Dançando com a Morte Brasileira

Autor(a): Dênis Vanconcelos


Volume 1

Capítulo 4: Confiança

Ano 2021.

Alissa passou um ano inteiro cogitando cometer um assassinato — Nino é insuportável.

Mais uma manhã típica de São Paulo: onde você caminha sob um sol escaldante e, de repente, o céu desaba em água. Nino acordou abraçado à sua irmã, ouvindo a chuva leve caindo lá fora.

Levantaram-se e começaram a se preparar para mais um dia de aula. Sem trocar uma palavra, Nino foi para a cozinha, enquanto Nina foi tomar banho. Quando ela terminou, encontrou-o no sofá, com uma tigela de cereal nas mãos, assistindo televisão. Ela o encarou com os olhos semicerrados, e ele, percebendo, disfarçou, lançando-lhe um olhar de canto.

Nina foi até a cozinha e encontrou sua caixa de cereal aberta.

— DE NOVO?!

— O SEU É MAIS GOSTOSO, CARA!

Nina franziu o cenho, com vontade de jogar o pacote de cereal na cabeça dele.

— Se na próxima vez você insistir em pegar um sabor exótico pra experimentar, ao invés de escolher um que sabe que vai gostar, eu juro que te mato!

Nino fez uma carinha fofa, com os olhos bem abertos, tentando ao máximo apelar para o lado sentimental da sua irmã.

— Desculpa, irmãzinha. Plometo qu...

Pah!

Ela jogou o pacote de cereal na cabeça dele.

— Irmãzinha seu cu, cala a boca.

Nino mudou seu semblante para um de puro tédio, lançando-lhe um olhar indiferente.

— Limpa essa bagunça. Não quero me atrasar.

Nino suspirou fundo e se levantou. Sangue saiu do seu corpo, recolhendo cada floco de cereal sabor chocolate do chão e os colocando de volta no pacote.

— Para de usar o sangue.

— Não tem ninguém aqui.

— Não importa. — Nina começou a caminhar em direção à porta do apartamento.

— Hãm? Não vai comer?

— Compro algo no caminho.

Nino lavou rapidamente a tigela e a deixou escorrendo na pia antes de se juntar a Nina na porta. Ele se aproximou lentamente, tentando testar a paciência da sua irmã mais uma vez, mas ela o ignorou, indo diretamente ao elevador e apertando o botão para descer. Nino correu, colocando a mão na porta para impedir que ela se fechasse.

— Poderia ser mais educada.

— Calado.

O elevador começou a descer e parou alguns andares abaixo, onde uma pessoa entrou. Nathaly viu os dois — Nino com seu habitual sorrisinho no rosto e Nina com o rosto fechado, claramente se segurando para não socá-lo.

Nathaly ficou no meio dos dois. Mais baixa que os gêmeos, sua cabeça chegava ao pescoço de ambos.

— Aconteceu algo? — perguntou, virando-se para Nina e levantando levemente o olhar.

— Nã...

— Ela tem probleminhas mentais, relaxa.

Nina abaixou a cabeça, cerrando os dentes, lutando contra o desejo de estourar a cabeça daquele moleque ali mesmo.

— Calado.


Depois de algum tempo, a chuva parou, e o céu se abriu, começando a secar as ruas molhadas. Já haviam chegado à escola, e Alissa estava extremamente incomodada. Mesmo odiando quando Nino a irritava, o silêncio dele naquele dia a perturbava ainda mais. Mais cedo, Mirlim, que havia sido transferida para a Bahia como nova diretora da ADEDA há 15 anos, realocou um aluno de destaque para a sede principal da ADEDA, e Alissa estava aguardando a chegada dele.

Após alguns minutos de aula, ainda incomodada com o silêncio incomum de Nino, alguém bateu na porta, e Alissa foi receber o novo aluno.

Ele era alto e forte, com cerca de 1,84m, pele escura e cabelo preto muito curto, cortado no estilo degradê, o famoso "na régua". Ele entrou na sala com uma expressão fechada.

