Dançando com a Morte Brasileira

Autor(a): Dênis Vanconcelos


Volume 4

Capítulo 95: Um azul bem escuro (2)

Atrás de todos os clones que giravam ao seu redor, percebeu uma mísera, uma mínima, minúscula fração de vida vindo de sua esquerda. Não hesitou, abriu os olhos e, ignorando todos os ataques, FRUSSHHH!! disparou na direção da presença.

Shkr-Shkr-Shkrunch!

Regenerando rapidamente as partes cortadas e conseguindo se livrar da prisão dos clones, o Semi-Deus formou uma lança divina, uma arma dourada e branca, com a lâmina reluzente e mortal.

CRUUNMM!!

Com um movimento explosivo, avançou com a lança em mãos, cortando o ar com uma força brutal, igual a um predador faminto em busca de sua presa.

Seus olhos estavam fixos em Anna... que armou tudo aquilo. Deixou uma mínima gota de sua presença à mostra para que ele a atacasse.

A raiva e o desespero tomaram conta dele, enquanto se aproximava com velocidade implacável, a lança riscando o vento à sua frente.

A arma cortou o espaço como um relâmpago, e, com um movimento desesperado, a levou até Anna.

Anna o observava, entediada, seus olhos completamente desinteressados. Antes que a lança chegasse, apenas levantou a mão esquerda, Tap! tocando suavemente o cabo da lança com um gesto quase preguiçoso.

CRECK!

Mesmo com o tempo sendo reduzido devido à velocidade extrema, o braço do Semi-Deus simplesmente voltou para trás, sendo destruído instantaneamente.

O Semi-Deus mal teve tempo de processar a dor antes de ver Anna apontando casualmente sua mão direita, fazendo uma arminha de dedos em direção ao seu peito desprotegido.

— Lua nova.

SHKKRRUNCHH!!

A divindade viu o corte e, instintivamente, conseguiu centralizar sua alma em um dos quatro pedaços em que seu corpo foi dividido. Enquanto suas partes voavam, desintegrando-se sob o poder bizarro de Anna, Anna percebeu o que acontecia.

Sccrrrchh...

Aterrissando afastado, regenerou apenas um pedaço de volta para seu corpo completo.

"Entendi. Não errei meu corte; a alma dele não estava lá." Anna abriu um pequeno sorriso, a raiva já diminuindo. Sorte a de Nino. "É só eu não errar... ela de novo."

Materializou seu Tesouro novamente, enquanto o Semi-Deus a observava, tentando concentrar ao máximo sua visão nela, para não dar brechas e sofrer um corte fatal.

Poc!

Uma gota da chuva caiu diretamente em seus olhos, e, quando o Semi-Deus os abriu, num piscar de olhos, Anna já havia desaparecido. O medo invadiu sua alma, enraizando-se, e, no mesmo instante, sentiu a morte chamando-o. A lâmina de Anna prestes a atingi-lo novamente.

Percebeu rapidamente e manipulou sua alma.

PLOCH!

Anna surgiu de repente, agachada atrás dele, com a foice cravada em seu peito, a lâmina atravessando sua carne com uma precisão letal. Mas dessa vez foi diferente; a foice não brilhou com a galáxia em um azul-escuro. Em vez disso, reluziu com um vermelho intenso, um Vermelho Carmesim.

Enquanto o Semi-Deus tentava se recompor, forçando seus olhos a se voltarem para frente, com a lâmina ainda encravada em seu peito, Anna sussurrou, a personificação do medo em seus ouvidos:

— Lua de Sang...

— AFASTE-SE!!!

CRUUNCCHH!!

O Semi-Deus sentiu a morte iminente se aproximando, um presságio cruel. Sabia que não podia desviar. O medo tomou conta de sua alma como um fogo que se alastrava. A morte veio lhe buscar, e ela vestia azul.

Com um grito desesperado, pronunciou uma palavra que não era apenas uma simples palavra, um som, uma ação, um verbo — era uma Ordem Divina.

O poder da Ordem explodiu, e Anna foi impulsionada para longe, sua foice rasgando o corpo do Semi-Deus enquanto ele ainda tentava se erguer.

A divindade sentiu uma dor avassaladora percorrer seu corpo e sangrou um pouco pela boca, embora mantivesse a postura. Usar uma Ordem contra Anna foi arriscado; algo mais agressivo poderia tê-lo matado.

