Volume 1: Caçadores – Arco 2: Súdito Fiel
Capítulo 12: Bem-vindo
Wally
— Mais uma vez eu me encontro aqui. Outra vez nesse... fundo do poço.
O ato de fechar meus olhos era o meu maior tormento, deitar-se sabendo o que me esperava quando eu os fechasse era um pesadelo. Daquela vez, não foi diferente.
Enquanto a carruagem percorria pela estrada em direção a Zarpids, ele retornou.
— Nenhum agradecimento? — ele dizia. — Nem mesmo um sinal de gratidão?
E o silêncio continuava.
— Olha garoto, não torne isso mais difícil para nós dois. — andando em minha volta ele reclamou.
Aquela sombra parou com sua mão levantada, agachou-se em minha frente e apontou seu dedo para a minha cara.
— Entendo... você entrou na fase rebelde.
— Por quê?...
— Ham?
— Por que?... Por que fez aquilo?!
— O que? Salvar sua vida? — que reação... assustadora.
A sombra não tinha ideia do motivo da minha dúvida, ela não fazia ideia do porque eu não estava o agradecendo ou ouvindo-o.
— Você, você... empurrou a Karla naquela água.
— Sim empurrei, e daí?
— E... daí?!
— Ela é uma súdita do Caos, por que eu deveria ajudá-la?
— Ma...
— Vamos lá garoto, você me pediu o que mesmo?
— ...
— “Derrote o mostro.”, foi isso que pediu. — respondeu ao se levantar.
Eu finalmente havia entendido, aquela sombra não via nada de errado naquilo que fazia, para ele... era o certo... ou melhor, irrelevante.
— Então... por que atendeu ao meu pedido?...
Ele levantou sua cabeça para o grande nada, não havia nada além do branco, como sempre. Mas, lá ficou ele, imóvel.
— Para que toda essa pressa garoto? Temos todo o tempo do mundo. — aquelas foram as últimas palavras que ouvi ele dizer antes ser acordado pelos soldados.
Com a carruagem na qual viajávamos para Zarpids sendo coberta, não era possível saber exatamente qual o seu conteúdo sem averiguar de perto.
Os soldados usavam roupas diferentes das de Bahamut, e não se assemelhavam também às de Akiris.
O sol iluminando nossos rostos confirmava a teoria, eles eram homens de Zarpids.
Um deles tinha olhos Genasis vermelhos, enquanto o outro azuis.
O homem dos olhos vermelhos tinha uma boina em sua cabeça virada para o lado e ele usava uma espécie de manto roxo escuro por cima de sua farda escura cheia de medalhas brilhantes reluzidas pelo sol.
Seu parceiro tinha cabelo preto extremamente curto e pequenos desenhos pelo seu rosto.
Diferente de seu companheiro ele não usava manto algum, apenas uma farda e utensílios comuns de soldado, todos da cor roxa escura.
— O que tens na carruagem? — homem do manto perguntou.
— Transporte. — Davie respondeu.
— Transporte de que?
Davie levou apenas dois segundos para começar a responder a segunda pergunta, mas para aquele guarda súdito do Caos dois segundos e um híbrido ao seu lado já respondiam qualquer outra pergunta.
— Alf, cheque a carruagem.
— Certo. — homem de olhos azuis obedeceu já se aproximando.
Cada passa do soldado que ressoava pelos meus ouvidos, uma agonia crescia em meu peito. Um pressentimento ruim estava me dominando.
— Olhe bem garoto. — sombra cochichou em minha mente.
— Olha só o que temos aqui Piedro, um Nullu!
Ao ouvir Alf, o rosto de Davie mudou, o que antes se aparentava ansiedade havia se tornado; tristeza.
O soldado de manto logo se afastou em direção ao seu parceiro. Enquanto ele se aproximava, minha audição algo capturava, eram passos sobre a madeira da carruagem.
— Preste muita atenção com quem tu andas. — pairou outro cochicho.
Quando virei meu pescoço em direção a traseira da carruagem, uma coisa consumiu minha visão do horizonte da velha estrada, a coisa, era a cabeça do guarda voando para o mato. De fato, foi em um piscar de olhos.
Enquanto o sangue e a cabeça de Alf voavam pelo ar, Akiris saía da carruagem com uma espada de um metal azul cinzento em sua mão.
O soldado Piedro agiu mais rápido ainda, suas mãos brilhavam em vermelho e a luva em sua mão começava a derreter.
Como?...
— Como você consegue enxergar tudo isso tão bem? — sua fala veio acompanhada de sua aparição.
