Dançando com a Morte Brasileira

Autor(a): Dênis Vanconcelos


Volume 1

Capítulo 2: Gêmeos

Ano 2012.

Era uma manhã ensolarada, e os gêmeos já estavam no quintal, perto da mata, fingindo que suas tentativas de se matar eram apenas uma brincadeira.

Os dois trocavam golpes intensamente: um defendia, enquanto o outro contra-atacava.

Permaneceram assim até que Nino, ao desviar de um soco, girou o corpo para trás, criou uma espada de sangue e a lançou contra Nina. Com agilidade, ela desviou, criou uma marreta gigantesca e contra-atacou.

Nino pulou, esquivando-se do golpe, subiu na marreta e tentou acertá-la com uma voadora. Nina defendeu e o empurrou para cima, forçando-o a recuar.

Foi então que ambos tiveram a mesma ideia.

No ar, Nino estendeu os braços à frente, puxando um deles para trás como se fosse uma flecha. Um poder roxo e preto começou a emergir, e ele disparou uma flecha de magia escura em direção a Nina.

Do chão, ela repetiu o movimento.

BOOOMM!

As duas flechas se chocaram no ar, causando uma explosão.

O barulho foi tão alto que Marta, que terminava seu café da manhã, derramou um pouco de café de sua caneca estampada com uma foto de Alice a abraçando e correu desesperada para o quintal.

— Parem de fazer tanto barulho! Vocês vão chamar atenção. Entrem logo!

Os gêmeos se entreolharam.

— Eu venci!

— Eu que venci!

— EU QUE VEN...

— ENTREM LOGO!!

Ao ouvir o berro de Marta, os dois entraram em silêncio, com expressões neutras, e a encontraram perto de uma estante na sala, próxima à televisão.

— Acho que chegou a hora. — Marta mexia em uma gaveta. — O pai de vocês deixou uma carta para lerem quando estivessem maiores.

— Uma carta? — Nina se aproximou dela.

— Sim... Só deixa eu procurar aqui.

— Tá bom.

— Aqui. — Entregou a carta para Nina. — É para lerem, viu? Vou até o rio, perto da ponte, tentar pescar algo pro almoço.

— Tá bom.

Marta foi para a cozinha, onde já havia preparado seu balde, enxada e vara de pesca. Pegou tudo, colocou um chapéu de pesca com protetor de pescoço e saiu, deixando-os sozinhos.

Os gêmeos se entreolharam, sentaram-se no chão, e Nina começou a ler:

— "Oi. E aí, filhão? Como estão as coisas? Desculpa, não sou muito bom nisso. Vou ser breve. Queria que, antes de tudo, você soubesse que, nos poucos minutos em que te tive nos meus braços, senti um amor..."

— Acho que podemos pular isso, né? — perguntou Nino, entediado.

— Ei!... Ele é nosso pai — respondeu Nina, irritada.

Nino a encarou com um sorriso provocador.

— Tá brava porque ele disse "filhão", né?

Nina virou o rosto, evitando encará-lo.

— Nasci primeiro, supera, fofa — provocou Nino, com um tom debochado.

— Calado. — Ela voltou a olhá-lo, irritada.

Nino deu um sorrisinho de canto e, com um leve movimento de cabeça, indicou que Nina deveria continuar a ler. Ela revirou os olhos, mas obedeceu.

— "Um amor tão grande que eu não sabia como reagir. Eu sou um demônio primordial e, como você já deve saber, estou morto. Isso faz de você o novo Primordial Preto. Quanto aos seus poderes, não sei em que idade você está recebendo esta carta, mas já deve ter percebido alguns. O principal é a magia escura, seguida pela manipulação do seu sangue; você pode criar armas, mudar sua aparência e fazer tudo que conseguir imaginar com isso. Peço que não os use..."

— Quê?!

Nina lançou um olhar rápido para Nino, depois voltou a ler:

— "Eu morri usando-os. Se você usar e eles descobrirem, virão atrás de você. Entenda, quando se tem alguém para proteger, não se trata mais de você. Se trata da pessoa que você precisa proteger. Não deixe de usar isso por mim ou por você; não use por causa da sua avó. Você quer mesmo que ela sofra por algo que você causou? Bom, permito que use seu sangue apenas para esconder as duas marcas no pescoço. Fora isso, não use, nem mesmo para criar roupas. Por fim, você herdou de mim a posse: basicamente, se você matar algum ser que possui magia, ela se torna sua. Digamos que você mate um colosso ou, sei lá, um dragão..." — Nina parou de ler, estranhando as palavras — Colosso? — Ela olhou para Nino.

