Volume 4
Capítulo 98: Fantoches de Pano
No instante em que Sol se teletransportou do desfiladeiro, Jeane, de pé ao lado do trono, recuou um passo, surpresa com a aparição abrupta do Primordial. Surgiu do absoluto nada, os olhos ardendo de fúria, e avançou em passos pesados, rosnando baixo como uma fera prestes a atacar.
Sem hesitar, Jeane abandonou sua posição e o seguiu, mesmo temendo o que estava por vir. Ele atravessava os corredores do castelo com uma determinação implacável, guiado apenas pela raiva, até chegar à sala do Cálice do Santo Graal.
A porta, que outrora era selada por poderosos encantamentos, permanecia destruída desde o ataque de Emília. Sol sequer se deu ao trabalho de recriá-la.
— Você vai beber? — Jeane perguntou, a voz tremendo de apreensão. Sentiu o terror crescer ao ver a vontade queimando nos olhos dele. Gritando, tentou impedi-lo: — SOL, O CÁLICE NÃO ESTÁ INCOMPLETO?!
Seus olhos queimavam com a intensidade de um sol prestes a explodir.
— Eu não me importo com o desejo. — Sua voz carregava um tom feroz, quase animal. — Ela está viva. Eu só preciso de mais poder.
— Quem?! Quem está viva?! — insistiu, a preocupação em sua voz se misturando com o medo.
Sol a ignorou. Apressou-se em direção ao Cálice, Glub! Glub! e bebeu sem hesitar.
O líquido colorido percorreu sua garganta, denso e pulsante... o sangue era vivo.
— AAAAARRGGHHH!!
O poder dos Primordiais mortos explodiu em suas veias, rasgando-o por dentro como larvas ferventes, devorando cada célula de seu corpo. Gritou, e seus gritos reverberaram pela sala, transformados em ecos distorcidos.
O Cálice agora "completo" lhe fornecia força, mas o ritual, realizado sem o devido preparo, o deixou vulnerável à dor excruciante, além de impedir o acesso aos Ragnaroks individuais.
Seu corpo começou a mudar. Uma aura radiante envolveu sua figura, queimando o ar ao redor como as chamas do próprio sol. As cores do sangue dos Primordiais se manifestaram como um arco-íris em torno de Sol, oscilando em tons vibrantes e sombrios, em uma dança grotesca e magnífica.
Suas roupas se ajustaram a essa transformação, assumindo o mesmo espectro multicolorido. Cada detalhe foi meticulosamente projetado, uma harmonia mórbida entre poder e caos.
Mas a dor não cessava. Com uma das mãos, segurava a cabeça, tentando controlar o tormento que lhe rasgava a mente. Não era para sentir dor, não era para passar por aquilo. A falta do último sangue teve um preço que Sol não se importou em pagar.
Jeane, hesitante, se aproximou, apesar do instinto que a alertava do perigo. Relutante, estendeu a mão, tocando o braço dele.
BAAMM!
Sem sequer olhar para ela, Sol a golpeou com força brutal.
Jeane foi arremessada como um fantoche de pano, seu corpo chocando-se contra a parede à direita da sala.
PLOCH!
Sentiu algo atravessar sua carne antes mesmo de registrar a dor. O braço da estátua da Deusa do Sol, presa à parede, havia perfurado seu abdômen. Seu sangue amarelo escorria em fios espessos, manchando o chão.
Não emitiu som algum. Suas mãos tremiam enquanto segurava o braço da estátua, tentando se soltar em vão. A dor era lancinante, mas olhar para Sol era pior.
O Primordial finalmente quebrou o silêncio, sem desviar os olhos de seu caminho:
— Sua utilidade acabou.
Seu tom exalava desprezo, cada palavra carregada de repulsa e rancor. O simples pensamento de ter passado noites com aquela mulher lhe causava nojo.
Sol sequer se dignou a olhar para a mãe de seus filhos. Simplesmente se virou, ajustando sua postura agora fortalecida pelo poder recém-adquirido, e saiu da sala.
Seus passos ressoaram pelos corredores, firmes, carregados de propósito. Tinha apenas um objetivo, e nada mais importava.
Jeane permaneceu pendurada, encostada na estátua. O sangue continuava a escorrer, tingindo suas roupas e o chão ao seu redor. Tentava respirar, mas cada movimento trazia uma nova onda de dor.
Estava sozinha.
E sabia que Sol jamais voltaria para salvá-la.
— Que frio... está aqui... — sussurrou, seus lábios quase imóveis, enquanto o sangue quente continuava a escorrer de seu corpo. — Essa solidão... não há ninguém aqui. Não tem como eu mudar as coisas, né? Foi isso que eu fiz você sentir... filha?
Sua voz falhou por um momento. A fraqueza crescia, e sua cabeça pendeu levemente para o lado, sem forças para se manter erguida. Lágrimas quentes começaram a escorrer, misturando-se com o sangue amarelo que fluía incessante.
