Volume 1
Capítulo 4 – Sistemático
As telas de computadores eram as únicas fontes de luz no ambiente sombrio e deprimente que era o escritório da SPK — Special Provision for Kira, uma agência a serviço do governo, destinada a capturar os usuários do Death Note. A maioria das cadeiras ao redor da grande mesa central indicavam que o local já tivera mais agentes; entretanto, apenas três estavam no local: Rester, Gevanni e Near.
Os dois primeiros trabalhavam em busca de quaisquer indícios de um possível reaparecimento do Death Note ou de um Shinigami. Near, o substituto de “L”, por outro lado, estava sentado com uma perna próxima ao peito e brincava com um ioiô. Seu cabelo branco se destacava na escuridão, bem como as roupas da mesma cor.
De súbito, um dos computadores notificou uma ligação. A figura de um “R” negro sobreposto a um fundo branco sinalizava quem era. Near revirou os olhos e atendeu.
— Near, checa Itália. Agora!
Sem entender, Near pediu para Gevanni colocar a imagem na tela. A transmissão mostrava uma praça enorme na Itália, completamente tomada por uma multidão, vestiam roupas pesadas: jaquetas, casacos e sobretudos.
Todos estavam estáticos, como se estivessem mergulhados num transe hipnótico, enquanto os jornalistas imploravam por qualquer fiapo de informação. Mas ninguém rompia o silêncio. Nenhum olhar se desviava, nenhuma boca se abria.
Então, como se obedecessem uma ordem invisível, todos os paralisados retiraram parte de suas vestimentas para revelar um uniforme oculto: camisas brancas, marcadas no peito por uma única letra — um “L” desenhado com tinta escura.
Cada um puxou uma pequena lâmina do bolso, afiada como uma língua de aço. Todos agiram em sincronia; em um movimento rápido, cravaram suas lâminas na lateral dos seus próprios pescoços. Em seguida, as lâminas foram puxadas brutalmente para a frente da garganta, rompendo a pele como tecido podre.
O som era um misto de carne se abrindo e respirações morrendo sufocadas no próprio sangue que jorrava e tingia rapidamente suas camisas, que se tornaram de um rubro quente, como uma ameaça ao possuidor do título de “maior detetive”.
Near assistiu a cada detalhe sem demonstrar emoção, tecendo uma análise de como poderia ter sido escrita aquela cena, para poder moldar o primeiro traço de personalidade do escritor.
Lesão na garganta. Lâmina comum. Parece um teste. Câmeras inevitáveis — ele queria ser visto. A garganta... simboliza a voz. Pode ser uma tentativa de silenciar algo. Ou de mostrar que foi silenciado. Por que Itália? Há peso simbólico. Estético. A questão é: há quanto tempo ele planejou isso?
— Parece que finalmente apareceu mais um — Near afirmou com a voz fria e serena. — Rastreiem seus históricos, endereços e todas as mensagens possíveis, o quanto antes. Vejam se havia alguma lista com seus nomes em fóruns, especialmente nos sites de devoção a Kira, com foco principal no Japão e na Itália.
— Espero que esse seja tão fácil de capturar quanto os outros.
— Não sou supersticioso, mas cuidado com as palavras, Ryuzaki — Near voltou a brincar com o ioiô.
Com a sobrancelha franzida e ao enrolar o cabelo entre os dedos, Near se atentou a um detalhe:
Esse ataque está muito bem descrito para ser a primeira tentativa. Ele já usou esse caderno antes. Sem contar essa ameaça… talvez seja outro como Yuki Shien… Não, talvez seja só mais um sociopata como Yagami.
— “R”, foque os esforços em encontrar pistas no Japão. Me avise se precisar de alguma coisa.
Após falar, Near desligou a chamada e encarou o teto, enquanto os dois agentes se viraram para ele. Esperavam alguma resposta milagrosa sobre o caso, até que em poucos instantes, tirou seus longos cabelos brancos do rosto e perguntou:
— Gevanni, em seus anos nas forças especiais… você já viu muita gente, não é? Psicopatas… sociopatas… Me diga: há algo que não está nos livros?
Gevanni deu uma respirada forte e hesitante, seus olhos fecharam ao lembrar cenas crueis de momentos terríveis que vivenciou.
— Já vi homens rindo enquanto serravam membros. Vi olhos tão vazios que faziam o escuro parecer ensolarado. Os livros falam de perfis, padrões, distúrbios clínicos. Mas há algo que eles não dizem, Near.
— Existem muitos tipos de pessoas — Rester complementou — Psicopatas e sociopatas são só palavrinhas bonitas para separar tipos de pessoas, porém, existe um mar gigantesco de meias verdades no meio de cada um deles.