O poder da Ordem fez com que a Lua Azul desaparecesse, a chuva sumindo em uma explosão de energia, uma reação em cadeia espalhando-se pelo desfiladeiro, afastando as nuvens que antes o oprimiam.

O vento cortante ecoava ao redor.

Anna, sem pressa, aterrissou suavemente ao lado de Nina, já recuperada, embora Nathaly ainda precisasse de apoio, com a respiração difícil e a dor persistente no coração.

Anna observou, indiferente, o que restava do duelo, com um olhar de puro desprezo.


Dois minutos antes:

Amarrado ao teto do magnífico, mas agora destruído, castelo gótico de Lycoris, Nino despertou com um sobressalto. O castelo, que antes exalava uma aura de grandeza sombria, agora era apenas pó e escombros.

O sangue carmesim que antes envolvia aquele lugar já não existia, e o selamento de Nino se desfez, fazendo-o cair violentamente no chão, de rosto contra o solo.

Ao despertar, seus olhos se arregalaram, e, num reflexo ágil, girou no ar, aterrissando de pé, tranquilamente. Com dois saltos curtos, alongou o corpo e se reequilibrou.

— Se eu saí, isso quer dizer que a Bruxa morreu? — perguntou, a curiosidade evidente em sua voz, observando suas mãos. As fechou com força, sentindo a estranha ausência de seu corpo físico após tanto tempo sem sentir nada.

"Sim."

— Então... quem a matou?

As imagens de Anna e Nina invadiram sua mente como um turbilhão. Seus olhos se alargaram, e, sem hesitar, partiu em disparada para fora do castelo.

FRRRUUUSSHH!!

A velocidade foi tamanha que atravessou o país em um piscar de olhos. As árvores vivas se curvavam violentamente ao impacto do vento gerado pela sua corrida, enquanto as árvores mortas, CR-R-R-RAASH! quebravam, caindo e esmagando casas de pequenos monstros insetos, que tentavam, inutilmente, sobreviver mais um dia sem serem devorados.

Atravessando as imponentes montanhas que bloqueavam o sol, cortou mais alguns segundos de corrida, sem nem mesmo saber para onde ia. Mas ao tocar o início da planície onde Lycoris foi torturada e seu pai encontrou Morte, o mundo ao redor se tingiu de azul.

Olhou para cima e viu a Lua Azul, imensa e brilhante, pairando sobre o horizonte, extremamente longe de onde se encontrava.

— ANNA! — gritou, sua voz carregada de uma mistura de urgência e pavor, os olhos completamente tomados pela preocupação com sua garota.

BOOOOOOMMMMM!! 

O som ensurdecedor da reação em cadeia do vento percorreu o espaço, chegando até ele, agitanto suas roupas e levantando terra da planície. Nino se protegeu, cruzando os braços à frente do rosto.

A chuva não foi limitada ao desfiladeiro; havia se expandido, tomando uma vasta região que ia do País dos Vampiros, no leste, até Dirpu, no oeste.

Seus olhos se agitaram e Nino não hesitou, retomando a corrida com ainda mais velocidade. A cada passo, sentia as gotas da chuva atingindo seu corpo, sendo arrancadas pelo vento que o impelia.

À medida que avançava, a pressão da presença esmagadora à sua frente se tornava quase palpável, uma força que fazia o ar vibrar ao seu redor.

Depois de um tempo correndo em direção à lua, Nino chamou:

— Morte!

"Diga."

— Essa presença... eu consigo vencer com sua espada?

"Meio óbvio."

— Você falou em porcentagem da outra vez. Quantos por cento eu preciso para matar isso?

"Seu imbecil, disse porcentagem para tentar colocar na sua cabeça que você não aguentaria. Sei lá isso de porcentagem; nem faz sentido. Só precisa cortá-lo com a espada, e pronto."

— Libera 10% do poder. Eu consigo!

"Você é retardado? Não escuta o que eu falo?"

— Limita um pouco; eu só preciso conseguir segurar ela!

"Você não vai aguentar."

— Eu aguento.

"Não vai, seu imbecil. As vozes são mais fortes que você, vai ser controlado pelas almas."

— Eu aguento!

"Só use-a norm..."

— LIBERA O PODER!

"Ahrrrr!" Morte se irritou, sua voz cortante ressoando na mente de Nino. ""Vamos ver no que isso vai dar então."" pensou, mas não conversava com ele, apenas o observava com desprezo.