— Deixei você sozinha... deixei Jaan sozinho... Vocês precisavam de mim, e eu... — sua respiração tornou-se irregular, entrecortada por soluços. — Apenas abaixei a cabeça enquanto ele... ele maltratava vocês...
A culpa esmagava cada átomo de seu ser.
Sua visão começou a falhar, as bordas escurecendo enquanto as forças abandonavam seu corpo. Mas Jeane continuou a murmurar, suas palavras impregnadas de desespero e arrependimento:
— Não sou merecedora de nada... apenas um objeto que foi utilizado e depois descartado.
Sentiu uma pontada mais forte, e seus dedos tremeram.
— Eu realmente mereço a morte?... — um soluço escapou, trêmulo e abafado. — Eu realmente mereço olhar para seus rostos novamente? Vocês... vocês me perdoariam?
A cada palavra, sua voz se tornava mais baixa, desaparecendo junto com a vida que lhe escapava.
— M-me dariam... uma segunda chance de ser o que eu fui incapaz de ser?
O sangue que escorria da estátua formava uma poça ao redor de seus pés. Já não sentia o frio que emanava da sala. Sua consciência vacilava, as luzes de sua mente piscando, apagando-se uma a uma.
Foi quando, na escuridão crescente, viu.
De frente para ela, as silhuetas de seus filhos surgiram. Tentavam sorrir, lágrimas escorrendo de seus pequenos rostos. O calor de suas presenças era reconfortante, um sopro de esperança em meio à morte iminente.
Jeane sentiu os cantos de seus lábios se curvarem em um sorriso quase imperceptível.
Poc!
A última gota de seu sangue caiu, completando a poça no chão.
Jeane morreu ali, em uma sala escura, fria e sem vida. Sua mente, em seu último suspiro de existência, criou uma imagem doce, adorável, bela... e falsa: a imagem de que seus filhos... a perdoaram.
Enquanto isso, nos corredores, Sol caminhava, seu corpo pulsando com o poder tomado. Sua raiva era um vulcão prestes a explodir, seus olhos brilhando com uma fúria imensurável.
— Vou matar você... — murmurou, a voz baixa, mas carregada de ódio. A imagem de Blacko, oscilando para Nino, invadiu sua mente, intensificando ainda mais sua fúria. — ...E tê-la de volta, desgraçado!
Após se teletransportarem para fora do desfiladeiro, Aurora e o Semi-Deus apareceram diante do trono de "seu pai" em Alberg. Morf Alberg, que antes se mantinha impassível, se levantou assim que os viu, mas Aurora tinha total controle.
Tlec!
O estalo de seus dedos foi suficiente para desintegrar a falsa aparência do palácio.
A beleza ilusória de Alberg sumiu, revelando sua verdadeira face: um lugar rachado, sujo e destruído. A biblioteca antes imponente se encontrava coberta por poeira e ossos quebrados, os corredores estavam saturados de sangue e as paredes ainda guardavam os ecos das mortes passadas.
A Dimensão Invisível se desfez, e o que antes era oculto aos olhos de quem se aproximava agora era exposto na sua crueza.
As servas, os cozinheiros, até o próprio Rei, eram fantoches de pano, sem vida, sem alma — assim como Sra. Pompom. A verdadeira Princesa de Alberg nunca nasceu... tudo ali era uma farsa desmoronando.
Paf-Paff...
Os fantoches caíram, inertes, sem vida, pedaços sem propósito. Cada um, uma peça descartada de um jogo que Aurora ainda jogava.
Com passos leves e uma atuação de inocência fajuta, caminhou em direção aos tronos.
Rrrssscrrrchh...
Se moveram com sua aproximação, revelando sob si uma escada branca.
Sem hesitar, ambos desceram, com a distância manipulada por Aurora, que os fez chegar ao fundo em apenas sete degraus.
A medida que desciam, o corredor se compactava, tornando-se cada vez mais estreito. Uma porta se abriu à sua frente, menos de dois metros à distância, levando-os ao laboratório.
Com um gesto preguiçoso, manipulou seu domínio, transformando a sala em um espaço sombrio e grandioso. No chão, um círculo mágico apareceu, circundado por corredores que o ocultavam, mas ainda deixando uma entrada clara para que chegassem até ali.
Retornando à sua verdadeira aparência de jovem adulta, Aurora recriou seu vestido com uma aura graciosa. Era um modelo gótico-romântico, longo e elegante, com um tom verde-escuro quase preto, que absorvia a luz da sala.
O decote em formato de coração, adornado com rendas pretas delicadas, conferia um contraste perfeito ao vestido. As alças de renda geométrica subiam até o pescoço, criando linhas perfeitas, enquanto detalhes pretos contornavam o busto de maneira suave e refinada.
