Demon And Human Brasileira

Autor(a): The_Mask

Revisão: Alluna Idle


Volume 1

Capítulo 4: A caminho da universidade

O sol havia nascido há poucas horas e Arnok sentia-se exausto. Ele já voava há quase cinco horas e a viagem foi bem problemática.

No meio da noite, a chuva que tinha ido embora voltou mais forte e com ventos igualmente poderosos. Lutar contra isso foi uma tarefa árdua e cansativa. Depois do enterro de seus entes queridos, Arnok voava já cansado.

Ele precisava descansar, se não desmaiaria voando.Ainda no ar, viu que o chão era cenário para um ambiente interessante.

Duas florestas, uma fazendo fronteira com a outra. A maior e mais densa era uma floresta de pinheiros que eram tão grossos e altos que era difícil ver o chão e se Arnok descesse um pouco mais, poderia tocá-los.A outra floresta era completamente diferente, não era sequer feita de árvores.

Era uma floresta de pedras, com diversas formações rochosas de mais de quinze metros e árvores no meio disso.Ele não tinha forças para pousar em um lugar complicado, então decidiu pousar nas pedras.

Assim que tocou o chão, sentiu todo o cansaço da viagem cair sobre  seus joelhos, fazendo-o mal aguentar o próprio peso.

"Pouso mal feito. Meu pai diria.” Arnok falou e riu sozinho. 

Aos poucos, ele levantou e olhou ao redor. Aquele cenário criava um clima estranho para Arnok. Ele sentia-se bastante oprimido e diminuído, no meio de tantas pedras.

Em meio a todos esses sentimentos, Arnok encontrou uma formação rochosa misturada com algumas árvores de pinheiro, o que criava uma sombra e um canto confortável para descansar.

Arnok andou até lá, soltou suas coisas no chão e deitou na sombra. Ele ficou ali por algum tempo, respirando pela boca e fazendo o cansaço do seu corpo ir embora. Mexendo na grama ou nas pedras enquanto pensava.

"Acho que ser um Asa Negra tem suas vantagens, não é?" Pensou enquanto olhava para o nada. "Faz algum tempo que eu voei tanto assim, a última vez acho que foi..." Sua mente vacilou, tentando lembrar. " Com meu pai e meu irmão."

Ele se lembrou de uma memória antiga, de dois anos atrás. Em que ele, seu pai e seu irmão fizeram um treino de voo. Seu irmão estava despreocupado, já havia feito aquele treino diversas vezes, mas seria a primeira vez de Arnok.

"Não se preocupe." Seu irmão lhe disse num tom relaxado. "Não é difícil, você não terá grandes problemas."

Seu pai se virou para os dois com o seu sorriso familiar no rosto.

"Estão prontos?" Seu pai abriu as asas e começou a voar, seu irmão foi logo em seguida e Arnok, hesitando, voou atrás deles. 

No presente, embaixo daquela sombra, um sorriso apareceu em seu rosto.

"Os treinos do meu pai eram puxados, mas era legal passar um tempo com meu irmão. Minha mãe sempre gritava com meu pai, preocupada que alguma coisa acontecesse com a gente nesses voos." Riu do próprio pensamento. "Ela tinha medo que déssemos de cara com a cavalaria... " O sorriso que tinha no rosto sumiu. "No fim das contas não foi durante os treinos que a cavalaria apareceu."

Então sua barriga roncou bem alto.

"Já estava na hora de você falar alguma coisa, não é?" Arnok pensou em procurar comida no meio daquelas pedras, mas então viu a floresta de pinheiros, não muito longe dali, e teve uma ideia. "Espero que meu pai tenha me ensinado bem a caçar."

Descansou por mais dez minutos e foi olhar o estado das coisas que havia pego para a viagem. Suas roupas, e a bolsa em si, estavam encharcadas e o sílex que trazia consigo, parecia ter sumido.

