Demon And Human Brasileira

Autor(a): The_Mask

Revisão: Hide


Volume 2

Capítulo 18: Quem é o culpado?

Uma penumbra melancólica rodeava o cômodo em que Ilja, Kaesar e Hiotum estavam. Desamparado, o Ancião parecia ter ganhado alguns anos de vida com todas as rugas que se formavam em seu rosto. Sentado à mesa de uma das várias salas de estudo próximas à enfermaria, não conseguiu evitar o pesar de toda aquela situação.

Ambos seus alunos estavam em um estado semelhante. Seus ombros, soltos e para baixo, como se faltasse a força de vontade para manterem uma postura digna. Kaesar, sentado à frente de Hiotum, não tirava os olhos das próprias mãos, o tempo inteiro dançando seus dedos de maneira inquieta. Ainda havia poeira em suas roupas, que grudou no suor frio e ressecado de suas costas, deixando sua camisa dura como uma chapa de ferro. 

Ilja estava distante do grupo, encostado ao lado da porta daquela sala. Mais que atormentado, estava inquieto. Pés que não se acomodavam no lugar, olhares imprevisíveis, nunca se prendendo num único objeto, pessoa, ou lugar. As escamas em sua pele seguiam o mesmo temperamento, dilatando, vibrando, raramente ficando paradas em um único lugar. As manchas escamosas em seu corpo, que tanto se orgulhava, estavam em sua maioria nos braços e peito. Resultado da luta, que venceu, contra Arnok. 

— Já devíamos ter sido avisados de algo! — Kaesar quebrou o silêncio, sendo agora encarado pelos outros dois. — Não sabemos nem se o Vincent está estável!

— Ele só bateu a cabeça. — Ilja comentou, não parecendo dar muita importância ao estado do amigo. Parecia preocupado com outra coisa. — Uma concussão no pior dos casos. As enfermeiras dão conta. 

— Isso não devia ter acontecido… — Foi a vez de Hiotum lamuriar sobre a situação. Parecia ainda mais abalado que antes, agora que pensava também no estado de Vincent. — Eu não devia ter deixado isso acontecer. 

— Arnok perdeu o controle Hiotum, não se coce por isso. 

— Me coço Ilja… — O mestre retrucou, olhando diretamente para o Demonkin e estranhando aquela atitude fria. — Eu sou o culpado nisso!

— Não tem culpados aqui! 

— Sim! Temos sim! Um adulto irresponsável e um mestre ignorante!

Gritaram um contra o outro aquelas palavras amargas. Ilja poderia parecer antiquado e maligno com aquela atitude contra Arnok, mas ele conhecia seu amigo. Assim como Hiotum, que poderia soar loucura defender um garoto irresponsável e de pavio curto que perdeu o controle, mas ele conhecia o próprio discípulo.

Ambos assumiram o conhecimento que tinham sobre o próprio asa negra naquele momento como o correto, mesmo que talvez não estivessem totalmente certos. Se soubessem do todo de toda aquela situação na arena, provavelmente teriam um culpado. 

— Arnok nunca faria algo assim! Vocês não sabem o que ele passou! A primeira vez que matou ainda o persegue!

— Se isto é sobre sentir culpa Hiotum, Arnok não tem nenhuma! Aposto que sabe as coisas que ele anda fazendo de madrugada na cidade baixa… comparam ele com um animal selvagem! Os lutadores tem medo dele, como um prisioneiro teme a guilhotina! Se apenas partes do que os boatos sobre o Arnok dizem forem verdade, ele matou mais do que deveria para começar a sentir remorso!

— Arnok não faz isso porque quer! Está sendo forçado a isso!

— Quer dizer que sabe o que Arnok anda fazendo lá na cidade baixa?! — Gritou, desacreditado.

— Já chega!

Kaesar irrompeu, interrompendo aquela discussão de ambos. Já não aguentava mais. Dividido entre tantas coisas, entre um colega ferido e um amigo confuso, em defender um mestre envergonhado e estar do lado talvez do único sensato naquela sala. Não sabia mais o que dizer ou fazer. Suas mãos, que em momento algum haviam parado, agora coçavam a própria cabeça. 

— Não deveria haver culpados aqui… — Disse, por fim, tomando um dos lados ali. Ainda que não concordasse com a frieza de Ilja. — Arnok perdeu o controle como costuma fazer, mas Vincent foi inconsequente de tentar pará-lo, assim como…

Estava prestes a dizer que Hiotum poderia ter feito escolhas melhores para um treino, mas engoliu suas palavras tanto por respeito ao homem, quanto por sua posição.

— Foi apenas má sorte…

Estas foram as últimas palavras ditas naquele cômodo, antes da porta ser escancarada. O baque da maçaneta batendo contra a parede assustou a todos ali, e logo encararam quem havia feito aquilo. 

Um dos vários enfermeiros estudantes estava parado a porta, suas mãos no joelho tentando se recuperar do que parecia uma corrida de quilômetros. Quando levantou os olhos, não sabia para quem olhar em busca da tão desejada calma, então simplesmente disse as palavras em seu âmago.

—Arnok… — Bastou uma simples palavra, inspirada entre densas e pesadas respirações, que ganhou a atenção de todos ali. — Ele fugiu!