— Dragão?

Nina voltou a olhar para a carta e continuou a leitura:

— "Um dragão prismático. Depois de matá-lo, você basicamente tomaria posse de todos os poderes dele. Bom, é isso... Segundo... por fim"? Ahhh... — Nina olhou para Nino e disse: — Agora entendi por que o outro "por fim" estava rasurado. Ele tentou apagar, rabiscando.

— Não ligo, continua lendo.

— Chato!

— Seu rabo.

Nina o encarou com os olhos semicerrados, claramente entediada, e voltou a ler:

— "Segundo por fim: preste bastante atenção e cuide bem da vovó Marta. Você só tem ela. Não sei o que ela diz sobre mim, mas digo com toda a sinceridade que há em mim: eu amo você, meu filho. Desculpa por não ter voltado..."

— ...Acabou?

— Sim.

— Ele disse que seria breve, mas demorou e só encheu o saco.

— Mais respeito com nosso pai.

— Ele basicamente nos proibiu de usar o poder mais legal que a gente brinca.

— Ele quer nos proteger. Se ele morreu usando, é porque há pessoas muito fortes por aí. Se a gente usar, podem acabar nos matando também.

— Não vejo isso como proteção. Ele morreu porque não sabia usar direito — Nino disse com desdém.

— O que cê tá falando? — Nina começou a rir. — Você nem sabe amarrar seus cadarços e tá dizendo que nosso pai não sabia usar a magia dele? — Ela teve uma pequena crise de riso, segurando a barriga.

— Amarrar cadarço é difícil, nem vem! — Nino virou o rosto para a esquerda e depois lançou um olhar de canto para sua irmã, que continuava rindo. — Pô... Mas é chato não poder usar o sangue.

— Vamos ajudar a vovó no rio — disse Nina, enxugando as lágrimas de tanto rir enquanto se levantava. — Depois conversamos sobre isso.

Nina estendeu a mão para Nino, ajudando-o a se levantar.

Saíram de casa em direção à ponte que ligava sua casa isolada à cidade de Jequitibá.

Ao chegarem no Rio das Velhas, avistaram de longe a Vovó Marta e desceram correndo por um pequeno morro.

Sempre brincalhão, Nino enfiou a cabeça na água, na tentativa de procurar algum peixe.

Ao abrir os olhos debaixo d'água, ele se assustou e soltou um grito que formou centenas de bolhas — estava cara a cara com uma imensa anomalia natural: uma sucuri-verde que havia crescido muito além do normal.

A anomalia colocou sua língua azul para fora, maior que o próprio Nino, e abriu a boca, avançando rapidamente. Em um movimento ágil, como um gato esquivando de uma cobra, Nino desviou da investida da anomalia.

Enquanto a anomalia avançava, Nino recuava na mesma velocidade, saindo da água.

Fora dela, ambos ficaram ainda mais rápidos. A anomalia, com cerca de 30 metros de comprimento sob a água e uma altura que superava Nino, se aproximou de mais. Nino colocou a mão direita nas costas e criou uma espada de sangue.

Crunch!

Desviou para a direita, atacando a anomalia e a decapitou com um golpe preciso.

Caído ao lado da anomalia, Nino a observava enquanto o corpo dela ainda se mexia, mas sem demonstrar uma ameaça.

Marta se aproximou, olhando para Nino no chão.

— Então, isso é uma anomalia?... Será que ela que comeu todos os peixes? Faz dias que tento pescar e não pego nada.

— Dá pra comer isso? — perguntou Nina, curiosa.

— Será que não é venenoso? — respondeu Marta, ponderando.

— E se a gente vender a carne na cidade? — sugeriu Nino.

— Se eu tentar vender isso lá, vão me prender — Marta respondeu com um sorriso irônico.

— Mas é carne, né? Vamos levar. Se tiver gosto ruim, a gente cospe fora.

— ...Tá bom, corta um pedaço.

— Vamos deixar o resto aqui?