“Droga!” Arnok exclamou, frustrado.

Depois de ter arrumado o que pôde, ele começou a andar até a floresta. A parte mais difícil foi achar um caminho entre as pedras que levasse até lá, foi uma busca um tanto entediante e monótona, mas depois de outros dez minutos, Arnok a encontrou.

De frente para eles, Arnok percebeu o quão altos eram aqueles pinheiros. Com talvez o dobro da altura das formações rochosas, eles também eram escuros e o período de transição de verão para outono não parecia afetá-los.

“Talvez, mais adentro na floresta, eu encontre alguma coisa. “

Lá dentro, pouca luz do sol chegava ao chão e era bastante úmido. O cheiro dos pinheiros chegava a ser um calmante natural. O clima era bem diferente da floresta de pedras. Assim, Arnok começou a procurar rastros para encontrar alguma comida, mas demorou muito para obter resultados. Não havia galhos quebrados nem folhas pisadas, nada que levasse à alguma criatura viva.

Foi então que o primeiro rastro surgiu. Em meio ao cheiro agradável e agridoce dos pinheiros, o odor forte de alguma coisa veio e se tornou inconfundível. Arnok correu na direção do cheiro e encontrou fezes. Eram diversas bolinhas miúdas, todas muito próximas entre si, algumas até coladas. 

“Fezes de cervo!” Arnok comemorou na própria mente e começou a analisar as fezes mais de perto. “São recentes, de uma hora ou duas atrás, parecem ser de um adulto. Talvez tenha alimento por perto.” Ele olhou ao redor, procurando outras dicas da presença do cervo, e achou não muito longe dali algumas pegadas. Eram calmas, organizadas e em grande número. Um bando.

As pegadas mostravam que eles seguiram para o norte, e foi para lá que Arnok seguiu. Começou a correr, mas foi passando pela grama fofa e evitando fazer o máximo de barulho possível. “Assim como meu pai me ensinou.” Ele pensava enquanto executava os mesmos movimentos que decorara nos seus treinos, como se fosse a coreografia de uma dança.

O barulho dos seus passos foi cortado por um som rítmico, ele parou abruptamente e começou a ouvir e ver.O som vinha dali de perto e seguindo naquela direção Arnok viu uma clareira.

Logo antes de entrar nela, enxergou os cervos. Eram todos cervos-vermelhos, nove ao todo, liderados por um macho muito grande. O maior que Arnok já viu. Tinha quase três metros, sem contar seus chifres. Ele estava no meio do grupo, comendo, assim como os outros. O jovem asa negra o fitou.

“Certo, faça a mesma coisa que você fez antes. Invoque as chamas.” Ele se concentrou e, depois de algum esforço, uma pequena chama acendeu na palma de sua mão. “Preciso derrubá-lo num único golpe, e não quero que ele se queime todo...”. Arnok ficou olhando para a palma da sua mão até que uma ideia surgiu na sua cabeça.

Concentrou-se e fez com que a pequena chama na sua mão tivesse um formato esférico e fez ela ir para a ponta do seu dedo indicador. Imitando uma pistola com os dedos, ele mirou no líder do bando.

“Cabeça, ou coração?”. Arnok se perguntou. Ele prendeu a respiração, se concentrou e pensou: Dispare.

Assim como da primeira vez, a chama saiu sem que ele nem percebesse e foi tão rápida que era difícil até vê-la. O cervo-vermelho não teve tempo de reagir, em um instante, a chama de Arnok atravessou sua cabeça e deixou um buraco carbonizado para trás. A chama continuou a trajetória e acertou uma árvore um tanto distante, que também ficou carbonizada.

O baque do cervo caindo no chão fez os outros correrem na direção oposta, desesperados. Poucos segundos depois, só havia o cadáver do líder do bando no local. Um sorriso orgulhoso apareceu no rosto de Arnok. Ele foi indo até o corpo dando saltos de alegria, mas então ouviu um barulho. 

