Demon And Human Brasileira

Autor(a): The_Mask

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Volume 1

Epílogo

Estava um clima estranhamente frio. Era obviamente de manhã, mas o sol não conseguia dar as caras direito pela densa neblina litorânea. 

Junto daquele ar frio, havia um cheiro estranho. Marinheiros experientes diriam que aquele era o cheiro matutino do mar. Porém, para Mourrice, era muito mais complexo do que isso. 

Era o cheiro do sal, junto a podridão do suor de homens cansados de trabalhar já tão cedo. Era a madeira apodrecida pelas ondas constantes junto ao estranho e constante odor de marisco fresco. 

Tudo aquilo passava pelo seu nariz, para logo em sequência uma sensação de nostalgia o dominar. Como uma velha amiga bem-vinda, mas não querida. 

“Já faz muito tempo que a gente não volta aqui, não é?” Ele comentou para o demônio ao seu lado. 

“Pois é…” Ele pareceu responder só para que o silêncio não se tornasse sua resposta. Uma cabeça menor que Mourrice, aquele pequeno Sìmiomono parecia estar bem mais afetado por estar ali do que seu amigo.

“Falando nisso... foi falar com sua família, Fisky?” Perguntou, virando-se e vendo seu amigo de cabeça baixa ao ter ouvido aquilo. “Você não foi?” 

“É… Eu fui…” Fisky disse com uma voz imersa em muitas coisas. Parecia estar carregando um peso imenso nos ombros. Seus olhos cansados e a postura cabisbaixa só deixavam isso mais claro. “Sabe que não gosto de voltar pra cá… Queria ter feito mais por eles…” 

“Fisky, não se preocupe com isso.” Mourrice o apaziguou. “Logo você vai compensá-los.” 

“Como?” Ele saiu da postura de cansado para alguém que clamava por misericórdia. “Sequer sou um mago de batalha ainda, mal tenho dinheiro para pagar minhas contas. Não vou conseguir fazer nada enquanto estiver preso a academia…” Pontuou, voltando a ficar com aquela postura de antes.

“Eu já disse, não se preocupe! Você tem a gente aqui!” Mourrice falou abrindo um sorriso sereno. “Até porque, logo não terá uma guerra pra lutar.” Murmurou sem perceber.

“Como é?” 

“Quando será que os outros vão chegar?” Ele perguntou apressado e tentando esconder o nervosismo. 

“Eu não sei, já era para a maioria ter chegado.” Fisky comentou, olhando para o cenário ao redor deles, tentando enxergar alguém se aproximando.

“SAI DE BAIXO!” Subitamente ouviram. 

Agindo por instinto, Mourrice empurrou Fisky para o chão e caiu logo depois dele. Em seguida, um baque alto e o som de madeira quebrando soou bem atrás deles, junto de uma risada humorada e longa.

“Pouso perfeito!” Um fauno vestindo os uniformes da academia, agora completamente sujos de poeira e lascas de madeira, estava com ambas as mãos na cintura enquanto mostrava um sorriso que ia de orelha a orelha. 

“A carroça do meu pai!” Fisky gritou desesperado.

Vendo a reação dele, o fauno olhou para baixo e se viu em cima de diversas tábuas de madeiras quebradas e um pouco longe dali, três rodas de carroça. Ele pensou por um breve momento onde havia ido parar a quarta.

“Ops…” Ele disse, saindo de cima das madeiras. “Eu te pago por isso, não se preocupe." Aquele sorriso parecia ser preso ao seu rosto, porque em momento algum ele fraquejou.

“Acho bom mesmo, Mortere!” Retrucou irritado.

“Onde estão os outros? Achei que viriam todos juntos.” Mourrice disse, querendo cortar aquela discussão.

“E vieram, apenas quis vir na frente. Devem aparecer logo…” Enquanto Mortere dizia, ele olhou por um breve instante para o lado e viu algumas figuras conhecidas. “Falando neles.” Comentou apontando com a cabeça. 

Na outra ponta da porta, um grupo de quatro jovens demônios, todos vestindo o uniforme da academia, se aproximavam enquanto conversavam e riam. Eles pareciam distraídos e sem pressa alguma.

“Eu não vejo a Vitra.” Fisky comentou ao perceber as pessoas no grupo. 

“Ela chegou na capital só ontem a noite, duvido muito que ela venha.” Mortere respondeu e Mourrice reagiu àquilo com uma longa risada. “Qual a graça?”

“Vocês definitivamente não conhecem aquela maldita Papilio, não é? Dou dez minutos até vermos um pequeno sol se aproximar daqui.”

Quase como se fosse planejado, ao leste do litoral, um pequeno ponto vermelho surgiu no meio da neblina e gradativamente, ele ficou cada vez maior. Pouco depois disso, uma figura envolta em chamas caiu nas areias da praia. 

Vitra pousou na areia com uma pose quase artística. Suas asas brilhavam em um vermelho vivo, como ferro superaquecido. Quando saiu da pequena cratera que ela formou, aos poucos suas asas perderam a cor vermelha e voltaram a seu típico azul acinzentado. 

“Desculpem-me pelo atraso.” Ela comentou, andando com certa dificuldade pela areia por conta dos sapatos. O grupo de Mourrice havia aberto um sorriso alegre ao ver sua amiga depois de tantos meses desaparecida. 

No entanto, Mortere e Fisky desviaram o olhar quando viram dois lugares em cima de sua cabeça com algo faltando… evitaram olhar para o lugar onde suas antenas deveriam estar. Mas Mourrice foi contra tudo isso. 

“Achei até que havia perdido o senso de direção junto com as antenas.” Ele gritou rindo. Os outros dois demônios próximos de Mourrice olharam torto para ele. 

Mas de repente eles ouviram uma risada alegre vindo da praia, e quando olharam, se depararam com Vitra no meio de uma risada vinda do fundo do peito e com um sorriso que não parecia ser merecedor de estar ali. 

“Que maldito insensível você, não?” Ela finalmente havia chegado ao porto, e estava cumprimentando os três ali presentes, quando o grupo aumentou ainda mais. 

“A gente chegou depois da Vitra?” Um em meio ao grupo dos recém chegados comentou de forma irônica.

Os oito demônios se cumprimentaram com acenos de cabeça e apertos de mãos. Eles olhavam entre si, todos carregando um certo peso nos ombros de uma história mal contada e um clima de nostalgia surgiu, que era quase palpável. 

“Já faz um bom tempo que não trabalhamos juntos, não é?” Um deles comentou. “Imagino o perigo da situação para tudo isso ter acontecido.” Com aquilo dito, todos olharam para Mourrice com um ar de desamparo.

“Vocês não sabem por que estão aqui?” Ele perguntou surpreso. 

“Não… Você reuniu todo mundo sem grandes detalhes.” Outro comentou. 

“Certo… Todos sabem da luz vermelha que passou sobre a capital uns dias atrás, não é?” 

“Sim, todos sabem.” Vitra retrucou irônica.

“Bem, basicamente estamos aqui numa missão de reconhecimento para descobrir o que era aquilo.” 

“Por que não enviaram os corvos visores?” 

“Enviamos, o problema é que algo os matou.” Mourrice pontuou, surpreendendo a todos.

“Os matou?” Fisky perguntou perplexo.