A sombra estava entre Akiris e Piedro, como uma espécie de julgador do embate.
Lá estava ele sentado no nada com sua face deformada, sem orelha, nariz ou boca.
Seu sorriso aterrorizante era presente, mas seus lábios não. Nunca havia sinal de movimento em seu rosto quando ele falava comigo.
— Baderneiros insensatos e repulsivos. São esse tipo de gente que você encontra no lado de fora garoto. — a sombra se levantou e desapareceu de minha visão. — O que você esperava? Achou mesmo que se ficasse com eles teria chance de salvar sua mãe? — susurrou em meu ouvido esquerdo.
Ele me lia como se eu fosse um simples livro aberto em sua mesa, eu não o conhecia, mas ele sabia tudo sobre mim.
Com seu riso iniciando o tempo ao meu redor voltou ao normal. Em minha frente, Piedro preparava para atacar Akiris que não movia um músculo sequer.
Mas por cima da carruagem veio um ataque que Piedro não esperava, Karla saltou em cima do homem agarrando seu braço direito e utilizando sua magia...
— Desintegrar!
O braço do homem... virou pó em um instante. Ainda assim, ele não caiu, nem mesmo berrou.
O homem preparava um soco com sua mão esquerda, mas outra vez, alguém interveio. Akiris avançou com sua espada cortando o outro braço do homem.
Caído no chão, sem braços, colega ou família, o homem estava indefeso e prestes a perder sua vida, e mesmo assim ele gritava:
— Nullu desgraçado, você tocou em mim!
Sangrando e sangrando cada vez mais, mesmo assim ele gritava:
— Sua escória de merda! Eu vou matar todos vocês!
Como o urso de alguns dias atrás, seu corpo começava a brilhar ferozmente. Ainda que o melhor fosse correr... eles o chutavam, o batiam, o cortavam.
— Chega... — ouvi o homem.
Quanto mais batiam nele menos o homem brilhava, quanto mais sons de carne esmagada, mais eu me revirava.
Quando finalmente acabou, aquele homem já se encontrava... irreconhecível.
Os dois arrancaram o pano sujo de sangue e subiram na carruagem, em seguida, com o sinal de Akiris, Davie seguiu adiante.
Quando olhei para o rosto de Davie melancólico eu entendi, ele na verdade estava triste e agoniado com o fim iminente daqueles soldados.
Aquela já devia ser a segunda vez, a segunda vez que percorríamos algum percurso totalmente em silêncio, mas, na minha cabeça não existia aquele mesmo barulho pairando sobre a carruagem.
Enquanto eu começava a avistar os muros da primeira cidade de Zarpids, minha cabeça martelava as palavras proferidas pela sombra, “Olhe bem”; ‘Preste atenção’... ‘Com quem tu andas’.
Por mais que tivéssemos comida o suficiente para toda aquela viagem de mais de dez horas, ninguém comeu nada, nem mesmo entre os períodos de descanso dos cavalos.
Perante os grandes muros estávamos, mas diferentemente de duas horas atrás, os guardas a postos não se importaram e logo abrirão os portões.
Diante de um novo mundo desconhecido inúmeras ideias, comidas e pessoas vieram em minha imaginação, mas o que havia do outro lado do portão, não era nada do que eu havia imaginado.
Com o portão sendo aberto diversas pessoas de pele mais escura eram atiradas para os lados, elas não tentavam se levantar e nem muito menos se importavam de se sujarem naquela estrada de lama.
Beirando meu olhar para o resto do local uma memória foi lançada em minha mente, nos encontrávamos em mais um campo de concentração.
Porém, ele era muito diferente, não nas moradias, mas sim nas pessoas; cada um daqueles Nullus... tinham olhos de Genasis.
Enquanto eles interagiam com o vento, sorriam sem preocupação e se sujavam na lama, seus olhos brilhavam as cores dos Elementos.
— Santa Essência... — Davie assustado clamou por seu Deus.
— O que está acontecendo?
— Na sede dos caçadores... recentemente surgiu um boato.
Antes de Davie terminar, uma mulher de cabelos longos e olhos amarelos se aproximou de nós.
Com um olhar refleto de felicidade, estendeu sua mão ao meu encontro enquanto dizia:
— Meu bebê... como você ficou lindo...
Enquanto as palavras baixas saíam de sua boca, Davie começava a puxar as rédeas com um triste olhar.
— Cerca de duas semanas antes de vocês... surgiu um boato sobre uma espécie de toxina chamada Apicem Iris, mas muitos chamam de Iris apenas.