Os arbustos, na direção em que Arnok veio, começaram a farfalhar e uma figura verde saltou. Arnok, por instinto, deu uma cambalhota para a direita e evitou o ataque da criatura, enquanto se afastava do cervo. Então ele ouviu um rosnado.

Quando percebeu qual criatura era, preocupação dominou seu semblante. Era um lobo, mas tinha algumas diferenças grotescas. A cor do pelo era de um verde musgo bem denso e escuro, com algumas partes em um verde mais claro, o que era uma camuflagem natural nesta floresta. Parecia ter cerca de dois metros, mesmo com o corpo agachado em posição de alerta.

“Esse lobo aprendeu a controlar a mana.” Arnok se preparava para um conflito longo.

Toda criatura tem mana, porém são raras as espécies que conseguem controlá-la, e as que conseguem são verdadeiramente perigosas e difíceis de se lidar.Arnok fez o primeiro movimento e acendeu uma chama na ponta de seu dedo e a lançou no lobo. 

A primeira reação do lobo não foi susto ou surpresa, mas sim pular por cima da pequena bola de chamas e ir na direção de Arnok num movimento rápido e com seus caninos prontos para morder. Instintivamente, ele abriu as asas e voou para trás, se afastando do lobo.

“Mas que merda!” Exclamou.

Arnok e o lobo ficaram se olhando, com este último ameaçando sua presa com seus dentes enquanto ficava numa posição de alerta. E,  sem saber ao certo o que fazeer a seguir, ele preparou mais uma chama e rapidamente a disparou contra o lobo, e o que ocorreu anteriormente se repetiu.

O lobo esquivou-se e contra-atacou, Arnok voou para trás e evitou a mordida. Isso repetiu-se algumas vezes. Essa situação começou a parecer nem um pouco amedrontadora, mas sim estranha e talvez até cômica para alguns.

Chegou num ponto que Arnok já estava se irritando e decidiu mudar de estratégia. 

Ele se concentrou e criou cinco bolas de fogo, uma para cada dedo e mirou no lobo. Arnok sentiu como se uma grande quantidade de suas energias fosse sugada e se sentiu cansado, quase exausto. Atirou as cinco chamas, todas de uma vez.

O lobo tentou esquivar-se e quase conseguiu, mas uma das chamas acertou sua perna dianteira esquerda, deixando para trás uma linha grande de pelos chamuscados e carne queimada. Ele grunhiu de dor e se afastou de Arnok, ficando longe tanto dele quanto do corpo do cervo. Seu olhar caiu sobre o asa negra e começou a rosnar. Era um rosnado forte, que carregava raiva e mais alguma coisa estranha que fez a pressão ao redor mudar. As mãos de Arnok começaram a tremer.

“Eu lutei com ele até agora sem sentir medo algum.” Pensou consigo mesmo. “Então por que agora?”

A pressão que vinha do lobo começou a aumentar cada vez mais até chegar em um ápice. Ele começou a crescer. Uma criatura que antes era levemente maior que Arnok, começou a crescer a cada segundo e rapidamente já havia passado os três metros.

Foi então que as palavras de seu pai lhe vieram à mente.

“A estratégia desses animais que controlam mana segue um padrão, principalmente os carnívoros. Mudam o próprio corpo por um breve momento, como uma última carta na manga, e assim como eu disse, os carnívoros entram no modo berserker.”

Entrar no “modo berserker” significava a perda da lucidez pelo aumento de força física.

“Droga!” Arnok disse.

O lobo correu descontrolado contra Arnok, com os dentes visíveis e prontos para devorar sua presa.

Ele abriu asas e voou para cima, ficando longe do lobo. Pensou em voar para longe dali, mas de repente o animal enfurecido uivou tão alto que fez seus ouvidos doerem. No entanto, tinha algo há mais ali. Os movimentos de Arnok travaram, suas asas pararam de obdecê-lo, seus braços pararam de mexer e ele sequer sentia a própria lingua.