Nino ergueu o braço direito ao lado da cabeça, segurando a espada com firmeza. Quando puxou levemente a lâmina da bainha, Morte liberou uma fração do poder. O corpo de Nino parou, momentaneamente, de correr.

Sua expressão se transformou, uma fúria primal tomando conta, enquanto suas roupas se esticavam com a força da poder, rasgando-se em tiras que voavam ao vento.

Das milhares de vozes em sua mente, uma se destacou, clara e autoritária:

"Mate todos!"

Nino olhou fixamente para frente e, com um movimento certeiro, colocou um pé à frente, o impacto sendo suficiente para causar uma tremor no solo.

BOOOOOMM!!

Uma explosão de energia o arremessou para frente, catapultando-o a uma velocidade devastadora, muito além dos limites que já possuía. Disparou em direção à lua... que, no entanto, havia desaparecido no exato instante em que se lançou para ela.

— Isso é inútil! Eu sou imortal! Ga...

O Semi-Deus, de repente, congelou. Seu olhar se distorceu, perdido, e sentiu algo sombrio se aproximando. Instintivamente, concentrou toda a sua alma em um dedo, mais uma vez.

Levantou a mão, e Tlerrch! disparou um feixe de energia e sangue, voando em direção à parede à sua esquerda, tentando fugir, desesperado, no exato momento em que Nino apareceu atrás dele.

Com um sorriso doentio, Nino entrou no campo de batalha com a Purgatório erguida, a lâmina fina com uma sede insaciável de destruição.

— Imortaaal, é? — A voz de Nino estava impregnada de uma excitação sádica, repleta do prazer distorcido de sentir tantas almas gritando em agonia dentro de sua mente, todas se retorcendo em sofrimento simultâneo.

A lâmina cortou a carne do Semi-Deus com precisão, dividindo-o na diagonal, rumo ao chão. A Purgatório, fria e implacável, não fez o menor som ao rasgar o espaço. Mas quando a ponta da espada tocou o primeiro grão de areia, a lâmina liberou uma aura verde, e com um estrondo ensurdecedor, uma explosão devastadora irrompeu.

BRRRUUUUUUMMMMM!!!

A explosão foi colossal, devastadora, arrasando o campo de batalha em uma onda de força pura que desintegrou o corpo do Semi-Deus.

Uma cratera monstruosa se abriu no desfiladeiro, engolindo pedaços das paredes ao redor, com fragmentos de rocha e poeira voando em todas as direções.

A reação em cadeia varreu as meninas, mas Anna, sempre calma, se manteve inabalável. Sem mover um dedo, criou uma barreira de água, um escudo de proteção, envolvendo Nina e Nathaly para protegê-las da fúria da destruição.

A onda de destruição varreu o campo, fazendo o cabelo e o vestido de Anna se agitarem lentamente, o próprio espaço-tempo foi distorcido ao seu redor. Os gritos de dor e agonia ainda ecoavam, como sussurros distantes, se arrastando na brisa, tocando os ouvidos de todos com a promessa de sofrimento eterno.

A fumaça densa da explosão cobriu o desfiladeiro, engolindo a visão de todos. Se espalhou rapidamente, atravessando o vento, levando com ela o terror e os gritos que continuavam a ecoar.

No Oeste, o resto do exército de Dirpu sentiu o presságio. O vento furioso os atingiu com força, suas roupas e armaduras desordenadas, sentiam próprio mundo os empurrando para trás. Alguns caíram, outros apenas ficaram em pé, apavorados.

Quando a fumaça da destruição finalmente se dissipou, Nino surgiu das sombras atrás da cratera recém-formada. Nina o observou, começando a caminhar em sua direção, seus passos lentos e hesitantes, imprecisos, cheios de dúvidas e medo.

A cratera, profunda e imensa, os separava.

Parou, seu olhar fixo nele. Algo estava errado. O rosto dele... não era assim. Uma presença estranha e sombria pairava sobre ele. Algo lhe dizia que não era mais o Nino que ela conhecia.

Nino a encarava, seus olhos fixos nos de Nina, e as vozes dentro de sua mente não cessavam:

"MATE ELA! MATE TODOS!" Mesmo fora de controle, mesmo com os tics frenéticos, seu sorriso doentio se alargava sem limites. Sentia o impulso de avançar, de acabar com tudo. Mas, conseguiu conter seu corpo, forçando-se a não se mover em direção à sua irmã.

