Volume 4
Capítulo 96: Alma do Grande Herói
Anna, ajoelhada, segurava a cabeça de Nathaly em seu braço. Seu olhar permanecia firme, atento, enquanto sua mente processava tudo o que havia acontecido. Não chorava, mas sentia um peso esmagador no peito, a dor silenciosa que imaginava estar consumindo Nina.
Seus olhos alternavam entre Nathaly e a figura perdida no topo da parede destruída. Quando voltou a encarar Nathaly, percebeu algo. O corpo dela parecia diferente. Algo acontecia.
"Está... esquentando?"
Um calor estranho emanava de Nathaly, algo dentro dela despertou. De relance, Anna notou o dedo dela se mover, um leve tic.
— NINAAAA! — gritou, a voz carregada de urgência.
Seu grito atravessou o desfiladeiro e ecoou na mente de Nina, rompendo o caos das vozes que a torturavam. Como um farol na escuridão, trouxe-a de volta. A confusão dissipou-se momentaneamente. Nina piscou, o olhar trêmulo finalmente se focando. Virou a cabeça e viu... Nathaly.
No meio do desfiladeiro, Nathaly movia o braço, e Anna estava ali, segurando-a. Num ímpeto, Nina se impulsionou na direção delas, Sccrrrchh! pousou próximo, mas o que encontrou não era mais a Nathaly que conhecia.
De repente, o Tesouro de Bruxa reagiu violentamente.
FUUU!
Anna foi jogada para trás, quase como se tivesse sido teletransportada, forçada a soltar Nathaly. A partir do corpo frágil, uma luz ardente começou a emanar, crescendo em intensidade. Energia sagrada vibrava no ar. Quando os olhos de Nathaly finalmente se abriram, eram como dois sóis em fúria.
A Hero se materializou, flutuando à frente de Nathaly, envolta em chamas douradas tão intensas que distorciam o ar ao seu redor. Num instante quase impossível de acompanhar, Nathaly desapareceu, empunhando a espada divina enquanto cortava o vento em direção a Nino.
— Natha...ly? — murmurou Nina, os lábios quase incapazes de pronunciar o nome da sua menina.
Nathaly passou por ela como uma flecha, sem dar a menor atenção, os olhos fixos em Nino.
Chegou à borda da cratera como um clarão de luz, o chão estalando sob seus pés. Com chamas ardendo ao seu redor, nem precisou saltar; simplesmente atravessou o espaço com uma velocidade impossível, desferindo um corte vertical.
A Hero rasgava o ar, descendo direto na direção de Nino.
Nino, ainda com o sorriso doentio no rosto, sucumbiu às vozes que o dominavam. Seu corpo reagiu por instinto. Vendo o golpe descer, desviou para a direita com um movimento ágil.
A Hero passou a milímetros de sua pele. Num contra-ataque quase instantâneo, Nino girou a Purgatório, a lâmina preta cortando o espaço, avançando na direção do pescoço de Nathaly.
Sua lâmina avançava, mas antes de a espada de Nathaly errar o golpe e a dele ceifar sua vida, uma voz ecoou:
— NINOO!
Era Anna, seu grito rompendo o domínio das vozes.
Foram arrancadas de sua mente como uma corrente de ar puro. Seus olhos, antes vidrados e consumidos, tornaram-se límpidos de repente. Piscou, confuso, percebendo onde estava e o que fazia. O ataque continuava. O brilho mortal da Purgatório quase tocava o pescoço de Nathaly.
Desesperado, Nino forçou seus pés no chão, gerando um impulso que o fez girar o corpo completamente. A lâmina parou a milímetros de sua "irmã" e cunhada. A Purgatório tremia, sedenta pela alma dela, mas Nino lutou contra sua vontade insaciável.
Com o movimento desesperado de 320 graus, mudou o curso da lâmina para protegê-la, mas perdeu o equilíbrio.
Pah!
Caiu, seu corpo desmoronando fortemente contra o chão.
No instante seguinte, a Hero finalizou o golpe vertical.
BRRRUUUUUMMM!!
A explosão foi devastadora. O impacto do ataque de Nathaly abriu um abismo, consumindo tudo à frente. Uma muralha de chamas irrompeu, estendendo-se como um oceano de destruição sem limites. O desfiladeiro inteiro tremia sob a força incomensurável de sua fúria sagrada.
