Volume 1

Capitulo 2: Despertar

No dia anterior 

Wally 

 

      Eu havia adormecido. Preso em um sonho tão vivido que não sabia dizer se realmente não era real, eu via minha mãe sorrindo, meu pai sorrindo... eu sorrindo. Todos estavam felizes e em paz. Porém, eu sentia, eu sabia; eu entendia. Tudo aquilo era apenas uma paz passageira.  

      Através de um simples estalar de dedos, tudo sumiu. Somente existia o completo nada, um branco totalmente ofuscante, não importava para onde olhasse, apenas havia luz. Exceto por apenas uma coisa, uma sombra de um homem alto no horizonte distante, totalmente imóvel.  

      De uma forma que nunca consegui explicar, eu sempre me sentia atraído por essa direção, então seguia. Caminhava e caminhava, mas o horizonte não se aproximava, eu tentava e tentava de novo, e ele não se aproximava.  

      Quando finalmente parei e raciocinei um pouco, já estava de joelhos e deveras exausto. Para mim eu mal havia caminhado, como podia estar tão cansado? Por mais que fizesse repetidamente a mesma pergunta, a resposta não clareava em minha cabeça. 

      Levantei aos poucos ainda sem ar, com meus olhos fechados eu subi minha cabeça e os abri. O Homem estava acenando para mim, eu pisquei, ele se aproximou. Mais um piscar de olhos, e o encontrei ainda mais próximo, acenando sem parar. Em minha terceira piscada, ele ficou parado novamente, idêntico a alguns segundos atrás, em pé, reto e com seus braços grudados ao seu corpo.  

      Observando o homem sombra escutei uma risada, longa e ensurdecedora dentro da minha cabeça. Minha reação foi instantânea, outra vez a escuridão tomou meus olhos. Quando foram levantados, a sombra estava do meu lado, ombro a ombro.  

— Eu não quero olhar!   

      Meus olhos seguiram meu pensamento, então outra vez, eles se fecharam. Eu conseguia sentir meu pescoço virando a direita lentamente, já não possuía mais qualquer controle de meus movimentos, meu pescoço continuou em direção a sombra até que ele parou.  

      Agora havia algo diferente, agora em meus olhos. Diferentemente do pescoço os olhos não abriram lentamente, mas sim quase de imediato, como uma tampa removida pela pressão do ar.  

      A sombra estava ali! Sorrindo com dentes afiados que circulavam do lugar onde deveria ser sua boca, passando pela testa e voltando a sua origem em forma de um grande círculo. Encarando a sombra bizarra destacada por essa branquidão, somente uma coisa veio a minha mente... eu queria poder ser feliz como ele. 

       Acordei, suando frio e tremendo de baixo de um simples cobertor. Olhei a minha volta, parecia ter amanhecido, os galos se encontravam cantando mais uma vez aquele velho canto irritante.  

      Na pequena escrivaninha ao lado de minha cama, encontrei meu caderno de estudos aberto ao lado de um copo. Estiquei meu braço e passei minha mão a cima de sua superfície, senti um grande calor vindo de um provável leite quente, ele não foi deixado aqui a muito tempo.  

— Mas ainda nem amanheceu completamente, fizeram leite quente de madrugada?  

      A janela de madeira estava fechada, conseguia ver alguns resquícios de luz passando por suas bordas, abrindo-a, encontrei-me com um grande e belo jardim. Diversos tipos de flores de todas as cores que conhecia e as que ainda pretendia conhecer, minha mãe cuidou e observou esse jardim todos os dias; sem nenhuma falta. 

      Com uma sensação de fadiga levantei de minha cama, caminhei sobre o concreto até a porta e a abri. Um grande barulho de rangido aconteceu, do outro lado, não havia ninguém.  

      Minha mãe sempre ficava me esperando na cozinha enquanto meu pai terminava seu café. Pelo jeito os únicos hoje seguindo a rotina habitual, foram apenas eu e os galos. Sem os dois em casa, aquela sensação que parecia fadiga de repente mudou, mas eu não entendia o que era. Pois bem, continuei meu percurso em direção ao banheiro, eu precisava me arrumar depressa.  

      O banheiro parecia muito limpo, quase impecável, minha mãe aparentava o ter limpado ainda muito cedo. Mesmo para um banheiro até que pequeno, precisaria de muita energia para essa tarefa noturna, talvez recebêssemos uma visita hoje.  

      Olhei-me naquele pequeno espelho e comecei a amarrar meu cabelo. Embora seu próprio cabelo seja curto, meu pai nunca gostou da ideia de cortar o meu — Não devemos alterar sua natureza — ele sempre repetia. Mas esse tamanho sempre limitou minha visão no treino e isso é bem... irritante. 

— Wally. 

       Assim que escutei, sai do banheiro correndo até meu quarto para minhas roupas. Nunca fiz grandes questões sobre vestimentas, exceto por essa antiga blusa de meu pai, gostei da manga longa e suas golas pontudas, o tom azulado escuro combinou com minha pele, além de que; essa blusa sempre foi a coisa que me deixava mais próximo dele. 

— Wally! 

      Logo eu me direcionei a porta e corri até ela, passando pela pequena mesa de jantar feita de uma madeira robusta, por algum motivo, eu simplesmente parei ao lado de uma das cadeiras. Observando aquela cadeira de madeira parada sem ninguém, surgiu-me uma lembrança.  

