quando menos percebi já estava escurecendo e como em todas as outras ocasiões, nós não conseguimos bater a meta de Gaius. embora hoje tenha sido nosso dia mais próximo.  

      Estava exausto, largado no chão ao lado de Gal e encarando o teto prestes a fechar meus olhos. Eu me sentia leve, pleno, confortável. Com meus olhos fechados uma luz branca ofuscante eu presencie. Já abertos, eu estava rente ao teto, porém, ele parecia meio... próximo demais. 

      Tentei me levantar... mas eu não sentia o chão. Virei-me espantado e rapidamente, e o que eu via... foi uma sombra. Mas dessa vez; a sombra era eu. Eu estava a cima, observando a mim mesmo deitado ao lado de meu melhor amigo de olhos fechados com braços e pernas esticados.  

      Um sentimento errante me tomou por completo. Os olhos do meu corpo, antes fechados, agora se abriram; eles estavam brilhando em amarelo, brilho esse que iluminou toda a arena.  

      Minha boca não parava de se mexer, pronunciando palavras que eu não entendia cada vez mais rápido, e então, os olhos ofuscantes de uma só vez, diminuíram sua força. Lentamente se viraram em minha direção, e como um ataque repentino brilharam ferozmente outra vez.  

      O amarelo machucava meus olhos, não conseguia os manter abertos. O som foi muito pior, aquelas palavras estavam destruindo minha cabeça, elas eram suaves, mas eram diversas e a cada segundo pareciam aumentar. Entretanto mesmo com a dor e a escuridão apossando minha visão, a última imagem permaneceu nítida em minha mente; a imagem de mim mesmo... acenando.  

      Meus olhos enxergavam luz e concreto, meus ouvidos ouviam gramas e cavalos, meu olfato fareja ceda e suor. Levantei meu campo de visão e observei ao meu redor, eu estava fora do castelo.  

      O caminho era familiar parecia ser a estrada para casa, mas ela parecia diferente, estava relativamente menor. Foi quando eu percebi finalmente, meus pés não encostavam o chão, e o motivo, era porque eu estava sendo carregado nas costas de Gaius.  

      O pai de Galileu é muito maior que o meu, sua altura de quase um metro e noventa fez o chão parecer distante. Eu ainda me sentia cansado, mal conseguia mexer meus membros, eu aconcheguei minha cabeça e repentinamente cai no sono novamente. 

      Minha pele estava de encontro com um conforto incrível: uma maciez e um aroma mais que relaxante. Definitivamente essa é a minha cama. Abri meus olhos e me surpreendi, estava realmente em casa.  

      Mesmo quase sem luz consegui reconhecer meu quarto, uma estante de madeira com outras flores, um pequeno bloco de madeira refinado onde eu me sentava e meu caderno com anotações ainda em cima da escrivaninha.  

      Eu estava a escutar algumas vozes, elas estavam abafadas e distantes, em pouco tempo consegui perceber que estavam vindo do outro lado da porta. Olhando para a minha janela não enxerguei nenhum resquício de luz pelas frestas. Eu me encontrava com receio, tinha medo que meus pais me descobrissem acordado tão tarde, entretanto, minha curiosidade gritava mais alto.  

      Levantei cuidadosamente e comecei a caminhar em sua direção, agachando-me espiei pela pequena fresta na porta semiaberta. Daquele lado estavam minha mãe, meu pai e Gaius. Eles estavam conversando, meu pai parecia irritado, meu treinador preocupado e minha mãe estava... chorando! Ela derramava muitas lágrimas sem parar. 

 — Por que?!... Será que fiz algo de errado?!  

      Meus pensamentos foram diversos, não conseguia em pensar nada de positivo através daquela cena. Eu me levantei e me encostei um pouco na porta e coloquei meu ouvido encostado na madeira da porta. 

      Agora eu conseguia escutar o que eles diziam, ou foi o que eu esperava. Ouvir o som do choro de minha mãe me preocupava ainda mais, não conseguia focar em outra coisa. Mas aos poucos ela foi se acalmando e então, consegui ouvir o que eles diziam. 

— Will, já se passaram dezesseis anos e nada mudou no seu filho, eu sinto muito, mas... eu não consegui traze-lo... me desculpe! 

      Gaius bateu seu punho fechado na mesa enquanto meu pai socava alguma coisa e repetia consecutivamente a palavra; não. Meu pai em negação consecutiva era a única coisa que eu conseguia escutar agora. 

      Eu aproximei mais ainda meu ouvido na tentativa de ouvir o que Gaius ainda estava tentando dizer, como consequência eu empurrei a porta forte demais, e como era de se esperar, ela rangeu.  

      Escutei uma das cadeiras se movendo, com medo, sai o mais rápido e silencioso possível, jogando-me na cama eu me virei, deitei e fechei meus olhos. Em seguida a porta se abriu. O barulho lento do rangido daquela porta pareciam uma eternidade, meu corpo suava frio enquanto alguém se aproximava de mim. A pessoa se agachou bem perto e acariciou meu cabelo, em seguida se levantou e saiu de meu quarto.  

