Dançando com a Morte Brasileira

Autor(a): Dênis Vanconcelos


Volume 2

Capítulo 20: Noite Fria

Depois de segui-la de volta para a casa, Anna entrou e foi verificar se ainda havia comida.

Ao olhar para o cubículo de gelo, percebeu que ainda havia frutas roxas e um pouco de carne.

Como não estava com disposição para preparar a carne, pegou algumas carnes secas para o café da tarde. O gelo se moldou, abrindo-se para que ela pudesse retirar uma fruta, e então se fechou novamente.

Anna caminhou até a mesa e se sentou em silêncio.

— O qu...

— Pega aquele copo à sua direita e traga água do rio para mim.

— Por qu...

— Só obedece.

— ...Onde fica?

— Se seguir reto após sair da porta, você chega a um. Caso queira ir por outro lado, também deve encontrar outras partes onde ele se divide.

— Uhum.

Nino pegou o copo de madeira e saiu.

Não demorou para encontrar o rio, e depois de pegar a água, ele voltou para a casa de Anna e colocou o copo na mesa. Ela olhou para ele e, enquanto Nino se sentava à sua frente, usou magia de água na água.

— Hãm?

— Hum?

— Se você ia usar magia de água, por que não bebeu magia de água?

Ela o olhou fixamente por alguns segundos antes de separar a magia de água da água real.

— Não vou beber magia de água, isso não supre a sede, apenas disfarça. Eu só usei para purificar a água.

— Ah.

Blump!

Anna segurou a fruta roxa em sua mão esquerda, e, sem que ela se movesse ou fizesse qualquer esforço, a fruta explodiu. No entanto, o líquido não se espalhou; ele permaneceu suspenso sobre sua mão. Anna o colocou no copo, misturando-o com a água para fazer seu suco.

Depois de terminar, colocou o restante da carne seca sobre a mesa para que ambos pudessem comer.

Pegou um segundo copo e serviu um pouco de suco para Nino.

Ele olhou para o copo, pensando que era suco de uva, mas ao provar, percebeu que era algo ainda melhor. Gulp... Tomou um gole, olhou para o copo surpreso, e então bebeu tudo de uma vez.

— Qual o nome disso?!

— Não sei.

— É muito bom.

Anna ficou satisfeita ao ouvir isso, não por Nino, mas pelo reconhecimento da fruta que sua mãe tanto gostava.

Não demonstrou sua alegria, e sua expressão permaneceu inalterada, mas ela respondeu:

— É minha fruta preferida.

Pegou um pedaço de carne seca e começou a comer.

Nino queria puxar assunto, mas estava difícil encontrar o que dizer:

— A floresta é bonita, né?

— Uhum.

— ...

Anna percebeu que ele queria conversar. Embora não estivesse acostumada a isso e não confiasse muito nele, sua visão das pessoas era limitada pelas poucas experiências que teve. Ainda assim, sabia que Nino era fraco diante dela.

O que facilitou para ela conversar um pouco:

— Sim. É uma mistura de beleza, perigo e solidão.

— ...Você mora sozinha?

— Sim.

— Por que tem duas unidades de cada coisa aqui dentro?

— Como assim?

— Dois talheres, dois copos, dois pratos. Essas coisas.

Ela levantou o olhar e o encarou. Nino estava de costas para a cama e de frente para a porta, com Anna sentada à sua frente.

— Eu espero o dia em que minha mãe vai entrar por essa porta e voltar para mim.

Ele baixou o olhar, sem saber como reagir.

— Por que essa pergunta?

— Você disse algo sobre ver alguém que trai morrer. Sei lá, não pensei direito. Achei que você namorava.

Gulp...

Anna tomou um gole de seu suco, aproveitando o momento, ao contrário de Nino, que havia devorado o suco em um instante.

— Você é a segunda pessoa com quem troco palavras em toda a minha vida.

— Hãm?

— É que minha mãe me disse para nunca confiar em um demônio de sangue rosa. Demônios de sangue rosa traem, não são confiáveis. Quando eu era criança e vim parar aqui, depois de uns 10 anos, aconteceu o que te contei. Ela me disse que pessoas que traem merecem o que acontece com elas. Eu vi um humano traindo sua namorada com outra mulher. Eles estavam com seus corpos conectados, falando sobre o risco da namorada dele descobrir. A mulher que estava com ele era amiga da namorada, mas ainda assim a traía. Assisti por um tempo, sem entender por que eles gostavam daquilo, ficavam se mexendo e fazendo sons. Voltei para casa e tentei imitar o que eles faziam, mas não senti nada e parei.