 

O inevitavel aconteceu e ele começou a cair. A altura não era tanta, Arnok voou apenas 5 metros para cima, mas ele caiu em cima da sua asa e sentiu algo estalar. No mesmo instante, aquela região começou a palpitar com uma dor lasciva. Arnok tentou se mover, mas ainda não conseguia mexer um músculo sequer.

O lobo deu meia volta e lentamente voltou à sua forma original. Ele começou a caminhar lentamente até sua presa com um ar de superioridade. Não tinha como Arnok escapar, e o animal sabia disso.

“LEVANTE-SE, ARNOK!” Ele gritava em seus pensamentos, o efeito da paralisia era tão alto que nem mesmo os músculos da sua boca conseguiam se mover. “DROGA, ERGA-SE E LUTE!”

Sua cabeça estava a milhão, tentando encontrar uma forma de sair dessa situação. Tão bagunçados eram seus pensamentos que fizeram ele se lembrar de um dos treinos de seu pai, as palavras que foram ditas naquele dia.

“Perder a cabeça em momentos assim leva à morte, meus filhos. Você começa a lutar de acordo com as regras do seu inimigo e você perde sua vantagem. Sempre lembrem-se disso, autocontrole é tudo, e calma mais ainda.”

Arnok então seguiu o conselho do seu pai. Parou, respirou, sem perder a calma como havia feito antes, e se concentrou.

“Pense Arnok, um plano que dê certo nesse estado.” Ele pensou em algo e começou a vasculhar suas memórias sobre as suas habilidades mágicas e o pouco conhecimento que ele tinha sobre magia. “Talvez dê certo.”

Seu foco de concentração mudou. Para seu plano dar certo, Arnok tinha primeiro que mover sua mão e apontá-la para cima. Toda sua força foi para a área dos seus dedos e seu pulso.

“Vamos...” Ele sentiu seu indicador se mover um pouco. “Quase lá...” Colocou tanta força na mão para então finalmente ela obedecê-lo, seus dedos e palma da mão ficaram todos apontados para o céu.

“Agora só falta uma coisa” Invocou as chamas para a ponta de seus dedos mais uma vez, e no mesmo instante se sentiu exausto. Porém não podia parar agora e Arnok se concentrou em um único pensamento: Persigam-no.

Sua magia voou e o lobo institivamente saltou para trás, evitando uma magia que nunca chegou. Ele então percebeu que estava ficando sem tempo e começou a correr na direção da sua presa. A magia de Arnok, no entanto, não havia acabado por ali. As cinco pequenas bolas de fogo que voavam para cima, e que já estavam há quase vinte metros de altura, deram meia volta e começaram a cair muito mais rápido do que subiram.

O lobo estava prestes a pular para cima do Arnok, quando as cinco chamas acertaram o animal em cheio. Seus movimentos pararam no mesmo instante e o animal caiu no chão, morto e cheirando a queimado. Ele  sentiu tamanho alívio, que foi como se o cansaço saísse do seu corpo. Porém não conseguia comemorar, pois ainda estava paralisado seja lá pelo que. Só pôde ficar orgulhoso.

“Finalmente, me sinto tão cansado. Nunca imaginei que seria tão difícil matar um lobo cinzento.” Arnok estranhou alguma coisa na sua linha de pensamento. Ele lembrou-se da vez que enfrentou um lobo cinzento antes desse dia. Ou melhor, seu pai e seu irmão.

Ambos estavam exaustos, feridos e com suas armas de combate preferidas. Hills com sua rapieira e lâmina curta de aço, estava com as asas fechadas nas costas, Lauron estava com as asas abertas e tinha consigo sua adaga de obsidiana. Ao redor deles havia um campo de batalha sangrento. Uma dúzia de cadáveres de lobos cinzentos, todos feridos com cortes e com penas negras, tão duras quanto aço, fincadas em seus pontos vitais.