“Sim… Nós supomos que aquela coisa havia caído na sétima ilha do arquipélago e quando enviamos os corvos, eles morreram pouco antes de termos tido visão do lugar.” 

“Ele não pode ter morrido para outra coisa?” 

“Um talvez, mas cinco? E em dias diferentes? Não, algo os matou, e é forte o bastante para matá-los há, talvez, sete quilômetros do primeiro pedaço de terra da ilha.” Terminou dizendo, enquanto coçava a própria juba com óbvia preocupação.

 “Não sei qual o motivo para nos preocuparmos, eram só corvos. Até um humano mata um corvo com um rifle.” Um deles retrucou, despretensiosamente. 

“Sim, você não está errado.” Mourrice disse olhando para o rosto do demônio que havia dito aquilo. “Mas como esse humano chegou ali para começo de conversa? E é de fato um humano? Ele realmente matou um corvo com um rifle a mil pés de altura e a sete quilômetros de qualquer pedaço de terra?”

Conforme dizia aquelas coisas, uma expressão de compreensão assumiu o rosto do sujeito que havia dito aquilo, junto de um olhar arrependido por ter feito aquela pergunta. 

“O problema não são os corvos terem morrido…” Mourrice terminou dizendo. “O problema é não termos descoberto o que está na ilha, nem o que ela é. A quantidade de informações que temos é ínfima, para não dizer nenhuma.”

“E por quanto tempo vamos ficar lá?” Um deles disse apreensivo, enquanto não conseguia deixar as mãos paradas pela ansiedade e o medo.

“Não sei… Será um dia e meio de viagem, mas só o fato de não sabermos o que está lá pode significar muitas coisas. Se não houver nada perigoso, temos suprimentos para um mês e meio de exploração e pesquisa de campo. Mas se houver um perigo real, sairemos imediatamente.” Quando Mourrice disse aquilo, o sujeito de antes suspirou de alívio. “As preparações dos suprimentos e dos equipamentos já estão todas prontas, só estamos esperando o navio zarpar.” 

Alguns acenaram positivo, outros apenas ficaram em silêncio. Daquele momento em diante eles tinham apenas de esperar ansiosos pelo anúncio de que zarpariam. 

Foi então que, ao longe, um meio demônio de pele bronzeada e aparentemente muito jovem, estava vindo correndo na direção do grupo de alunos da academia. Ele arfava e suava quando chegou perto de Mourrice.

“Você é o senhor Mourrice?” Perguntou para o mesmo, enquanto tinha dificuldades de respirar. 

“Sim, sou.” 

“O navio está pronto para zarpar…” Puxou uma grande lufada de vento antes de terminar. “Ao seu comando.”

Depois de ouvir aquilo, Mourrice virou-se para o grupo de colegas e amigos atrás dele. Tendo um sorriso inseguro, mas com sua típica postura firme e confiante, ele perguntou. 

“Estamos prontos?”

Juntos, todos acenaram positivo. 

“Qual seu nome, garoto?” Mourrice se virou, perguntando ao recém chegado meio demônio.  

“Sorrem, senhor.” Ele respondeu com uma seriedade forçada e que o obrigava a ficar numa posição desconfortável. 

“Leve eles ao navio, Sorrem. Vou estar logo atrás.” Mourrice comentou para o menino, ele acenou positivo e chamou os outros demônios. No entanto, enquanto seus companheiros passavam por ele, segurou o ombro de um deles no último momento. “Magni, espere um pouco.”

Depois que Magni foi agarrado, ele ficou com uma expressão cheia de raiva no rosto. Porém não se opôs ao pedido de Mourrice. Enquanto o resto do grupo se afastava em direção ao navio mais ao sul do porto, um silêncio desconfortável caiu sobre os dois. Mourrice coçava a cabeça diversas vezes, enquanto pensava no que diria exatamente. 

“Olha… Sei muito bem o que você pensa sobre mim.” Ele disse por fim.

“Que bom que sabe!” Magni retrucou irritado e olhando Mourrice de cima. 

“Mas… Essas coisas não podem afetar a missão, não importa o que! Já basta os erros que cometemos da última vez…” Pontuou com a cabeça baixa e um olhar melancólico. “Quero que tudo dê certo nessa missão. Então sem ressentimentos, okay?” Colocou sua mão direita à sua frente, esperando um aperto de mão para firmar aquela breve trégua. 

Magni apenas olhou para a mão por algum tempo. Ele não retirou a postura arrogante em momento algum, ou sequer parou de olhar Mourrice por cima. Mas isso em nada o irritou. Já estava acostumado com o comportamento daquele pequeno Feline orgulhoso.

“Sem arrependimentos.” Levou algum tempo, mas ele finalmente sumiu com a pose arrogante e apertou a mão de Mourrice.

Eles inevitavelmente caminharam juntos para o navio, e o mesmo silêncio de antes estava instalado sobre ambos. Mas nada fizeram para que ele desaparecesse.

Foi uma breve caminhada antes de eles finalmente chegarem ao navio. Uma caravela de dois níveis inferiores, convés e um piso superior. Não uma embarcação gigantesca, mas para aquela missão, definitivamente era muito mais que o necessário. 

“Então vocês são os alunos a embarcar no meu navio, hein?" Uma voz carregada de sotaque comentou atrás de Mourrice. Quando ele se virou, um homem de uma raça que nunca havia visto na vida estava parado olhando para a embarcação com um lampejo de orgulho no olhar. “Sintam-se honrados de voar na crina de sereia!” O sujeito gritou, empolgado. 

“Nos sentimos. Obrigado pela ajuda com o navio. E você seria?” Mourrice perguntou estendendo-lhe a mão. O homem retribuiu com um aperto de mãos animado e forte, sua mão era áspera como uma lixa e enrugada como se tivesse passado anos debaixo d'água. 

“Sou Marco de Aléia.” Ele falou com um sorriso animado, e Mourrice estranhou ouvir um sobrenome. Aquele sujeito definitivamente não era filho de alguma casa nobre, e mesmo se fosse, Aléia era um sobrenome de que nunca havia ouvido falar. 

“Bem, será uma honra tê-lo como capitão.” Mourrice disse com um sorriso simples. 

Dez minutos depois daquilo, eles estavam todos no navio e prestes a zarpar. Mourrice encontrava-se parado na proa com um olhar distante para o aparentemente infinito oceano azul.

Observava as poucas ondas que existiam durante a maré baixa, e as via como um mero enfeite para deixar uma marca ainda maior na memória de qualquer um. Filho de uma grande casa nobre, as coisas simples o agradavam mais do que gostaria de admitir. 

Ele se virou para olhar os marinheiros no convés e seus amigos, ambos trabalhavam para preparar o navio. 

“Seus bando de preguiçosos!” Marco gritou do leme. “Se este navio não estiver em alto mar em dez minutos, vocês almoçarão somente amanhã! Entenderam!” Ele não soou como se perguntasse.

“Igen!” Todos do convés gritaram numa língua que Mourrice nunca havia ouvido, e aparentemente, nem nenhum de seus companheiros. Nenhum deles aparentava ter qualquer entendimento.

Após a ordem ter sido dada, os marinheiros se tornaram ágeis e trabalharam com uma maestria que parecia ser encenada. Pouco depois, as velas estavam completamente içadas e prontas para zarpar.