Tão rápido quanto a chegada do anúncio, o trio, agora com a adição do jovem enfermeiro, começaram a correr em direção a enfermaria. A longa sala de teto alto e rodeada de cama simples estava muito mais movimentada que o normal. Vários demônios, alunos e funcionários, rodeavam duas partes em específico do cômodo, a primeira sendo numa das camas mais distantes da porta de entrada, onde, o trio se lembrava, Arnok estava, e na janela para o pátio da academia. 

Foi então que o grupo se dividiu, Ilja e Hiotum indo em direção a cama de Arnok, enquanto Kaesar correu para a janela. 

— O que aconteceu? — Hiotum gritou, sendo reconhecido e recebendo a atenção de todos ali, com uma maioria abaixando suas cabeças em respeito. Quando o Ancião se aproximou da cama, viu que ao lado dela estava uma das várias enfermeiras dali, largada e atordoada no chão. Jovem e de pele avermelhada, uma Sukubo. Uma segunda enfermeira estava ao seu lado, apoiando sua cabeça com um pano. Conseguiu ver a mancha vermelha que ficava quando elas se remexiam. 

— O asa negra atacou uma enfermeira quando acordou… — Um rapaz explicou, se aproximando do Ancião e prestando continência. Não era um enfermeiro, e sim um cadete militar. A faixa que tinha na própria cabeça  mostrava que estava recebendo tratamentos ali. — Talvez tenha acordado assustado, sei que pulou a janela depois disso… e saiu voando. 

— Pra onde? — Hiotum perguntou, recebendo um aceno de cabeça como resposta. Quando procurou ao redor, esperando que alguém ali tivesse visto para onde Arnok correu, ninguém soube dizer. 

— Eu posso encontrá-lo. — Ilja disse, andando adiante e sendo encarado por todos ali. — Sei de uns lugares que o Arnok pode ter ido, e se ele perdeu o controle serei o único capaz de derrubá-lo… — Se virou na direção de Hiotum antes de dizer aquelas palavras, mas sentia que elas eram necessárias. — Sem sentir remorso.

Foi encarado com surpresa por Kaesar, e ainda mais por Hiotum. Mas havia uma verdade ali, como sempre a em todo discurso. O jovem Demonkin começou a se afastar do cômodo, enquanto o Ancião pensava na própria capacidade. Em com falhara como mestre e regente daquela academia. Como professor, e cuidador dos seus alunos. A dura realidade fez com que baixasse a cabeça, sendo visto por todos ali. Incluindo Kaesar. 

Foi por empatia que o jovem Homalupo correu atrás de Ilja, mas a preocupação com o próprio amigo também o fez acelerar o passo. 

O encontrou não muito depois, nas escadarias que iam para os andares inferiores. Apressado, sequer ouviu quando o amigo o chamou pela primeira vez.

—Ilja! — Teve de gritar, sua raiva e preocupação sendo reverberadas pela academia como consequência. Só então o Demonkin se virou, surpreso. Eles se encararam por um instante, com um culpado pela maneira que havia gritado, enquanto a pressa do outro dificultava a passagem da mensagem. 

— O que foi, Kaesar? — Perguntou, quebrando o silêncio, enfim. O homalupo apenas trincou os dentes, confuso quanto ao que de fato dizer.

— Você não devia ter gritado com Hiotum daquela maneira. — Disse, a voz não falhando em nenhum momento, para sua surpresa. 

Ilja nada disse num primeiro instante. Abaixou a cabeça, encarando as ranhuras e marcas de pés naquela escadaria, muito mais antigas do que ele. Viu ali um passado que ele não viveu, uma coisa que podia apenas supor e imaginar. 

— Eu sei… — Ele respondeu, ainda de cabeça baixa. 

O silêncio voltou entre eles, agora mais leve e apenas com a preocupação de seus próprios erros em suas cabeças.

— Ilja… toma cuidado. O Arnok vai querer ficar inteiro para se desculpar com Vincent.

— Eu sei disso… Vou tomar. Sei que vou conseguir encontrá-lo. 

Foi com essa afirmação, e com uma longa troca de olhares, que ambos se separaram. Com Kaesar retornando até a sala da enfermaria e Ilja saindo do prédio. Agora que toda a tensão havia esfriado, estava preocupado.

Apesar de tudo o que havia dito, Arnok poderia estar em vários lugares. 

O Asa Negra tinha o trabalho, dentro do grupo de amigos, de achar a pessoa certa para o trabalho certo. Mesmo que faltasse as inteligências sociais em Arnok para isso, ele conhecia e ia para muitos lugares. Vários bares o tem como um cliente banido, com uma simples descrição na porta.

Se tem asas negras, não entra!

Mas, naquele instante, onde Arnok estaria? Seria impossível estar no lugar mais óbvio, em seu quarto nos dormitórios. O primeiro em que os outros estariam procurando, além de ser onde teria o menor espaço. A raiva de Arnok era uma característica destrutiva, tanto para ele quanto para seus arredores. Isso extingue a possibilidade de lugares apertados. Porém, isso seria plausível apenas se ele estivesse são o suficiente para distinguir ambos. E se neste instante fosse um simples demônio que se entregou a sua besta interior? Ilja devia ter feito mais perguntas aos enfermeiros, mas não dava mais tempo. 

Seguiria com a possibilidade de Arnok estar atormentado com o fato de ter perdido o controle outra vez, com o pequeno fato de ter ferido e derrubado um de seus amigos e uma enfermeira. Se Arnok estava lidando com a própria fraqueza nesse momento, qual seria um bom remédio para sua mágoa?

Ilja sabia a resposta, e ela estava do lado de fora da cidade. 

 

 

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