Alissa o apresentou para a turma:

— Pessoal, este é Thales. Ele foi transferido da Bahia e vai fazer parte da nossa sala. Deem as boas-vindas.

— Bem-vindo, Thales... — disseram os alunos.

Thales não respondeu e, ainda com o semblante fechado, foi até uma cadeira vazia e se sentou à frente de Nino.

— Quantos anos você tem? — perguntou Nino.

Thales se virou e respondeu:

— 18.

— Aaah, seu animal, 18 anos e desse tamanho? Você não é puro nada! — exclamou Nino, rindo muito.

Thales rasgou sua blusa e começou a fazer várias poses de fisiculturista enquanto gargalhava.

— Se liga nesses bíceps — disse, beijando os músculos. — Saca só esse trapézio, oh oh!

— Isso é o puro suco! — Nino e Thales riram juntos.

"Ah, ótimo. Mais um sem neurônios." pensou Nina, revirando os olhos.

O incômodo de Alissa com o silêncio de Nino logo passou, substituído por sua irritação habitual.

— Chega vocês dois! E você! Vai procurar uma nova blusa!

— Desculpa, coroa... — respondeu Nino, e metade da sala caiu na risada.

— VOCÊ ME CHAMOU DE QUÊ?! — Neste momento, o dia de Alissa realmente começou, mais um dia normal, tentando se segurar para não cometer um assassinato ali mesmo.

Mais tarde, Nino e Thales estavam brincando pela escola quando uma garota os olhou discretamente enquanto passavam por ela. Depois de um tempo de bagunça, Nino decidiu bater na porta da sala de Alissa e sair correndo, mas hesitou. Então, pegou uma pequena pedra no pátio ao lado da sala e decidiu jogá-la. Tac! No entanto, assim que a pedra bateu na porta, Alissa apareceu imediatamente atrás deles.

— O que estão fazendo? — perguntou, olhando-os de cima.

Os dois se arrepiaram e se viraram lentamente, com caras de bobo.

— Eu não vi nada, só caiu algo ali — respondeu Nino, suando frio com um semblante culpado.

— Vou fazer cair algo na sua cabeça se continuar a me encher o saco — respondeu Alissa, fechando os punhos e levantando a mão ameaçadoramente.

— Você tem sac...

BAAM!

Alissa deu um soco em Nino, que voou contra a parede, todo machucado.

— Vão pra casa AGORA!! — gritou, entrando na sala e batendo a porta com tanta força que quase a destruiu.

Nino se levantou e voltou até Thales.

— Ela é sempre assim? — perguntou Thales, curioso e assustado.

— Se eu estivesse sozinho, ela teria me jogado de cima de um prédio — respondeu Nino, sorrindo, com um dente faltando e fazendo um joinha.

— E VOCÊ ACHA ISSO NORMAL?! — exclamou Thales, chocado e com medo.

— O QUE VOCÊS AINDA ESTÃO FAZENDO NA MINHA PORTA?! QUEREM QUE EU VÁ ATÉ AÍ?! — Alissa berrou furiosamente, fazendo os dois saírem correndo, desesperados por suas vidas.

Depois de sair da escola, achando que já estavam seguros, Thales tirou um pedaço de papel do bolso com o endereço do apartamento. Como era maior de idade, não precisava de ajuda, mas ele era novo na cidade grande.

— Sabe onde fica isso? — perguntou, entregando o papel para Nino.

— Isso é no meu prédio. É o seu apartamento?

— Sim. Mas não sei como chegar lá... — disfarçou sua vergonha com uma risadinha.

— Relaxa, bora lá!

Nino o levou até o prédio, mostrou como usar a portaria de digital e como funcionava o elevador. Quando chegaram ao apartamento 307, Thales entrou e viu que todas as suas coisas já estavam lá. Ficou impressionado com o apartamento lindo, mas logo ignorou tudo ao ver seu videogame já conectado a uma televisão imensa.

