Volume 1 – Arco 3
Capítulo 150: Amazonas
9:32.
Aeroporto Internacional de Manaus – Eduardo Gomes... Chegaram.
Instantes depois, já haviam entrado no helicóptero do Exército que os aguardava.
Um voo tranquilo... mas longo.
12:37.
Chegaram ao destino: o DASG.
Destacamento de Aeronáutica de São Gabriel da Cachoeira, uma organização militar da Força Aérea Brasileira (FAB) localizada próximo à fronteira com a Colômbia. Sua construção era importante; foi encarregada da função estratégica de defesa, logística e apoio a operações aéreas, como a Operação COLBRA IV, que envolveu a FAB e a Força Aérea Colombiana.
Mesmo que a COLBRA IV tenha sido apenas um grande treinamento ao combate do narcotráfico, seus trabalhos contra o tráfico de cocaína, maconha, skunk e haxixe vindos da Colômbia, Peru e Venezuela para o Brasil... eram indispensáveis. Mantinham o céu limpo... ao menos os honestos tentavam.
O helicóptero começou o trabalho de pouso.
O vento forte não impediu o tenente-coronel responsável por receber o terceiro esquadrão na base aérea de manter-se de pé, com uma mão sobre as sobrancelhas, vendo o "pássaro" de ferro descer a poucos metros à sua frente.
Aterrissou.
Desceram.
— Vocês devem ser os exterminadores de São Paulo, certo? — Não perdeu tempo e chegou estendendo a mão para Nino, ao ver que era o SS que Louis avisara ser o líder. Um sorriso receptivo em seu rosto. Medalhas no lado esquerdo do peito. Era puro respeito. Cabelo grisalho e corpo ereto.
Nino não se importava com o que caralhos era aquele cara. Estendeu a mão de volta no cumprimento e perguntou, visivelmente confuso:
— De São Paulo? Existem outros?
Soltaram as mãos.
— ...Pensei que vocês soubessem disso. Existem exterminadores aqui também — comentou, meio surpreso.
— Então, por que Louis nos mandou? — questionou, levemente sem paciência.
— Porque vocês são um esquadrão oficial.
— Mas, se há exterminadores aqui, por que não têm um esquadrão?
— Existem escolas da ADEDA espalhadas pelo Brasil. Ainda não temos em todos os estados, mas acredito que Louis já esteja trabalhando nisso. No entanto, os esquadrões oficiais são formados apenas em São Paulo. As outras filiais servem somente para identificar possíveis destaques e transferi-los para lá — explicou com calma. Nino não piscava em momento algum enquanto o olhava; era estranho e inquietante para o homem.
— Eu mesmo fui transferido — comentou Thales.
Nino olhou-o.
— De onde você é? — perguntou o tenente-coronel.
— Sou da Bahia. Fui transferido depois de passar por um treinamento pesado. Mas fui escolhido para esse treinamento depois de sofrer um ataque de anomalias e vencer. Eram umas dez anomalias, não lembro muito bem. Mas lembro como tudo aconteceu.
— ...
— ...
Os dois ficaram encarando Thales, que ficou em silêncio do nada, olhando de volta.
— É pra contar?
— Você começa e para? — reclamou Nino.
— Seria bom — respondeu o tenente-coronel.
Meio envergonhado pelo pequeno vacilo, Thales limpou a garganta e resumiu:
— Huhum... Era tardinha. Tava anoitecendo e eu voltava pra casa depois de um jogo de futebol com uns amigos — Nino ergueu a sobrancelha do olho esquerdo, ambos os olhos tediosos — de infância. Quando cheguei próximo de casa, escutei um barulho e uma coisa que parecia um lobo, um lobisomem, sei lá, me atacou. Só que, como eu disse, eram uns dez e me cercaram... Aí... bem, foi um banho de sangue e isso fez muito barulho. Aí minha mãe abriu a porta e entrou em desespero ao me ver todo sujo. Eu não me machuquei nem nada, mas não consegui avisar ela disso. Começou a gritar muito, meu pai entrou no mesmo desespero e me jogaram no nosso fusquinha pra ir pro hospital. Ééé... depois de um tempo, quando chegamos lá, não era um hospital; era a prefeitura da cidade.
Nino ergueu a outra sobrancelha. O tenente-coronel ergueu a primeira.