— Você se masturbou? 

— O que é isso?

Nino a encarou meio sério.

— Nada. Continue.

— Naquela mesma noite, ouvi gritos. Fui até lá e vi que eles estavam sendo devorados vivos. Era um grupo de cinco homens e três mulheres; uma delas devia ser a namorada do cara. Se eu os salvasse, não conseguiria confiar neles, e nem queria tentar confiar em pessoas que traem, então os deixei morrer. Quando isso aconteceu, houve uma grande movimentação dos homens-sombra. Fui lá e tentei exterminá-los. Como disse, pensei que tinha conseguido, mas parece que, das centenas que matei, alguns sobreviveram.

— Entendi.

— Você já traiu alguém?

— Não.

Anna o observava com um rosto sério e frio.

— Por que eu deveria deixá-lo vivo?

Nino piscou, e quando abriu os olhos, Anna não estava mais à sua frente. Agora, ela estava sentada na borda da cama atrás dele, com Nino entre suas pernas. Ele não percebeu a mudança, mas sentiu algo frio em seu pescoço. Anna segurava uma foice de água pelo cabo, apenas com dois dedos, de forma aparentemente descuidada.

A lâmina, no entanto, ficava próxima demais de seu pescoço, e Nino sabia que qualquer movimento errado poderia custar sua cabeça.

Lentamente, Nino se virou para trás, olhando para ela de baixo, fixando seu olhar naqueles olhos familiares.

— Apenas me diga o que quer que eu faça para provar que não sou como essas pessoas, e eu faço.

Ele a observava sem se mover, mas piscou novamente e Anna desapareceu de sua visão. Quando se virou, viu que ela havia sentado à mesa, comendo normalmente.

— Quebre minha confiança e eu te mato.

"Ela tem trauma com algo que nunca aconteceu com ela...? 'Pré fire' de trauma?" Nino deu uma leve risada de canto com seus próprios pensamentos, e ao olhar para frente, encontrou um rosto não muito amigável.

— Qual é a graça?

— Imaginei que você perguntaria... — Nino se segurou para não rir, saiu no automático e ele não estava aguentando.

— O quê?

— Você disse que sou a segunda pessoa com quem você interage, então por que tem tanto medo de algo que nunca sofreu?

— Porque senti a dor que aquela mulher sentiria se visse aquilo. Se eu senti dor por algo que nem me diz respeito, não sei como reagiria se algo parecido acontecesse comigo — confiar em alguém e ter minha confiança quebrada. Confiar em um amigo e ele conspirar contra você... nem faz sentido.

— Você me vê como amigo?

— Como um cachorro.

— Nossa.

Anna se levantou, espreguiçando-se.

— Vou dormir, não me incomode ou te mato. — Ela o encarou seriamente e foi se deitar na cama.

— Hãm? Olha o sol lá fora.

— Essa conversa me cansou, até amanhã.

— ...Vou dormir no chão?

— Só tem uma cama, se vire aí. — Anna se deitou, virada para a parede, e Nino a observou.

"Sério?"


Na manhã seguinte, Anna acordou.

Durante a noite, havia se virado para o outro lado. Quando abriu os olhos, ainda sonolenta, se deparou com Nino deitado à sua frente.

Pah!

— AAAHH!

Assustada, deu um pulo como um gato e caiu no chão, gritando. Nino acordou com o grito, pulando de susto e assumindo várias poses de luta em cima da cama.

— O QUE VOCÊ TÁ FAZENDO AQUI?! — gritou, extremamente irritada.

— Tava frio, sua cama é quentinha.

Anna ficou ainda mais irritada e saiu, THAAM! batendo a porta.

Depois de um tempo, ela voltou mais calma.

Assim que abriu a porta, viu Nino sentado à mesa, com dois pratos de comida à sua frente. Ele se levantou e se curvou levemente, como um mordomo, apontando para a mesa. Anna o encarou seriamente, mas caminhou até a mesa e se sentou.

A jovem passou o garfo de madeira sobre a carne e, sem esforço, viu a carne se desmanchar de tão macia que estava. Além de ser uma iguaria bem cara encontrada apenas na Floresta do Desespero, Nino havia feito um bom trabalho ao prepará-la.