Era algo que Nino nunca tinha visto. Thales ligou a TV junto com o videogame, entregou um controle para Nino e o ensinou o básico. Embora Nino agisse como uma criança a maior parte do tempo, ele era muito inteligente e aprendia qualquer coisa que lhe interessasse em segundos. Os dois se distraíram tanto naquela tarde que, quando perceberam, já era noite, por volta das 20:40.

— Vou embora, já tá tarde e minha irmã deve estar preocupada — disse, alongando os braços.

— Amanhã cê cola aí pra gente zerar.

— O que é zerar? — perguntou, confuso.

— Zerar é finalizar o jogo.

— Ah, entendi. Beleza, amanhã depois da escola a gente termina. Boa noite aí.

Nino se virou, e Thales notou as unhas dele.

— Oxi, tu pinta as unha?

Nino se virou e olhou para suas mãos. Vendo suas unhas naturalmente pretas, ele inventou uma pequena mentira:

— Quando eu era mais novo, minha irmã sempre pintava, aí comecei a gostar e uso até hoje.

— Uhummum... — Thales fez um gesto com a mão, puxando o ar enquanto zombava.

Nino o encarou com um semblante entediado.

— Tô brincando. Amanhã cê cola aí.

— Tranquilo, falou.

— Falou.

Nino saiu pela porta e pegou o elevador para o sétimo andar.

Ao entrar em seu apartamento, Nina, que estava sentada no sofá, se virou e o questionou:

— Não tem casa, não?

Nino parou de andar e a encarou com um semblante entediado.

— Tava com saudade? — respondeu Nino, trocando o tédio por um sorriso debochado.

Nina adotou o mesmo semblante entediado dele e continuou:

— Onde você estava?

— No apartamento do Thales. O moleque é gente boa — respondeu enquanto procurava algo na geladeira. — Esquecemos de fazer compras hoje.

Nina voltou a assistir televisão, mas comentou:

— Verdade, amanhã vejo se o cartão da escola está com saldo ou se preciso pedir à diretoria. Falando em amizade, estava pensando em contar para a Nathaly o que somos — disse, olhando para Nino com seriedade, ainda incerta sobre a reação dele.

— Tem certeza disso?

— Tenho.

— ...Chama ela aqui amanhã. "Por favor, que isso não dê errado." pensou ele, fechando a geladeira.

Nina percebeu o receio dele e tentou transmitir confiança.

— Tenho certeza de que ela não contaria isso a ninguém.

Naquela noite, Nathaly estava a caminho do apartamento dos gêmeos. Quando chegou à porta, levantou a mão para bater, mas parou ao ouvir a conversa sobre algo que queriam contar para ela. Toc, toc! Curiosa, bateu na porta, e Nino, que estava mais próximo, abriu.

— Natha... — Ela passou por ele rapidamente.

— Vocês queriam falar comigo? — perguntou com um rosto sério.

— Oxi. Tu é telepata?

— Vim jantar com vocês. A Alissa me levou para comer fora e eu pedi para fazer uns para vocês.


[ — Fico feliz que esteja mais alegre, mesmo que o Nino seja insuportável de chato! — exclamou com um rosto bravo, gesticulando com as mãos fechadas. — Gosto que vocês três sejam bons amigos.

Duas mulheres na mesa ao lado, perto da janela do restaurante, notaram Alissa falando um pouco alto e fazendo expressões exageradas. Elas começaram a cochichar entre si:

— Que mulher esquisita, falando desse jeito.

— Sim, sem classe alguma, haha! — riram baixinho.

Alissa, percebendo o comentário, lançou um olhar de lado para as duas. Sshcrash... Quando o garçom chegou para entregar os drinques e as comidas delas, Alissa manipulou discretamente, fazendo com que tudo caísse sobre as mulheres. Ela soltou uma risadinha de canto de boca, olhando-as com deboche.

