Demon And Human Brasileira

Autor(a): The_Mask

Revisão: Hide


Volume 2

Capítulo 19: Ingênuo

Poucas horas antes de Lira ter acordado, seu mestre o havia feito primeiro. Não teve sonhos tão inquietos quanto antes, mas ainda sentia em sua pele aquelas chamas quando seus olhos se abriram.

Se levantou apressado, afiado como sempre, mas seu corpo não correspondia com perfeição aos seus instintos. Pontadas de dor, espalhadas por todo o seu tronco e rosto, o fizeram travar em vários lugares e envergar em outros, arfando de maneira pesada, irritado com a idade que transformava feridas a muito medíocres, hoje em dores de cabeça.

— Essa é uma visão que meu pai gostaria de ver. — Philip ouviu alguém dizer ao seu lado, um rapaz de aparência forçadamente medíocre e com feições que ele reconhecia de algum lugar. 

O sorriso que aquele rapaz abriu, a ironia infantil e inocente que estava exposta ali. Philip agora entendia de onde conhecia o rapaz. Nunca havia de fato visto o jovem, mas sabia de um homem com aquele exato rosto. Com os mesmos trejeitos de olhar para os outros. 

— Júnior… — Falou com dificuldade, percebendo com dureza o próprio estado. Por orgulho, ele tentou se levantar, não podia ficar deitado diante do jovem. A dor daquele ato o fez gritar entre os dentes, que tentava manter fechados. Agora olhava para Júnior de cima, do jeito que sempre olhou em toda situação onde sabia que poderia estar em desvantagem. 

— Por que está aqui, Júnior? — Foi a primeira pergunta que fez, vendo o sorriso do jovem aos poucos sumindo. Ele não se levantou, mas a postura que assumia lembrou Philip de tempos onde  William era chamado de capitão. Tempos onde o trono do atual rei ainda era uma coisa distante. 

— Meu pai ficou preocupado com você. 

— Seu pai? Preocupado comigo? — Estava prestes a ironizar aquilo, mas a dor aguda em seu rosto o lembrava mais uma vez do ocorrido de noite passada. Haviam razões para a preocupação. — Como seu pai sabia que aquilo viria? 

— Aquilo? — O príncipe perguntou, não entendendo ao certo o que Philip se referia. — Faz semanas que o rei vem tentando se comunicar com você pela linha telefônica, mas não houve respostas de sua parte. 

O cavaleiro rubro olhou confuso para o garoto. Tentou ligar…? Fazia, na verdade, semanas que não recebia ligações por parte de William. Uma coisa rara, já que, mesmo com Philip aposentado, o rei ainda informava a seu amigo os ocorridos próximos a fronteira e de ataques próximos a região onde vivia. Mas nada vinha, e havia assumido que o silêncio dele representava uma coisa boa por conta disso.

Quanta ingenuidade. 

Disse partes destas coisas para o jovem príncipe, evitando a vergonha de não ter notado o desconhecido problema em seu telefone, e o rapaz, depois de tudo isso, pareceu um tanto incrédulo.

— Algum problema? — Philip perguntou, sua voz saindo mais rouca do que antes, ainda que não doesse tanto. 

— Sim… você havia dito antes "aquilo", e que ele veio… o quê é "aquilo", e como ele derrotou você e sua discípula? 

Philip estava prestes a dar a longa resposta. Sobre o quão inumano era aquilo, e do quanto faltava-lhe traços demoníacos. Falaria sobre seus poderes, e sua regeneração. Sobre o instinto quase como se fosse previsões do futuro, e de como lutava. Seu nome, e os cheiros que aquela coisa emanava. Estava prestes a dizer todas estas coisas, mas ouvir o fim da frase do príncipe mudou sua linha de pensamento. 

— Derrotou Lira? Ela está bem?! — Perguntou exaltado, e recebendo um silêncio envergonhado como resposta. — Me responda, moleque!

Tamanho desrespeito ao príncipe talvez custasse a cabeça de Philip do lado de fora daquela casa, mas ali, dividindo o mesmo teto que o cavaleiro rubro, eram eles na verdade que estavam em risco. 

— Melissa está tentando tratá-la! — Respondeu, colocando inconscientemente as mãos na frente do rosto, perdendo a compostura que imitava a do pai. Também disse um nome, que Philip nunca havia ouvido falar. 

Este fato pode aparentar ser irrelevante, mas para alguém acompanhar o príncipe herdeiro, sua posição deve ser tão alta quanto suas habilidades.

— Quem é esta? 

— Minha curandeira pessoal… — Disse, de repente ignorando o velho amigo de seu pai e olhando sobre o ombro dele. — E falando nela. 

Foi de imediato que Philip se virou, vendo uma jovem muito mais baixa que ele. Lira não era um exemplo de altura, ainda assim, aquela garota com pele de cerâmica e cabelos de ouro estava mais próxima ao chão que todo o resto presente no recinto. 

Seus olhos carregavam olheiras tão profundas que marcavam sua pele, e várias veias de sua testa, pescoço e braços se destacavam, como linhas verdes pintadas em uma tela branca. 