Nhac...

Anna deu uma mordida e, ao olhar para o lado, viu um copo com suco da fruta roxa que ele também havia preparado. Enquanto comia, Nino nem tocou na própria comida, apenas a observava, feliz por perceber que ela havia gostado.

— Está boa, né? — Não conseguiu disfarçar um sorrisinho.

— Está comestível. — O encarou, e ele ainda mantinha uma expressão boba. — Que cara é essa? Parece um primata.

— Existem primatas aqui!?

Ela terminou de comer a carne.

— Claro. Olha você na minha frente. Aliás, você usou o resto da carne que eu tinha guardado?

— Sim...

Anna suspirou.

— Imaginei. Vamos sair para caçar. Talvez a gente ache um primata, e eu te mostro.

— Tá! — Nino se levantou da mesa.

— Coma primeiro — disse, sem nem olhar para ele.

— Não quero.

Ela agora olhou diretamente para ele.

— Mas você parece querer. — Nino se aproximou, colocando o rosto perto do dela. — Se me pedir, até coloco na sua boquinha...

Phafh...

Anna o empurrou, e Nino manteve um sorrisinho nos lábios.

— Calma... Só brincadeirinha... Pode comer.

Anna o encarou, mas suas mãos se moveram sozinhas, pegando o prato e o suco dele.

Comeu enquanto o observava e, depois, se levantou.

— Vamos.


Caminharam por um tempo, conversando no processo:

— Como ele é?

— Grande e barulhento. Ele se alimenta de árvores, então, se escutar uma caindo, provavelmente é um deles. Tipo ali, ó. — Anna apontou para uma árvore grande caindo mais à frente.

Quando chegaram ao local, ele esperava encontrar um primata, mas o que viu foi uma larva gigante e horrenda.

— Estou me sentindo ofendido.

— Não te perguntei nada — respondeu rapidamente.

— Lapada sinistra, boy.

— Vai lá matar ele.

— Vai você.

Sccrrrchh...

Anna jogou uma corda de água em Nino e o arrastou até o primata.

— Por que eu? — reclamou, sendo arrastado e sentado no chão.

— Porque você é fraco e precisa aprender sobre os animais daqui.

— Para sua informação, eu sou o segundo mais forte do meu mundo.

— Não ligo. E, além disso, nem é o primeiro.

Sccrrrchh...

Nino choramingou baixinho enquanto era arrastado.

Anna o soltou na frente do primata, que continuava se alimentando da árvore.

O local era mais aberto ao céu, pois a criatura já havia devorado várias árvores naquela área, mas ainda estavam rodeados por milhares de outras, e nem sequer estavam perto do centro da floresta.

— Espera aí! — Anna saiu correndo e se escondeu atrás de uma árvore.

— O que essa garota tá fazendo? — murmurou.

Anna fez um sinal de positivo para ele.

Com preguiça, Nino criou uma espada em sua mão e enfiou-a na criatura.

BOOOM!

Que explodiu, espalhando carne e sangue por todos os lados.

Nino ficou encharcado, enquanto Anna saía de trás da árvore, rindo muito enquanto se aproximava.

— Com os outros é mais engraçado — ela continuou rindo.

Nino não se importou com a sujeira, aquela risada compensava tudo.

— Pelo menos consegui um risinho desse rostinho lindo — disse, sorrindo para ela.

Sssshhua...

Anna lançou um jato de água no rosto dele, parando de rir e ficando séria na mesma hora.

— Você está fedendo, toma esse banho aí.

CRÁ-CRÁ!!...

De repente, vindos do leste, pássaros imensos ficaram muito agitados e começaram a gritar.

— O que é isso? — perguntou Nino.

— Periquitos.

— Periquitos desse tamanho? — Nino olhou para ela, incrédulo.

— Hum?

— Ah, deixa. Por que eles estão gritando?

— Geralmente, aquela espécie fica agitada quando há pessoas por perto. Eles já se acostumaram comigo, então deve estar acontecendo algo lá. — Anna começou a andar na direção dos pássaros.

Nino ficou olhando para ela se afastando, hipnotizado.

— ANDA LOGO!

Acordou de seu transe e foi até ela.

Os dois correram até o local de onde vinham os sons.

Chegaram fora da floresta, onde uma caravana aproveitava a sombra das grandes árvores para se esconder do sol e seguir em direção ao seu destino com menos dificuldades.

