Demon And Human Brasileira

Autor(a): The_Mask

Revisão: Hide


Volume 2

Capítulo 30: Um velho conhecido

Estava anormalmente vazio o pátio da casa de apostas naquele momento. Ela quase sempre estava rodeada ou de lutadores ou de apostadores, ou mesmo de pessoas vindo receber dinheiro ou pagar por dívidas. Gritos e diversão se espalhavam por aquele espaço com tanta facilidade quanto esperneios e decepções. Este era o mundo das apostas, onde todos eram iguais nas chances de perderem tudo para a sorte. O mundo pelo qual alguns se aproveitavam e tiravam um bom dinheiro. Como o próprio Serra. 

O humano que se auto nomeava um “Homem de negócios” estava parado, no meio do salão vazio. Sua presença pequena parecia tornar aquele lugar ainda mais abandonado e silencioso. Ele carregava uma expressão irritada e impaciente, e seus ombros pequenos eram suportados pela pequena bengala de madeira de mogno, que parecia brilhar mais que o ouro em seus punhos. 

— Onde estava? — Foi sua simples pergunta, enquanto se aproximava do perturbado asa negra. O baque da sua bengala contra o piso de madeira soava por todo o cômodo e causava um incômodo em Arnok, como um estalo alto demais e próximo demais de seus ouvidos. 

— Fora da cidade. 

Com o tal humano você é sincero, né?

— Você deveria estar aqui faz uma hora. Logo a luta vai começar, se prepare. Hoje é um dia de vitórias. 

— Quais são as chances? 

— 1,20 para sua vitória. As chances contra você estão chegando a sete, e mais de 300 cabeças apostaram! Muito dinheiro vai rolar hoje!

Olha só, você vai ganhar um dinheiro em… Ou não, quanto dinheiro o Serra tá te devendo?

Ambos, e o fantasma na mente de Arnok, caminharam até um salão inferior da Casa de apostas, o local onde os lutadores se preparam para as lutas que estavam por vir. Um espaço apertado, cuja única serventia era para trocarem de roupa. Os lutadores sempre lutaram sem camisa e com uma calça providenciada pela própria casa de apostas. 

Armas não eram permitidas, e nem o uso de magias. Arnok sempre lutou e venceu usando apenas os punhos. 

— Contra quem é a luta? — Perguntou, já arrancando a própria camisa. As marcas de queimadura e cicatrizes que tinha espalhadas pelo corpo, contrastavam fortemente com sua pele branca. 

Sinto o cheiro da sua ansiedade, Peninha. Está animado para lutar?

Maike sussurra em seu ouvido, a malícia impregnada em sua voz, junto de uma súplica irônica. 

— Contra um humano!

Ambos, homem morto e demônio, encararam o humano, dono da Casa de apostas. Ele portava seu sorriso característico de ironia e de um branco artificial, que parecia tornar sua pele negra ainda mais escura. 

— Um humano?

— Sim! Recebemos de “doadores anônimos"... — fez aspas com os dedos quando disse isso. — É um soldado que invadiu terras que não devia e viu coisas que também não devia. Como punição, ele foi jogado na arena. 

E você será o carrasco da sentença do homem! 

Maike disse, rindo de uma forma histérica. Arnok tentava ignorá-lo o máximo que podia, mas cada vez mais se irritava com a forma como aquela alucinação podia ser tão real e com sua excelente capacidade em lhe torturar a mente e deixar os nervos à flor da pele. 

Já estava vestindo a calça da Casa de apostas, estando quase pronto para a tal luta. Chamava de calça, mas seria mais condizente com ela se chamasse de farrapo. Era um pedaço de tecido, velho e de cores sujas, empoeirado até nos pontos de costura. Pontos esses que pareciam prestes a estourar e transformar aquele farrapo em lixo. Aquela veste era usada por todos os lutadores. Dizer que era de segunda, seria uma grande ironia. 

Manchas de sangue seco podiam ser vistas por toda a peça de roupa. Era impossível identificar se eram manchas do lutador que a portava ou se eram do adversário. 

— Sabe mais alguma coisa desse tal humano? — Arnok perguntou, já pronto para a luta. 

— Ele te conhece.

Foi tudo o que Serra disse antes de sair do cômodo e deixar Arnok a sós com Maike, que nesse momento se recostava na parede, próximo do lugar onde estavam as roupas de Arnok. Suas pernas e braços estavam largados ao lado do corpo, e sua cabeça olhava para o teto. O que diabos Serra quis dizer?

Talvez se fosse branco…

O humano conhecia ele? Quem podia ser? Quantos humanos Arnok de fato conhecia? E humanos que podiam lutar?

Será que um vermelho ficaria bom?

Devia se preocupar? Será que venceria? Como não vencer, era apenas um humano… não é?

Bege…

— O quê?! — Gritou Arnok, irritado com a sombra em sua mente a todo momento o importunando.

O teto. Podia ser pintado de bege. Como será que é esse tal humano que você vai enfrentar? Será que ele é tão forte quanto eu era?

— Você não era tão forte. 

Eu te segurei contra o chão. 