Seu pai se virou para ele, cansado e suado.

“Lembre-se, Arnok” Ele parecia exausto. “Um lobo cinzento... nunca caça sozinho.”

Ele então entendeu o erro na sua frase. Não existe essa de “matar um lobo cinzento”. Principalmente um tão inteligente quanto esse, ele nunca estaria muito longe da matilha.

“Tenho que sair daqui.” Disse para si mesmo, e começou a usar todas as suas forças para se levantar, mas era tarde demais.

Ao leste, um farfalhar de folhas soou e vários vultos cinzas saíram. Sete lobos cinzentos, comuns dessa vez, ficaram parados, rosnando em posição de alerta na direção do Arnok. Porém, eles viram que a pessoa que matou seu companheiro estava incapaz de fazer qualquer coisa e começaram a correr até ele.

“Merda!” Arnok tentou invocar suas chamas de novo, mas seu corpo estava exausto demais para isso. “Não tenho forças para invocar outra magia. Acabou.”

Ele aceitou seu destino, porém, um clarão forte de cor azul surgiu de trás dele e passou rapidamente. Esse clarão se dividiu em sete fechos menores e todos acertaram os lobos. Eles caíram no chão e entraram em estado de convulsão e poucos segundos depois, um cheiro forte de queimado saiu deles. Estavam todos mortos.

“Mas que azar, hein, garoto!”

Da mesma direção do clarão, uma voz muito grave surgiu junto do barulho dos passos. Arnok não conseguia ver o sujeito, porém, sentiu-se aliviado com a presença dele ali. Já começava a relaxar o próprio corpo e a mente.

“Tá tudo bem aí?”

O efeito da paralisia foi acabando, sendo substituído por um sono e cansaço tremendo. Ele começou a fechar os olhos e sentiu que apagaria logo.

“Acho que você usou muita mana, não é?” Foi a última coisa que ouviu antes de apagar.

Poucos segundos depois, ele abriu os olhos. Estava em um corredor sem janelas, bastante longo, alto e largo o suficiente para caber um batalhão de 10 soldados. A parede era feita de blocos de pedra maciços e eles estavam com várias rachaduras. Era iluminado por tochas distribuídas uniformemente ao longo dele todo.

“Isto é obviamente um sonho.” Arnok disse para si mesmo. Começou a caminhar e foi seguindo o caminho daquele corredor. Vários minutos haviam se passado, mas nada havia mudado, parecia que ele estava andando em círculos. Foram mais alguns minutos caminhando para algo mudar.

Uma brisa fria e lenta passou pelas pernas do Arnok, fazendo-o se arrepiar inteiro e ter uma sensação de pura intimidação e medo. Seus pés pararam involuntariamente.

“Por que hesita, garoto?”

Uma voz inatural veio do fundo daquele corredor, ela era desconfortável de se ouvir e não parecia ter sequer um gênero definido. Arnok olhou na direção da voz e viu uma porta que tinha toda a altura e largura do corredor e a pressão emanada dali era insuportável para ele.

“Vamos garoto, venha.” A voz falou num tom convidativo e meio impaciente. “Você está destinado a assumir o trono.”

Uma brisa forte e violenta saiu da porta, que fez com que todas as tochas se apagassem, era tão forte que Arnok foi obrigado a fechar os olhos.

“Agora acorde.”

A brisa parou e quando abriu os olhos, já não estava mais no corredor, muito menos de pé. Ele estava deitado no que parecia ser um amontoado de peles de diversos animais e tecidos. Suas costas doíam muito - ou eram suas asas? Arnok não sabia dizer exatamente. A dor era muita e incoveniente demais.

“A pancada foi bem forte, pelo visto.” Arnok disse sem perceber.

“Acordou, então?”