      Relembrei a única vez que meu pai sorriu para mim. Estávamos em um jantar quando eu ainda era pequeno, meu pai falava sobre legado e pureza, dizia que eu seria grandioso, maior que todos que conheço, que aquilo era meu dever; minha obrigação. Lembro de ter ficado animado, senti um profundo desejo de corresponder suas expectativas. 

— Tão grande quanto o senhor? 

      Ele me mostrou um sorriso genuíno e momentâneo, seus olhos amarelos pareciam brilhar para mim, em seguida levantou a cabeça e olhou para minha mãe; depois, virou-se a outra direção; nem a mim, nem minha mãe. Estava olhando outra coisa, enxergando algo a mais. 

— Você será muito maior que eu, e muito maior que todos no mundo Wally... porque é seu destino. 

      Naquela noite foi a primeira e única vez que o vi derramar uma lágrima, elas escorreram de cada olho de meu pai, enquanto com uma mão segurava a minha, a outra ele pressionava em seu peito. Mas, suas lágrimas não eram de tristeza, não, impossível com aquele sorriso genuíno e olhar radiante, elas pareciam mais como; esperança. 

— Wally!! — a pessoa gritou novamente, dando algumas batidas leves na porta.  

      Com minha mão esquerda na maçaneta eu senti o cheiro agradável de uma das flores de minha mãe, a sua favorita. Ela amava sua cor violeta, seu cheiro calmante e suas — lindas pétalas que balançam com a ventania — como ela sempre falou. Respirei fundo o aroma com um leve sorriso e abri a porta. 

      Na porta me deparei com Galileu. Um menino da minha idade, com olhos amarelos e cabelos bem escuros, muito mais que a minha pele. Mesmo com a mesma idade e obrigações semelhantes ele sempre agiu como um tipo de irmão mais velho, ajudando com quase qualquer coisa, não importa o dia ou a hora, sua disposição chegava até a assustar. Galileu também está com um período de treinamento no castelo, por isso frequentemente partimos juntos pela manhã. 

— Você dorme demais cara. 

— Estava acordado, apenas não tinha me trocado — respondi fechando a porta. 

— Que demora para colocar uma roupa, lento como sempre.  

      Galileu virou de costas e se calou, não falou mais nada. Tudo parecia estar estranho hoje, por mais que isso estivesse me incomodando não questionei, apenas o segui pelo caminho até o castelo.  

      Nada parecia fora do comum, tabernas abertas de manhã cedo, feno sendo trocado para os cavalos, vento balançando a grama longe do concreto, pescadores saindo em busca de uma pesca farta, gados recebendo comida nova, guardas patrulhando pela cidade e crianças brincando a fora. Todos pareciam animados independente do pouco que tinham.  

— Ta tudo bem com você? — Galileu perguntou sem olhar para trás. 

— Sim, sem problemas. 

— Se tiver qualquer problema por menor que seja pode contar comigo, estamos no mesmo barco — Galileu ainda seguindo reto levantou seu braço direito e sinalizou um positivo para mim. 

— Estava pensando... Gal, você é feliz? 

      Aquela sensação estranha aumentou gradativamente, estava me sentindo cada vez pior desde que acordei, talvez, eu estivesse melhor ainda sonhando com aquela sombra. Eu retirei meu olhar dos moradores e o voltei a estrada da capital. 

— Feliz? Não sei Wally... eu sorrio quando como o que eu gosto, quando minha mãe conta alguma história ou mesmo quando saio com você... você não se sente feliz? 

— Não sei Gal... todos parecem ter um propósito que escolheram, vidas que conseguem aguentar, levantar a cabeça e seguir em frente, eles continuam sorrind... 

— Espera é só isso? Então é fácil Wally, você apenas precisa continuar.  

— Ham? Continuar?  

— Caramba Wally, você apenas precisa continuar, continue sempre lutando pela felicidade que você tanto deseja, simples assim. 

      Gal colocou seus braços em sua nuca e não disse mais nada, apenas caminhou silenciosamente em direção ao portão. Quando chegamos mais perto do castelo, já conseguia ver o símbolo de Bahamut a cima do portão principal.  

      Uma espiral de espinhos protegendo o desenho da cabeça de uma grande marmota, ela parecia enfurecida. O escudo de Bahamut demonstrou bem qual é o seu papel em Valíria; distribuir comida.  

      A segurança fora dos muros sempre foi alta, provavelmente pela alta demora ao abrir os grandes portões da entrada, esses portões demoram tanto para abrir que mesmo a uma grande distância era difícil não os perceber.  

      Passando pelo grande muro a segurança era maior ainda, tão seguro que a ideia de alguém tentar invadir o castelo chegava a ser grotesca se falada em voz alta. Nenhum guarda se importava quando passávamos pelo portão, quando outra pessoa chegava ao portão ela era identificada, realizavam perguntas mais específicas para confirmar a identidade e até vistorias, mas conosco nada; nem se quer faziamos parte da realeza. 

      Enquanto me perdia em pensamentos continuei seguindo Gal. Quando menos percebi, já estava na arena de treinamento em frente ao meu treinador, um homem forte, alto, com cabelo volumoso penteado para o lado e vestindo um traje marrom claro, seu nome é Gaius, pai de Gal.  



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