Mas por alguma razão, depois que as velas estavam altas e imponentes em seus mastros, todos eles se juntaram ao redor do maior mastro do barco e se ajoelharam, aproximando o máximo que podiam a cabeça do chão do convés.

“O que diabos eles estão fazendo?” Fisky perguntou, enquanto se aproximava de Mourrice, que o respondeu dando de ombros. Também não tinha a menor ideia do significado daquilo. 

Repentinamente, como em uma gigantesca acapella, eles começaram a cantarolar o ritmo de alguma coisa, que Mourrice não conseguia dizer ao certo o que era. 

Era lenta e quase sonolenta, mas estranhamente familiar aos ouvidos dele. Enquanto via e ouvia os marinheiros agirem daquela maneira, ele de repente sentiu uma brisa úmida passar por entre seus cabelos.  Quando prestou atenção ao seu redor, sentiu que seu corpo balançava de leve… no mesmo ritmo da cantoria dos marinheiros. 

Quando olhou para o mar, viu aos poucos as ondas ao redor deles aumentarem em frequência e velocidade. E no momento que sentiu uma brisa tão poderosa e repentina de vento, o barco dera um solavanco para frente, que o fez perder o equilíbrio. 

Enquanto tentava voltar a ficar de pé, ele ouviu todos aqueles homens comemorarem por terem feito algo. 

“Élj a szélben!” Gritavam repetidas vezes e com sorrisos alegres no rosto. 

A maioria do grupo de Mourrice olhou com perplexidade para a cena. Não havia magia alguma ali, era óbvio. Então por que comemoravam como se tivessem feito algo incrível? Foi quando um lampejo de razão passou pela cabeça de Mourrice.

“Que horas são?” Perguntou de repente, para ninguém em específico.

“Seis e meia.” Fisky respondeu, puxando seu relógio de bolso. 

“As ondas sobem junto do vento a essas horas.” Ele comentou, olhando o oceano ao seu redor, que agora estava logicamente mais agitado que antes. 

“E?” 

“Eles estão comemorando o mar se mexer a favor deles…” Estava impressionado com aquilo, talvez até fascinado. Suas pernas só não falharam, pois ainda não havia perdido a lucidez da dor da queda. Foi quando seus pensamentos foram cortados pela risada alta de Fisky. 

“Que gente maluca.” Ele disse, descartando tudo aquilo como simples papo de marinheiro bêbado. Mas aquilo estava longe de ser simplesmente isso, e Mourrice sentia isso. 

“É… Tem razão.” Disse a contragosto, ainda olhando para o mar com um fascínio ainda maior do que antes. “Vamos para a popa, temos que combinar o resto da viagem.”

“Certo…” Fisky respondeu, enquanto se afastava em direção a popa do navio. Mourrice seguiu logo atrás dele, após ter chamado o resto de seus companheiros.

Pouco depois, todos os oito alunos da academia estavam sentados ao redor de uma grande mesa redonda, na popa do navio. Eles conversavam entre si, enquanto a real discussão não havia começado.

“Showzinho interessante aquele lá fora, não acharam?” Magni comentou irônico. 

“Achei assustador.” Disse Vitra. 

“Isso não importa agora.” Mourrice falou em um tom mais elevado que o dos outros, enquanto se levantava de sua cadeira. “Precisamos reunir toda a informação que temos da ilha.”

“Você mesmo não disse que não podíamos enxergar aquele lugar?” 

“A ilha existe há muito mais tempo do que aquela luz vermelha. Alguém aqui já fez uma missão naquele lugar?” Mourrice perguntou, e Fisky levantou a mão, junto de Mortere. “E como foi?” 

“Foi um saco!” Mortere disse, se recostando na cadeira e pondo os pés na mesa. “A ilha não tem nada vivo, sequer uma árvore! Tivemos que improvisar nossa própria comida.” 

“Improvisar a comida?” Um dos demônios do grupo perguntou curioso. 

“A ilha é um vulcão adormecido há muito tempo, mas se tornou impossível algo vivo crescer ali. Nossa comida era basicamente peixe, caranguejo e pássaros passageiros. Até a água era escassa. Foi de fato uma missão difícil.”

“Por que diabos fizeram isso então?” 

“Duas famílias nobres estavam de olho na gente, e bem… Queríamos impressioná-los.” Mortere comentou, dando de ombros.

“Vocês são discípulos dos Anciões, por que diabos precisam de alguma técnica nobre?”

“Quanto mais, melhor, Mourrice.” Mortere disse aquilo como se fosse a coisa mais óbvia do mundo. “Conhecimento é poder.” 

“Irônico você dizer isso, quando é tão forte e mal sabe das coisas.” Magni comentou satirizando tudo aquilo, fazendo algumas pessoas no grupo rirem. 

“Rá! Azar o seu Magni, sequer sei o que significa irônico!” Mortere comentou orgulhoso e quase todos na mesa começaram a rir. Exceto por apenas uma pessoa.

“Já chega!” Mourrice falou, mais alto que as vozes e os risos. Seu olhar era de uma seriedade e frieza que chegava a assustar, fazendo todos na mesa se calarem e prestarem atenção. “Isso é importante, precisávamos de um noção do que estamos enfrentando e nem isso sabemos… Já sabem dos seus papéis quando chegarem na ilha?” 

“Um grupo de seis pessoas vai descer do navio e serem os batedores da situação. Os outros dois ficam para trás arrumando o acampamento.” Fisky pontuou. 

“Exatamente. E quem está disposto a ir em campo?” Quando Mourrice perguntou isso, Magni, Fisky, Vitra, Mortere e mais um demônio levantaram as mãos. “Certo, eu assumo o último lugar. Ademais, mais alguma pergunta?” 

Uma mão se levantou em meio aos olhares de curiosidade. Ela estava trêmula e hesitava, com um óbvio medo estampado ali. 

“E se tivermos que fugir assim que chegarmos?” Ele perguntou, com sua voz tão trêmula quanto suas mãos. 

“Então vamos assegurar que todos subam no navio, vivos e seguros. Entenderam?” Todos balançaram a cabeça em positivo. Foi naquele momento, que Mourrice percebeu. Eles estavam todos com medo.

A situação era incerta demais para não ficar ansioso e a ansiedade traz pensamentos desnecessários demais em um momento como aquele. Mas em nada Mourrice podia ajudar. 

Seria hipocrisia da sua parte se o fizesse. 

Como pode alguém aconselhar as pessoas a não ficarem ansiosas, quando ela própria hesitava em como agir?

Dali em diante, a conversa apenas continuou. Nenhum deles pontuou mais nada relevante sobre a missão.

As risadas fluíam constantes como o balanço do barco, palavras vulgares batiam fortes como as ondas altas do oceano e a bebida apareceu pouco depois, rápida e determinada a derrubar a todos no recinto. 

Era tarde da noite. Mourrice não conseguia dizer exatamente que horas eram, mas há muito ele havia visto a lua acima de sua cabeça. 

Tinha saído da popa do navio já fazia várias horas. Porque naquele lugar, onde antes acontecia uma reunião séria em que todos estavam nervosos, agora era  recinto para a bebedeira. 

“Sóbrios podem cair fora!” Mortere comentou quando algumas de suas frases ainda faziam sentido, e foi isso que Mourrice fez. Ele saiu do cômodo com a desculpa de “pegar um ar”, e agora já estaria ali há algumas horas. 

