Demon And Human Brasileira

Autor(a): The_Mask

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Volume 1

Capítulo 25: De demônio para humano

“O que pretende fazer conosco?”

Trauno perguntou irritado. Ele não confiava em Philip, isso era óbvio, mas sentia medo do que ele podia fazer com a senhorita Vitra. 

“Dar vinho, carne quente e um teto para dormirem.” Philip comentou pouco antes de se virar com um olhar indagador. “Ou vocês preferem voltar para Gaia com a barriga vazia?” 

Em silêncio, os dois demônios continuaram seguindo Philip enquanto olhavam para os cômodos daquela casa enorme. Vitra ainda massageava o maxilar quando eles chegaram na cozinha. 

“Sentem-se, vou pegar uma bebida.” Philip comentou enquanto se afastava do grupo e ia em direção da mini adega de vinhos. 

Trauno já se preparava para se sentar à mesa, mas foi parado por um puxão de Vitra. 

“Trauno, posso te pedir um favor...” Ela sussurrou. 

“Sim, senhorita?” Trauno perguntou com um fluxo de pensamentos sobre o que ela estava para pedir e já se preparando para uma luta.

“Me deixe sozinha com o humano.”

Trauno pensou ter ouvido coisas e olhou confuso para Vitra, ela apenas acenou com a cabeça com uma expressão firme. Ele pareceu relutante por um momento, mas se levantou e caminhou para fora do cômodo.

“Esqueci algo na carroça.” Disse em voz alta enquanto se afastava. Vitra não conseguia ver, mas uma expressão irritada surgiu no rosto de Trauno. 

Ela se virou para a mesa da cozinha e sentou na cadeira em que Trauno estava antes. Philip se juntou a ela pouco depois com um olhar de questionamento, ele tinha duas taças de vidro numa mão e uma garrafa de vidro verde na outra.

“Aceita um gole de vinho?” Ele perguntou enquanto se servia de uma bebida escura e cheirosa. 

“Eu não tenho idade para essas coisas...” Vitra recusou com um sorriso e um balançar de mãos.

“Não perguntei sua idade, perguntei se quer um gole de vinho.” Philip não soou grosseiro quando disse isso, por incrível que pareça. De alguma forma conseguiu soar convidativo e Vitra só pode rir com aquilo.

“Obrigada, mas não vou beber hoje.” 

“Tudo bem então...” Girou o conteúdo do seu copo, como se estivesse se preparando para degustá-lo. “Sobra mais para mim, eu acho.” Deu um curto riso sozinho e virou metade do conteúdo do copo com os olhos fechados. “Safra doce...” 

Um breve silêncio ficou entre os dois. Era semelhante a uma balança... Desconfortável de um lado e indiferente do outro. Inseguro e aproveitador. Constrangido e sereno. 

As duas figuras na sala eram opostas até em seus desejos. Uma queria extrair o máximo de informações possíveis do humano na sua frente. 

Do outro lado, temos alguém que só queria aproveitar um bom vinho de safra doce. 

“Você é realmente...” 

“Antes que comecemos com as perguntas...” Ele cortou Vitra antes que ela pudesse dizer algo mais. “Quero evitar uma conversa descontrolada.”

“Como assim?” Ela perguntou confusa.

“Uma pergunta de cada vez...” Philip levantou ambos os seus dedos indicadores com o mesmo sorriso simples. “Uma para você...” Baixou um deles. “Uma para mim...” 

Ele abaixou o segundo dedo e Vitra entendeu o pedido. Uma pergunta por vez, para cada um.

“Posso começar?” Ela disse com um olhar indagador.

“Tecnicamente, isso já é uma pergunta...”

“Você é realmente o Cavaleiro Rubro?” Vitra soou curiosa, mas dava para ver nos seus olhos um tipo de medo profundo. Era antigo e primitivo, algo que muitos chamariam de “medo do desconhecido”.

“Pode se dizer que sim...” Philip se ajeitou na cadeira enquanto suspirava. “Mas faz muito tempo que quero esquecer desse nome. Me impressiona você saber quem eu sou.” 

“Bem... Você é uma lenda viva na academia!” Vitra hesitava enquanto dizia isso. Parecia temer pelo pior, mas cada vez que via Philip apenas se preocupar com a bebida na sua, relaxava e começava a ficar despreocupada. “Já disseram muitas coisas sobre você!”

“Eu imagino...” Philip colocou a taça de vinho na mesa e pareceu se preparar para o que iria dizer. “Mas agora é minha vez...”

Um silêncio ficou entre os dois. Vitra estava desconfiada e confusa com o que podia vir a seguir. Via o homem na sua frente sendo tratado como um monstro por seus colegas de classe, mas Philip já aparentava ir contra todos esses boatos. Era estranho, no mínimo, ver quão calmo o “Cavaleiro Rubro” era.

“Como você se tornou uma escrava?” Philip perguntou por fim, e a forma direta como fez surpreendeu Vitra. Ela só pôde olhar para ele de forma incrédula, e Philip retrucou com um olhar curioso.

“Eu...” Vitra não sabia exatamente de onde começar e não queria dizer alguma informação indevida. “Estava em uma missão de entrega...”

Vitra recebeu o pedido de uma família nobre para fazer uma entrega de produtos em um lugar próximo à fronteira, uma cidade neutra. Era um serviço simples, então sequer pensou em levar alguém para escoltá-la. 

“Por que você seria escoltada?” Philip perguntou. Sua voz tinha um leve tom de embriaguez, o vinho parecia finalmente estar fazendo efeito. 

“Sou filha de algumas pessoas importantes.” Disse isso, omitindo a parte relevante daquele assunto...