— Aí, do nada, surgiu uma repórter ao vivo na televisão e me filmou enquanto fazia um tanto de pergunta. Aí, depois disso, fomos embora e um helicóptero pousou na nossa frente no meio da avenida. Aí me levaram para a ADEDA de lá e, depois do treinamento, me mandaram para São Paulo.
— Eeentenndi... — o militar respondeu em tom baixo.
— Mas como funciona isso? — Nino perguntou.
— Deram uma grana pra minha família em troca de eu assinar o contrato; é só isso que eu lembro daquela noite. Mas sinto muita falta da comida da minha velha. Quando der, vou tentar visitá-los... — Abaixou um pouco o olhar.
— Barril — provocou Nino.
— Haha! Para de me imitar, branquelão — zoou de volta.
— E não vai me apresentar pra sua mãe não? — Samanta chegou próximo dos três, um rosto forçado em uma fofura raivosa.
Thales andou em sua direção e os dois saíram conversando. O namorado abraçando-a pela cintura com o braço esquerdo.
— Claro que vou, minha pretinha — tentou murmurar baixinho para que seu amigo não o zoasse... Nino ouviu, mas não se interessou nisso.
Voltou o olhar ao militar.
— Que isso? Saem por aí comprando escravos pra servir o governo? — resmungou arrastadamente, de forma alterada.
— É-é.. Não exata...
— Tô de meme. Não me importo com isso — revelou, mudando o tom de voz arrastado e o olhar furioso para uma expressão tranquila. — Só me fale o que viemos fazer aqui. O que aconteceu?
O militar ficou encarando o Primordial, em completo silêncio, por quatro segundos, meio atordoado. Alissa, por muitas vezes, foi pior que Nino nas diversas entrevistas que já participara em sua vida. O que ajudou o homem a atrelar essa estranheza ao "poderoso". Associar essa inquietação pelo fato de Nino ser o segundo SS da história e ainda ser subordinado da primeira.
— Ci-cinco alunos da ADEDA desapareceram durante um treino na floresta. Como não retornaram, o professor e diretor da filial de Manaus entrou para procurá-los. Ele era classificação A, um dos alunos de São Paulo em 2005 que foram obrigados a se tornar professores após o quase extermínio do primeiro esquadrão por uma anomalia classificação Calamidade 4.
— Manaus fica muito longe daqui — retrucou, desconfiado do humano.
— Sim, correto. Mas o professor Samuel administrava um projeto social com ajuda de doações de pais e o próprio dinheiro. A ADEDA oficial está em Manaus, mas ele, com seu projeto, administrava pequenas escolas e, principalmente, creches por todo o estado. Não havia contrato; era apenas uma inclusão que ele queria conseguir fazer com todos. Podendo ajudar crianças que não tinham muito em casa, como comida ou pais que se importassem com eles. Usando do próprio dinheiro e das doações dos pais que confiavam em seu trabalho, ele ajudava muita gente. Costumava ficar um mês em cada lugar, administrando tudo e acompanhando de perto o treinamento delas, assim como aqui, em São Gabriel da Cachoeira.
— Só se referiu a ele no verbo passado. Esse professor foi morto?
— Não sabemos... Ele desapareceu há dois dias e presumimos que tenha morrido devido à demora, mas não temos certeza. Ainda não informamos a família. Suspeitamos que seja uma Calamidade falsa.
— Calamidade? Foi-nos informado que era possivelmente uma Ruína 4 — retrucou, cada vez mais desconfiado do cheiro daquele cara.
— ...É, mas, analisando a situação, acreditamos que possa ser mesmo uma Calamidade falsa.
Nina chegou ao lado do irmão e entrou na conversa:
— Um Errante disfarçado?
— Talvez. Não ouvimos nenhum barulho, absolutamente nada. Deixamos com ele um sinalizador caso encontrasse as crianças ou precisasse de ajuda, mas ele não o usou. O professor Samuel era o exterminador não oficial mais forte do estado... Se ele morreu, só pode ter sido por uma Ruína muito forte ou uma Calamidade — ponderou.
Nino encarava-o no fundo dos olhos. Olhar preguiçoso. Nina não precisou olhar seu irmão. Fazia o mesmo semblante, com a mesma mínima inclinação de cabeça para o lado, enquanto encaravam aquele humano.
— Mais alguma coisa? — perguntou Nino.
— Louis ordenou que cada um pegasse um sinalizador por segurança. A floresta é densa e difícil de saber para onde estão indo. Por favor, peguem — pediu, e um soldado chegou com uma caixa, entregando a cada um uma pistola sinalizadora de cor laranja.