      Fiquei aliviado, não só por não ter sido descoberto, mas também por não ver nenhuma luz branca ou qualquer silhueta de uma sombra. Eu ainda estava cansado, meu corpo clamava por uma ótima noite de descanso, pois bem, não demorei a cair no sono mais uma vez.  

      Os galos cantaram novamente. Logo, eu me levantei. Era um novo dia, dia esse que começou estranho; não lembro de nenhum sonho ou pesadelo, mas ainda lembro cada palavra que ouvi ontem... Eu sou um fracasso! Decepcionei meu mestre, meu pai e fiz minha mãe chorar. Por mais que isso machuque e eu queira chorar, isso não aliviará dor alguma, o que eu posso fazer agora é colocar um sorriso no rosto e me esforçar em dobro.  

— Melhor eu ir andando.  

      Caminhei até a porta e a abri. Uma boa surpresa eu encontrei dessa vez, minha mãe estava hoje na cozinha, e o melhor, cantarolando. Virou-se para trás e colocou na mesa um prato: pão com carne acompanhado de um copo de leite. 

— Acordou cedo Wal — ela falou sorrindo depois de se sentar em uma cadeira. 

      Eu me aproximei da cadeira a minha frente e sentei observando seus lindos olhos negros. 

— Senti falta do seu café mãe. Vocês já comeram? — pergunto já mastigando.  

      Ela esboçou aquele seu doce sorriso, olhou para a cadeira de meu pai e em seguida voltou seu olhar em minha direção. 

— Seu pai pulou o café de hoje, mas não se preocupe, esse eu fiz só pra você. 

      Ela se levantou e foi em direção as flores do balcão, cheirando uma por uma, voltou a cantarolar sua música favorita. Eu estava aliviado, ela parecia bem. Degustei de minha refeição enquanto aproveitava a atração exclusiva. Ela cantou cheia de alegria, limpou cheia de alegria, sorriu cheia de alegria... aquela velha alegria que ela sempre soube fingir muito bem. 

      Minha cabeça ainda estava presa a noite de ontem, muito mais acorrentada do que ela geralmente ficava com aquela maldita sombra. Mas eu tinha algo para fazer, tinha um treino para realizar e uma batalha para ganhar, e um dia... a tirar desse lugar. 

      Levantei de minha cadeira e fui de encontro com minha mãe com um grande e longo abraço.  

— Tenha um ótimo dia, Wal. 

      Levanto a cabeça e abri um enorme sorriso. 

— Hoje será meu primeiro combate contra o Gal e eu prometo que vou vencer mãe. 

— Sim Wal, eu sei que vai meu pequeno grande homem.  

Soltei-a e me direcionei até a porta. 

— Volte logo, Wal. 

— Eu já volto. 

      Abri a porta cheio de energia. Do lado de fora não via Gal, ele sempre me esperava todos os dias, deve estar muito ansioso para o primeiro treinamento de combate na arena.  

      Iniciei meu percurso até o castelo, caminho e caminho, a estrada é a mesma, o caminho é o mesmo, até mesmo as pessoas tão felizes; estão felizes como sempre.  

— Por que eu não sou como eles? Por que é tão difícil?  

      Apenas isso é o que predominou em minha mente perante a estrada, talvez certas coisas... não possam ser mudadas.  

      Entrando no castelo, percebi uma Carruagem Real parada do lado de dentro dos muros, observei bandeiras amarradas nas pontas do teto da Carruagem, o símbolo é um grande círculo com uma aparência de pequenos degraus que se encaixam em volta de um grande dragão, dragão esse atravessado por duas gigantes espadas, uma em destaque no símbolo e a outra um tanto esboçada pela metade, o dragão estava pisando em um pequeno escudo. 

      Aparentava ser o símbolo do reino Eques Dracaries. Mas existia apenas uma carruagem, não havia outras escoltando do outro lado. Dracaries sendo um reino militar, não é fraco, nem muito menos pequeno; talvez eles não queiram ser vistos, de qualquer forma, isso não tem nada a ver comigo.  

      Eu segui em direção a arena estralando todas as partes do meu corpo. Aquecendo-me aos poucos eu fui descendo os longos degraus até a arena, passando por toda aquela marca de arcania finalmente, eu cheguei na arena. Gal estava alongando enquanto Gaius o observava apoiado na parede próximo à entrada. 

— Finalmente você chegou Wally — Gal falou se levantando. 

— Comece seu alongamento Wally. 

— Tudo bem. 

      Por nervosismo não neguei o pedido de Gaius e me alonguei mais uma vez. Essa é uma chance única, caso eu consiga vencer de Gal talvez facilite minha entrada no exército, sim, é uma chance de ouro. No final do meu alongamento percebi muitos passos acelerados no andar de cima, Gaius estava quieto e Gal realizando vários socos no ar, os dois não pareciam se importar, então, terminei meu alongamento. 

— Estou pronto! 

      Gaius saiu de seu apoio e começou a caminhar em direção ao meio até parar entre nós dois. Em sincronia Gal e eu levantamos nossas guardas, Gaius se afastou aos poucos com seu braço esquerdo levantado para cima, quando chegou a pouco mais de alguns metros de distância, eu escutei sussurros extremamente baixos eles estavam quase impossíveis de se escutar, mas eu consegui compreender uma única palavra antes de Gaius descer seu braço: accelerate.



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