Nino caiu sentado, observando com olhos arregalados a destruição que se aproximava novamente em sua direção. Antes que pudesse reagir, Nathaly avançou com a Hero em mãos, os olhos incandescentes e queimando com fúria.
Sua aproximação não era um ataque comum; era um vendaval de pura raiva, destilado de décadas de mágoa acumulada. O ar ao redor da espada quase gritava enquanto cortava o espaço, um golpe carregado de um rancor muito profundo.
Sem tempo para desviar, Nino tentou abrir a dimensão escura sob seus pés, mas falhou. O chão abaixo se liquefez em fumaça preta, um mar denso e sombrio, mas o poder da Hero era implacável.
Naquele instante, o ápice do poder sagrado de Nathaly — algo que jamais imaginou possuir — despertou em sua forma mais pura e devastadora.
O golpe chegou até ele, cortando não só o espaço, mas também a barreira do tempo, e por um instante, suas íris roxas se transformaram em dourado, reagindo à intensidade brutal do poder sagrado.
Tshhk...
Antes que o corte pudesse atingir Nino, Anna interveio. Surgiu diante de Nathaly, segurando a lâmina com a mão esquerda protegida pela luva mágica do Tesouro de Bruxa. A tensão entre os dois poderes fez o ar vibrar.
Anna permaneceu firme, impedindo que outra roubasse sua kill. Ainda havia pendências a resolver com aquele ser todo de preto. Com a outra mão, tocou suavemente a barriga de Nathaly com um dedo, e o resultado foi devastador.
FRRUUUUUU!!
Nathaly foi lançada como uma flecha, um furacão de força a empurrando para longe, arrancando o controle do próprio corpo. Voava, tentando recuperar o equilíbrio enquanto o vento rugia ao seu redor.
Sccrrrchh...
Conseguiu girar no ar e aterrissar, mas de maneira instável, deslizando e tropeçando ao tocar o solo. Antes que pudesse reagir, Anna simplesmente surgiu ao seu lado esquerdo, olhando-a de cima e de canto, com um olhar carregado de estranheza, tentando entendê-la.
O avanço foi tão rápido que o ataque disparado chegou com um atraso, mas sua presença já se fazia imponente e inescapável.
FRRRRRUUUUSSSTH!!
Um rastro de gelo colossal, com cristais brilhantes e afiados como estalactites, emergiu do chão onde Anna havia passado. Nathaly foi aprisionada no gelo em um instante, envolvida dos pés ao pescoço. Apenas sua cabeça permaneceu livre, seus cabelos balançando ao vento, enquanto o corpo preso queimava com fúria.
O fogo dourado que emanava dela tentava derreter o gelo impenetrável, mas era inútil contra o poder alimentado diretamente pelo Tesouro. O calor de seu corpo aumentava, mas o gelo só se fortalecia, absorvendo toda a sua energia.
A temperatura de Nathaly caía drasticamente, como se o Tesouro estivesse drenando sua essência, enquanto Anna, com o olhar fixo, concentrava todo o seu poder com o objetivo de, de alguma forma, trazê-la de volta ao seu estado controlado.
Nina, ainda perdida e sem compreender completamente o que acontecia, avançava em passos cambaleantes, seu corpo se movia sem o comando de sua mente. Seus olhos estavam fixos em Nathaly, embora mal conseguisse processar o que via.
— RAAARR! REEAAAARR!
Quando se aproximou, viu sua mulher se debatendo como uma fera, a cabeça balançando e emitindo sons primitivos que rasgavam o coração de Nina. O controle de seu corpo se distanciava, agia por conta própria, reagia por impulso... mal sentia as lágrimas queimando ao escorrerem por seu rosto enquanto seus olhos fixavam sua menina.
Do chão, Nino observava tudo. Sua expressão de dor ficou ainda mais pesada enquanto via sua irmã se aproximar da namorada.
— Não é mais ela — disse em voz baixa, mas com dureza.
Nina parou no meio do caminho, o corpo congelando com as palavras. Virou-se para Nino, os olhos arregalados.
— É o poder do herói controlando o corpo dela, Ni...
— É ela.
— Nina, el...
— É A NATHALY, PORRA! — gritou, lágrimas caindo e o desespero subindo pela garganta. — É... É a Nathaly...