Eram comerciantes demônios da linhagem verde, transportando tecidos, frutas e outras mercadorias, mas havia duas carroças grandes cobertas. Anna conseguia sentir o que tinha atrás dos panos que as cobriam, enquanto Nino não.

Cr-r-r-unch!

Ao ver Anna dizimando os comerciantes, Nino também quis mostrar serviço e matou alguns em carroças mais afastadas.

Ele olhou para o lado e viu Anna encarando um homem agonizando no chão.

Crunch!

Quando ela pisou no crânio dele, esmagando-o, Nino a observou novamente com um olhar bobo.

Anna olhou e desviou o olhar não entendendo de imediato, mas logo voltou a encará-lo, desta vez com uma expressão irritada.

Nino então ouviu um sussurro vindo da carroça coberta ao seu lado.

Ao puxar o pano, encontrou vários escravos sendo transportados para algum lugar.

Seu olhar mudou, tomado pela raiva daquela situação.

CRAASH!

As jaulas foram destruídas sem que Nino se movesse; foi tão rápido que os humanos nem perceberam seu movimento.

— ...Vocês estão livres, podem ir embora.

Todos permaneciam assustados.

A marca de Nino ficou visível em seu momento de raiva, mas mesmo assim, um homem criou coragem e se aproximou, perguntando:

— Jovem, não temos para onde ir. Não teria um lugar ou um trabalho para nós?

Nino se virou para Anna, que se aproximava naquele momento.

— ...Podem acampar perto da minha casa — disse Anna.

— Vocês sabem construir? — perguntou Nino.

— Não somos muito bons nisso. Nosso amigo, que nos ensinava, não está mais conosco, mas faremos o nosso melhor, senhor. — O homem abaixou a cabeça e se ajoelhou; atrás dele, todos os outros escravos fizeram o mesmo.

Nino ficou constrangido.

— Se levantem, não precisa disso. Não é para mim que construirão, é para vocês. Eu ajudo com o material e vocês constroem suas casas.

— Claro, senhor!

— Tudo bem — disse Nino, olhando para todos. — Quero um homem guiando cada cavalo!

— Sim, senhor!

— Me sigam.

Voltando para a casa, Nino derrubou e cortou algumas árvores, fornecendo tábuas para os ex-escravos construírem suas novas moradias. Passaram a tarde agradecendo a Nino e Anna pela ajuda.

Enquanto construíam, Nino usou a carne do primata para fazer um churrasco, alimentando os novos moradores da vila que começava a tomar forma.

Quando à noite começou a chegar, com todos fartos, de barriga cheia, Nino usou sua magia de pedra para criar um abrigo provisório, onde poderiam passar as noites até que as casas fossem concluídas.

Ao retornar para a casa de Anna, já era noite. Viu Anna deitada, e ele também se deitou, virando as costas para ela.

— Você sabe quantos primordiais existem? — Nino perguntou, quebrando o silêncio.

— Oito. Água, fogo, natureza, luz, escura, sentimentos e sol.

— Mas isso dá sete. Qual é o último?

— Minha mãe só me disse esses — Anna reparou que ele havia se deitado ao lado dela e se sentou na cama, virada para ele. — E o que você está fazendo aqui? Sai da minha cama! — Ela balançou a mão como se estivesse espantando um cachorro. — Sai, sai, sai.

Nino se sentou também, olhando para ela.

— Vou ajudar os moradores nos próximos dias, e quando as casas estiverem prontas, vou fazer um quarto pra mim.

— ...

— Por favor, deixa eu dormir aqui.

Anna o encarou por um tempo sem dizer nada, depois simplesmente se deitou de costas para ele.

"Acho que isso é um sim." Nino se deitou de costas para ela também, e os dois adormeceram.


Com a ajuda de Nino, as casas ficaram prontas muito rapidamente.

Durante uma semana, ele cortou árvores e utilizou sua magia de pedra para acelerar a construção.

As crianças finalmente brincavam sem medo de serem espancadas por seus antigos donos, e os moradores tinham uma casa e comida, vivendo uma vida digna enquanto trabalhavam para o crescimento da nova vila.

No entanto, Nino começou a perceber que as coisas estavam indo rápido demais, e isso o incomodava.

No oitavo dia, ele começou a construção de uma nova casa para Anna, mas, durante todo o dia, conseguiu apenas criar a base.

