Demon And Human Brasileira

Autor(a): The_Mask

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Volume 1

Capítulo 24: Com um furo na asa

“IMBECIL!”

Seu grito e o baque do seu soco ressoaram por todo o lugar. O golpe fez o rosto de Isac doer por inteiro e ele foi lançado até o chão com toda aquela força.

“Eu... sinto muito senhor!” Sua voz soava chorosa quando se virou para Caim. “Eu... Eu...”

“Sem mais desculpas.” A irritação dele era tamanha, que suas rugas pareceram ficar mais profundas. “Já não bastasse todo o barulho que você causou... Você quase feriu o filho do patriarca!” Caim apontou para o garoto encostado na parede ali perto. 

Ele estava de braços cruzados e apenas observava enquanto os dois humanos brigavam. Ainda sentia seu nariz coçar por causa da bomba amarela do começo do dia, mas aquilo era o de menos. 

“Já chega!” Uma voz grave e forte ressoou por todo o cômodo. Parecia ter sido aprimorada, porque até Caim havia sentido o peso daquele comando.

Caim, Isac e todos os presentes no lugar, exceto pelo garoto de cabelo branco, ajoelharam perante o dono daquela voz.

O homem era um homalupo de pelos tão brancos quanto os do garoto encostado na parede e sua presença fazia o próprio ar parecer ser mais pesado.

Ele se levantou do trono de mogno em que estava sentado e caminhou em direção a Caim com passos pesados e irritados. 

“Caim, estou decepcionado com você. Me disseram que era um excelente capitão e assassino, mas já deixou escapar duas vezes o mesmo sujeito e tem menos homens que dedos na mão neste momento.” A mensagem foi passada carregada de stress. Ao mesmo tempo, ele olhava para o humano ajoelhado e de cabelos grisalhos na sua frente com um desdém impregnado. 

“Uma onda de azar, senhor Patriarca.” Caim falou. Por mais que sentisse raiva por estar sendo diminuído por um demônio, sabia que não podia transparecer isso. “É só uma onda de azar.”

“Não invente desculpas, humano medíocre!” Ele gritou, por fim. Voltou para o seu trono e quando se sentou, mostrou um olhar carregado de ódio para todos os humanos na sala.

“Ainda vamos fazer nossa parte no acordo, senhor Patriarca!” Caim já estava cansado de ver seus homens serem menosprezados. Desgostava daquele homalupo ao ponto de querer matá-lo. Mas sabia que se fizesse isso, a mera chance de acabar com aquela guerra iria para o gueto junto com o seu cadáver. 

“Então onde estão as dezenas de homens que prometeu?” Uma segunda voz, tão grave e forte quanto a do patriarca veio de trás de todos os presentes. 

Entrando na sala com um olhar de ira e injúria para os humanos, Mourrice caminhou devagar, até ficar ao lado do trono do patriarca.

“Meu pai.” Fez uma leve reverência para o patriarca e abaixou o tom de voz para o mais respeitoso possível, então voltou seu olhar para Caim. 

Aparentemente, até os olhares de ódio e desdém eram passados no sangue dos primogênitos.

“Nos prometeu uma leva grande de soldados para já começarmos a operação. Mas eu só vejo 3 soldados. Um deles cometeu um erro gravíssimo de atacar meu irmão e quase acabar com o plano no primeiro dia.”

Isac revirou os olhos de vergonha e raiva.

“Acredite... Eles virão.” Caim se levantou, não se importando com o olhar torto que recebeu de Mourrice. “Muitas coisas aconteceram de tempos para cá. Em prol da missão, pedi para que nos separássemos. Eles virão e vamos começar a missão.”

“Assim espero...” O patriarca comentou. “Mas até lá, vocês ficarão sob nossa custódia.” Deu ênfase naquilo, de uma maneira amedrontadora. “Mourrice, leve eles para os níveis inferiores. Não deixe nenhum subordinado te ver.” 

“Entendido.” 

Mourrice deu outra reverência antes de se virar e levar os quatro humanos para fora da sala. Deixando seu irmão e o pai sozinhos no cômodo. 

“Como está, Vincent?” O Patriarca perguntou. Ele se levantou e começou a se aproximar do seu filho. Vincent fez o mesmo.

“Com o nariz irritado. Mas de resto...” Deu de ombros quando disse.

“Conheceu o discípulo do Hiotum?”