A fenda alta, que subia até o início do quadril, revelava a perna direita parcialmente, com a meia-calça preta de renda floral subindo até dois palmos acima do joelho, mostrando a sensualidade em sua totalidade. Na perna esquerda, a fenda expunha o joelho até o pé, criando uma assimetria que tornava a peça ainda mais intrigante e sexy.
Aurora adorava brincar com o delicado e o ousado, saboreando a sensação de ser cobiçada enquanto mantinha seu ar sedutor, sem perder a elegância. Como sempre, sabia que o que fosse "delicado" poderia esconder o perigo de sua verdadeira natureza. Afinal, como dizem: "tal mãe, tal filha."
Uma rosa verde na lateral do vestido, perto da cintura, segurava o tecido, criando uma abertura ondulada. A delicadeza da flor era contrastada pelas pequenas flores menores que a cercavam, em um tom verde igual ao do vestido, que aumentava a riqueza do conjunto.
Suas luvas longas, pretas, com desenhos florais semelhantes aos da meia-calça, subiam até acima dos cotovelos, completando o visual.
Sua aparência, seus olhos e a telepatia eram as únicas coisas reais que restaram de sua fantasia passada, as únicas verdades em um emaranhado de ilusões e manipulações.
Brincando com a percepção de todos ao seu redor para alcançar seus próprios desejos, virou-se para o Semi-Deus, que permanecia ali, quieto e paciente, aguardando suas ordens, pronto para agir conforme ela desejasse.
— Ajoelhe-se.
PAAH!
A palavra, simples e autoritária, reverberou pela sala. O Semi-Deus obedeceu instantaneamente, sua dignidade esmagada pela força imensurável de sua presença.
Ahhrrrcrunch! Kracacrunch!
Uma boca grotesca que se abriu em sua barriga fez um som visceral enquanto devorava o Semi-Deus Verdadeiro. Foi engolido sem protesto, sem um gemido sequer. Sua energia, seu poder, seu corpo — tudo foi absorvido sem resistência, apenas mais uma peça de um quebra-cabeça que ela tinha o direito de desmontar.
Aurora não sentiu nenhuma relutância, sua fome de poder era além do que qualquer ser poderia compreender. Consumia não só o corpo, mas a essência daquele ser, sem piedade.
Quando a última fração do Semi-Deus desapareceu em sua boca, sua barriga se fechou e voltou ao normal, mas o poder dentro dela havia mudado. Seu corpo, aparentemente inalterado, agora pulsava em poder sagrado, uma energia que a tornava mais forte do que antes.
Sorriu de maneira sádica, com os olhos brilhando sua aurora boreal, refletindo o caos prestes a criar. Estendeu a mão, com a palma voltada para cima, e o Livro Sagrado de Lycoris materializou-se diante dela. Mas... o livro se recusou a abrir. Aurora já sabia que não seria escolhida, e aquilo não a surpreendeu. Seu desejo não era ser escolhida por algo ou alguém — queria ser a única escolha, a única que importava.
Vrrru!
Com um movimento tranquilo, uniu as mãos, esfregando-as uma contra a outra, como se estivesse limpando as mãos após um trabalho bem feito. O sorriso em seu rosto era prazeroso, quase infantil, enquanto sentia o poder se intensificar dentro de seu corpo.
— Ainda não posso empunhá-la, mas logo vou conseguir. COM A ENERGIA DE VOCÊS, EU ME TORNAREI UMA DEUSA!!
Seus olhos, agora uma Aurora Boreal ainda mais vibrante, brilharam com força, iluminando o ambiente de uma forma quase divina. Separou as mãos bruscamente e, com isso, o Círculo Mágico abaixo das capitais reais começou a brilhar intensamente.
Uma enorme barreira mágica, um domo colossal, se formou, isolando completamente os reinos de qualquer entrada ou saída. A energia vital dos humanos começou a ser drenada, puxada para dentro de Aurora. Estavam agora ao seu serviço, suas energias se transformando em combustível para sua ascensão.
Aurora sorriu, um sorriso frio e cruel, enquanto sentia o poder se expandir dentro de seu ser.
Com um movimento preciso, juntou as mãos novamente. Sentiu o Ritual de Pacto em andamento, a energia se acumulando, e afastou as mãos com um gesto de pura autoridade.
No espaço entre elas, uma lâmina branca e pura se materializou, com um fio afiado e ultra fino, semelhante à lâmina do Purgatório, mas com uma borda dourada que reluzia com um brilho etéreo.
Em suas mãos, a lâmina Celeste parecia viva, pulsando com a energia do ritual. Aurora deslizou o dedo ao longo do fio, sentindo a textura da lâmina e o poder que emanava.
— Não vai durar muito... Mas é tempo suficiente para absorver sua alma... Receptáculo — murmurou, um sorriso sádico se formando em seus lábios enquanto seus olhos brilhavam com excitação.
A ideia de tomar posse do corpo de Nino a excitava profundamente, uma promessa de controle absoluto sobre tudo o que ele Tinha... em sua Alma.