No nono dia, Anna o observou enquanto ele trabalhava. Nino não deixou ninguém ajudá-lo e parecia se mover em câmera lenta, demorando horas para levar uma tábua de madeira de um ponto a outro, mesmo podendo facilmente levantar várias árvores ao mesmo tempo.

A noite chegou e Anna já estava deitada quando Nino se deitou ao seu lado.

Então, uma voz vibrou através de todos os ossos dele:

— Dois dias e você acabou apenas o piso da casa. Tá fazendo hora?

— ...Sim.

Anna se sentou na cama, encarando-o. Nino se levantou, olhando-a de volta.

— Você tem até amanhã para terminar essa casa. Se não acabar seu quarto, vai dormir no chão.

— Uhum...

Anna se deitou novamente, e Nino fez o mesmo, tentando dormir.

Na manhã seguinte, Nino foi trabalhar cedo.

Anna foi até ele e o viu se movendo devagar, mas, ao perceber que ela o observava, ele começou a acelerar o ritmo.

— Você tem até eu voltar com as penas para as camas para acabar essa casa — Anna disse, virando-se para ir embora.

— Traz bastante.

— Hum?

Ela olhou para ele, intrigada.

— Vou fazer seis quartos. Não sei se a Nina fez amigos como eu tenho você... — Nino disfarçou, olhando-a de canto de olho, mas ela manteve a mesma expressão de sempre. — Traga o suficiente para fazer seis camas de casal...

Anna inclinou a cabeça, olhando para ele com curiosidade.

— É para ter mais conforto...

Nino começou a se mover de um lado para o outro, tentando disfarçar, mas, quando piscou, Anna havia desaparecido de repente.

— Hãm? — Mesmo confuso com os sumiços repentinos dela, ele voltou ao trabalho, mas desta vez com mais pressa.

Anna saiu em busca dos "periquitos", grandes aves que, apesar de seu tamanho, não eram agressivas.

Elas eram uma excelente fonte de penas, mas Anna não planejava matá-las; essas aves perdiam muitas penas naturalmente, e ela apenas daria um banho nelas para coletar uma grande quantidade, como havia feito no passado.

Quando começou a anoitecer, Anna retornou com uma imensa bolha de água repleta de penas. Ao chegar na nova vila, ela desfez a magia, deixando as penas secas no chão. A água foi usada apenas para transportá-las e purificá-las, removendo qualquer odor.

Assim que deixou as penas, as moradoras começaram a costurá-las em tecidos, fazendo colchões, assim como tinham feito para suas próprias camas anteriormente, com a ajuda dela.

Ao entrar na nova casa, Anna olhou ao redor, admirando o trabalho de Nino.

A casa já estava pronta, e ela atravessou a porta de madeira embutida na parede de pedra cuidadosamente trabalhada.

O primeiro cômodo que encontrou foi a sala de jantar. O primeiro andar contava com três cômodos principais: à esquerda, o banheiro da casa. Como não havia encanamento ou sistema de descarga, Nino fez um buraco profundo no solo, sobre o qual criou uma privada com tampa.

Lá embaixo, ele usou sua magia para modificar o veneno que havia tomado posse dos homens-sombra, transformando-o em um ácido sem cheiro, mas extremamente poderoso.

Ele testou e aprovou: a bosta desaparece mesmo.

O banheiro ficava em uma porta sob a escada que levava ao segundo andar. Em frente à escada, uma grande mesa de madeira, cercada por várias cadeiras, ocupava a sala de jantar. No final da mesa, ficava a cozinha, que, ao contrário dos outros cômodos feitos de madeira e pedra, era completamente feita de pedra.

Nino havia criado uma cozinha com pedras lisas, mesas para cortar carnes, uma espécie de freezer para armazenar alimentos, um fogão a lenha com chaminé para a saída de fumaça, além de muitas panelas de pedra, talheres de madeira e outros utensílios que ele considerava necessários.

Ao entrar na casa, Nino descia as escadas e deu de cara com Anna.

— Oi...

— Oi.

— Trouxe as penas?

— Sim, estão com as humanas lá fora.

— Tá, vou buscar os colchões.

— Uhum.

Anna passou por ele, inspecionando a casa.

Nino saiu, e Anna subiu as escadas.

O segundo andar consistia em um corredor iluminado por uma janela no final.

