Volume 4
Capítulo 94: Um azul bem escuro (1)
Anna caminhava com passos firmes, sua presença inexistente preenchendo o desfiladeiro... com medo. Cada palavra sua era uma sentença, cada movimento, um lembrete de que ela era o predador e Lycoris a presa.
— Vou perguntar pela última vez... Onde... Ele... ESTÁ?!
A voz de Anna atravessou o ar como cortes de sua foice, reverberando dentro de Lycoris. O som a fez ceder, sua mente se fragmentando sob a pressão insuportável. Sua boca se encheu de sangue enquanto debruçava para frente, vomitando sem controle.
— Bleergh!
O medo emanava de Lycoris como um cheiro fortíssimo, e seus olhos buscavam, desesperados, uma saída impossível. Mas o desfiladeiro era um túmulo, e Anna, o carrasco.
Do alto da parede rochosa, o Primordial do Sol permanecia congelado. Seus olhos brilhavam, o fogo ancestral dentro dele reacendendo ao testemunhar Anna. Não conseguia acreditar na visão à sua frente, sua mente uma confusão de amor e fascínio.
— A-aAah... — Sua voz morreu em um sussurro impotente.
Lycoris, tomada pelo desespero, sabia que a submissão não seria suficiente. Sua última esperança era lutar. Com um gesto trêmulo, materializou seu Tesouro de Bruxa, sua relíquia mais preciosa. Sem hesitar, avançou, lançando-se em direção a Anna, sua mente consumida por um misto de pânico e determinação.
Mas o que veio não foi um embate.
O Tesouro da Lua, reagiu ao movimento. Prevendo o perigo, o tecido vivo e sobrenatural começou a se transformar, expandindo-se em um tecido preto brilhante.
Serpenteou pelo braço de Anna, envolvendo-o completamente até formar uma luva elegante e mortal. Cada movimento era fluido, um predador adaptando-se ao ataque iminente.
Quando a Foice de Lycoris cortou o ar, Anna levantou a mão esquerda e a segurou com facilidade, Tshhk... interrompendo o golpe como se não fosse nada.
Lycoris olhou, incrédula.
Com a mão direita, Anna, P-l-l-loch! segurou-a pelo pescoço e a ergueu do chão. As unhas perfuraram a pele da Bruxa, arrancando gemidos de dor e deixando um rastro de sangue que escorria pelo braço.
— Aa-a-kr... — Lycoris engasgava, tentando resistir, mas era inútil.
Enquanto a Bruxa debatia-se em agonia, seu Tesouro, agora preso, começou a ser consumido pelo Tesouro da Lua. O tecido preto e azul-escuro tomou a lâmina como se fosse vivo, apagando seu brilho carmesim e transformando-a em uma extensão do universo estrelado que pulsava nas mãos de Anna.
Anna observava o processo com frieza, sua expressão indiferente ao desespero da Bruxa.
A alma de Lycoris queimava, mas se recusava a soltar a arma, mesmo enquanto sua mão começava a se desintegrar. Cada fibra de sua existência resistia, mesmo sabendo que já havia perdido.
A ordem da posse do Tesouro queimava sua alma, e o fogo subiu por seu braço, consumindo sua mão.
O gemido da Bruxa... um reflexo de pura angústia:
— Aarrrghggh...
Anna, impassível, continuava a segurá-la pelo pescoço, observando-a sem emoção.
Tsrsrsrsrs...
O som do tecido consumindo a lâmina foi seguido pelo desaparecimento total da Foice, agora completamente tomada pelo Tesouro da Lua. Anna, com o rosto frio e calculista, desmaterializou sua nova arma como quem guarda um brinquedo recém-adquirido.
Com os olhos marejados e o rosto deformado pelo sangue e pelas lágrimas, olhou para Anna. Tudo o que viu foi frieza e indiferença.
Do alto da parede rochosa, o Primordial do Sol observava a cena em silêncio. Suas chamas cintilavam com uma nova compreensão do amor, um arrepio correndo por seu corpo.
"Me enganei, Ragnarok... A Morte não se veste de Vermelho Carmesim... Se veste... de Azul... Um Azul bem escuro."
Creck!
O corpo inerte de Lycoris permaneceu pendurado pela mão de Anna, que a soltou apenas quando perdeu completamente o interesse.
Pah...
Largou-a no chão como quem descarta algo insignificante, algo já sem valor. Lycoris não havia morrido, pois, como os Primordiais, Bruxas só encontram a morte verdadeira se seus corações forem destruídos.
Mas Lycoris não queria mais lutar. Não queria mais se levantar. Não queria mais viver. A dor era insuportável, tão profunda que arrancava pedaços de sua alma. Não queria mais ser uma aberração negada por sua própria linhagem. Não queria mais assistir aos filhos que criava com tanto amor... serem massacrados diante de seus olhos.
Presa na poça de sangue que a envolvia, permaneceu imóvel, recusando-se até mesmo a regenerar o pescoço dilacerado. Seus olhos vagaram pelo cenário à sua frente, vazios, sem brilho, até se depararem com uma figura.