“Cindra Vintro, ou Vintra Fenikso?” Mas tudo foi por água abaixo com aquela pergunta de Philip. A expressão de Vitra foi do impassível para a pura surpresa, num piscar de olhos. 

“Como você sabe meu sobrenome?!” Vitra se levantou da cadeira e bateu ambas as mãos na mesa. Philip só pode rir daquilo. 

“Acredite quando eu digo! Sei muitas coisas sobre Gaia, talvez até mais que você, mas continue de onde estava...” Philip se ajeitou na cadeira enquanto colocava mais vinho na taça, porém a garrafa não tinha conteúdo o suficiente para enchê-la. “Acho que bebi demais.”

Vitra deu um breve riso antes de continuar contando como ela veio parar ali. 

A missão estava indo tudo bem, era realmente simples entregar alguns mantimentos para mercadores, até que a cidade fora atacada por uma guarnição de soldados de Altum. 

Eles atacaram a cidade, mas mantiveram os humanos vivos e livres, enquanto os demônios foram levados como escravos. Vitra passou algum tempo nos campos de concentração, mas foi rapidamente vendida por ser uma papilio. 

Foi comprada pelo vendedor de escravos da cidade em que estavam e...

Sua voz travou. Vitra engoliu em seco e sentiu que estava suando frio, suas mãos tremiam e até sua cabeça estava latejando com as memórias daquele vendedor de escravos. Ela começou a se perder nos próprios pensamentos e na própria respiração. O ar nos seus pulmões pareciam fluir errado, a coisa simples que seria respirar, lhe pareceu uma missão árdua e quase impossível.

“Respire fundo...” Philip disse num tom completamente diferente. Era determinado e não carregava sequer um toque de embriaguez como anteriormente. “Deixe o oxigênio entrar. Inspire tão fundo quanto puder depois disso. Elimine as impurezas dos seus pensamentos e do seu corpo.”

Vitra fez isso. Respirou fundo e sentiu todo aquele ar entrar nos seus pulmões até que eles quase estouraram, depois liberou tudo inspirando por bastante tempo. 

“Repita.” Philip disse decisivo. 

Aquele processo perdurou por alguns minutos, até que Vitra finalmente sentiu a cabeça desacelerar um pouco. 

“Não me conte sobre o ocorrido, já imagino o que tenha acontecido.” Philip comentou, apaziguando todos os temores que Vitra ainda sentia. “Acho que desse ponto já sei o que deve ter acontecido. Aquele sujeito transformou sua vida num inferno na terra e decidiu vendê-la aqui na região, até que o fauno lá fora te salvou se passando por um comprador e matando o vendedor.”

Vitra balançou positivamente a cabeça. Foi nesse momento que Philip relaxou os ombros e deu um longo suspiro, parecia ter envelhecido alguns anos fazendo aquilo. 

“Acho que é o suficiente...” Até sua voz parecia estar exausta. “Sua vez de perguntar algo.”

Vitra hesitou antes de perguntar algo, ainda sentia curiosidade sobre muitas coisas com relação a Philip. Mexia nos próprios dedos de nervosismo. 

“Por quê nos salvou?” Perguntou por fim.

Philip não respondeu no mesmo instante. Pareceu pensar a fundo naquela pergunta... Ele procurava no seu interior uma resposta satisfatória para si mesmo e para a demônio na sua frente. 

“Eu... não sei.” Respondeu, enfim, soou tão confuso quanto a expressão de Vitra. “Fiz isso por instinto. Só parei para pensar nas consequências quando você já estava nos meus ombros, ainda assim não me arrependo do que fiz.”

“Mas por que?” Vitra ficou de pé com as mãos servindo de apoio na mesa e olhando incrédula para o humano na sua frente. “Se acha que poderá ganhar algo de mim, saiba que não tenho esse poder!”

“Não busco riquezas, nem nada do gênero...” Philip também se levantou e olhou Vitra nos olhos. “Fiz isso porque é o que eu acredito, nada mais!” 

“Ainda assim! O que diabos esperava ganhar em troca disso?!” 

"Experiência?" Philip soou como um aluno perguntando se aquela era a resposta certa. Queria soar brincalhão, mas só irritara ainda mais Vitra.

“Está de brincadeira comigo?!” Ela gritou com uma raiva que não sabia de onde vinha. “Não tem como isso ser verdade! Vocês humanos sempre querem algo em troca!...”

O leve sorriso que Philip tinha caiu por terra quando ouviu as palavras frias e doloridas vindas de Vitra. Ele só pôde ficar em silêncio, enquanto ouvia ela reclamar de outras dezenas de coisas.

“...São gananciosos e transformaram minha vida inteira num inferno, não vou cair nesse papo de não querer nada!” Vitra chegou bem perto de Philip e olhou para ele, por mais que o humano evitasse olhar ela nos olhos. “Então o que você quer?!”

“Minha vez de perguntar...” Quando Philip finalmente olhou para Vitra, ele tinha um olhar frio difícil de se olhar diretamente. “O que a faz pensar que sou como qualquer humano?”

“O que?” Vitra retrucou confusa.

“Por que acha que lhe tratei tão bem?!” Cada palavra de Philip queimava nos ouvidos de Vitra. Elas eram fortes, cheias de ódio e insatisfação. “Por quê eu salvaria sua vida, mesmo você tendo ameaçado a minha?!” 

“Não era uma pergunta de cada vez?” Vitra disse balançando os braços e tentando acalmar o humano na sua frente.

“Você fez dezenas de perguntas, me diminuindo como se fosse a escória dos humanos! Quer saber o que eu realmente quero de você?” Philip deu uma pausa enquanto via a expressão de horror que a papilio na sua frente fazia. “Quero que beba do meu vinho e que tenhamos uma conversa enquanto bebemos. Não de demônio para humano, mas como iguais!” 



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