Não se arrependeu em momento algum de ter feito aquilo, a visão a sua frente o impedia de pensar nisso. 

O mar refletia o céu pintado de preto e prata pelas estrelas. O breve movimento do mar e do barco criava ondulações na água que tornava tudo aquilo quase como uma pintura abstrata e com significados demais para ser resumida. 

“Não está com seus amigos?” Mourrice ouviu de repente e quando se virou, viu Serra parado nas escadas que subiam para o leme. 

“Não gosto do cheiro do álcool…” Retrucou desinteressado, queria apenas ficar ali observando aquela vista. 

“Então tampe o nariz.” Ironizou. “Você é novo demais para ficar aí parado vendo o mar…” Disse, ironicamente, olhando da mesma maneira que Mourrice para o cenário à frente deles. 

“Como assim?” 

“Você olha para o mar, como se ele fosse a mulher mais bela do mundo. O amigo mais querido. A comida favorita. Tudo isso junto… Você mal deve ter pelos no corpo para olhar assim para as coisas.

Mourrice olhou curioso para ele.

“Pelos no corpo?” Perguntou irônico. “Sabe que raça eu sou, não é?” 

“Não banque o espertinho.” Retrucou irritado, enquanto se aproximava do parapeito. Ambos ficaram em silêncio depois disso e olharam para o mar e seu reflexo. Depois de um tempo, Mourrice saiu silenciosamente para ir dormir.

Pouco antes de descer as escadas para os pisos inferiores, ele olhou mais uma vez para o reflexo do mar. Se sentiu incrivelmente pequeno, mas ao mesmo tempo, imensamente complexo. Não sabia exatamente como chamar aquele sentimento, apenas sabia que era bom e não queria se livrar dele tão cedo. 

“Terra à vista!” Mourrice ouviu de repente, em meio ao seu sono. Ele se levantou e subiu correndo em direção ao convés, vestindo apenas as calças. 

A menos de uma milha marítima deles, uma gigantesca ilha aparecia no horizonte. Daquela distância, Mourrice mal conseguia ver grandes detalhes de lá, o que o deixou mais apreensivo ainda. A única coisa verdadeiramente visível, era o gigantesco vulcão adormecido. 

Preciso pensar em tudo que está por vir…” Murmurou. Estava se virando para ir em direção da popa, quando bateu contra algo. Quando parou para ver quem era, Vitra o olhava com uma certa raiva nos olhos. 

“Olha por onde anda.” Disse com a voz extremamente irritada, fatigada e rouca. A festa de ontem parecia ter feito um belo estrago nela. Já ia se afastando em direção aos pisos inferiores quando comentou uma última coisa. “Melhor você pôr uma camisa!” 

Só então Mourrice percebeu sua falta de roupas e sentiu um pouco envergonhado. Não exatamente por estar sem camisa. Ele estava no meio do mar, em meio a dezenas de marinheiros cansados e acalorados que também andavam sem camisa. 

O maior problema eram suas cicatrizes. As diversas histórias não contadas escritas em seu corpo poderiam significar duas coisas. Força e coragem, ou fraqueza e covardia.

Tudo dependeria de quem as visse. 

Duas horas depois, o som alto do navio batendo na areia fofa soou alto e nítido. Assim como os sons de diversos pés caindo na areia. 

“Finalmente em terra firme.” Fisky comentou, espreguiçando-se. “E então, o que fazemos agora?” 

“Partiremos agora para o centro da ilha, vamos encontrar seja lá o que caiu aqui…” Mourrice disse tirando a areia das calças. “Enquanto isso, os que ficarem para trás preparem o acampamento.” Começou a caminhar para fora da praia de areia branca e atrás dele, Frisky, Mortere, Magni, Vitra e mais um Akutensei o seguiram a passos lentos. 

A areia era incrivelmente gelada, por mais que o sol já estivesse alto no céu, e tudo era cercado por um imenso campo rochoso e rachado. A trilha se tornava cada vez mais íngreme e estranhamente lisa. Todos já estavam arfando, com menos de vinte minutos de trajeto.

“Eu poderia ir voando, sabia?” Vitra comentou. 

“Ficaremos todos juntos, até acharmos aquela coisa!” Mourrice disse, à frente do grupo. Por mais que fingisse, ele estava tão cansado quanto os outros. Talvez até mais. 

“Mas vocês sabem que não é uma ideia ela…” Mortere estava dizendo, quando ele cortou a si próprio e parou abruptamente, olhando para algo distante.

“Qual o problema, Mortere?” Mourrice perguntou, arfando de leve. 

“Fisky, tinha moitas de frutas da última vez que estivemos aqui?” Ele perguntou, ainda olhando para algo no horizonte.

“Óbvio que não!” Ele retrucou, ainda focado em caminhar pela subida íngreme. “Esse lugar não é chamado de ilha morta à toa.” 

“Então o que é aquilo?” Disse, apontando para algo meio distante deles. Por mera coincidência e curiosidade, todos no grupo olharam naquela direção. À talvez quarenta metros dali, havia um arbusto alto como uma pessoa e com tantas frutas vermelhas em seus galhos que por pouco ele não era vermelho sangue. 

Uma visão estranha e anormal em uma paisagem morta, árida e cinza como aquela.

“Mas… O quê?” Fisky perguntou incrédulo, ele piscou diversas vezes e a cada vez que via o arbusto ainda parado ali, sua boca caía mais um pouco. “Mas… COMO!?” Gritou com um olhar confuso.

“Tem mais pra lá…” Magni comentou, apontando um pouco mais adiante do arbusto vermelho.

“Gente…” Mourrice chamou a atenção de todos. “Isso é pouco.” Ele apontou para o topo do vulcão que eles estavam escalando. 

Uma vasta parede verde se formava daquele ponto em diante. Fosse vinhas, árvores, arbustos… Havia de tudo preso e nascendo entre as rachaduras do terreno rochoso.

“Isso é…” 

“Não importa!” Mourrice cortou Fisky de seus delírios, trazendo ele e todos do grupo de volta ao presente. “Temos que achar aquilo, vamos logo!”

Eles voltaram à caminhada e logo alcançaram a floresta na lateral do vulcão que Mourrice havia apontado. Dali, o caminho se tornou ainda mais perigoso pelo excesso de vinhas e raízes saindo das rachaduras. 

“Acho que não vai ter jeito… Vitra!” Mourrice murmurou, para chamá-la logo em seguida. “Tenta limpar o caminho com as chamas!”

“Entendido.” Ela falou, enquanto abria asas e se afastava da parede íngreme. Então, suas asas brilharam em um vermelho vinho que transitou para o vermelho granada. Seus olhos acompanharam essa mesma transição, e de suas mãos, uma chama em vermelho vivo surgiu, 

Ela varreu todas as vinhas e raízes no caminho adiante deles em um piscar de olhos e as cinzas caíram todas sobre o grupo. 

“Ei!” Magni reclamou e Vitra apenas riu. 

Mas, repentinamente, um tremor colossal retumbou sobre a ilha. A pegada firme de quase todos no grupo falhou por um instante e, por pouco, eles não caíram dezenas de metros abaixo. 

“Estamos bem azarados hoje, não acham?” Vitra brincou, enquanto ainda voava há poucos metros deles. 

“Hilária você!” Mortere falou irritado.

“Vamos rápido!” Mourrice gritou, voltando a escalar o paredão. 