Lá estava ela: Morte. Observando-a com um olhar carregado de pena. Mas, lentamente, aquele rosto de compaixão se transformou. Um sorriso surgia nos lábios de Morte — um sorriso excitado, cheio de perversão e êxtase ao presenciar a lenta e inevitável morte de Lycoris.
— Lua nova.
S-S-S-S-SH-HK!
Apontando dois dedos em forma de arminha, Anna desfez o corpo de Lycoris em um único movimento no centro do Círculo Mágico. Os cortes se espalharam pelo chão em linhas perfeitas, transformando o corpo da vampira em fios ultrafinos.
Olhou uma última vez para os restos, indiferente, e virou-se para seguir seu caminho, sem notar o Círculo Mágico. Nem mesmo quando ergueu os olhos, ainda viajando, para a lua, buscando se teletransportar até Nina, percebeu a presença do círculo. Aquele símbolo foi ocultado com maestria, por alguém... ou algo com uma sabedoria além da compreensão.
Com um suspiro irritado, seguiu adiante, focada em Nathaly e Nina.
"Ela era muito bonita... Nino, eu vou matar você!" pensou, indignada, enquanto seus passos ecoavam no terreno devastado.
Mas, ao sentir uma presença no alto da parede do desfiladeiro, seu olhar furioso subiu. Lá estava ele: o Primordial do Sol, observando-a de maneira quase terna, com um rosto gentil.
Esse gesto bastou para inflamá-la ainda mais.
— Lua. Lua, você está viva, meu amor... Vou te ter de volta... Eu prometo! — As palavras de Sol saíram em murmúrios, quase inaudíveis, tão eufórico que sua mente parecia estar desconectada de sua voz.
SH-SH-SH-SHHK!!
Anna respondeu com brutalidade. Materializando sua nova foice, lançou uma rede de cortes impossíveis de acompanhar, como uma teia mortal.
SHK-R-RUUN!!-SSHK-RRU-UNN!!
Aquela seção da montanha foi completamente obliterada, as pedras desmoronando em formas quase perfeitas. Sol, contudo, conseguiu se esquivar no último instante, usando uma dessas pedras gigantescas como refúgio.
Rapidamente, deslizou o dedo sobre a superfície lisa, desenhando um círculo com o próprio sangue. Antes que a teia mortal o atingisse, desapareceu em um clarão.
Reapareceu em seu palácio, ofegante, mas seus olhos queimavam com um propósito. Saiu do salão do trono com passos decididos, a ira pulsando em cada gesto.
Sem hesitar, dirigiu-se à sala do Cálice do Santo Graal, sua fúria crescendo.
— Aquele desgraçado deve estar controlando a mente dela! — rosnou, sua determinação inabalável.
Anna olhou para a foice em sua mão, sentindo uma satisfação fria e distante.
— Gostei de você.
Com um movimento preguiçoso, girou a lâmina entre seus dedos, antes de desmaterializá-la completamente.
Sem pressa, Anna continuou caminhando em direção a Nina e Nathaly, que já pareciam um pouco melhores, se escorando uma na outra. Nathaly respirava com dificuldade, pressionando o peito como se uma mão invisível apertasse seu coração. Nina, por sua vez, lutava para estabilizar o sangue ainda instável.
Mesmo que a continuidade do sofrimento de Nina tenha acabado, seus sentidos estavam tortos, o que levou a uma demora um pouco maior para sua regeneração voltar completamente.
Tlec!
Um leve estalo de dedos ecoou nos ouvidos de todos que estavam no desfiladeiro. O som simples ressoou, quase como se tivesse o poder de silenciar todo o ambiente ao seu redor.
O círculo mágico de sangue que Anna havia deixado para trás brilhou intensamente, um vermelho profundo e ameaçador. Atraído pela força da magia, o sangue dos monstros que Nina havia matado e o sangue dos túnicas que haviam se suicidado começaram a convergir para o centro do círculo.
O corpo desfeito de Lycoris reagiu, o sangue unindo-se grotescamente, reconstituindo a Bruxa de maneira distorcida.
Tripas, pedaços de carne e vísceras começaram a se entrelaçar, uma mistura insuportável de fragmentos dilacerados que se uniam em um espetáculo de horror.
Anna, desinteressada, lançou um olhar breve para trás, observando o que estava acontecendo sem dar muita atenção ao ritual. Seu rosto exibia um tédio imenso enquanto aguardava.
Finalmente... O Ritual se finalizou. Todo o sangue, toda a energia concentrada se direcionou a um único ser — um Semi-Deus Verdadeiro.
Este se ergueu do centro do sacrifício, sua presença avassaladora preenchendo o espaço. Um homem de mais de dois metros de altura, a musculatura de seu corpo era claramente definida, como se tivesse sido esculpida para ser a perfeição personificada.
Se vestia de forma simples, com uma calça folgada e uma blusa aberta brancas, que revelava seu peitoral e tanquinho, marcados e perfeitos. Sua pele era negra, com um tom profundo, quase celestial, uma extensão do próprio poder que agora pulsava nele.