Nino recebeu sem parar de olhar o humano um único instante.
— Louis pediu? — murmurou para que somente sua irmã e o militar ouvissem.
— ...Não... Não pediu. Eu só achei que não aceitariam se fosse eu falando por mim. Me preocupo com vocês. No sobretudo diz que possuem 18 anos; são muito jovens. Sei que são muito fortes, mas, por favor, não abaixem a guarda um único instante; não sabemos o que está lá dentro. Não sabemos o que vocês vão encontrar. Só sabemos dos desaparecimentos e de um silêncio avassalador cheio de dúvidas e medos...
— É mesmo? — respondeu com ironia.
O militar não sabia o que responder. Em nenhum momento aqueles dois irmãos piscaram ou desviaram os olhos dos seus.
— Desculpa... Não estou entendendo esses olhares.
Nino se aproximou e colocou o rosto ao lado do dele, sussurrando apenas para ele:
— Você fede a corrupção. Se eu estivesse sozinho, o colocaria para falar tudo que sabe de fato. Acredito que não iria demorar a abrir a boca. Se está disposto a trair sua nação, está disposto a trair quem molha suas mãos.
— Jovem... eu não sei do que está falando.
— Mas eu sei muito bem — sussurrou como uma ameaça arrastada e afastou-se do humano.
Os gêmeos viraram as costas; os sobretudos prateados refletiram a luz do sol... mas, quando deixaram de olhar para o humano, os rostos voltaram ao normal para que o esquadrão não percebesse que tinha algo estranho.
Reuniram-se e continuaram a andar.
— Bora acabar com isso logo — chamou-os e o terceiro esquadrão seguiu seu líder... o militar olhando com um olhar meio distante, cansado. Virou-se, fazendo um sinal aos soldados. Voltaram ao trabalho.
Adentraram na floresta densa, onde a sombra das grandes árvores criava um ambiente fresco e um pouco misterioso. Fhris-Frish... O som das folhas farfalhando, o canto dos pássaros e o zumbido dos insetos eram os únicos barulhos que os acompanhavam.
Havia passado cerca de oito minutos de caminhada calma.
Nino andava alerta com esses seres minúsculos, o olho indo de um canto para o outro tentando localizá-los... Nina decidiu zoar.
— Nino, tem uma aranha nas suas costas! — exclamou, apontando para ele.
...Desespero.
Nino deu um pulo de gato assustado. Os tênis tocaram o solo e as mãos foram jogadas nas costas tentando tirar o ser maligno de lá... desesperou-se ainda mais. Correu olhando uma árvore que tinha um tronco muito grosso, BAM! e se jogou de costas naquela "parede".
Todos caíram na risada com sua reação exagerada... o que fez voltar de seu pânico, olhando sua irmã e percebendo que caíra no conto da vigarista... Voltaram a andar e, depois de um tempo, Nino decidiu se vingar.
Disfarçadamente, arrancou uma planta do chão e esfregou a folha na única parte de pele do corpo que o sobretudo revelava pelas costas — da canela para baixo... Nina olhou para trás com naturalidade. Nino aborreceu o olhar. Rosto preguiçoso.
— Não sou medrosa igual a você — provocou.
— Não enche — reclamou.
Continuando a busca por qualquer sinal dos desaparecidos ou da anomalia, o esquadrão chegou a um riacho. Pularam de pedra em pedra para atravessá-lo. Ao avançarem por mais poucos minutos, novamente entrando em um ambiente denso, encontraram um lugar deslumbrante.
Depois de um tempo mal vendo o céu, acharam um lugar completamente aberto para o céu, com uma flor grande e vermelha no centro do lugar retangular, rodeada por outras menores. Era grande o espaço; a flor principal também era. Roubava cena. Era muito, muito linda.
"Não faz sentido... Deveria ter dado para ver do helicóptero uma área tão aberta assim." Nina pensou, distraída, olhando à esquerda, analisando o que via.
"Vou pegar isso e entregar pra Samanta!" pensou Thales e, nem hesitou, foi correndo na direção das flores. Um gramado lindo e bem aparado os dividia do jardim belíssimo...
No entanto, ao pisar três metros adentro na grama, Splassch! ela se transformou em lama.
Thales escorregou... perdeu o equilíbrio e a perna direita começou a afundar rapidamente. Surpreso... não teve tempo de se defender.