Arnok reconheceu aquela voz, era a mesma de mais cedo, quando foi salvo por seja lá quem fosse o dono dela. Ele se sentou e no mesmo instante sentiu suas costas inteira doer. Olhando ao redor, viu que estava num acampamento improvisado. Havia uma fogueira exalando um cheiro delicioso de gordura, sua bolsa estava perto de sua cama improvisada, e um pouco longe dali, uma carroça com dois cavalos dormindo.

Caminhando da carroça, Arnok finalmente viu como era seu benfeitor.

Tinha uma estatura mediana, cabelos grisalhos bastante ralo, dois chifres circulares como os de um íbex e não possuía nenhum pelo facial. Vestia um sobretudo preto, de padrão militar, com várias condecorações e medalhas de honra ao mérito. Ele era alguém de uma patente muita alta no exército, aparentemente. O sujeito se aproximou lentamente e carregava consigo vários pedaços de carne enfiados em espetos de madeira.

“Está com fome? Vou pôr a carne para assar agora, se puder esperar um pouco.” Chegou perto da fogueira, e fincou os pedaços de madeira bem próximos ao fogo.

“Tudo bem, eu consigo esperar.” Arnok respondeu, porém naquele momento sua barriga roncou bem alto. Sentiu que as suas bochechas ficaram vermelhas e o homem deu uma risada longa.

“Bem, acho que vou pegar as frutas na carroça, então. Também estou ficando com fome.” Ele se levantou devagar.

“Deixa que eu pego, não vou deixar o senhor fazer tudo.” Arnok falou enquanto se levantava.

“Não sou tão velho assim para ser chamado de senhor. Me chame pelo nome, garoto. Sou Hiotum, é um prazer.” Ele fez um aceno com a cabeça e abriu um sorriso amigável.

“O prazer é meu, sou Arnok.” Esticou a mão e cumprimentou Hiotum, ele corespondeu com animação. Sua mão era lisa, com alguns poucos calos.

Arnok foi andando em direção da carroça. Os cavalos estranharem ele de inicio, mas relaxaram pouco depois. Na parte de trás, era onde as coisas ficavam guardadas cobertas por um telhado de madeira e couro. Lá também tinha guardado diversos caixotes de diversas cores.

“Em qual desses caixotes estão as frutas?” Gritou para Hiotum.

“No vermelho pequeno.”

Ele achou o caixote vermelho empilhado em cima de outros, agarrou e fez força para levantar, mas sentiu algo estralar e gritou de dor, caindo em seguida para fora da carroça.

“O que aconteceu?” Hiotum veio correndo e rapidamente já estava lá. “Onde dói?!” Disse com firmeza.

 “Meu braço e minhas costas!” Exclamou cheio de dor.

“Quero palavras exatas, garoto!” Disse com a mesma firmeza que antes. “Onde dói?”

Arnok pensou um pouco e disse:

“Nas minhas costas, no lado esquerdo, onde a asa se encontra com o corpo.”

Hiotum colocou uma das mãos embaixo da asa esquerda de Arnok e sentiu uma leve deformidade naquela área.

“Está deslocado.” Colocou a outra mão no peito esquerdo. “Escute, garoto. Posso colocar de volta no lugar, mas vai doer e muito.”

“Não importa...” Ele gemia de dor. “Só faça de uma vez.”

“Certo. Vou contar até três.” Hiotum disse, enquanto terminava de ajeitar suas mãos nos lugares certos. “Pronto?”

Arnok acenou afirmativo com a cabeça.

“Um...”

Aplicando muita força e jeito, Hiotum colocou o osso logo abaixo da asa de Arnok de volta no lugar, e uma onda insana de dor passou pelo corpo dele.

“Você... disse que faria no três.” Arnok colocou a mão embaixo da asa, ainda sentindo dolorido, mas muito melhor que antes.

“Nunca acredite num homem velho, garoto.” Hiotum disse com uma risada. “Eu pego a caixa, não se preocupe.”