— Exterminadores de anomalias são comuns. Se alguém encontrar isso, vai achar que um deles foi chamado pra matar essa coisa.

— Ah.

— Traz o pedaço de carne, tá? — Marta olhou para Nina e disse: — Me ajuda a preparar as coisas pra comida?

— Sim.

— Ok. — Marta pegou seus equipamentos de pesca e começou a voltar para casa.

Nina foi até Nino, ainda no chão perto do rio.

— Levanta, bicho-preguiça. Tá legal?

— Só um susto. Nada demais.

— Vou ir ajudar a vovó, consegue levar a carne sozinho?

— Vai lá. Não vou levar esse bicho gigante. Um pedaço grande já tá bom, eu acho — disse, olhando para a anomalia.

— Você que sabe. Te vejo lá em casa.

Nina saiu, e depois de alguns segundos, Nino se levantou e começou a tarefa. Cortou uma enorme rodela da carne, retirou a pele e a ergueu nos braços.

— Nem é tão pesado.

Nino subiu o pequeno morro em direção à casa.

Quando chegou, Nina terminava de ajudar Marta. Usando magia de fogo, Nina acendeu a lenha no chão, e Marta colocou um disco de arado sobre o fogo.

Creck!

Nino colocou a carne sobre uma mesinha de madeira, mas a mesa quebrou sob o peso.

Marta tentou pegar a carne e se assustou com o quão pesada era.

— Nino! C-como você conseguiu trazer isso?

— Sou forte — respondeu ele, com um sorriso enorme no rosto, fazendo um joinha.

— Já que o senhorzinho é tão forte, me ajude a cortar isso.

Ele começou a cortar filés da carne da anomalia, enquanto Nina ajudava Marta a temperá-los.

Depois de cortar toda a carne e guardar na geladeira o que não iriam comer, Nina se sentou ao lado dele em um velho banco de piquenique de madeira, enquanto Marta fritava a carne no disco de arado, um pouco distante deles.

— Sei que não teve outra opção, mas precisamos treinar para evitar usar o sangue. Esse é o único pedido do nosso pai.

Nino a olhou com um semblante meio sério e desanimado.

— Tudo bem. Prometo que vou tentar não usar mais.

— GENTE!! Já está pronto.

Os dois foram até Marta.

— Esqueci dos talheres. Nino, me ajuda a buscar?

— Ajuda pra iss... Ai, ai, ai! — Marta o puxou, beliscando levemente sua orelha direita enquanto o levava até a cozinha.

— O que foi?

— O que seu pai disse na carta?

Nino abaixou um pouco a cabeça.

— Nada de mais.

— ...Ele pediu desculpa?

— Sim.

— Você acreditou?

— Não.

Marta suspirou profundamente antes de falar:

— ...Pode ter certeza de que ele estava sendo sincero em suas palavras.

Nino levantou o rosto, encarando-a.

— Por que você nunca me diz nada sobre ele?

— ...Quanto menos você souber, melhor. E quanto menos você se parecer com ele, melhor — Marta colocou a mão na cabeça dele, bagunçando os cabelos pretos que pareciam engolir a luz. — É para o seu bem — ela tirou e continuou: — Pegue os garfos, vou levar os pratos.

— Sim, senhora.

Quando voltaram para o quintal, cada um pegou um pedaço da carne e ficou observando-o por um momento.

— Bom... olhando assim, não parece ser venenoso — disse Nina, ainda um pouco receosa.

Todos provaram a carne.

— Parece frango.

— ...É gostoso.

— Também achei. Pelo menos o susto nos deu comida por um bom tempo.

— Vou fritar mais. Vocês querem?

— Sim!!

— Sim.


Ano 2014.

Marta juntava moedas em uma sacolinha para ir até a cidade comprar mantimentos.

Vestiu seu casaco favorito, de cor vinho, e estava prestes a sair quando os gêmeos apareceram.

— Onde a senhora está indo? — perguntou Nino.

— Vou à cidade rapidinho.

— Deixa a gente ir, por favor... — disse Nino, com um olhar de coitadinho.

— Não.

— Por favor... A gente nunca foi.

— Você disse que quando aprendêssemos a esconder a marca, nos levaria — lembrou Nina.

Marta os observou com os olhos semicerrados.