— Manchou o vestido branco dela — comentou Nathaly.

Alissa virou o rosto para frente e pegou com cuidado sua taça sobre a mesa.

— Faz parte, né? Acidentes acontecem — respondeu, bebendo seu drinque e desviando o olhar, enquanto Nathaly a encarava. — Mas e aí? Pensei que, depois de descobrir que a gargantilha não ajuda a controlar o fogo, você iria parar de usá-la.

— Eu uso porque foi o primeiro presente que você me deu, mesmo que tenha mentido pra mim — respondeu, lançando um olhar julgador para Alissa, como se até as mínimas pontas duplas dos fios de cabelo dela fossem culpados.

Alissa, com um sorriso no rosto, fingia que Nathaly não estava falando dela.

— Eu realmente gosto muito. Obrigada — disse, sorrindo.

— Sabia que ia gostar.

— Pra receber agradecimento, você é boa, né?

— Vou pedir um lanche para você levar para os gêmeos. Aí você passa no apartamento deles hoje.

— NÃO MUDE DE ASSUNTO!

— Você não quer? — perguntou com um semblante sério e sarcástico, enquanto bebia seu drinque e olhava diretamente para Nathaly.

— Você é suja.

— Também te amooo! — respondeu com um sorriso brincalhão. ]


— Aí, eu trouxe — disse Nathaly, colocando o lanche sobre o balcão da cozinha. — O que queriam falar comigo? — perguntou, visivelmente ansiosa.

— Senta aqui no sofá... — disse Nina.

Nathaly andou até o sofá e sentou-se ao lado de Nina, enquanto Nino fechava a porta e ficava de pé, apoiado no encosto.

— É... É que nós... Nós dois não somos humanos — confessou Nina, fechando os olhos, temendo ver uma reação de repulsa.

— O quê? Vocês são anomalias? — perguntou, confusa.

— Nem um nem outro, a burra da minha irmã não sabe falar. Na verdade, somos demônios. Nosso pai foi aquela calamidade que causou uma chacina em Belo Horizonte. Mesmo sendo conhecido como uma anomalia, ele não era. Não sabemos muito sobre ele, mas sabemos que era um demônio primordial preto, e agora nós dois nos tornamos também.

— Isso é uma brincadeira de vocês? Não estou entendendo.

Nino criou uma espada de sangue preto diante dela, e foi então que Nathaly percebeu que estavam falando a verdade.

— Mas... por que estão me contando isso? — perguntou, preocupada e ainda mais confusa.

— Queríamos te contar porque te consideramos parte da nossa família. Você é a pessoa em quem mais confiamos — respondeu Nino.

Nathaly começou a chorar. Uma pequena lembrança veio à sua mente, de Alissa a abraçando no orfanato depois de tê-la adotado.

— Vocês estão confiando algo tão importante em mim. Não têm medo de que descubram? — perguntou, enxugando as lágrimas.

— Medo, nós temos, sim. Nosso pai matou muitas pessoas. Não sabemos se a ADEDA viria atrás de nós se descobrissem — disse Nino, coçando a cabeça.

— Sim, eu entendo. Imagino que ficariam preocupados com a possibilidade de fazerem algo ruim. Mas não se preocupem, vou guardar esse segredo com a minha vida, se for preciso. Afinal, somos uma família, como vocês disseram — disse Nathaly, sorrindo. Nina a abraçou, enquanto Nino, ainda em pé, fez um cafuné na cabeça dela e foi até a cozinha.

Curioso e com a barriga roncando, ele abriu o lanche sobre o balcão. Seus olhos brilharam ao ver os hambúrgueres artesanais e as batatas fritas rústicas, ainda quentes, com o ar úmido indicando sua frescura. Nino virou o pescoço quase como uma coruja para olhar Nathaly no sofá.

— Posso comer? — perguntou, quase babando.

Nathaly olhou para ele com um sorriso gentil e respondeu:

— Sim! Podem jantar.



Comentários