Levou um longo tempo, mas finalmente suas mãos alcançaram o topo de tudo. Ele subiu com certa dificuldade, para dar de frente com Vitra, que subiu o resto do caminho voando.

“Cansou?” Ela perguntou, estendendo-lhe uma mão. Arfando, Mourrice aceitou a ajuda de bom grado e ele, junto de Vitra, ajudaram o resto do grupo a subir a parede íngreme. Todos com uma certa dificuldade de respirar, olhavam para baixo com uma certa apreensão e orgulho. 

Sua jornada continuou por mais alguns metros, quando saíram de perto da borda do vulcão para darem a volta na boca dele. Foi então, que de relance, Mortere viu algo reluzir no fundo do fosso. Seu olhar brilhou quando viu aquilo. 

“Mourrice, foi mal, mas eu vou na frente.” Disse enquanto se aproximava da borda com um olhar ganancioso. 

“Como é que é?” Mourrice perguntou para o nada. Porque antes que percebesse, Mortere já havia pulado na boca do vulcão. “Mas que merda?” Gritou se aproximando da borda, junto de todos os outros. 

Todos viram Mortere vivo e bem, junto da coisa que ele havia visto. O mesmo olhar ganancioso se abateu em cada um deles. Alguns chegaram até a abrir um sorriso anormalmente largo. Até que Magni deu um enorme passo à frente e também saltou.

“Magni!” Mourrice gritou em aviso, mas já era tarde demais. Ele já estava junto de Mortere observando aquela coisa reluzindo, e estranhamente, Fisky pulou pouco depois. “Droga!” Gritou exacerbado. 

“Mourrice, eu sinto muito…” Vitra disse melancólica depois de tudo aquilo.

“Sente pelo quê?” Ele se virou perguntando, mas antes que pudesse fazer qualquer coisa para impedir, Vitra já estava planando buraco abaixo. “Imbecis.”

“Mourrice, e agora?” O último que sobrou do grupo perguntou. Ele parecia estar tentado a pular junto dos outros, mas talvez a sensatez, ou o medo, o prendeu ali. No entanto, de todas as formas, ele estava sendo mais esperto que os outros, o que apaziguou Mourrice. 

“Eu não sei…” Disse meio incerto. “Sente alguma fonte mana interna, Salém?” Perguntou sem muitas ideias do que fazer. 

Salém, um rapaz jovem de pele levemente parda e de orelhas pontudas, fechou os olhos e se concentrou por um momento. Sua respiração pareceu seguir o mesmo ritmo do vento e seu olhar parecia seguir algo por debaixo das pálpebras. No entanto, seus ombros relaxaram e devagar abriu os olhos. Lentamente ele negou com a cabeça.  

“Então não tem jeito… Pule se quiser, se até o Fisky aguentou não tem com o que se preocupar…” Antes que ele terminasse o resto de sua frase, Salém já havia pulado. Ele pousou sem grandes problemas e se juntou ao resto do grupo a poucos metros de distância da coisa que reluzia. 

Mourrice colocou seu pé para frente, prestes a se jogar, mas o segurou ao chão. Suas mãos tremiam e seu olhar não estava interessado naquela coisa, mas sim no chão a dezenas de metros abaixo dele. Evitando olhar para baixo, ele olhou para frente e prendeu a respiração. Tentava esvaziar a mente para tomar coragem, mas ainda não conseguia se jogar. 

“O que teme?” Perguntou a si mesmo. “Não a nada perigoso lá embaixo e até Fisky aguentou a queda, então o que teme?” 

Mais uma vez tentou jogar seu peso para frente, mas algo parecia puxá-lo para trás. Algo dentro dele, mais instintivo que o medo, o impediu. Era tanto o esforço daquilo de puxá-lo para longe da borda que Mourrice caiu para trás, cansado e escondendo o rosto por entre os joelhos. 

“Salém disse que não tinha nenhuma mana aqui…” Disse com a voz tremendo. “Então por que eu sinto que tem algo me ameaçando?” 

Ele observou ao redor… Tudo parecia estar normal. As plantas, a terra, os pedaços de roças aqui ou ali. Tudo aparentava estar no lugar. Então por que diabos hesitava tanto?

Foi em um último esforço que ele se levantou. Seu olhar sobre a borda era como o de alguém vendo a própria. Ele botou um pé para frente, mas ainda não conseguia cair. Então, em um esforço desesperado, ele empurrou a si mesmo, batendo nas próprias costas. 

Seu desequilíbrio foi quase imediato, assim como o arrependimento. Viu a borda se afastando cada vez mais e o chão se aproximava com a mesma velocidade. Agindo por instinto, fez uma lufada de vento sobre seus pés levantar poeira vulcânica, pequenas pedras e a ele próprio. Caiu como uma pluma sobre aquele chão cheio de fuligem. 

Quando olhou ao redor, percebeu o quanto aquele lugar parecia… errado. Apesar de ser quente, não era inconveniente ou mortal. Não havia qualquer sinal do coração do vulcão, ou de estarem próximos ao manto. 

As rochas ao redor não estavam sujas de fuligem, era apenas o chão, e elas de alguma maneira pareciam ser “novas”. 

No entanto, tudo ficava ainda mais estranho quando ele prestava mais atenção à coisa reluzente no centro de todo aquele vulcão adormecido. 

Ela se destacava de tudo ao redor. Numa cor que ficava entre o prata mais brilhante e o cinza opaco como ferro velho, ela era uma esfera perfeita. 

Não existe maneira melhor de descrever isso. Ao redor dela havia uma gigantesca cratera, provando a teoria que os Anciões tinham de que aquilo era um meteorito. No entanto, não havia qualquer arranhão da queda em sua superfície. 

Mas, ainda que parecesse perfeitamente polida e lisa, ela em nada refletia os seus arredores. Fazendo parecer que você estava observando o fundo de algo infinito. 

Mourrice começou a andar sem perceber e logo estava há um passo do grupo. Todos olhavam para aquilo, alguns com um olhar vazio, outros parecendo ter visto o pior pesadelo diante de seus olhos.

“Qual o problema?” Mourrice perguntou, ficando lado a lado dos outros. Mas logo percebeu o problema. 

Seus ombros pesavam de uma maneira que ele nunca havia sentido, seu olhar ficou completamente tentado e horrorizado por aquela coisa perfeitamente esférica e sua expressão tornou-se seca de um instante para o outro. 

Algo vazava de dentro daquilo com uma pressão e poder tão grande que Mourrice sentia que estava carregando o maior peso do mundo sobre seus ombros e algo havia o empurrado, sem qualquer chance de se defender ou se preparar. 

“Salém… é mana interna?” Ele perguntou não sabendo ao certo se acreditava ou não nas próprias palavras. 

Com um olhar vazio e incrédulo, ele acenou positivo. 

Nenhum deles conseguia parar de olhar para aquela coisa. Era como se suas cabeças estivessem presas no lugar e seus olhos sendo obrigados a ficarem abertos.

Seus pés não pareciam estar firmes ao chão enquanto andava e suas mãos não queriam obedecê-lo. Mas ainda assim, Mourrice deu mais um passo na direção daquela coisa. 

A pressão se tornou ainda mais densa, quase palpável e visível e quanto mais se aproximava, mais seu olhar se afastava da realidade em que estava e via aquilo à sua frente como o melhor tesouro que já apareceu em seus pesadelos.