Os dois voltaram ao acampamento, Arnok sentindo seu corpo todo dolorido e Hiotum carregando o caixote de frutas. Ele pegou uma druta espinhenta, meio oval e esverdeada, e a entregou para Arnok.

“Comer é uma ótima forma de se distrair da dor.” Hiotum também pegou uma fruta na caixa e a comeu. Arnok mordeu a sua em seguida, ela era doce e cítrica. Os dois se sentaram ao redor da fogueira e comeram mais algumas frutas num silêncio um tanto desconfortável. Até que Hiotum decidiu quebrá-lo.

“Você é um Asa Negra, certo? Ouvi dizer que a última caravana de puros sangues foi dizimada pelos humanos.”

“E foi.” Arnok comentou indiferente. “Sou um sobrevivente.”

“Você parece não se importar com isso.” Comentou Hiotum enquanto pegava um graveto e mexia na fogueira.

“Não é chorando que alguma coisa vai mudar.”

Houve um momento breve de silêncio.

“Quantos anos você tem... Arnok, não é?”

“Sim, tenho 14 anos, senhor.”

“Nem parece, seu rosto parece mais infantil.” Hiotum olhou para os espetos na fogueira e abriu um sorriso. “A carne tá pronta.” 

Ele tirou dois espetos e entregou um deles ao Arnok.

“Antes que você me pergunte, sim, a carne é do cervo e do lobo que você matou.” Ele deu uma mordida na carne de cervo e continuou de boca cheia. “A carne de lobo não é muito saborosa, mas a pele você estava deitado em cima até agora pouco.”

Arnok olhou para o próprio espeto com um certo orgulho e o mordeu. Os dois comiam aquela carne de cervo com gosto. Depois de ter comido 4 espetos, já se sentia cheio, mas Hiotum continuou comendo. Ele então começou a prestar atenção em um detalhe do seu salvador. Seu sobretudo. As diversas insígnias que ele carregava davam um ar de importância muito grande para o homem sentado à sua frente. Cheio de curiosidade, ele perguntou:

“O senhor é de alta patente, Hiotum?”

Ele parou de comer, e pensou um pouco antes de responder.

“Eu era, mas agora não trabalho mais diretamente para o exército.”

“Como assim?”

“Bem, sou professor na universidade e um oficial na academia.”

“Aonde?”

“A universidade garoto, nunca ouviu falar? Depois de tantos anos lutando e comandando guarnições nas fronteiras, decidi me afastar um pouco das batalhas. Mas e você, Arnok, para onde pretende ir agora?”

E então o asa negra pensou. E pensou. E pensou mais um pouco, até que ele se sentiu um idiota completo.

“Não tenho a menor ideia.” Disse desanimado. Hiotum correspondeu com uma risada.

“Certo.” Ele começou a voltar a comer, até que parou no meio do movimento. “Acabei de me lembrar que eu tenho um vinho guardado na carroça e carne assada é ótima com uma bebida. Espere aqui, vou lá buscar.” Ele se levantou com um pouco de dificuldades e caminhou até a carroça.

Arnok foi e comeu mais um espeto, apenas pela gula de fazê-lo. Ele então começou a olhar para o céu. Era uma noite estrelada, digna de poemas e canções. A lua estava alta, grande e cheia. Olhar para ela dava uma sensação tão grande de paz em Arnok, que até sua dor parecia passar mais rápido. 

“Devo ter apagado completamente.” Pensou olhando para as estrelas. “Era começo do dia quando tudo aquilo aconteceu.”

“Onde é que está essa maldita garrafa?!” Hiotum reclamou alto e Arnok deu risada.

Ele ficou mais algum tempo olhando para cima, até que Hiotum finalmente apareceu carregando uma garrafa de vidro verde tampada com uma rolha, e dois copos de madeira.

“Achei!” Ele tinha um sorriso de orelha a orelha.