"É sério?" suspirou. — Tá bom. Vão se trocar. Vou levá-los, mas se saírem de perto de mim, não vou levá-los nunca mais.

— Tá bom!

Felizes, os dois correram para o quarto, trocaram de roupa rapidamente e voltaram para a porta com medo de que Marta já tivesse ido sozinha.

— Já? Então vamos.

Caminhando pela BR MG-238, os dois mal conseguiam conter a animação, segurando as mãos de Marta e pulando de alegria.

— De onde vocês tiram tanta energia? — perguntou Marta, rindo.

Os gêmeos riram e responderam juntos:

— Vamos pra cidade!!

Quando passaram pela ponte, as primeiras construções já podiam ser vistas ao longe.

Depois de algum tempo caminhando, avistaram um armazém ao longe perto do lago.

No caminho, viram outras crianças vestindo o uniforme da escola local.

— Vovó?

— Oi, Nino.

— Por que eles estão com roupas iguais?

— Eles estão voltando da escola.

— O que é isso?

— Um lugar onde as crianças vão para aprender matemática, português... essas coisas que eu ensino vocês em casa. Mas eu ensino bem melhor, diga-se de passagem — disse Marta, com um olhar de deboche.

— Eles parecem ser legais — comentou Nina, observando as crianças. — Podemos i...

— Não.

— Mas você nem escutou o que eu ia falar.

— Mas eu sei exatamente o que você ia dizer.

Nina ficou brava, mas permaneceu em silêncio.

Chegaram ao armazém, que tinha uma vista direta para a casinha no meio do lago da cidade, e entraram. Enquanto Marta conversava com o atendente, Nino viu pacotes de salgadinhos em uma estante. Discretamente, usou seu sangue preto para esconder um pacote em seu corpo.

Após as compras, voltaram para casa.

Assim que chegaram, Marta foi à cozinha guardar os mantimentos. Enquanto fazia isso, ouviu a conversa entre Nino e Nina na sala:

— Será que é bom?

— Onde achou isso?

— Eu peguei lá.

Marta saiu da cozinha e foi até a sala. Ao ver o pacote de salgadinho nas mãos de Nino, ficou arrasada.

— Nino... Não acredito que você roubou — disse, com um tom de tristeza. — Por que não me pediu? Eu compraria.

— Mas a gente não tem dinheiro.

— Nino, isso não importa! — respondeu, agora extremamente brava. — O que foi que eu te ensinei?! Você não pode simplesmente tomar de outro o que não é seu.

Ele começou a chorar ao ver Marta olhando para ele de uma forma que nunca tinha visto antes. Ele a abraçou, pedindo desculpas. Nina, vendo seu irmão chorando, também começou a pedir desculpas e se juntou ao abraço.

Depois de um tempo, Marta disse:

— Não estou brava com vocês, só quero que me prometam que jamais farão isso de novo.

— Tá bom — disseram os gêmeos ao mesmo tempo, enxugando as lágrimas.

— ...Podem comer o salgadinho. Quando eu voltar lá, eu pago.

Eles não disseram nada; Nino apenas balançou a cabeça, ainda triste.

Marta percebeu e colocou a mão na cabeça dele.

— Já disse que está tudo bem. Para de chorar — ela disse, bagunçando o cabelo dele de brincadeira.

Nino começou a rir, e Nina ficou com ciúmes, querendo brincar também. Marta então brincou com os dois.

Enquanto os observava rindo, Marta pensava apenas em uma coisa:

"Eu só quero o bem de vocês..."


Ano 2020.

Na noite anterior ao aniversário de 14 anos dos gêmeos, enquanto eles dormiam, Marta estava inquieta. Procurava por algumas moedas nas gavetas, mas não encontrava nada. Desesperada, quebrou seu cofrinho. Dentro, só havia uma nota de 5 reais e uma moeda de 25 centavos.

Ela olhou para um aparelho de DVD velho na estante e pensou:

"Será que, em troca disso, eles me dariam um bolinho para os gêmeos?"

Cansada e desanimada, Marta decidiu ir dormir.

Ao amanhecer no dia seguinte, os gêmeos, famintos, perceberam que Marta estava demorando para acordar.

— Estou com fome — disse Nina.

— A vovó não acordou até agora — comentou Nino, preocupado.

Decidiram ir até o quarto dela e abriram a porta com cuidado.