“Sim.”

“Como ele é?”

“Gente fina até.” Comentou dando um leve riso.

“Não era isso que eu estava perguntando...” O Patriarca falou um tanto irritado.

Vincent perdeu o sorriso que tinha no rosto para uma expressão fria. Pontuou algumas coisas na cabeça antes de continuar a falar.

“Parece ser bem forte, mas algo o impede de lutar.”

“Algo o que?”

“Um trauma talvez. Mas pode ser algo além.” 

“Tem uma teoria?”

“Nenhuma.” Balançou a cabeça, desapontado. “Só sei que quase matou o soldado do Caim, mas esse algo o impediu.”

“Os Coração de Mana estão envolvidos?”

“Se todos estão, eu não sei. Mas Kaesar estava lá, e parecia conhecer Arnok.”

O Patriarca levou uma das mãos até a têmpora e a massageou, parecia estar irritado com algo e transparecia impaciência também. Mas por fim, apenas deu um longo suspiro e colocou aquela mão no ombro do filho.

“Fez bem Vincent. Vai lavar o nariz e tente descansar.” Abriu um leve sorriso quando disse aquilo.

“Certo pai.” Vincent deu uma reverência semelhante à do seu irmão e caminhou para fora do cômodo. 

O Patriarca ficou parado no mesmo lugar, com os braços já soltos ao lado do corpo, e aos poucos seu sorriso foi desaparecendo até sobrar somente uma expressão de desprezo.

Ele então apertou os punhos com uma força gigantesca e todos os vitrais e peças de vidro no cômodo se quebraram como se não fossem nada. Estilhaços tão pequenos quanto areia voaram para todos os lados.

“Um asa negra forte?” Falou para o vazio da sala, como se buscasse alguém para jogar seu ódio. “Pretende criar outro Morpheus, Hiotum?”

A brisa fria entrou por entre os vitrais e pareceu carregar a mensagem de que o começo de algo horrível estava próximo. 

Muitas horas passaram até o sol raiar novamente, e enquanto isso, Arnok se remoía em um quarto da enfermaria. 

O tiro que havia levado no dia anterior fora pior do que ele imaginou, a dor que sentia próximo ao fim da tarde se tornou insuportável. Por isso Hiotum o levou até a enfermaria da universidade e lá recebeu tratamento por magia. 

Estava sentado na cama do lugar, com metade da asa enfaixada e uma enxaqueca horrenda. Era um dos poucos na sala e havia somente uma enfermeira trabalhando naquele horário da manhã. 

Era uma feline relativamente velha, com várias rugas pelo rosto. Veio caminhando na direção do Arnok enquanto carregava uma prancheta.

“Como se sente?” Perguntou indiferente, mal olhando para Arnok, apenas prestou atenção no pedaço de madeira na sua mão.

“Com menos dor.” 

“Que bom...” Ela finalmente olhou para Arnok, mas continuava indiferente. “O Ancião Hiotum disse que passaria aqui perto da tarde para te buscar, até lá fique aqui.” Se virou e afastou-se dele negra novamente. 

Vendo que não tinha muitas opções além de esperar, relutou contra a dor e se deitou na cama. Já era uma tarefa difícil achar uma posição boa para se deitar, ainda pior agora com aqueles machucados... 

Dá para dizer que Arnok preferia dormir de pé naquele momento.

Achou uma forma menos desconfortável de se deitar e ficou olhando para o teto, vendo o tempo passar. Era entediante, então ele fez o que mais matava tempo numa situação como aquela.

“Uma pena solta...” Olhou para a ponta de sua asa não enfaixada e percebeu que não sentia uma das penas. 

“Duas penas soltas...” Logo ao lado da primeira, ele não sentia outra delas. 

Continuou assim por muito tempo. Quando achou que terminou de contar as penas, começou a contar as penugens e já passava das centenas. 

“Entediado, peninha?” Uma voz conhecida surgiu ao lado da cama e Arnok perdeu a contagem no mesmo instante. 

Maike estava sentado na cama ao lado de Arnok e ele tinha aquele sorriso irritante e arrogante de sempre. Parecia estar mais feliz que o normal, mas sua voz não refletia isso. 

“Como foi olhar para o seu mestre depois de deixar aqueles dois escaparem?” Ele chegou mais perto de Arnok e o asa negra só podia olhar para a alucinação com uma raiva sem limites.