— Nino... você prometeu... — A voz de Nina falhou, tremendo, quebrada, carregada de dor. Tentou se segurar, mas as palavras saíram cheias de uma tristeza profunda.

Foi então que uma voz suave, mas carregada de autoridade, ecoou vindo de cima da parede esquerda do desfiladeiro.

Todos voltaram seus olhares, vendo o Semi-Deus Verdadeiro em pé, mas com a cabeça curvada em uma submissão silenciosa ao ser que mantinha-se de costas para ele.

— Aquele chá que tomamos estava bom, né? — Sua voz saía suave, doce, sedutora, carregada de uma vaidade perturbadora, e naquele corpo... inocente.

Nathaly, atônita, mal acreditava no que via. Seus olhos estavam vazios de compreensão, incapazes de processar o que acontecia diante dela. A confusão tomou conta de sua mente, mas, à medida que seus olhos se fixavam em Aurora, a dor em seu coração aumentava, pressionando-a com uma intensidade cruel.

Com uma sensação de impotência crescente, viu a Princesa Aurora esticar o braço, erguendo a palma com um leve movimento de dedos em sua direção.

— Prin...

Crunch!

Aurora fechou a mão abruptamente, e, de dentro da caixa torácica de Nathaly, uma mão invisível se fechou, esmagando seu coração com uma força esmagadora. Nina olhou na direção de Nathaly, e viu seus olhos perderem o brilho dourado e sagrado, transformando-se em um vazio... sem cor.

O corpo de Nathaly despencou, caindo sem vida. Cada segundo daquele momento parecia se arrastar, estendendo-se como uma eternidade nos olhos de Nina. Seu coração já não batia, seus pulmões estavam vazios, seu corpo imóvel, havia esquecido o que era viver, o tempo para ela deixou de existir.

A dor era tão profunda que não conseguia mais distinguir entre o que era real e o que não era. Uma lágrima, silenciosa e densa, escorreu por seu olho esquerdo, atravessando seu rosto com a mesma lentidão do desespero que a consumia, cada gota carregava consigo o peso de sua impotência.

Pahff...

O corpo de Nathaly despencou no chão, sem vida, como uma Marionete Pano cujos fios foram cortados. O som do impacto foi abafado pela dor profunda que reverberava no peito de Nina.

Creck!

A visão de sua menina, imóvel, destroçou algo dentro dela.

E com isso... Nina explodiu.

TRRRHOOOOOOHHHHMMM!!!

Aurora fechou os olhos, erguendo a mão em um tchauzinho sutil, mantendo um sorriso de satisfação no rosto, enquanto Nina descia furiosamente em sua direção, empunhando uma marreta gigante.

Raios escuros, carregados de raiva e dor, se emitiam da arma, tão intensos que o céu foi tingido pela fúria de sua alma.

BRRROOOOOOHHHMMMM!!!

Mas... não foi o suficiente.

Em um instante, Aurora se teletransportou, levando consigo o Semi-Deus Verdadeiro para continuar suas pendências naquele mundo.

O impacto da marreta fez Nina abrir um buraco colossal na parede do desfiladeiro, rachando extensões enormes por todo o terreno. Nem mesmo os arcos que interligavam os dois lados da passagem, estendendo-se por centenas de metros, resistiram ao impacto, desmoronando com estrondo.

Nina não conseguiu ser mais rápida que a Anjo.

Ainda sem acreditar no que acabou de acontecer, a marreta caiu ao chão, transformando-se em líquido e desaparecendo lentamente como sangue. Sua arma, agora sem forma, não voltava mais para suas mãos. Seu estado espiritual estava tão fragmentado que a marreta se dissolveu em fumaça preta.

Uma sensação devastadora de tontura começou a tomá-la, esmagando suas forças. Não conseguia mais pensar, não conseguia se mover. Sua mente agia por conta própria, era um fantasma de si mesma.

"Foi você!"

"Você a matou!"

"Você não a protegeu!"

"Você..." "Você..." "Você..." "Você..." "Você..." Sem raciocínio, sua mente afundou em um abismo de culpa, ecoando em cada canto da sua consciência.

As lágrimas começaram a escorrer por seu rosto, quentes e pesadas, enquanto suas pernas bambearam, tão violentamente que mal conseguia manter-se em pé. Cada movimento era como um grito interior, uma agonia que tomava seu corpo inteiro.

Pah...

Caindo de joelhos, olhando sem ver, deixou a culpa a consumir, sem poder entender.



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