Demon And Human Brasileira

Autor(a): The_Mask

Revisão: Hide


Volume 2

Capítulo 9: é só um instinto

O movimento de carroças estava anormal naquela manhã de verão. 

Lira e Philip, naquela altura, já deveriam estar na cidade, mas o número extremamente elevado de carroças na entrada para a cidade os impediam. Ele olhava para aquilo confuso e inconformado, sua paciência começando a falhar consigo. 

- O que diabos está havendo aqui? - Exclamou, seus pés batendo com ansiedade na madeira. Não conseguia sentir-se à vontade naquela situação. 

Os ânimos e o clima entre mestre e discípula já haviam melhorado a algum tempo, mas ainda havia um resquício do assunto, da raiva de Philip e do nojo de Lira consigo mesma.

No entanto, ainda que a discussão ainda estivesse fresca em suas memórias, o foco deles agora era o outro. Enquanto Philip não tirava os olhos do próprio relógio, Lira tinha os olhos fixos em um dos vários grupos de carroças ali no meio, um que se exaltava aos olhos de qualquer um. 

Militares… 

Uma série de carroças formavam uma fila única, suas laterais todas carregavam a bandeira de Altum. Os cavalos, corcéis de pelo escuro e brilhoso, eram todos afivelados a couro de qualidade e conduzidos por homens em armaduras que reluziam ao sol da manhã. O grupo se destacava por seus números, cores e, principalmente, o barulho que faziam. 

As cargas de cada uma das carroças tinha, ao menos, oito jovens, todos conversando e rindo. Seus momentos descontraídos contrastavam com a seriedade que os soldados, que dirigiam as carroças, tinham. 

-Então era verdade o que aqueles três disseram…- Murmurou, sem perceber que seu mestre a ouvia. 

-Aqueles três?

-Os comerciantes de escravos que comentei. Disseram que os militares estavam mais agitados nesses últimos dias. 

-Estranho… William não me disse nada sobre isso. - Se queixou, com uma das mãos batendo na própria perna pela ansiedade, até que parou. -Espere um pouco, você disse comerciantes de escravos? Você conversou com eles?!

- Sim, eu tinha de descobrir por que estavam ali. No fim das contas, foi apenas uma coincidência estarem ali. 

- Talvez não seja… - Soou tenebroso quando disse isso - Você disse antes que a cerca estava queimada… não é só com você que tem acontecido umas coisas estranhas. Se o Will… digo, se o rei está movimentando tropas, têm de ter uma razão para isso. 

- E ele teria te dito? 

- Com toda a certeza. 

- Não acha que ele finalmente está cortando seus laços com os militares? - Perguntou, a preocupação clara em sua voz, assim como às segundas intenções.

-Impossível cortar esses laços, Lira. Nem mesmo eu consegui… - Ironizou, sua cabeça abaixando por um momento. - Não é o rei que vai conseguir. 

- De toda maneira - Lira virou a cabeça para frente, vendo uma leve comoção à frente de tudo. - O que acha que está acontecendo?

- Eu não sei…- Disse, sequer percebendo quando as carroças voltaram a se mover. - Apenas não me parece nada bom.

Sua resposta não parecia se dirigir para aquele momento. Quando bateu as rédeas, para que seus Laraltos caminhassem de novo, Philip não levantou sua cabeça. Havia em seu olhar uma preocupação pesarosa, que parecia afetar todo seu corpo e âmago. Lira também percebeu isso e não conseguiu evitar o estranhamento com a situação de seu mestre. 

As carroças avançaram para o centro, os militares largaram seus cadetes no meio da cidade e Philip estacionou próximo à loja de Maleke. Desceu da carroça junto de sua discípula e parou logo à frente da porta. Enquanto ia entrando no estabelecimento, se virou e olhou para Lira, que estava olhando para cima, como se estivesse à procura de algo.

- Lira, preciso de um favor. - Começou a dizer, ganhando a atenção dela no mesmo instante. - Tem um pacote menor por aí, eu precisava entregá-lo para um comerciante aqui perto, aquele meu cliente de sempre se lembra? Pode fazer isso? 

Acenando positivo, ela logo pegou o pacote. Comparada às várias outras caixas de madeira, era realmente menor e tilintava com o menor movimento. Pouco depois disso, estava distante da loja de Maleke, carregando aquele pacote barulhento. 

Estranhava o quão facilmente ele fazia algum barulho. Não parecia haver muito espaço ali dentro, então a mercadoria tinha de ser bem pequena, mas então por quê uma caixa tão grande? E por que o tilintar era metálico? Tantas incógnitas surgiam em sua cabeça, perguntas que careciam de resposta.