A casa era bem iluminada, com muitas lamparinas de pedra espalhadas, conferindo-lhe um ar rústico e acolhedor.

Ao entrar em um dos quartos, Anna notou que ele tinha apenas uma janela com cortina de tecido, uma mesinha próxima à cama e o suporte da cama encostado na parede, como na antiga casinha de Anna.

Ele logo voltou para a casa carregando os seis colchões, distribuindo-os em cada quarto.

Ela o observou por um momento e, após escolher seu quarto, entrou e fechou a porta. Já era noite, e Nino fez o mesmo.

O quarto que Anna escolheu ficava no final do corredor, à esquerda, enquanto Nino escolheu o quarto imediatamente ao lado, também à esquerda. Agora, eles eram vizinhos de parede.

Depois de dez dias dormindo juntos, esta seria a primeira noite separados. Ambos estavam deitados em suas novas camas; Anna, no início, sentia-se aliviada por não precisar mais dividir a cama.

Nino, por outro lado, estava tendo dificuldade para dormir. Ele se revirava na cama, incapaz de encontrar uma posição confortável. Anna, depois de poucos minutos deitada, ficou na mesma situação, sentindo que algo faltava.

Depois de um tempo naquela situação, sem perceberem, ambos se levantaram ao mesmo tempo e abriram a porta de seus quartos, ficando cara a cara no corredor.

— O que você está fazendo acordada? — Nino perguntou, surpreso.

Anna franziu a testa, irritada.

— Como assim, eu? Você também está em pé. O que está fazendo?

— Não consigo dormir... Só fico pensando em você.

Anna ficou sem reação, mas dessa vez não se estressou nem o encarou. Em vez disso, ela ficou envergonhada com a resposta, abaixando a cabeça.

Com a voz baixa e trêmula, Anna murmurou:

— Quer dormir na minha cama hoje?

Nino, sem hesitar, respondeu alegremente:

— Sim.

Anna se virou e entrou em seu quarto sem dizer mais nada, e Nino a seguiu.

Ela se deitou virada para à direita, enquanto ele se deitou virado para à esquerda. Cada um ficou voltado para seu lado, mas ambos estavam sorrindo, satisfeitos.

Na manhã seguinte, Nino acordou cedo e preparou um café da manhã para Anna na cama. Quando entrou no quarto, percebeu ela acordando. Colocou a bandeja na mesinha ao lado e começou a falar sobre os ingredientes.

— Bom dia! Fiz uma carninha assada com uma salada de frutas variadas para a sobremesa. Preparei também suco da fruta que você disse ser sua favorita. E...

Antes que ele pudesse terminar, Anna o puxou pela blusa e lhe deu um beijo na boca.

Sem perder tempo, ele retribuiu o beijo, envolvendo as coxas em seu quadril e puxando-a ainda mais perto. Enquanto seus corpos se pressionavam e se beijavam com pressa, esqueceram completamente que poderiam simplesmente desfazer suas roupas de sangue e começaram a tirá-las manualmente.

Toc, toc!

No entanto, uma das moradoras da vila bateu na porta da sala.

Como Nino havia deixado a porta entreaberta ao sair para buscar as frutas, ela entrou, consciente da importância da notícia que trazia.

Subiu as escadas à procura de Anna ou Nino e encontrou uma única porta entreaberta com a luz do corredor brilhando. Toc... Ao bater, a porta se abriu completamente, revelando a cena.

Anna e Nino, seminus, ficaram paralisados e envergonhados.

PHAA!

Anna rapidamente fechou a porta com uma magia de água, mas logo a reabriu, já vestida, com uma expressão de vergonha e pressa.

— Aconteceu algo? — Anna tentou fingir que nada aconteceu.

— Eu sinto muito, senhora... — a mulher abaixou a cabeça, se desculpando.

— N-não precisa disso. Pode falar o que aconteceu.

— Enquanto estávamos colhendo ervas na borda da floresta, ouvimos cavalos e vimos jaulas de escravos sendo levadas para algum lugar.

Nino, ainda vermelho de vergonha, saiu pela porta.

— Pra onde estavam sendo levados? Você sabe? — Nino perguntou, sem olhar para Anna, ambos extremamente envergonhados.

— Eles estavam indo em direção ao sul, senhor.

— Ok.

Passou pela moradora, e ele e Anna saíram juntos, correndo em busca dos escravos.



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