— Vovó? — chamou Nino.

— Vovó, acorda, estou com fome — insistiu Nina.

Um silêncio assustador tomou conta do quarto. A luz amarelada naquele cômodo fechado, com sua avó deitada de costas para eles, fazia tudo parecer ainda mais sombrio. Os gêmeos se aproximaram lentamente, e Nino tocou Marta.

— Vovó? — repetiu, agora com a voz trêmula.

Ela não respondeu. Não houve reação alguma.

Desesperados, começaram a sacudi-la cada vez mais rápido. Nina, em pânico, virou Marta de barriga para cima e então perceberam a verdade: ela estava morta.

Nina começou a chorar, incapaz de aceitar a realidade, enquanto Nino, tentando ser forte, segurou as lágrimas. Ele pegou o corpo de Marta e o levou até o quintal para enterrá-la ao lado da mãe deles.

Ele usou magia de terra para cavar um buraco. Olharam para Marta, vestida em sua roupa preferida, e, enquanto as lágrimas caíam, Nino a cobriu com terra. Quando terminaram, deixaram uma plaquinha em cima da cova, mas não conseguiram escrever nada nela; apenas a colocaram ali.

De volta à casa, Nino pegou uma cadeira para alcançar o topo do armário da sala, mas não encontrou nada. Procuraram por toda a cozinha, mas a única coisa que acharam foi um limão cortado, já seco, na porta da geladeira.

— Não tem nada aqui — disse Nino, desanimado.

— E agora?

Ele foi até o quarto que dividia com sua irmã, o antigo quarto da sua mãe.

Caminhou até uma cômoda de madeira velha e amarelada, onde um porta-retrato exibia uma foto de seus pais. Pegou a foto, guardou-a no bolso da bermuda e, em seguida, voltou para a cozinha.

— Vamos pra cidade — sugeriu, desanimado.

— O que vamos fazer lá? — perguntou, incerta.

— Pedir comida. Seu estômago está roncando desde cedo, e não temos nada aqui.

— E a casa?

— Se for melhor... Voltamos depois — respondeu, decidido.

Só tinham ido à cidade uma vez, e isso já fazia seis anos. Ninguém se lembrava mais da existência deles.

Saíram de casa e caminharam por um tempo até chegarem à cidadezinha de Jequitibá.

Passaram por vários estabelecimentos até encontrarem o armazém que já haviam visitado no passado.

— Bom dia — cumprimentou Nino.

— Bom dia — respondeu o comerciante, distraído.

— Minha irmã está com muita fome. O senhor teria alguma coisa para dar para ela comer? — perguntou, esperançoso.

— Vendo muitas coisas aqui, garoto. Não entendi sua pergunta — disse o homem, confuso.

— Nós não temos dinheiro para pagar — admitiu, com a voz baixa.

— Cadê seus pais? — perguntou, agora desconfiado.

— Não temos, senhor.

— Ah, conta outra. Não tem nada aqui, não. Vão pedir em outro lugar — disse, aumentando a voz com irritação.

— Por favor... — insistiu Nina, mas foi interrompida pelo som de sua própria barriga roncando.

— Não ligo. Saiam logo da minha loja! — gritou o homem, impaciente.

Os dois saíram rapidamente. Nino subiu no telhado do armazém, com Nina o seguindo.

— O que custava dar um pedaço de alguma coisinha? — resmungou Nino, frustrado.

— ...

Rrrromm!

A barriga de Nino também roncou.

— Eu cansei. Nós dois estamos com fome. Sei que a vovó disse para não roubarmos, mas se não fizermos isso, vamos morrer de fome. Um lugar cheio de comida, e não quiseram nos dar uma única migalha.

— Eu não quero desobedecer a vovó.

— Você não precisa. Eu vou.

— O quê?

— Vou descer lá rapidinho e trazer coisas para comermos. Sei que ela nos pediu para prometer, mas se ela estiver olhando lá de cima, não ficaria brava de nos ver fazendo isso nessa situação. Eu acho.

— Tá bom... vai lá, irmão.

— Desculpa, vovó. É o que precisa ser feito... — murmurou Nino, com os olhos fechados, pensando em Marta.

Ele pulou do telhado e, assim que encostou no chão, correu tão rápido que entrou e saiu da loja em dois segundos, pegando várias coisas para que o comerciante não notasse a falta delas.