Fascínio e medo. Luxúria e horror. Sede e saciação. Uma mente confusa com diversos desejos, receios e problemas, e a solução para tudo aquilo parecia estar ali, à sua frente. 

Sua mão começou a formigar quando estava próxima da esfera, ele já conseguia sentir tocar em uma camada viscosa de algum tipo de material estranho. A pressão já não era um inconveniente, era apenas o conflito entre medo e desejo. 

“Vocês não deveriam estar aqui.” 

Todos ouviram ao mesmo tempo e suas almas estremeceram por dentro. 

Carregada por uma brisa fria e fantasmagórica, uma voz arranhada como metal contra metal, mas ao mesmo tempo límpida como o reflexo da água limpa e parada, retumbou de dentro de suas cabeças. Implicando em todos eles um sentimento em comum.

Algo maior que o medo, ou a hesitação diante de algo mais forte que você e ainda mais instintivo que o desejo de sobreviver. Eles se sentiram pequenos como traças prestes a cair nas labaredas de uma fogueira. 

“Se protejam!” Mourrice gritou, trazendo todos à realidade de que algo horrível estava prestes a acontecer. 

O grupo ficou de costas um para o outro, em um tipo de círculo fechado onde todos podiam ver os arredores. Eles se preparam para o pior. 

Mortere esticou os próprios chifres, enquanto sentia sua pele endurecer como pedra. Magni fez suas garras se tornarem ainda maiores e afiadas, e seu olhar se assemelhou perfeitamente ao de um Feline. 

As asas de Vitra brilharam como numa explosão, iluminando toda a caverna. Junto disso, Salém também iluminou o espaço ao redor com duas longas e pesadas correntes translúcidas na cor roxa. O olhar de ambos era cheio de fúria e uma atenção quase astral. 

Mourrice fez largas e afiadas pontas de gelo surgirem, uma de seu cotovelo e outra de sua mão. Fisky apenas iluminou a todos com uma luz amarelada que os rodeou como um manto. 

O silêncio deles era sinônimo de duas coisas: A hesitação por não saber onde estava o inimigo, e pela ansiedade à espera de algo que poderia acontecer.

“Vocês não deveriam ter visto meu mestre.” 

A voz surgiu de novo, como um pesadelo vivido. Seu tom fez uma dor de cabeça estranha aparecer em todos, mas ainda com tudo isso eles se mantiveram no lugar e firmes, o melhor que podiam. 

“Apareça!” Mourrice gritou, fazendo sua voz ecoar por toda aquela caverna. Como se reagisse àquilo, as paredes e o chão começaram a tremer. O som de diversas coisas lentamente se locomovendo retumbava na cabeça de todos eles, como um aviso de algo gigantesco se aproximava. 

Quando pequenas pedras começaram a cair de cima deles, Fisky imaginou que o pior estava para acontecer e criou uma grossa barreira com a luz amarelada de antes. 

Rochas ainda maiores começaram a sair aos montes por buracos dentro das paredes. Pequenos silices também se juntaram a essa enorme onda e cada vez mais pedras surgiam de todos os lugares e se juntavam em um único lugar.

Em um ponto distante do grupo de demônios, uma pilha de pedras começou a ser erguida por forças desconhecidas. Dezenas e dezenas se juntaram em uma coluna com talvez o dobro de tamanho do mais alto do grupo. 

Quando o chão abaixo daquele amontoado de pedras se abriu, diversas vinhas, raízes e ganhos começaram a rodear e a prensar a pilha. Ela estranhamente começou a tomar forma. 

“Meu mestre me deu uma ordem…” A voz de antes agora parecia vir de algum lugar. Alta e estrondosa, o som oco e arranhado vinha de dentro daquela coluna alta de vinhas e pedras, agora não mais visíveis. “... que é a de tirar vocês todos desse lugar.”

As vinhas se afrouxaram e todo o grupo sentiu suas pernas falharem e suas mãos tremerem. A frente deles, a figura cinza-opaca e perfeitamente proporcional de um corpo humano apareceu. 

Ela não vestia roupas de início, mas as vinhas ao seu redor logo teceram uma seda estranha que se costurou sozinha em uma vestimenta muito semelhante ao uniforme de campo da academia que os demônios vestiam. 

A figura não tinha rosto, era como olhar para uma pedra lisa que coincidentemente podia ter o formato de uma cabeça. No entanto, de uma maneira extravagante, a coisa estalou os dedos e um amontoado de pedras se juntou ao seu redor para formar algo semelhante a uma máscara. 

Diferente de seu corpo, a máscara não foi pressionada pelas vinhas e tinha diversas rachaduras espalhadas. A figura colocou a máscara no rosto e quando se virou para os visitantes à sua frente, por mais que não tivesse olhos ou boca, a pressão ao seu redor passava a clara sensação de ameaça iminente e de que algo deveria ser feito. 

“E ele disse para ser indolor, mas não posso prometer isso.” Com essas palavras sendo ditas por entre as rachaduras, as vinhas e as rochas ao seu redor formaram espinhos do tamanho de homens adultos. Talvez uma meia centena rodeasse aquela figura. 

Mourrice sentiu o tempo desacelerar. Sua respiração ficou lenta e uma névoa fria saiu de sua boca. Todo o nervosismo saiu de suas veias e mente, para ser substituído por um único sentimento. 

A certeza de sobreviver.

“Vitra, abra uma saída!” Ele ordenou, para no instante seguinte os diversos espinhos serem lançados na direção deles.

A barreira criada por Frisky se mostrou ser extremamente útil, mas ela não conseguiria segurar aquilo por muito tempo. 

“Agora, Vitra!” 

“Entendido.” Suas asas brilharam ainda mais e da ponta de seus dedos, uma esfera avermelhada se lançou tão rápido quanto surgiu. 

Quando a poeira, seguida da luz do sol, rodeou a todos, Mourrice rodeou o grupo por um túnel espesso de gelo, que levava até a saída. 

“Corram!” Forçou sua garganta o máximo que podia.

Ao redor deles, as paredes começavam a ceder conforme o espinhos aos poucos atravessavam. Mourrice, o último do grupo, aos poucos via a mais espessa barreira de gelo que já havia criado até aquele momento, parecer tão frágil quanto o mais fino gelo. Seus passos aumentaram, junto a seu desespero.

De repente, todos hesitaram na beirada da saída, vendo uma gigantesca queda à frente deles. No entanto, Mourrice empurrou a todos com uma onda forte o bastante para carregá-los. Ele foi logo no encalço, enquanto ouvia a parede se partindo atrás dele.

Todos do grupo caíram desesperados, exceto por Vitra que simplesmente se empertigou e ficou à frente dos outros. Mourrice também parecia mais calmo do que deveria. Ao invés de temer tudo aquilo, apenas se focou em ouvir seus arredores. 

O vento que passava rapidamente no meio de suas pernas e cabelo, fez toda a hesitação ir embora. Sua mente acalmou-se e a atenção que dava ao vento se tornou metódica. 

Quando abriu os olhos novamente, viu com clareza o fluxo que o vento tomaria com cada escolha que fizesse. Como cada mísero sopro carregaria uma folha seca para algum lugar distante. 

“Moinho de vento…” Murmurou com a mesma calmaria que o vento carregou a todos. A queda deles lentamente parou e pareceu que estavam sendo carregados por alguma coisa invisível. 