“Se você não tivesse ficado no meu caminho, teria pego aqueles dois!” Evitou ao máximo gritar, reprimindo a vontade intensa de socar aquele sujeito. Só não o fez, porque sabia que parecia loucura socar o ar.

“Agora além de culpar suas mãos, vai culpar uma alucinação por não conseguir trabalhar?” 

Arnok ficou sem resposta. Só pode olhar para aquele maldito pensando em como adoraria que ele estivesse ali de fato.

“Para o que está olhando, Arnok?” Uma voz grave e meio cansada veio de trás do Arnok e ele se virou assustado.

“Hiotum?” Olhou por um breve instante para seu mestre, até voltar a olhar para Maike. O humano não estava mais ali. Não conseguiu evitar o suspiro de alívio. 

“Como você está?” O Ancião perguntou, se sentando na cama da frente, olhou para o garoto na sua frente com um pouco de culpa estampada nos olhos.

“Dolorido.” Com uma certa dificuldade, ele se sentou na cama de novo e se virou para Hiotum, esperando ele dizer o que queria.

“Nós não conseguimos encontrar aqueles dois...” Hiotum falou depois de um breve silêncio. Arnok só pode apertar as mãos de raiva. 

“Não descobriram nada?”

“Nada de útil.”

“Merda.” Suspirou e por força do hábito se jogou de costas para a cama. Nunca se arrependeu tanto de algo na vida. Hiotum deu risada vendo seu discípulo voltando a ficar sentado, reclamando de dor e amaldiçoando a si próprio.

Um breve silêncio ficou entre os dois. Arnok tentava massagear a ferida na asa enquanto Hiotum o observava, pensando em diversas coisas. 

Olhava para seu discípulo nos mínimos detalhes. Seu rosto desconcertado enquanto tentava apaziguar suas dores, sua impaciência e... algo mais profundo. 

Tudo em Arnok fisgava sua memória para tempos antigos, fosse em seu jeito, magia, ou passado traumático. Era semelhante ao antigo rei dos demônios, e Hiotum não sabia como se sentir.

“Arnok, você se sente fraco?” Ele perguntou de repente. Arnok parou abruptamente no que estava fazendo e olhou confuso para seu mestre. 

“O que quer dizer com...”

“Só responda.” Hiotum cortou-o antes que Arnok continuasse. 

Hesitando e um tanto confuso ele respondeu: 

“...Sim.”

Eles se encararam por algum tempo, até que Hiotum se levantou e caminhou para longe do Arnok. Ele apenas seguiu seu mestre com o olhar.

“Escute...” Ele parou de repente e falou sem se virar na direção do seu discípulo. “Tenho algumas urgências a resolver com os Anciões. Vou te liberar e você vai até o seu quarto se arrumar. Me encontre na entrada da cidade depois disso. Entendeu?”

“Sim.”

Hiotum voltou a caminhar e parou ao lado da enfermeira. Disse algumas coisas e saiu da sala, deixando seu discípulo para trás. 

Ele caminhou pelos corredores da academia, enquanto descia os diversos lances de escadas para o primeiro andar do prédio da enfermaria. Aquele lugar ficava bem próximo ao prédio principal da universidade, então Hiotum não se preocupava se chegaria atrasado na reunião com os Anciões.

Ele só se preocupava com o rumo que a reunião teria. 

No dia anterior, eles tentaram discutir a mesma pauta de hoje, mas o evento com Arnok impediu todo o rumo da coisa. Transformando uma reunião sobre a luz vermelha, num bando de demônios velhos discutindo o motivo de um assassino estar tão próximo ao centro da capital. 

Quando Hiotum abriu a porta de entrada da enfermaria, o sol esquentou seus chifres do clima frio e doente que residia naquele lugar. Era inevitável ali ter essas características, as enfermeiras cuidavam da grande maioria dos acidentes envolvendo magia na academia e na universidade. Não era algo bonito de se ver. 

Mas aquela manhã ia contra esse sentimento.

Era quente e com uma brisa leve agradável. Aquilo tornou a curta caminhada até o prédio da universidade ainda melhor. Haviam poucos alunos nas ruas naquele momento, o motivo era de todos estarem se preparando para o dia de amanhã.

“O ano está prestes a começar de verdade.” Hiotum disse consigo mesmo. 

Abriu as portas do prédio principal com uma animação vinda do seu bom humor e começou a ir em direção à sala dos Anciões.