Crunch!!
Fechou os punhos em reflexo... As manoplas ativaram, mas era tarde.
Uma anomalia semelhante a um jacaré verde, com a textura de lama, atacou-o, mordendo sua lateral e arrancando uma parte do corpo junto com seu coração. Thales morreu instantaneamente, e o barulho irregular da anomalia fez o grupo temer.
Nino... travou completamente.
Dava tempo.
Tinha tempo suficiente para salvá-lo, mas não conseguiu se mover... Ficou em completo estado de choque. Seu sangue vacilou. Traiu-se completamente. Ao ver seu melhor amigo literalmente ir pelo caminho da morte, com aquele ser que lembrava a Cuca, mas feita de lama, não conseguiu raciocinar e pensar com frieza. A frieza que era acostumado.
Ao ver alguém que amava como amava sua irmã em perigo, não conseguiu se mover. Não conseguiu... Não conseguiu. O sangue não permitiu. O sangue foi egoísta. O sangue quis protegê-los. Os... gêmeos.
Nina não olhava para o menino na hora do ataque... e Nino não ia raciocinar e defendê-lo usando a espada de Alissa em sua bainha. Iria criar uma de sangue. Medidas desesperadas. Soluções sem pensar. Salvaria-o... mas iria colocar tanto a si quanto Nina em perigo posteriormente.
Shk!
Samanta foi a única que teve um tempo de reação grande. Assim que viu o ataque, avançou imbuindo os pés com vento, fazendo-a ficar mais ágil. Correu sobre a lama, mas nem precisava. A anomalia Massacre, toda aquela ilusão do cenário lindo e aberto que desapareceu, estava ocupada em querer ingerir Thales.
Samanta cortou o pescoço da criatura. A cabeça se desprendeu do corpo, mas a mordida já havia fechado e arrancado parte do corpo do namorado... Um grande buraco... Nino não via o coração e continuava paralisado, olhando tudo acontecer a poucos metros de distância.
Thunf!
Samanta nem guardou a espada.
Assim que eliminou a ameaça, largou-a e abraçou o corpo de Thales antes de cair na lama... não havia visto ainda que fora tarde. Quando o tocou... não queria acreditar que aquele buraco sangrando era verdade.
Os nanorrobôs que agiam dentro de seu corpo não eram suficientes para tratar algo assim. Ajudavam contra doenças, cansaço e machucados leves... aquilo não era nenhuma dessas opções.
— THALES!!! THALES!!!
Desespero.
Berrava a ponto de o corpo enfraquecer, chorando profusamente, não conseguindo aceitar que Thales havia morrido.
Distração.
Não prestou atenção em mais nada além de abraçá-lo e sentir o corpo ficando cada vez mais frio.
Perigo.
Flash!
Outra anomalia saiu da lama em um avanço de boca aberta. Os dentes não eram rígidos. Eram lama, também. Pingavam de forma espessa, embora continuassem mostrando o desenho de dentes. Corrosão. Apodrecimento. Onde o corpo foi atingido, ao redor do buraco em Thales, a carne estava podre.
Era forte.
Um físico duro como rocha. Foi o que Mirlim tentou criar, mesmo que sempre soubesse que um único erro seria fatal. Entretanto, aqueles dentes nunca o perfurariam dessa forma se fossem apenas dentes de um Massacre.
Ao toque.
Ao conseguir abrir um pequeno furinho que fosse, injetava uma espécie de veneno que apodrecia e facilitava a penetração da mordida.
Não havia como um humano não morrer àquela mordida.
Shk!
Nina ficou surpresa com a mudança de cenário repentina. Toda a ilusão sumindo e voltando a estarem em um ambiente denso, embora com um pouco de luz do sol sendo filtrada naquela área enlameada.
Ouviu o barulho, mas, quando olhou, também ouvia os gritos de Samanta.
Viu outra anomalia surgir e interveio, protegendo a companheira de equipe distraída aos prantos. Nathaly e Arthur empunharam suas lâminas e avançaram; eram muitas anomalias se emergindo em saltos na direção das duas, e Nina entendeu o padrão.
Não havia perigo de uma atacar Samanta de baixo. Aquela coisa só ganhava forma fora da lama, então precisava saltar e entrar em contato com o ar para atacar... facilitou. Fizeram um triângulo ao redor de Samanta abraçando o amado e a defenderam do ataque de mais de 23 anomalias de lama... e a lama sumiu do nada.