Quando todos se viraram para Mourrice, procurando por explicações, ele estava com as pernas cruzadas e com os ombros relaxados. 

“Vamos voltar ao navio.” Ele disse, em uníssono com o grito comemorativo de todos.

Ao longe, no entanto, uma rachadura pesada e fria observava seus alvos se afastarem. De alguma maneira aquela estranha figura, mesmo sendo puramente rocha viva, trasmitia uma sensação de angústia e culpa. 

“Devo matá-los, meu senhor?” Sua voz arranhada se dirigiu ao objeto reluzente e tinha um tom de pura devoção e diligência. 

Como resposta, a pressão ao redor deles se tornou ainda mais pesada e palpável. Aos poucos pareceu carregar uma mensagem. Se a figura rochosa pudesse sorrir, certamente o faria.

“Com todo o prazer, meu senhor.” Ele se virou de volta aos demônios que se afastavam dali, todos sorridentes e comemorando a “vitória”

Ele devagar levantou ambas as mãos e as rachaduras em seu rosto pareciam se mover como o fluxo de diversos rios e lagos. Quando as linhas se tornaram vermelhas, ele sussurrou algo que todos os demônios ouvissem, no fundo de suas cabeças. 

“Se arrependam de terem pisado nessas terras, pois esses serão seus últimos pensamentos.”

Os risos e sorrisos se cessaram quando a terra se abriu e uma labareda de magma alta, e grande o suficiente para engolir a todos, rapidamente surgiu. 

“Vento, nos carregue!” Mourrice gritou, e eles voaram rápidos para longe daquilo. No entanto, outra abertura surgiu logo abaixo deles e uma labareda ainda maior apareceu no meio do caminho. 

A viagem se tornou um complexo circuito de obstáculos quentes e altos como montanhas. Um olhar horrorizado assumia o rosto de Mourrice enquanto ele percebia o nível daquela situação, e por mero acaso e desespero, ele olhou para baixo. 

O chão estava vermelho pela magma que os seguia, já estando bem à frente do grupo. Ela escorria rápido demais para ser algo natural e parecia ir em direção a algo. Sua boca ficou entreaberta quando percebeu. 

Um olhar escuro ficou estampado em seu rosto e apertou com firmeza as suas mãos. Enquanto o grupo ainda seguia em frente, ele repentinamente parou a sua onda de vento. Ficando para trás de todo o resto. 

A “nuvem” abaixo de seus pés de repente sumiu e ele se viu caindo rapidamente em direção ao magma. 

“Congele.” Murmurou e sentiu uma fria brisa de vento passar por seus cabelos. Então, uma enorme área de magma ficou completamente sólida e fria como gelo. 

Ele pousou com certa displicência e olhou para a onda gigante de magma que vinha escorrendo acima dele, e escorria em direção a praia… Onde a única maneira de fugirem estava completamente desavisada do que estava acontecendo. 

“Preciso ganhar tempo.” Disse, sentindo que o calor aos poucos começou a se tornar insuportável. “Acho que vai ser a última vez que vou sentir tanto calor assim.”

Ele estalou os dedos e, à frente dele, sua mesa de criação surgiu. Era um gigantesco bloco de gelo e um pequeno catavento vermelho que girava incessantemente no topo. 

“Adicionar pré-conceito…” Começou a dizer para a mesa. “Muralha de Babel, oceano de Blizard…” 

O gigantesco bloco de gelo, conforme as palavras eram ditas, diversas rachaduras surgiam nele. Eram rasas no início, mas quanto mais profundas se tornavam mais rugas de esforço surgiam no rosto de Mourrice. 

“Ventania do norte, macieira de Maletumas…” Uma gigantesca rachadura surgiu, que praticamente partiu o bloco ao meio, e ele sentiu suas pernas cederem. Estava indo direto para o chão, quando alguém o impediu de cair.

Se virou para ver quem era, e viu o rosto peludo de um pequeno Símiomono com um sorriso cansado estampado.

“Desculpa a demora.” Fisky disse, enquanto suas mãos começaram a brilhar no brilho dourado de antes. As rachaduras no bloco de gelo, aos poucos, começaram a se interligar novamente e a mesa de criação pareceu ser ainda mais resistente que antes. 

“Como você chegou aqui?” Mourrice perguntou voltando a ficar de pé.

“Tive uma pequena ajuda.” Ele apontou para cima com olhos, quando disse isso. Quando Mourrice olhou, Vitra estava planando não muito longe dali e com um olhar preocupado para eles dois.

Cansado de ficar parado, Mourrice voltou sua atenção para a mesa de criação e disse.

“Resistência férrea, congelamento sanguíneo…” Ele não se sentiu nenhum pouco cansado enquanto dizia isso, apenas via seu bloco de gelo se tornar ainda mais maciço e branco. “Concluir com objetivo.”

Ele fechou os olhos por um breve momento, aquele de longe era o momento mais importante de todo o processo de criação. Começou a visualizar cada mínimo detalhe nas magias que ele jogou na mesa. O formato, a densidade, o objetivo, o elemento… Tudo. 

E com pés e mãos firmes, ele fez duas picaretas de alpinismos surgirem em suas mãos:

“Congele esse mar de magma!” Disse, pouco antes de partir o bloco de gelo ao meio e sentir suas pernas perderem a força. Seus olhos se fecharam e seus joelhos cederam com o próprio peso. 

Suava frio e cada vez que respirava, uma pontada fria alcançava seus pulmões. Seus dentes tremiam e batiam uns contra os outros e até pensar se tornou complicado. 

“Mourrice…” Uma voz soou no fundo de sua cabeça. Tinha um tom perplexo, impregnado até o timbre mais fino. “Olha isso…” 

Se sentindo preso à brisa fria, Mourrice lentamente abriu os próprios olhos. Seus cílios estavam entre-colados, suas pálpebras estavam pesadas pelo seu suor frio e congelado, e suas juntas da boca pareciam terem sido petrificadas. Mas mesmo patético dessa maneira, foi inevitável sua boca ter caído e seus olhos estarem tão alertas quanto o de um predador. 

Existia, ao sudeste da fronteira Altum e Gaia, uma cadeia montanhosa tão funda e vasta que mistérios a rodeavam desde os tempos do primeiro rei demônio. Um desses mistérios, é a macieira de Maletumas. 

Uma árvore tão antiga quanto o tempo e alta como as montanhas próximas a ela, com uma copa tão volumosa que parecia uma gigantesca nuvem. Durante as primaveras, seus galhos ficavam infestados de diversas coisas vivas. Pássaros, roedores e maçãs de um vermelho granada tão profundo quanto o mar. 

Suas raízes e tronco eram tão grossos, que quando saiam da terra, eram quase como pequenas muralhas intransponíveis. Uma árvore que transcendia qualquer tipo de senso comum e que provou uma coisa para os mais esperançosos. Os céus estavam mais próximos do que imaginaríamos. 

E ali, diante de três jovens demônios em processo para serem magos de batalha, estava algo que ia muito além dos céus ou da terra. 

Uma árvore tão grandiosa quanto Maletumas, mas era de azul límpido como um céu azul sem nuvens. Olhar para ela passava uma sensação profunda de pequenice e complexidade, mas ao mesmo tempo, de que tudo se resolveria facilmente. 