Nino abaixou a cabeça, a tristeza pesando em seus ombros.
— Ela não morreu... Ela tá aqui, é ela aqui... Nathaly... NATHALY!!
Os murmúrios trêmulos de Nina cortavam o silêncio do desfiladeiro como Luas Novas. Cada palavra era um golpe para Nino, que não suportava vê-la naquele estado.
Nina, em passos inconstantes, chegou até Nathaly. Ignorou o gelo ao redor e tocou na pele fria que tentava queimar, mas não conseguia. Chorando, enquanto segurava o rosto dela com suas mãos que não paravam de tremer, tentava firmar-se na pele da sua menina morta.
— Me responde... Por favor... — murmurou, as lágrimas se misturavam ao sangue instável, que escorria sem controle, queimando em chamas escuras pelo rosto.
Abraçou o rosto de Nathaly, ignorando os movimentos selvagens, ignorando os riscos, enquanto seus soluços mal saíam de sua alma. Nathaly continuava se debatendo, uma fera sem controle, mas Nina se recusava a soltá-la.
Anna, ao lado, observava em silêncio. Não interferiu, mas sua expressão revelava uma tristeza profunda. Estudava cada detalhe com a ajuda do Tesouro de Bruxa, buscando qualquer sinal, qualquer brecha que pudesse trazer Nathaly de volta.
Nino, sentado ao longe, não tirava os olhos da cena. A dor de sua irmã era um espelho da sua própria alma. Sabia que, para Nina, perder Nathaly seria pior do que perder a própria vida.
Em um lugar inteiramente dourado, onde o brilho do sagrado dominava todos os cantos, havia um palácio feito completamente de ouro. No centro de uma sala vazia e sem luz, repousava uma banheira fina, simples, de ferro branco, delicadamente posicionada.
Nathaly se encontrava dentro da banheira, com a cabeça inclinada para o lado, e os braços e pernas estendidos para fora das bordas. Lentamente, despertou. Seus olhos, pesados e cansados, se abriram devagar.
Ao fazê-lo, olhou ao redor, assustada. A escuridão da sala a envolvia, e percebeu que estava imersa em uma banheira cheia de água, embora não se sentisse molhada.
— Quê?
Sua mente, seu próprio ser... se esqueceu de quase tudo. Lembrava apenas de fragmentos de sua vida, momentos sombrios e vazios, envoltos em um manto de incertezas. As memórias distorcidas de uma heroína que lutava para proteger os mais fracos e inocentes ofuscavam as vivências verdadeiras.
— Que lugar é esse? — Sua dúvida genuína ecoou pela sala vazia.
Tlinc...
O som de uma porta se abrindo atrás dela cortou o silêncio, trazendo consigo uma leve luz dourada que iluminou parte da sala, revelando uma figura que se aproximava. Sua silhueta era idêntica à de Nathaly, mas o corpo e as roupas eram completamente dourados, brilhando intensamente.
Ao entrar, a luz se espalhou de forma mais uniforme pelo ambiente, banhando-o em um brilho suave.
— Você está no pós-vida — a voz da figura tinha a mesma tonalidade de Nathaly, mas agora, com uma serenidade angelical.
Nathaly olhou para si mesma, perplexa e sem saber como reagir.
— Então... Eu morri? — sua pergunta exalava dúvidas. Sua cabeça lhe dizia coisas, mas seu coração negava todas.
— Sim. — Curvou a cabeça em uma reverência, estendendo os braços em direção à porta com uma graça submissa. — Por favor, me acompanhe. — A doçura de sua voz parecia aliviar o peso que pesava sobre o peito de Nathaly, tornando sua alma, ainda que por um breve momento, mais leve.
Nathaly se levantou, atenta ao fato de que não estava molhada.
— Por que não estou molhada? — perguntou, os olhos fixos em suas pernas e no short.
— Isso não é água, minha senhora. É a bênção da Deusa do Sol, concedida a todos os heróis... Ela purifica sua alma antes de levá-la para o seu destino final. O Paraíso. — Sorriu gentilmente, seus olhos atentos ao semblante de Nathaly, percebendo suas dúvidas.
— O que é esse Paraíso? — a pergunta saiu de Nathaly com um tom de estranhamento.