Quando abriu a sala, o clima do lugar era o mesmo de sempre. Quase todos os Anciãos estavam presentes e cada um conversava sobre algo com o colega ao lado, mas foi só o Hiotum abrir a porta para que todos parassem e olhassem para ele.

Os 11 pares de olhos que recaiam sobre ele, não tiraram seu sorriso agradável. 

“Vamos começar, meus colegas?” Hiotum começou a se aproximar do mezanino com braços abertos, cheio de amistosidade. 

“Atrasado como sempre, Hiotum.” Malar comentou com um leve riso no rosto vendo a felicidade no fauno abaixo dele.

“Não estou atrasado, meu querido amigo.” Hiotum retrucou um tanto sarcástico e com um descarte de mãos. 

“Marcamos para às 8:00 da manhã.”

“Eram 8:00 horas quando entrei na porta.”

Malar quis confirmar aquilo e seu relógio de bolso apontava para exatamente 8:01. Hiotum não estava atrasado, ele chegara na hora. Nem mais nem menos. 

“Não importa...” Malar dispensou o assunto enquanto guardava o relógio de bolso. “Vamos terminar o que começamos ontem.”

O olhar de todos os presentes tornou-se sério e frio, e Hiotum perdeu o sorriso brilhante da manhã.

“Como vão os preparativos com seus discípulos?” Malar perguntou a todos, mas olhou especificamente para alguns. 

“Mourrice vai participar, se é o que você quer saber.” Um sujeito de cabelos meio loiros e com uma juba de macaco comentou. Ele, diferente de todos os presentes, não se sentava na cadeira de mogno. Mantinha um equilíbrio perfeito em cima de um cajado de madeira, tão resistente quanto o ferro, aparentemente.

Ele era obviamente um simiomono. 

“Bom saber disso, Wukong.” Kalin comentou enquanto olhava para seu colega sentado em cima daquele cajado. “Eu talvez consiga participar da viagem Malar, eu consegui localizar Vitra numa cidade de Altum. Já enviei alguém de confiança para recuperá-la." 

“É bom ouvir isso Kalin!” Hiotum comentou animado.

"Alguém convenceu os discípulos a participarem da viagem?” Malar perguntou e dessa vez foi realmente para todos os presentes. 

“Tentei convencer Saral, mas ele acha que será um peso morto no navio.” Artuno comentou com os braços cruzados e um leve ar de decepção. 

“Ele tem enjoo?” Hiotum perguntou, levemente curioso.

“Não, só não é um bom lutador. Ele é um ótimo discípulo da minha técnica, mas de resto.” Fez uma cara feia quando disse isso. 

“Você não deve menosprezá-lo, Artuno...” Malar falou firme como uma rocha. “Seu sobrenome carrega peso em meio as técnicas dos nobres.”

“E eu tenho orgulho disso e do meu discípulo, Malar.” Artuno comentou, acenando com a cabeça em agradecimento. “Como um Psique Sombrio, sei muito bem o quão complicada é a minha técnica.”

“Maltazar talvez não participe.” Kalau comentou. “Está com alguns problemas na família.” 

Todos os outros se mantiveram em silêncio depois que Kalau disse aquilo, estavam com as mãos cruzadas e pareciam até mesmo envergonhados. Aparentemente, não era somente aqueles dois discípulos que não participariam da viagem. 

“Não podemos enviar tão poucos nessa viagem e sabem disso.” Malar falou, repreendendo a todos os presentes. 

“E quanto ao seu discípulo?” Hiotum perguntou, vendo que Malar ainda não havia falado sobre ele até agora.

“Mortere vai participar, não se preocupe.” Malar se levantou e foi em direção da escada lateral do mezanino. “A maioria dos nossos discípulos estão preocupados com a volta das atividades da universidade e da academia. Porém, eles e vocês devem saber a importância dessa missão!” 

Todos ficaram envergonhados e olharam para as próprias mãos. A grande maioria não tinha controle sobre a vida pessoal do discípulo, ou suas escolhas. O respeito mútuo, acima de tudo, era uma regra não escrita na relação Discípulo-mestre.

“Em 4 dias, um navio zarpará com todos os discípulos que puderem.” Malar olhou nos olhos de cada dos Anciões naquela sala, incluindo Hiotum. “Espero ter uma lista até lá.”



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