Suas raízes constantemente saíam da terra e elas começavam a circundar toda e qualquer rota até o navio. Todo magma que se aproximava dessas raízes, no mesmo instante, se endurecia como pedra. 

Uma densa névoa, formada pelo choque térmico da árvore com o magma, começou aos poucos a se juntar e, por breves momentos, densas chuvas de granizo caíam sobre as cabeças dos estupefatos demônios. 

“Você fez isso… Mourrice?” Vitra perguntou, sem tirar os olhos da árvore. 

“Acho que sim…” Ele disse, não acreditando nas próprias palavras. 

“Mourrice… Isso é…” Fisky começou a dizer, com um sorriso largo “Isso é incri—” De repente, um estouro seguido de um baque. 

Pelo canto dos olhos, Mourrice viu algo estranho. Quando começou a virar a cabeça, a primeira coisa que percebeu foi uma enorme raiz pontuda e espinhenta, numa cor marrom, sendo expelida de dentro da terra. 

Um pouco acima dela, uma torrente de um líquido viscoso e denso, de um vermelho profundo e estranhamente familiar. Seu olhar de choque acompanhou sua compreensão do que era aquilo. 

Suas mãos agiram junto dos seus pés, e ele forçou toda a mana que tinha para gerar uma lâmina de gelo por entre os próprios dedos. Movido pela raiva, ele partiu em dois a raiz espinhenta. 

Antes que percebesse, havia caído um corpo inerte em seus braços. Logo abaixo de seu queixo, um buraco enorme estava preenchido pela raiz espinhenta que Mourrice tinha cortado. Suas mãos tremiam e ele se recusava a olhar de quem era aquele corpo. 

O líquido viscoso e vermelho, escorreu por entre o buraco no meio da cabeça, manchando toda sua camisa e a de Mourrice. Mas ele pouco fez para se importar com suas vestimentas, apenas segurava o corpo inerte de alguém que ele se recusava a reconhecer.

“Droga!” Segurou as lágrimas, prestes a cair. “Não era para isso acontecer… Não era!” Sua voz engasgava, conforme sua boca ficava seca. “Não tinha que acontecer isso! Por quê?!” 

O sangue lhe fervia a mente. O frio do lado de fora, fazia suas mãos tremerem mais do que ele gostaria. Já não sabia dizer se seus dentes tremiam de medo, raiva, ou frio. 

Tudo que sabia era que, por mero acidente, ele olhou para cima. As lágrimas finalmente começaram a cair. 

“Fisky… Merda…” 

De repente, outro estrondo e Mourrice viu por um breve relance outra das raízes espinhentas vindo na sua direção. No entanto, ela foi transformada em cinzas no instante seguinte. 

Quando se virou, viu que Vitra arfava, com a respiração formando uma névoa pelo frio. Seus olhos também estavam próximos de lacrimejar, mas todos os músculos de seu rosto se contraíam para que isso não acontecesse. 

“Mourrice, temos que sair daqui!” Ela gritou, olhando desesperada para Fisky e depois para as cinzas da raiz espinhenta. “Não é seguro aqui!” 

Mourrice se virou para ela, tendo um olhar vazio no rosto. As lágrimas lutavam para escorregar pelo rosto, sendo constantemente congeladas pelo tempo frio. Chegou um momento em que seus olhos estavam vermelhos não somente pelas lágrimas, mas pelo tempo seco, quente e frio, tudo ao mesmo tempo. 

A dor física não lhe importava naquele momento, só queria ter feito algo a mais… 

“Qualquer coisa já teria servido…” Murmurou, secando as lágrimas. “Que merda!” 

Carregando o corpo com demasiado cuidado, ele se levantou e olhou para Vitra. Balançou a cabeça, pedindo que ela guiasse o caminho. 

O caminho não foi nada fácil. Muita magma já havia passado antes da árvore de gelo ter surgido. Então, na maior parte do caminho, Mourrice correu com Fisky em seus braços e constantemente congelou a magma abaixo dos seus pés. 

Era cansativo, mas ele parecia já não estar mais tão exausto. Além disso, por diversas vezes eles foram atacados, e em todas elas, Vitra queimou até virar cinzas seja lá o que viesse. 

Já estavam quase na praia, com todo o acampamento já desfeito e mais ninguém em terra. No entanto, o navio ainda não havia partido.  Ele aguardava os últimos três tripulantes. 

“Vitra! Avise-os para que avancem para alto mar!” Mourrice disse para Vitra que voava ao seu lado.

“Mas e você?”

“Vou estar logo atrás.” Ele afirmou, apertando o passo correndo o mais rápido que podia. 

Com tudo isso dito, Vitra bateu suas asas e avançou quase que imediatamente até o navio. Mourrice continuou a correr, arfando e sentindo que cada músculo das suas pernas estava prestes a ruir. 

“Não pare…” Se pegou dizendo, enquanto olhava para o corpo inerte de Fisky. “Não pare!” Apertou o passo mais uma vez. 

No instante seguinte, as velas do navio haviam sido completamente estendidas e ele já começava a se afastar da terra. Se Mourrice não fosse, ele não conseguiria alcançar o navio ainda em terra. 

Foi com um olhar de raiva e sentindo que suas pernas desistiriam a qualquer momento, que ele se virou para a praia. 

Ele não conseguiria chegar no navio a tempo e definitivamente não conseguiria aumentar o passo. Tudo que lhe sobrava era a mana. A cada passo que dava, a água salgada logo abaixo dele congelava instantaneamente e, aos poucos, essas pequenas bases de gelo iam se tornando mais altas, quanto mais se aproximavam da embarcação. 

O navio já estava quase em alto mar quando seus degraus de gelo já estavam com a mesma altura que a proa. Quando sentiu que o gelo parecia ter se tornado mais pesado. Sua mana estava acabando. 

Em uma tentativa desesperada, ele usou o último degrau que estava pisando e o expandiu numa larga base de gelo. Junto disso, ele fez a base se quebrar e com toda a mana que lhe sobrava, obrigou a base voar em direção ao navio. 

O tombo não foi bonito, mas ali estavam eles. Acabados, exaustos, feridos e… Com um deles já não respirando mais. 

Enquanto todos os alunos se aproximavam do cadáver inerte de Fisky, Mourrice estava imobilizado no convés. Sentindo que cada parte do seu corpo tremia de frio e que poderia partir com o mínimo movimento. 

Foi então que, como se carregasse a mensagem do fim dos tempos, a voz arranhada soou alta e clara na cabeça de todos os presentes no barco. 

“Não se aproximem da ilha.” A figura disse. Fazendo com que a mensagem soasse, não como uma ameaça, mas sim uma regra. Nenhum dos presentes teve vontade de quebrar essa regra… exceto por uma pessoa. 

Mourrice se levantou com dificuldades e mancando, foi em direção da ponta traseira do navio. Diversos olhares recaíram sobre ele. Uns viam um louco, outro um corajoso, outros um inconsequente, mas todos estavam confusos e observavam o Homalupo de pelo branco, agora sujo por diversas coisas e vestindo farrapos ao invés de roupas. 

Com dificuldades, ele subiu na borda do navio e olhou para a ilha. Um olhar profundo, carregado com o frio que sentia nos músculos, do calor que sentia do seu sangue em fervura e da dor no seu corpo e mente. 

“Me espere…” Murmurou ao vento. 



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