— Iris?
— Não sabemos nada sobre como ela é produzida, exceto por um ingrediente... Afínuos corrompidos.
— Afínuos corrompidos... o termo não me parecia estranho — pensei comigo mesmo.
— Quer saber o que são não é...
Instintivamente balancei a cabeça em afirmativo, até mesmo eu fiquei surpreso, acabava de ver coisas abomináveis, meu apetite tinha até mesmo sumido... ainda assim minha curiosidade parecia sempre gritar mais alto.
— Afínuo corrompido é quando sua conexão com o Elemento é danificada ou cortada de alguma forma. O que vem depois disso acontecer é irrever...
Davie parou por um segundo sua explicação, embora não houvesse motivos para tal.
— Bom, quando isso acontece... você se torna uma criatura como aquelas que os caçadores enfrentam.
— Pessoas?... Na verdade, monstros... são pessoas?
— São...
O mundo que eu tanto imaginava não era mesmo o que eu esperava, os contos de Gal estavam totalmente enganados. Os caçadores eram assassinos, não heróis!
— Quando isso acontece, você perde o sentido, emoções e a razão. as criaturas mais poderosas costumam ser caçadores que ultrapassaram seus limites.
— Entendi... então foi por isso que você me perguntou como eu me sentia.
Não sabia dizer o motivo, mas eu me senti absurdamente mal naquele momento. Não, eu sabia sim, mas não queria encarar a verdade.
— Iris te traz alucinações recriando momentos em que você foi absurdamente feliz ou provavelmente seria. Os efeitos colaterais parecem ser perda de apetite, razão, emagrecimento, vicio e mudança nos olhos. — Davie começava a apertar os cabos das rédeas. — Mas o pior... é o motivo da criação... eles fizeram a Iris, apenas para viciar os Nullus e obrigarem eles a trabalharem muito mais... tudo por apenas uma dose.
— ... Por que os caçadores não fazem nada?...
— Não podemos!... Só temos jurisdição total para combates e caças de monstros, fora isso, nosso símbolo, ele é... inutil. — irritação de Davie era evidente, eu havia me enganado sobre ele.
Ele parecia se importar com qualquer pessoa, conseguia enxergar nitidamente sua frustração. Ela era tão forte que o seu sentimento grudou em mim.
— Davie, aqui está uma carta com a rota que o Dominus pediu — Akiris disse estendendo sua mão.
Sem proferir uma palavra Davie pegou de sua mão, e com sua mão esquerda ele começou a abrir o envelope.
— Estamos perto.
Enquanto a carruagem seguia seu caminho tentávamos esquecer tudo aquilo que víamos, era difícil, para todo canto que se olhasse enxergava Nullus viciados na Iris.
Foram apenas cerca de vinte minutos para sairmos daquela zona, mas aquele pequeno tempo pareceu tão interminável que nem havia percebido o fato de agora estarmos em uma estrada acimentada.
Davie olhou o envolope outra vez enquanto diminuía a velocidade da carruagem, então ele se virou para trás:
— Chegamos, essa é a loja.
Akiris se levanta puxando o longo cabelo da Karla que acorda gritando com ele no mesmo momento.
— Me solta seu tarado!
Akiris soltou o cabelo e prosseguiu para fora da carruagem, em direção a loja.
Karla acariciando seu cabelo com um estranho cuidado, caminhava para Soltrone em seu casulo.
Davie pegou sua bolsa e desceu para amarrar os cavalos em um tipo de curral com cerca de três madeiras fincadas no chão e com um símbolo estranho gravado nelas.
Ele colocou as rédeas dos cavalos e passou sua mão sobre o símbolo que começava a brilhar levemente em preto.
— Vamos? — perguntou caminhando para a porta.
— Davie.
— Pois não?
— Eu... me decidi. Quero virar um caçador. Não um guerreiro exterminador de monstros, mas sim alguém como você.
No que exatamente eu estava pensando? Como tiraria minha mãe daquele buraco se não ganhasse muito dinheiro como os combatentes dos caçadores ou um soldado real? Foi o que eu pensei antes.
Seus olhos, seu sorriso, seu semblante inteiro me encorajava, fazia-me sentir melhor. Era o mesmo sentimento que ela me trazia.
— Vou dar um jeito — pensei.
Com aquele sorriso genuíno que eu tanto sempre desejei, ele falou para mim:
— Pois, então eu te prometo, enquanto você salvar vidas ao invés de tirá-las, eu sempre direi a mesma coisa... bem-vindo, Wally.
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