— E eu te matei. — Por um instante, nenhum dos dois disse nada. Foi um instante pesaroso de se viver, onde o ar que entrava nos pulmões de Arnok parecia estar misturado com um melado amargo e fétido. Não queria olhar para Maike. 

Você fala como se orgulhasse disso. 

Não foi capaz de retrucar isso, nem em sua própria mente. Pode apenas sentir culpa, e Maike farejou isso. Seu sorriso branco de porcelana barata tinha um ar vivido demais para um homem morto a tanto tempo. O momento sempre chegava onde Arnok não podia esconder ou mascarar a própria culpa. Aquele peso em seus ombros o machucava até mais que as queimaduras em seu braço. 

A luta vai começar em breve, acho que você deveria ir voando, peninha. 

Foi com esse sarcasmo que Arnok saiu do salão que estava e desceu em direção ao anfiteatro. Virou duas esquinas e abriu outras duas portas, já era capaz de ouvir as exclamações das pessoas na distância entre as paredes de madeira e pelo assoalho que não parava de ressoar. 

 As vozes estavam todas alvoroçadas, exclamando quanto ao quão ridícula era aquela luta daquela noite. Era óbvio que o Asa Negra ganharia! Um mero humano, o que ele pode fazer?! Eu apostei que um deles faltaria, será que eu ganho a aposta? Todos estavam vestidos com vestimentas de classe, homens de barba feita de uma maneira perfeita, e com anéis de ouro em seus dedos, além de outras jóias. Raros eram os casos de homens mais simples presentes, sujeitos que tiveram o azar de perder tudo, exceto o vício em estar ali. 

Como num passe de mágica, toda aquela multidão se silenciou quando Arnok entrou naquele espaço. Todos o encaravam, alguns com um sorriso pouco amistoso, outros com uma ironia aproveitadora. Os pelos na nuca do Asa Negra arrepiaram conforme ele caminhava em direção da arena no centro daquilo tudo. 

A arena era um espaço circular, circulado e cercado por uma cerca de madeira de um metro e meio. A única forma de entrar era por uma portinhola reforçada. 

Os homens ali presentes presenciaram a luta pelas arquibancadas superiores, os que possuíam mais dinheiro ao menos ficavam por ali. Enquanto uma minoria barulhenta observava por cima da cerca a entrada dos lutadores. Um deles já esperava lá dentro. 

Ele já está aqui. Sua próxima vítima. 

A passos lentos, Arnok se aproximou da arena. Um dos lutadores o ensinou a fazer isso. Caminhe a passos lentos, com ombros erguidos e cabeça erguida, você não tem pressa de entrar na arena ou de lutar, o seu adversário que tem pressa para perder. 

Isto também, Arnok percebeu, dava uns breves instantes para respirar e observar os homens que estavam ali. Entender o quão sedentos eles estavam por uma luta suja, e aqueles que estavam presentes encaravam o Asa Negra com um desejo quase carnal, como se ele fosse algum tipo de objeto de prazer e que lhes trariam riquezas infinitas. Odiava aqueles olhares, com todas as suas forças. Pois, dissipado e misturado em meio a tudo aquilo, haviam aqueles que o julgavam. Que encaravam suas asas e ansiavam para arrancá-las a dentadas e unhadas. 

E ainda pensa que aprendia coisas aqui. Esses homens te odeiam, tanto quanto te amam. Te usam agora, mas te descartariam como um cavalo de apostas que quebra a pata. Eu retiro o que eu disse antes sobre você Arnok, é pior que uma puta. 

Estava diante da portinhola da arena, e seu primeiro reflexo foi o de olhar de sobre-olho por cima da parede que cercava onde estava prestes a lutar. Dar um rosto ao humano que estava prestes a matar, pois ele raramente sabia o seus nomes quando entrava na arena. 

Endireitou a postura, num ato que quem visse de fora poderia imaginar ser uma forma de se concentrar ou se preparar, e viu contra quem iria lutar. Seu queixo caiu. 

Mas que enorme coincidência…

Ao centro da arena, de maneira inquieta, um homem humano usando roupas escuras, com botões de latão e recheadas de detalhes em linhas traçadas brancas caminhava de um lado para o outro. Reconheceu aquelas roupas, as mesmas que Maike usava nesse momento, um uniforme militar humano. As de um assassino mais especificamente. Mas não foi por isso que seu queixo caiu. 

Reconhecia aquele rosto, aquela inquietude agressiva. Encontrou com aquele humano três anos atrás, nos telhados da cidade baixa, logo após ter conhecido Serra e pouco antes de ter visto Vincent pela primeira vez. Um dia cheio de encontro e que admitia em seu consciente, que não queria ter conhecido o rapaz no centro da arena. 

Aquele era o humano que disparou contra Arnok e perfurou sua asa. O velho amigo de Maike, que buscou vingança naquele fadado dia, fracassou e fugiu para longe. Por três anos ele desapareceu, e agora ele estava ali, prestes a lutar contra Arnok. 

Eis então, que o tal humano olha na direção de Arnok. Enxerga suas asas, e seus olhos brilham em um ódio destilado nas mais abrasadoras chamas. 

A luta estava prestes a começar. 



Comentários