Nina olhou para os próprios tênis.
GROOOAN!!
Foi muito baixo, mas sentiu.
Antes de um ser imenso sair de baixo de si, o solo tremeu, mas foi tão fraco e silencioso que só Nina conseguiu sentir, mas ainda assim, acima da hora.
Um barulho ensurdecedor de explosão foi propagado após aquela coisa sair do solo de boca aberta. Samanta, Arthur, Nathaly e o corpo de Thales foram arremessados para o lado. Aquela coisa não atacou o grupo... atacou Nina.
Calamidade 2: era uma toupeira estranha. Sete metros de largura e o dobro de altura. Mãos imensas; suas unhas eram maiores que homens de 1,80 m. Pelugem fraca, quase pelada. Seus olhos miúdos eram revelados, brancos; aquela coisa era completamente cega. Pele branca com partes mais vermelhas devido ao sangue coagulado de um efeito colateral.
O corpo inteiro saiu do solo, atacando Nina diretamente. Arremessou-a ao céu e, assim, a jovem adulta trabalhou na calma. Viu aquela coisa parecer que escavava o ar em sua direção, virou um mortal e, BAAM!! acertou um golpe de calcanhar no "lábio" superior da Calamidade, CREECK! destruindo seus dentes ao ser forçada a fechar a boca com tamanha violência.
O corpo mudou sua rota... foi lançada para baixo.
BUUM!!
Colidiu com ainda mais força, mas os danos em sua boca já haviam se regenerado. Barriga para cima, parecia vulnerável. Nina descia em sua direção, rasgando o ar com sua espada embainhada em chamas que pareciam vivas... mas, do nada, a Calamidade sumiu.
Entrou na terra.
Entrou no solo e o buraco que fazia era minúsculo; além de minúsculo, se fechava rápido demais. Nina aterrissou e o buraco já não existia. Olhou para onde fora atacada; também não havia buraco.
— Quê? — murmurou para si.
O mais estranho não era o corpo... era o silêncio em que se movia.
Quase nulo. Quase nada enquanto escavava embaixo da terra.
Groan!
Surgiu do nada... mas só sua cabeça.
Era dependente da classificação Massacre que fora eliminada. Sem eles para passarem informações, precisava se emergir para escutar batimentos cardíacos, respirações e saber onde atacar... mas onde colocou sua cabeça para fora era na reta de Samanta e o grupo "acordado".
Nathaly foi rápida.
Avançou tentando cortá-la... mas a anomalia voltou ao solo, sua lâmina encontrou o nada, e o silêncio novamente foi implantado... poucos centésimos depois, Nina sentiu o mesmo micro tremor acontecer... mas não sabia de onde ele iria aparecer.
Era como se fosse todo o chão onde pisava; olhou para os lados, tentando se manter atenta naquele curto período de tempo... mas ela não era o alvo.
GROOOAN!!
A anomalia emergiu da terra e atacou Samanta, que tentou desviar segurando o corpo de Thales junto... ia conseguir. Mesmo com o peso dele, iria conseguir... mas o ataque mudou de uma mordida para uma garrada.
SCREECH!
Saiu da direção, mas, mesmo sendo atingida de raspão... os cortes em seu corpo a vararam de um lado ao outro. Três unhas atingiram-na, assim como cortaram o corpo de Thales pela metade da cintura abaixo.
Samanta perdeu um seio, um braço, parte da cintura e barriga... Pafh... o corpo de Thales caiu de suas mãos. Tudo ficou cinza. O sangue saía e não parava. As forças iam embora e não tinha como trazê-las de volta. Foi quase automático seu rosto girar para o lado com uma lágrima solitária escorrendo pela bochecha, enquanto olhava para Nino paralisado assistindo-a morrer...
— Líder... e-eu, e-eu não quero mor...rrer...
Pahf...
Seu rosto tremia. Suas últimas forças foram para sua súplica e aguentar manter o rosto ereto... Samanta desabou; o som forte de um baque destruiu ainda mais o mental do Primordial paralisado.
"Líder, eu não quero morrer. Líder, eu não quero morrer. Líder, eu... Líder, eu... LÍDER! LÍDER!" Ecos dentro de uma mente que ficou vazia, deixando espaço para o medo entrar. Não de morrer, mas de deixar seus amigos morrerem.
Nina tentou chegar a tempo, mas não conseguiu. Quando passou o corte de sua espada, a anomalia já havia entrado na terra e Samanta, morrido... O pequeno buraco começava a se fechar.