A silhueta desviou o olhar, o sorriso evidenciando o prazer que sentia em cumprir sua tarefa. Pensou na melhor forma de explicar.
— O Paraíso... Bem... É o destino de todos os Grandes Heróis. Após proteger a humanidade e os mais fracos, chega o momento de descansar na paz eterna. Estou aqui para levá-la até lá. Sou o seu guia para a luz. Siga-me, e terá tudo o que sempre quis.
A silhueta se virou, começando a caminhar pelos corredores sagrados. O piso imaculado, branco como a neve, refletia a luz suave. As paredes, de um branco puro, pulsavam com veias douradas, como se a própria Vida estivesse Circulando Nelas.
Os pilares, nos cantos, estavam entalhados com imagens que representavam a vida de Nathaly... Representações falsas, criadas pelas mentiras plantadas em sua mente ao morrer.
Passaram por diversas representações de sua bravura, protegendo crianças, salvando reinos, defendendo os humanos... Quadros vivos revivendo cenas em que derrotava os Primordiais. Dentre eles, não estavam os gêmeos representando o Preto, e sim Blacko.
Uma narrativa impossível de ser realizada.
Nathaly olhava com uma dúvida crescente. Aquelas imagens eram suas lembranças, mas seu coração se apertava. Quando olhou para baixo, viu sua roupa preta, mas não encontrou seu colar... Não havia entrado naquele lugar com ela.
Apoiou a mão no peito, sentindo o bater irregular de seu coração. Era como se não houvesse batimentos, mas... toda alma tem um coração.
"Vai passar. Já enfrentei coisas piores em minha vida." pensou, tentando se acalmar. Seus olhos se voltaram para a silhueta dourada à frente, com as mãos posicionadas para trás.
Seguiram em silêncio pelo corredor sem fim, até que a silhueta falou novamente:
— Você deve ter muitas dúvidas... mas não se preocupe, após passar por esta porta, nada mais a incomodará. Dor, raiva, ódio, rancor, mágoa... Nada. — Nathaly observava a figura à sua frente, sentindo a felicidade em sua voz, sentindo que a prometida paz fosse a única verdade a ser abraçada. — Apenas receberá a paz eterna...
Deixando-se envolver pela suavidade da voz, abaixou o olhar e continuou a segui-la, sem fazer mais perguntas.
— Não se preocupe. Eu farei um bom trabalho... — murmurou a silhueta baixinho, quase para si mesma.
— O... Quê? — O rosto de Nathaly expressou perfeitamente a desconfiança que começava a crescer em seu peito. Diminuiu os passos, mas a voz era tão reconfortante que não sabia mais o que pensar.
— Está logo ali... — A silhueta ignorou a pergunta, curvando-se e apontando para uma porta aberta com os dois braços. — Entre e deleite-se no Paraíso criado para você, ó Grande Heroína!
Nathaly olhou para dentro da porta. O que viu a fez parar. À sua frente, se estendia um vasto campo de grama verdejante, uma paisagem deslumbrante sob um céu claro e azulado. O vento balançava suavemente as plantas, criando uma harmonia perfeita.
No meio do campo, onde lindos pássaros voavam ao fundo, uma silhueta feminina com cabelos pretos, vestindo uma blusa comprida e um short curto pretos, permanecia de pé, distante, observando o horizonte.
A tranquilidade do ambiente se refletia nela, enquanto o vento suave balançava levemente seus cabelos. "Nina" permanecia ali, imersa em seus próprios pensamentos, com os olhos fixos à distância, como se aguardasse alguém...
"Quem é você?" Seus olhos brilharam com uma admiração repentina. Não sabia quem era, nem por que se sentia tão atraída por aquela garota de costas.
Sua curiosidade a impulsionou a dar um passo à frente, seu corpo se aproximando da porta com as mãos estendidas em direção à moça.
"Moça, posso cuidar de você?" Seus olhos brilhavam, refletindo a imagem da jovem parada ali... esperando-a.
Seus pensamentos se descontrolavam. Queria abraçá-la, amá-la, senti-la, cuidar dela. Não sabia nem o seu nome, mas algo profundo dentro de si a impulsionava a ir até ela.
Nathaly deu mais um passo, sua mão quase tocando a porta, quando, de repente, um som profundo ecoou por toda a Sua Alma:
— NATHALYY!!