Fuuu!

Como um sopro, Nino entrou e saiu, subindo novamente no telhado, onde Nina o aguardava.

— Que ventinho bom que bateu aqui — comentou o comerciante.

— Cuidado para a peruca não sair voando — brincou um funcionário, rindo.

— Tsc... — o comerciante virou o rosto, irritado.


Nino soltou tudo o que havia pegado usando seu sangue, e Nina abriu um pacote de salgadinhos para que pudessem se alimentar.

Passaram o dia no telhado, comendo. Duas crianças sem saber o que fazer ou para onde ir.

Quando a noite chegou, trouxe consigo o frio.

Nino e Nina estavam encolhidos em um cantinho do telhado. Nino abraçou sua irmã e, utilizando seu sangue, a cobriu como se fosse uma manta. Nina se aconchegou misturando com o corpo dele, ficando com metade do corpo para fora, coberta pela proteção dele.

Observando sua irmã com os olhos fechados tentando pegar no sono, Nino pensou:

"Preciso cuidar dela."

"Para de pensar, imbecil."

Nino fez uma expressão de desdém.

"Esquece o que eu falei."

"...Te amo."

Nino a abraçou com um pouco mais de força.

"Te amo."

Eles eram um só. Compartilhavam o mesmo corpo e, por isso, podiam se misturar.

Quando isso acontecia, compartilhavam pensamentos, poderes, experiências e memórias. Se algo acontecia com um deles, mesmo que o outro não estivesse presente, tudo era automaticamente transmitido para a mente do outro no instante em que se misturassem.

Já na manhã seguinte, Louis conversava com o prefeito de uma certa cidade.

— É aquele ali. Essa anomalia não faz nada, mas está criando pânico nos moradores por causa do seu tamanho.

— Não faz nada? — perguntou, intrigado. — Bom, pode ligar para a limpeza; vou matá-lo, e eles vêm buscar.

— Ok, vou fazer isso agora. Obrigado — respondeu o prefeito, voltando para a prefeitura de Jequitibá.

Louis olhou para a Anomalia, uma espécie de jacaré gigante e gordo, completamente imóvel.

Começou a caminhar em direção a ela, mas ao pisar na grama, a mesma se transformou em lama. Anomalias menores começaram a agarrar suas pernas.

Louis olhou para frente e viu a Anomalia gigante abrindo a boca e pulando em sua direção. Ele arregalou os olhos e juntou suas mãos.

Clap!

Crunch!

Teletransportou-se para cima da Anomalia, desembainhou sua espada e a cortou ao meio. As Anomalias menores tentaram escapar pela terra, mas estavam muito próximas a Louis.

Clap!

Todas as Anomalias menores se teletransportarem para o céu.

— Hoje não!

C-r-r-r-r-r-runch.

Ele cortou uma a uma antes que caíssem ao chão, exterminando todas, e então guardou sua espada de volta na bainha.

"Essas aberrações estão se ajudando? Desde quando essa merda ficou mais inteligente?"

Após finalizar o trabalho, decidiu ir até a cidade.

Andou um pouco e, ao chegar, ficou admirado com a beleza do lugar. Era bem cedo, o sol refletia seu brilho na água esverdeada da lagoa.

Louis aproveitava a brisa leve e fresca do lugar enquanto tirava fotos, curioso para ver aquela casinha no lago mais de perto.

Os gêmeos, já acostumados a acordar cedo, levantaram-se mais um dia.

Nino se separou do corpo de Nina, e ambos se alongaram no telhado do armazém. Ele então avistou Louis se aproximando da ponte em direção à casinha no lago.

Admirado com o sobretudo dourado de Louis, ele disse a Nina:

— Aquele cara parece ter bastante dinheiro. Vou tentar roubar a carteira dele. — Nino falou com um semblante confiante.

Nina olhou na direção de Louis e respondeu:

— Boa sorte.

Pulou do telhado e, assim que tocou o chão, disparou rapidamente em direção a Louis.

O exterminador teve uma visão do futuro e viu um garoto correndo muito rápido para tentar roubar algo dele. Quando voltou da visão, o garoto tentou pegar a carteira, mas Louis conseguiu segurar o braço, mesmo com Nino se movendo a uma velocidade absurda.