Seus olhos estavam fixos na caixa, não percebeu quando já havia atravessado as várias ruas até o centro, e agora estava próxima da onde os militares estavam ficando. Grupos pequenos estavam espalhados pelas vielas e ruelas da cidade, com vários deles carregando copos cheios de cerveja na mão. Não se via, no entanto, nenhum sinal dos soldados de armadura. Apenas os vários homens - fardados em roupas de couro escuro - espalhados por aí. 

Mas Lira sequer dava a atenção que devia para eles. Seus olhos e ouvidos ainda estavam focados na caixa. Passou por um grupo, onde quase todos cheiravam a bebida, e quase esbarrou num deles. Não viu um homem carregando vários caixotes consigo, e teve de se esquivar dele no último instante. O movimento foi ágil, mas não percebeu a segunda figura próxima a ele. 

Toda a velocidade que tinha naquela tentativa de se desviar do homem foi convertida em força, quando esbarrou na garota. A caixa em suas mãos disparou para longe e seu lacre - composto basicamente por pregos pequenos - foi rompido facilmente. O conteúdo se espalhando todo no chão, e o tilintar atraindo a atenção dos arredores. 

As garotas que se esbarraram foram ambas para o chão. Suas mãos indo até as partes dos seus corpos onde doía mais. 

- Sinto muito… - Lira começou a dizer, olhando na direção da pessoa que havia esbarrado. Viu então uma feição inocente, de pele anormalmente pálida. Com a pele de seus braços à mostra, podia ver quão pálida era aquela garota, talvez da mesma idade que Lira. Também viu suas roupas, calças de couro negro, como dos militares na carroça e do homem ao lado dela. 

- Melissa, tudo bem? - Disse ele, se aproximando da garota caída e a ajudando a se levantar. Não parecia fraca, apesar de sua branquitude. Ela olhou para Lira de cima e a garota de cabelos ruivos pode ver seu olhar. Se em suas feições havia inocência, seus olhos compensaram e lhe deram a experiência de anos. De um negror quase espiritual, Melissa estendeu a mão para Lira, ajudando-a a se levantar. 

- Se machucou em algum lugar?- Ela perguntou, com uma voz de menestrel que fazia Lira ter arrepios nostálgicos. 

- Não… Eu não… - Começou a dizer, tentando tirar sua atenção daquela voz. Se virou, procurando a caixa que havia perdido, e viu o rapaz que estava com Melissa se aproximando dela. Parecia em choque quando viu o conteúdo da caixa. 

Ele se agachou de cócoras e pegou um dos diversos itens espalhados pelo chão. O virou para que as duas garotas o vissem, e Lira percebeu o que era. 

- Como você tem isso? - Ele perguntou, soando estranhamente austero, como se aquela fosse sua maneira natural de agir. 

- Meu pa… mestre as produz… - Lira retrucou, as palavras erradas quase lhe escapando da boca.

- Seu mestre produz balas de Laralto? - Ele perguntou, soltando o pequeno projétil que tinha em mãos. Seu tilintar com os ladrilhos da rua fez Lira se lembrar do que tinha de fazer. 

- Sim, e se me derem licença...- Disse se aproximando do homem que acompanhava Melissa. Viu então de perto seu rosto. Uma feição jovem, semelhante a de Lira, mas com marcas da experiência. 

No entanto, algo nele chamou a atenção dela. De longe, quando estava próxima de Melissa, ela podia ver claramente a cor de seu cabelo. Um castanho desbotado que não chamava atenção. Mas ali, bem próxima dele, enquanto pegava as balas de Laralto espalhadas pelo chão, viu debaixo de seus cabelos, fios loiros. Se levantou com uma sensação estranha quanto aquele sujeito, mas agora tinha em mãos a entrega que Philip mandou ela fazer.

-...Tenho que fazer uma entrega.- Falou, se distanciando dali e sentindo o olhar de ambas as figuras que acabou de conhecer. 

Já havia virado uma esquina quando eles dois começaram a conversar entre si. 

- Acha que ela conhece ele…?- O homem perguntou, se virando para Melissa. Hesitante, ela negou com a cabeça.

- Não sei dizer… O relatório dizia que só havia um produtor de pó de osso de laralto na região, mas nunca se sabe. 

- Será que vai estar tudo bem com ele?

-Viemos aqui pra descobrir isso. Mas pelo movimento da cidade…- Disse, olhando ao redor. - Vamos ter de fazer isso no nosso turno da noite. 

- Sim. Mas, não sei você, algo nesse lugar não me cheira bem. 

- Como assim? 

- É só um instinto…- A pausa que deu em sequência foi longa. Olhou distante para a direção que Lira havia partido. Seu olhar repousando em algo muito além da sua alçada. - Mas sinto que temos de achar logo Philip.



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