— O BURAAACO!! — Arthur berrou para Nathaly, Scrscs... que já deslizava chegando no objetivo. — JOGA FOGO NO BURAAACO!
SCHII!...
Penetrou a lâmina na terra...
Não deu tempo...
O buraco se fechou... mas Nathaly não se importou.
BRRRRRRUUNMNM!!
O chão tremeu intensamente, e a anomalia emergiu de repente...
Deu certo.
Deu?
Nina erguia sua lâmina para avançar no ar... mas uma segunda anomalia saiu daquele mesmo chão... era outra Calamidade. Outra toupeira, mas essa tinha pelugem... essa tinha uma literal armadura. Pelos blindados protegendo a pele e carne que já tinha sua blindagem, além do alto teor de regeneração.
A segunda era do mesmo tamanho, mas tinha uma cauda que era do tamanho do corpo. Uma cauda grossa, protegida pelo pelo... que, quando subiu ao céu, girou o eixo, descendo com um ataque horizontal em chicote, na direção do trio "acordado".
"Não dá... sem o sangue não dá..." Nina precisava de ajuda. Precisava do irmão. Mas, quando jogou o rosto para o lado, o viu em transe com algo. Olhos arregalados. Via seu irmão sentir medo, um medo maior que de aranha.
— NINO! ACORDA, CARALHO!
O grito da irmã invadiou a confusão da mente. Nino acordou, mas não completamente. Olhava para frente. O que viu foi seu esquadrão receber o ataque de chicote. Nina não avançou sozinha nem desviou; juntou-se com Arthur e Nathaly para tentar cortar o golpe, juntando as espadas... não adiantou.
C-C-CRASHBAAM!
Passaram das armaduras e cortaram a carne, mas as espadas humanas não resistiram ao impacto e se estilhaçaram, permitindo que o golpe passasse e acertasse-os em cheio... o problema? Nino também era alvo.
A mão foi até as costas.
Tchin!
A espada saiu da bainha, mas Nino não a segurava com certeza...
Firmeza.
Força...
Segurava com incerteza. Receio. Fraqueza...
CRASHBAAM!
Uma espada personalizada diretamente por Mirlim. Um presente que entregou para Alissa... nenhum espadachim conseguiria quebrá-la em embates... Nenhum espadachim que a segurasse de verdade.
O presente foi destruído e Nino foi atingido.
BAMMCREECK!
Nina, Nathaly e Arthur foram arremessados para longe. Nina e Nathaly não colidiram com nada, além do próprio corpo no chão. Já Arthur foi lançado e bateu com muita força a cabeça em um grosso galho... Nino não conseguiu um destino diferente.
Bateu de costas em um tronco largo; o impacto quebrou costelas e a coluna. A cabeça foi impulsionada para trás e bateu com mais força ainda, rachando o crânio, atingindo o cérebro e o forçando a... apagar.
A Marca surgiu no pescoço... o olho de Rag abriu-se furioso.
Sobre um galho alto de uma grande árvore, um velho observava a cena à distância, rindo satisfeito. Usava um sobretudo como os professores e exterminadores oficiais, só não era da mesma cor. Equipamentos de monitoramento. Barras de cereais para sua alimentação.
— Meu bebezinho está tão forte — murmurou, orgulhoso, segurando uma seringa na mão; havia sangue dentro. Ao lado, misturava-o com alguns fluidos, vendo o que causava efeito colateral ou não.
Arthur fugiu de um grave dano no crânio como Nino sofreu, mas o impacto o fez ter uma convulsão fortíssima. O corpo não parava de se mexer em uma epilepsia. Saliva saía a ponto de espumar, como se fosse um cão com raiva.
Ainda acordado, olhando para o lado que seu rosto ficou jogado, viu Nino dando passos estranhos, passando perto de si. Era lento, meio descoordenado... mas, antes de seus sentidos sumirem, viu uma espada preta se formar da mão do parceiro de esquadrão.
Sumiram... Arthur não estava desacordado, mas não conseguia raciocinar mais sobre o que estava acontecendo. O corpo continuava na convulsão; sem nenhum tratamento imediato... também iria morrer após um trauma craniano tão devastador.
Sciiil...VRRRUMMM!
Nino também não estava completamente inconsciente; só não conseguia perceber que seu corpo se movia com uma ordem que não era diretamente sua... Rag, com a espada, fez um corte no ar que desencadeou uma poderosa reação em cadeia.