Os dois começaram a comer de novo. Hiotum parecia estar de barriga vazia agora que bebia, mas Arnok só aguentou tomar um copo e comer mais um espeto.

“Você tem que... hic... entender, Arnok.” Hiotum falava lento, soltando um soluço de vez em quando. “A academia tem estado uma bagunça esses últimos tempos, hic. Tudo por culpa daquele Morpheus, hic, a espada daquele maldito cheio de penas em breve escolherá um novo usuário.”

“O senhor conheceu o Morpheus?!”

“Pare de me chamar de senhor, não sou tão velho assim. Mas sim, eu conheci o Morpheus, estudei com ele na academia, e acredite em mim quando eu digo, garoto, ele era um vagabundo cheio de penas, mas um vagabundo muito poderoso, o mais poderoso mago de batalha que eu já conheci.” Ele deu um soluço que criou uma pausa na sua frase. “Ele me lembra você, garoto.”

Arnok se surpreendeu com isso.

“Sério?” Falou esperançoso e um pouco sem graça.

“SIM!” Ele levantou e ergueu os braços, gritando. Fazendo todos os pássaros que estavam ali, voarem para longe. “Opa, hehe. Mas, continuando, você me lembra muito o Morpheus. Um Asa Negra assim como ele, que tinha tanta mana e tanto controle sobre ela que chegava a dar medo, e pelo pouco que vi você lutar, penso eu, que você quer, acima de tudo, sobreviver.” Ele virou todo o conteúdo do próprio copo e quando foi colocar mais vinho, viu que já havia acabado. Jogou a garrafa para trás com uma expressão de desdém. “E, garoto, você aparentemente não percebe o quanto se machucou, já que deslocou a própria asa carregando uma caixa.” Deu uma risada longa e sentiu que quase perdeu o equilíbrio.

“Eu nunca havia feito aquilo, a sensação foi ótima.” Arnok olhou para as próprias mãos com um sorriso no rosto.

“Óbvio que foi, isto é a magia, garoto. Você é capaz de fazer coisas incríveis com ela. Admito que vejo muito talento em você. Sabia?” Ele fez biquinho e uma carinha tristonha. “Na minha época, não aparecia tantas pessoas com um talento tão natural quanto o seu.” Ele parou e parecia prestes a chorar, até que parou e abriu um sorriso de quem acabou de ter uma ideia, que com toda a certeza, explodiria algo. “Arnok, por que você não vem para a academia?”

“Espera, sério? Eu conseguiria entrar?” 

“Óbvio que sim, principalmente comigo te recomendando. E imagine só, lá você poderia aprender a fazer magia que você fez diversas vezes, sentindo-se muito menos cansado, e muito mais além disso.” Hiotum se levantou rapidamente e sentiu o corpo todo virar e quase cair, mas depois que se recompôs, esticou uma mão para Arnok com um sorriso bem aberto. “E aí, o que me diz? Você quer ser meu discípulo, Arnok?”

Um sorriso cheio de alegria abriu no rosto do Arnok, ele sentiu toda a dor ir embora, levantou-se e agarrou a mão do Hiotum com entusiasmo.

“Sim, eu quero.”

“Ótimo.” Hiotum deu um longo bocejo. “Amanhã faremos nosso caminho até capital e de lá para a academia.” Deu outro bocejo. “Eu sei que você dormiu a tarde toda, mas tente descansar um pouco.” Ele caminhou até a sua cama improvisada e deitou. “A viagem vai ser longa e eu quero que você leia algumas coisas... no... caminho.” Hiotum apagou e começou a roncar no mesmo instante.

Arnok riu. Ele voltou a olhar para cima, e dessa vez, sentia-se muito esperançado. 

“Acho que eu consegui, pai.” Arnok começou a se ajeitar na própria cama para tentar dormir. “Estou dando meu primeiro passo para as estrelas.”



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