Seus cabelos e olhos eram brancos, intensamente brilhando com a luz de uma energia divina que o cercava, uma presença inegável, como um novo Deus surgindo para desafiar os antigos.
Seus olhos e cabelos brilhavam como estrelas, brancos e radiantes, em contraste com sua pele perfeita e sua postura imponente. Parecia estar ciente de tudo à sua volta, sentindo cada presença com uma precisão divina.
O Semi-Deus observou à sua frente. Percebendo duas presenças extremamente poderosas. No entanto, no meio delas, havia uma mulher sem qualquer presença, o que despertou sua curiosidade de forma inquietante.
— O que é você?! — o Semi-Deus gritou, os olhos brilhando com fúria enquanto disparava em direção a Anna, seu corpo massivo se movendo com velocidade surpreendente, a terra tremendo com seus passos pesados.
Anna, contudo, não se moveu. Apenas ficou ali, calma e impassível, observando o ser, se assemelhando a uma besta, se aproximar como se fosse um inseto prestes a ser esmagado.
Com um olhar de canto, vazio e desdenhoso, murmurou:
— Ragnarok.
GRRRRAAAHHH!!
O Leviatã Lunar surgiu do solo com um rugido monstruoso. Suas mandíbulas, enormes e afiadas como lâminas de amalíta, se fecharam.
CRUNCHH!!
Agarrando o Semi-Deus e levando-o para o céu com uma força avassaladora.
Anna apenas observou, sua expressão inalterada.
— Volte.
Com um simples comando de sua voz, fria como o gelo, o Leviatã desapareceu no ar, deixando o Semi-Deus ainda suspenso no céu, com seu corpo inteiro dolorido pela pressão.
O Semi-Deus, lá no alto, percebeu Anna se aproximando e tentou atacar, mas ele enxergava... Enxergava... Conseguia ver a velocidade de Anna e onde iria cortar, porém, não tinha velocidade suficiente para... desviar.
SHKRUNCH!
O som do corte foi ensurdecedor.
Com seu braço indo em direção a Anna, em uma tentativa desesperada, o Semi-Deus teve o membro cortado fora, mas, com a percepção aguda do corte e sentindo que sua alma seria atingida, manipulou sua alma com rapidez, arrancando-a de seu braço e concentrando-a violentamente em seu peito.
PLOCHH!!
Antes que pudesse fazer qualquer coisa, Anna apareceu atrás dele, já agachada e com a foice cravada em seu peito. Rasgou sua carne com um golpe limpo e brutal, os ossos se estilhaçando sob o impacto.
Em um instante, o Semi-Deus, como se tivesse vivido aquilo por séculos, manipulou sua alma, retirando-a de seu peito e enviando-a para o braço regenerando, consumido pela dor e pela angústia.
Anna, com os pés pressionando as costas dele, com uma calma mortal, sussurrou com uma frieza imensurável:
— Lua D'Água.
BOOOOOOMMMMM!!
O Semi-Deus conseguiu regenerar seu braço a tempo, e com um gesto desesperado, concentrando sua alma em um dos dedos, Tlerrch! arremessou-o como um peteleco.
Arrancando o membro e retirando sua alma, tentava, em vão, reconquistar sua superioridade.
Anna, em uma manobra devastadora, girou em um 360 graus vertiginoso, cortando o corpo do Semi-Deus ao meio, criando uma explosão de poder ao ponto de gerar uma Lua Azul gigantesca no céu daquele desfiladeiro desértico. A chuva que se seguiu caía incessantemente, como uma tempestade sobre o caos.
Deuses, Semi-Deuses, Semi-Deuses Naturais e Semi-Deuses Verdadeiros não morrem com o coração destruído. Apenas se sua alma for cortada ao meio ou se o coração for perfurado por uma lâmina com essa propriedade.
Tentando revidar, enquanto despencava do alto, os clones de Anna mantinham uma velocidade inferior à dela, mas incomparavelmente superior à dele.
Não conseguia "mais" se manter no controle.
Crunch!-Crunch!
Não conseguia atacar; seus membros eram cortados e arrancados sem piedade, só para serem regenerados instantaneamente, a cada lâmina de água tocando sua pele, rasgando suas vestes sagradas e dilacerando seu corpo.
PHAAAMF!
Quando o Semi-Deus finalmente aterrissou com violência no chão, os clones de Anna começaram a cercá-lo, movendo-se com tanta rapidez que não conseguia sequer contar quantos estavam atacando.
Era como um furacão de água, puxando-o para o epicentro da destruição, enquanto suas partes eram cortadas, em um jogo de pura agonia.
Um brinquedo sendo usado por Anna para se acalmar e não executar Nino, descontando sua raiva no Semi-Deus, que não tinha chance alguma de contra-atacar. Se divertia vendo-o ser consumido pela dor, sem qualquer piedade, enquanto se tornava apenas uma marionete nas mãos dela.
Sendo feito de putinha, atacado sem misericórdia, desistiu de tentar vencer os clones em velocidade. Fechou os olhos e concentrou toda sua atenção em duas coisas: sua regeneração, para que ela não conseguisse alcançar seu coração, e sua...
"Detecção!"