Demon And Human Brasileira

Autor(a): The_Mask

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Volume 2

Capítulo 31: Filha de sua mãe

Tudo era familiar naquele homem, mas Lira não conseguia compreender como. Suas feições, o cabelo — ou a falta dele — os olhos azuis, sua voz. Principalmente sua voz, agora estridente enquanto ele tentava conversar com ela. 

— Você está viva! — Ele grita, finalmente. Chamando a atenção de todos do recinto, principalmente dos rapazes que estavam em sua mesa. O homem de sorriso amarelo se aproxima com velocidade de Lira e agarra seus ombros. A olha nos olhos, quase lacrimejando e, surpreendo todos, a abraça com força. 

Lira não sabia o que fazer ou dizer, mas no seu âmago, também reconhecia aquele abraço. Quem era aquele homem?

Foram instantes de muita comoção que se seguiram. Lira apenas observou enquanto os rapazes se levantavam e tentavam entender o que aquele homem queria com Lira. Junior em especial parecia obstinado em deixá-lo longe dela. Mas as estranhezas se refrearam. Logo, o homem de sorriso amarelo disse querer conversar com a garota a sós. Nenhum dos presentes entendeu no primeiro momento, inclusive Lira. Foi quando ele disse conhecer Marcos. 

O nome não era conhecido de nenhum dos rapazes, mas de supetão, Lira se levantou. Aquele era o nome de seu falecido pai. 

— Quem é você? — Disse por fim. 

Ambos saíram dali de perto. O homem ainda carregava o sorriso amarelo de antes, mas parecia agitado, esfregando ambas as mãos com frequência e secando-as na roupa. Parecia suar frio pela testa, e Lira olhava ele por inteiro, tentando se lembrar da onde conhecia aquele sujeito. 

Estavam na frente da velha hospedaria, quando apenas se encararam por um breve momento. Nenhum deles dizia nada, assim como não tentavam disfarçar a inquietude. Foi Lira que começou a falar, hesitando na primeira frase:

— Você disse que conhecia meu pai.

— Isso se for mesmo a Lira. — Disse, entortando a cabeça. Parecia ter se arrependido de imediato do que havia dito, pois logo balançou os braços e pediu desculpas. Desculpas sinceras. — …É só que… é difícil de acreditar. Eu e seu pai éramos ambos caçadores. Mercenários que trabalhavam para o mesmo homem…

Ele não parecia querer continuar a falar, como se temesse as consequências de seu discurso. Lira apenas ouvia, estremecendo quando ele citou seu pai. A porta parecia uma memória distante e bem guardada. Os eventos daquela noite, todos trancados a sete chaves num espaço fechado. Não queria admitir que havia chegado a hora de se lembrar. 

— Fui me encontrar com ele, e encontrei sua casa em chamas. Nenhum sobrevivente… — Disse em fim, suspirando com pesar. Lira apenas olhava para o nada, tentando pensar em nada, mas falhando. — O corpo de sua mãe ao lado do dele… Lira, eu não sabia o que fazer. Era próximo deles dois. Te carreguei no colo mais de uma vez… Pensei que tivesse morrido. 

Ela desejava que fosse verdade. Naquela noite, por que não morreu? Sorte? Da mesma forma como teve sorte lutando contra o Odoro algumas noites atrás? Talvez não fosse sorte, e sim azar. Uma maldição. Como a das histórias que sua mãe…

— Como minha mãe era? — Se viu perguntando, por impulso. Sem pensar. Queria apenas ouvir sobre ela. Pensar nela um pouco. Abrir algumas daquelas velhas trancas. Era doloroso e complexo, ensurdecedor e confuso, mas tinha de fazer. Dar o primeiro passo. 

— Uma mulher incrível, digna do título de historiadora. Tenho memórias incríveis de tardes que passamos juntos, eu, sua mãe, seu pai e várias outras pessoas, em praça pública. Ela contava histórias que nunca havíamos ouvido, de uma forma dramática, densa e linda. Dava vida ao que nós nunca vivemos, ou sentimos. Ver ela e o Marcos, mortos… Estou apenas feliz que esteja bem Lira. 

— Obrigado. — Respondeu por educação, mas não se sentia nada bem. Sabia o quão pálida estava no rosto, e o quanto seus dedos formigavam. Sua cabeça doía em partes que sequer imaginava que podiam, e seu âmago se revirava em desconforto. A porta não parava de ranger. 

— Mas o que aconteceu? — Ele pergunta, se aproximando dela. — Até hoje tenho minhas dúvidas quanto ao que aconteceu. A casa simplesmente pegou fogo. 

— Eu… pegou fogo? — Perguntou, estranhando o que ele havia dito. A casa não havia pego fogo quando fugiu. Só havia sangue por todos lados, humano e não humano. 

— Eu cheguei um dia em sua casa e tudo estava carbonizado, incluindo os corpos. 

— Fomos atacados… 

— O quê?

— …Por demônios. — Sua língua parecia presa entre os dentes, e as palavras pesadas como chumbo. Mal conseguia olhar para o rosto do homem. Foi por um breve instante de silêncio entre os dois, quando o homem deu um longo suspiro. 

— Eu devia ter imaginado… Onde esteve todos esses anos?

— Com alguém… ele cuidou de mim. — Sorriu quando disse isso. — Cuidou de mim como se eu fosse sua própria filha. Me treinou…

— E agora se tornou uma recruta. — Disse, concluindo o que Lira iria terminar de dizer. Ambos se deram sorrisos amistosos. — Sou Thomas, Lira. Não sei se lembra do meu nome. Tenho de adicionar, acho que chegou a hora de você voltar para sua casa. 

Aquilo pegou Lira de surpresa, por que ela deveria fazer isso? Por que deveria incomodar e fazer ranger ainda mais a porta em sua cabeça?

— É necessário, para seu bem, Lira. Sua caravana vai passar perto da cidade. Vou falar com seu oficial, e pedir um espaço de tempo para isso. 

— Não posso…

— Você deve. Nunca visitou onde seus pais estão enterrados, não é? 

Mais uma vez, não soube como reagir. Seus pais estavam enterrados… E enterrados da forma como foram assassinados? Seu pai… Suas irmãs…. As trancas das portas pareciam leves, mas não em um bom sentido. Tudo o que Lira menos queria era abrir aquilo, e agora o próprio vento poderia abrir suas fechaduras. 

— Não consigo…

— Vai conseguir. É filha de sua mãe, não é? 

Odiava perceber que seu pai costumava dizer isso. 

Com um sorriso bobo, vinha com um abraço forte quando Lira ou uma de suas irmãs temia fazer algo. Ele as protegia em seu peito, recontando suas cabeças em seu ombro, e dizia num sussurro amoroso o quão vermelhos e loiros eram os cabelos de suas filhas, e que maravilhoso sinal era isso. Filhas de uma historiadora. Filhas de um mercenário. Não podiam ser mais fortes que isso.

Uma memória dolorosamente real, que a muito tempo não passava em sua mente. Ela raspou em seus olhos, ouvidos e boca, como se acontecesse novamente diante dela. Uma engrenagem que a muito não se move e agora é obrigar a carregar uma enorme montanha. Era massacrante, ao ponto de Lira não ser capaz de segurar a dor. 

Seu rosto estava úmido, quando diese:

— Sou… Mas também sou filha de Philip. — Disse, sentindo o gosto salgado das lágrimas que entravam em seu meio sorriso. 



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