Philip tinha um chute da razão daquele cansaço, que só se confirmou quando a primeira coisa que a jovem fez quando apareceu no recinto foi ir até ele e obrigá-lo a sentar, algo que fez com vontade apesar do orgulho. Poucas palavras murmuradas depois, e uma luz esverdeada saía das mãos daquela garota pálida, caindo sobre o homem como um manto quente e revitalizador.

— Não tem necessidade… — Ia dizendo e tentando afastar a garota, mas Melissa se manteve ali. Apesar do cansaço no rosto, sua magia não hesitava. 

Logo suas dores desapareceram, e Melissa suspirou de alívio. 

— Ao menos isso fui capaz de fazer. — Disse, jogando a frase ao vento. Olhava para as várias faixas sobre o corpo de Philip, orgulhosa mas decepcionada ao mesmo tempo. — Não consigo entender, o que diabos atacou vocês?

O mestre de Lira estava surpreso. As dores que tinha no corpo sumiram, de um instante para o outro. O nível de habilidade daquela jovem era assustador, mas mais do que isso. Sabia os sinais de um enorme gasto de mana, graças à situação de Merlin, e apesar de existir alguma coisa ali, Melissa aparentava apenas o cansaço de uma curandeira que a dias trata de seus pacientes.

— Algo apareceu aqui… — Começou a dizer, apertando cada parte de seu corpo enquanto dava as devidas explicações. Não havia meias palavras aqui. Em momentos como este, era importante citar tudo e com clareza, e a verdade assustou os dois jovens presentes no cômodo. 

Júnior encarou Philip, surpreendido e atordoado, mas ao mesmo tempo orgulhoso e impressionado. Pelo jeito como o homem descreveu, havia lutado contra algo que nem grandes magos poderiam. 

Melissa apenas tornou sua cara de confusão de antes, em uma ainda mais profunda e carrancuda. Não compreendia como havia passado tantos perrengues cuidando dos ferimentos daqueles dois, se não passavam de nada além de queimaduras. Ou assim imaginava. 

Foram mais alguns minutos de discussões e descrições da coisa que havia atacado Philip e sua discípula, sobre sua cicatriz no rosto, suas capacidades e o mistério por trás disso tudo. Estava prestes a falar sobre a coisa ter vindo até lá atrás de Lira, pelo fato dela ser filha de uma historiadora, mas foi interrompido por um berro.

Lira no outro cômodo havia gritado, um grito agudo e doloroso, lembrando-o da primeira noite em que ela esteve aqui. Melissa foi a primeira a correr, descendo as escadas de três em três degraus, com o jovem príncipe logo atrás dela. Philip também seguia-os, mas parou no último instante. Estava imóvel, de frente para um porta que a muito não era a aberta.

Era a primeira vez em anos que não sabia o que encontraria ali atrás. 

Quando se mudou para lá, aquele cômodo era um quarto de hóspedes improvisado para os carpinteiros e pedreiros da cidade que estavam ajudando na construção da casa. Todo o segundo andar era assim. Philip dormia no sofá, da mesma maneira que o fazia um dia antes, mas não era o mesmo homem. 

Mais novo, e mal cabendo naquele sofá de dois lugares, dormia para acordar apenas com dores de cabeça. Naquela época, fazia apenas um ano que saiu do exército e abandonou as atividades como cavaleiro rubro. Ainda tinha os músculos, as feridas, os arrependimentos e uma esperança. Naquela manhã fria, onde dezenas de homens trabalhavam no último celeiro daquela fazenda, Philip viu ela chegar e, no presente, abriu a maçaneta da porta do quarto de Merlin. 

O contraste entre se lembrar da esposa com um sorriso enorme no rosto, iluminada pelo sol em seu esplendor matutino, e ver ali, os restos dela, o fez desabar. 

Teve a esperança que o fogo não se alastraria. Que ali, trancada e respirando com dificuldades, estaria muito mais segura que seu marido e Lira, que enfrentavam a coisa de frente. Mas foi ingênuo, como no dia em que ela se desgastou ao ponto do sono-manatico. Como no dia que fez ela curar Lira de uma simples pancada. Como em todos os momentos que não havia subido aquelas escadas para tentar fazer algo por ela, pois era um mal passageiro. 

Na cama jazia um cadáver negro como carvão, fino e fraco como papel seco e tão irreconhecível que Philip teve a esperança e a conspiração de Merlin ter sido levada dali. 

Mas não haviam ilusões fortes o suficiente que apagariam o anel no dedo de sua esposa. O último espólio de guerra que havia recebido, não dos humanos, mas sim de um demônio. De um demônio com chifres circulares, e que controlava o trovão.

 

 

 

Quer comentar sobre os capítulos mais recentes da obra, acompanhar seu desenvolvimento ou apenas ter com quem conversar? Entre em nossa comunidade: https://discord.gg/rg6CMM9XRV

Conheça os nossos artistas:
Renas: https://instagram.com/renatoramos_ink

Gast: https://instagram.com/gast_player

Deseja contribuir com o desenvolvimento da obra e não sabe como? Seja um assinante patreon e obtenha benefícios únicos por um valor acessível. Acesse: https://www.patreon.com/The__Mask



Comentários