— O que faz alguém “se tornar” ruim, na experiência de vocês? — fitando o ioiô.
— A maioria das vezes é a sensação de poder, mas os piores mesmo, eram em motivos mais pessoais — Gevanni coçou a cabeça — Um pai que vingava o estupro e decaptação da filha ou uma garota que virou traficante de armas para sustentar sozinha seus irmãos…
— Tem horas que você quer seguir a lei, mas entende o outro lado — Rester concluiu o pensamento. — Tem vezes que você se questiona: o que é certo de verdade? E imagina se não faria o mesmo.
Giovanni, confuso com as perguntas, questionou Near pela sequência de interrogações não habituais.
— Desde o Yagami, já tivemos vários tipos de pessoas com esse caderno. Yuki Shien matou todos os integrantes da força tarefa japonesa e da Wammy's House por puro ódio do sumiço de Kira. E por causa dele temos seis Death Notes ainda pelo mundo — O olhar entediado de Near vagou pelas inúmeras telas, onde mostrava uma rua movimentada. — Perdi muitas pessoas que cresceram comigo, mas não sinto essa vontade de matar alguém. Nem mesmo Shien quando estava vivo.
— Como eu disse antes… “existem vários tipos de pessoas” e você é o “L” afinal.
Apôs sua fala, Rester notou uma notificação no computador e revisou o novo email:
— Quase todos em Nápoles tinham sequer parentes ou amigos lá. Sem padrão de locomoção também. Carros próprios, motos, alguns pegaram até aviões. Todos começaram a ter movimentações estranhas a dois dias.
— Achei uma lista vazada, com os nomes e fotos das vítimas. Vou tentar rastrear quem foi que fez isso. — Gevanni comunicou.
— Temos um ponto de partida, pelo menos — Near se aproximou do computador de Rester.
Near leu os detalhes da mensagem rapidamente, quase sem piscar. Ao visar o comportamento do detetive, Rester mentalizou:
Apesar de Near dizer que não, ele está agindo de maneira mais sutil há alguns anos. Só não sabe expressar. Diferente dos agentes que morreram em sua frente por causa do Mello, essas pessoas eram próximas a ele.
— Esse novo Kira não quer julgamento, quer chamar atenção. — Analisou Near.
Rester interrogou Near pelo fato desse incidente causaria uma intriga internacional, friamente Near explicou:
— Se esse Kira for, de fato, um psicopata fascinado por carnificina, então, sim, temo que estejamos diante de um cenário muito pior.
— Mas em que isso afeta a gente? — Gevanni virou-se confuso para Near.
— A SPK atua sob jurisdição direta do governo dos Estados Unidos, o que significa que as únicas pessoas capazes de compreender e enfrentar Kira estão, paradoxalmente, sob a autoridade do mesmo governo que, teoricamente, detém o poder de Kira em mãos.
Gevanni coçou a cabeça entendendo a complexidade da situação. Recordou que o presidente americano fingia ter em posse um Death Note. O que colocou em xeque a atuação da SPK em vários países, como o próprio Japão — que recusava qualquer atuação da agência em seu solo desde o incidente do A-kira.
— Além disso, sem sombra de dúvidas, a ONU irá convocar uma reunião de emergência, irão me por para falar, tratando o ocorrido como um atentado terrorista — Near voltou a brincar com o ioiô. — mas vamos deixar esse assunto para outra hora. Precisamos juntar pistas para encontrar esses malditos cadernos.
Near brincou com o cabelo e meditou: Conseguimos reaver dois Death Notes. Um está guardado aqui conosco, outro está com Ryuzaki, no japão. Se trancarmos os seis cadernos, à sete chaves, nunca mais teremos que nos preocupar com outro.
Rester e Lidner voltaram a focar em suas tarefas, em poucos minutos a notícia chegou: Contagem oficial de 4.444 mortos no local.
— Isso é diabólico — Gevanni sussurrou enquanto assistia a retirada dos corpos estirados.
— Não sei porque está tão surpreso. Surpresa eu tenho do Yagami não ter feito isso antes.
Near apertou os olhos e interrompeu o giro do brinquedo, virou-se para uma enorme cruz feita de vários ioiôs, presos entre dois pilares de ferro no centro da sala.
— Near, chegou um e-mail da ONU. Eles querem sua presença na próxima reunião — Alertou a agente Lidner ao entrar na sala.
— Que o jogo comece.
Near lançou o brinquedo contra a cruz de ioiôs, o que fez a estrutura ruir quase por completo. Apenas a extremidade superior resistiu em formato de um “L” suspenso — fragmento de um legado que agora voltava a respirar com uma nova caçada.
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