Nino olhou para trás, arregalando os olhos, e pensou:

"Como me viu?"

BAM!

Nino pulou e chutou Louis com força, empurrando-o para trás.

Vendo que Louis era estranho, Nina decidiu agir. Criou duas paredes de pedra para esmagá-lo.

Louis percebeu as paredes se aproximando rapidamente e os gêmeos escutaram um som.

Clap!

BOOM!

As paredes colidiram e Louis apareceu ao lado de Nino, que se assustou e pulou para trás, ficando muito próximo de Nina.

— Por que tentaram...

Louis começou a falar, e Nino colocou a mão esquerda para trás. Nina percebeu e encostou sua mão na dele, se misturando.

Nesse instante, Nina ouviu:

"Vou pela frente."

— Me...

Louis piscou e, ao abrir os olhos, Nino estava à sua frente, pulando com um soco direcionado ao seu rosto, enquanto Nina estava em suas costas com um soco direcionado à coluna.

Em um movimento mais rápido que o deles, Louis conseguiu juntar suas mãos.

Clap!

Desapareceu da frente dos gêmeos.

BAM!

Nino errou o soco e Nina acertou um golpe no bilau dele, que caiu no chão, rolando com dor enquanto Nina o observava.

— AaAAaghH!

— Foi mal! Foi mal! Foi mal!

Louis continuou observando-os com um olhar interessado, admirado com a força dos dois.

— Onde estão seus pais?

Nino parou de fazer drama e se levantou.

Ele realmente sentiu dor, mas como um Demônio Primordial, essa dor passa instantaneamente após se regenerar ou cessar. Se uma faca está cortando sua pele, ele sente dor, mas no momento em que a faca para de cortá-lo, a dor desaparece.

No entanto, devido ao ambiente em que se encontram, a dor pode não cessar tão rapidamente, dependendo da magnitude da dor ou do cansaço.

— Por que quer saber?!

— Vocês usam magia muito bem. Fiquei interessado em levá-los para minha escola.

— Como assim escola? — Nina perguntou, curiosa.

— Sou diretor da escola de extermínio de anomalias em São Paulo. Respondi à sua pergunta, agora me digam: onde estão seus pais?

— ...Nossos pais morreram quando éramos mais jovens, e nossa avó, que cuidou de nós, morreu de velhice.

— Vocês não têm ninguém?

Nino e Nina, juntos, fecharam os punhos, apontando para Louis.

— Nós nos temos.

— Querem brigar?

— Se vier pra cima.

— Vocês que vieram pra cima, abaixem as mãos. Que coisa feia!

Os gêmeos abaixaram as mãos com um rosto apático.

— Quantos anos vocês têm?

— 14.

— São gêmeos?

— Sim.

— Estão roubando há quanto tempo?

— Dois anos — respondeu Nino.

Os gêmeos, aproveitando que estavam próximos, mantinham um dedo misturado o tempo todo.

"Assim ele não vai achar estranho... sei lá... falar que tudo aconteceu ontem é meio complicado."

"Sim."

— Entendi... Tenho uma proposta. Que tal estudarem na minha escola? Posso oferecer um lugar para dormir e comida. Vejo potencial em vocês.

Os gêmeos se olharam.

"Se eles descobrirem o que somos, será nosso fim." pensou Nina, receosa.

"Se não formos com ele, também será nosso fim." respondeu Nino, acreditando que essa era a melhor escolha.

Nina o encarou por alguns segundos e respondeu em sua mente:

"Tem razão... Comida e um lugar para viver. Mas prometa que não vai usar a magia que nosso pai proibiu."

Nina olhou fundo nos olhos de Nino, e Louis os observava em silêncio, curioso.

"O que estão fazendo?"

"...Prometo."

Após responder à sua irmã, Nino virou o rosto para Louis e disse:

— Moço, qual é o seu nome?

— Louis.

— Sou Nino e ela é Nina. Vamos com você.

— Ótimo! — Louis sorriu.

Clap!

Pa-pah...

Os três foram transportados para a escola da ADEDA.

Nino e Nina caíram no chão na frente de uma sala, confusos sobre o que estava acontecendo.

Toc, toc, toc...

Enquanto observavam Louis bater na porta da sala, perceberam que, se aquele homem quisesse matá-los, ele conseguiria facilmente.



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