As anomalias não estavam embaixo da terra; estavam farejando seus alvos, sentindo os odores produzidos enquanto isso gerava-lhes prazer... mas, quando a magia escura emanando do corte imenso, que continuava crescendo, foi sentida... só a com cauda conseguiu desviar, entrando no solo.
A Calamidade pelada foi cortada ao meio e desintegrada completamente, com o corte varando o corpo e destruindo centenas de árvores atrás do alvo... Um espaço de quilômetros. O retângulo que Nina viu agora de fato existia.
O velho sobre a árvore ao longe conseguiu se salvar pela altura em que estava. Quando sua árvore foi atingida e quebrada, saltou para uma do lado. Encontrava-se justamente na divisa de onde a magia atingiu e não atingiu... mas equipamentos foram perdidos. Assim como o equipamento de escalada e comida.
Restou um binóculo, o celular da ADEDA, um pequeno caderno de anotações e sua vida.
— O que é esse moleque? — murmurou para si... com medo.
Do lado de fora da floresta, os soldados ouviram o barulho ensurdecedor.
— Devemos entrar? — perguntou um deles.
— Ainda não. Sigam as ordens. Só podemos entrar quando usarem os sinalizadores — respondeu o tenente-coronel, visivelmente preocupado... com sua vida. "Que Deus proteja vocês."
Após destruir a anomalia, GROAN!! a segunda emergiu do solo, ganhando impulso com um giro horizontal, arremessando um ataque de cauda na lateral esquerda... inútil.
PLÁÁÁÁ!
Estendeu a mão esquerda e o ataque foi parado sem rodeio. Segurou-a. Shirp! Sua espada de sangue entrou como se a armadura fosse margarina. A Calamidade ficou assustada e tentou correr, forçando-se a entrar na terra... o corpo entrou, mas a cauda continuava presa na mão do menino, que nem se movia com as puxadas.
Injetou sangue... sangue com magia escura. A coloração foi mudando para um roxo intenso, sombrio e ao mesmo tempo brilhoso... a terra começou a se rachar. Aquela coisa virou um balão aguentando as explosões controladas, dilacerando seu interior enquanto deixava tempo suficiente para regenerar.
Queria brincar.
Machucar.
Mas a brincadeira ficou sem graça muito rápido, e decidiu acabar.
BOOOMMM!!
Uma gigantesca explosão de magia escura foi executada. Não reduziu a nada aquela anomalia como a anterior, mas pequenos pedaços de carne e armadura foram as únicas coisas que restaram, espalhadas por vários lugares.
— Vai! Vai! Vai! — O tenente-coronel não aguentou esperar...
Ordenou com sinais e um grupo de 50 soldados armados com fuzis entrou na floresta, correndo na direção de onde o barulho foi escutado... 50... o encarregado da operação não foi. O tenente-coronel fingiu e voltou, enquanto os outros homens entravam com valentia e coragem.
"Preciso sair daqui..." Nem ousou murmurar.
Saiu escondido e em passos apressados na direção de aeronaves. Suprimentos. Armas confiscadas do narcotráfico. Medo... Escondeu-se no meio da carga. Agachado... o coração sentia que algo o segurava e esse "algo" tinha garras afiadas.
O velho entrou em choque... ficou desesperado pelo que viu e ouviu, puxou o celular do bolso de dentro do sobretudo e não perdeu tempo:
— Atende! Atende logo!
Rag abriu seu olho, como se rangasse a realidade, encarando o humano profundamente.
O medo entrou e o corpo paralisou.
— Alô? Doutor Ben? — do outro lado da linha, uma voz feminina ressoou.
— A...
Sh-sk-hk-khs-sk-hk-sk-sk-sk-k-shk-hk-h-k...
O cientista foi cortado em milhares de pedaços, e o celular caiu no chão junto com seu caderno. O restante foi inteiramente dilacerado; não restando nem sangue para trás.
— Doutor?... Alô?
Nino, ainda fora do controle de seu corpo, simplesmente disparou em um ataque na direção de algo... mas, quando chegou, com sua espada cortando o vento de ponta em busca de uma penetração reta... ouviu uma voz familiar:
— Nino...?
Travou... acordou com a lâmina de sua espada apontada para o pescoço de Nina.
Seus olhos começaram a tremer. Pahf... Nino caiu de joelhos e começou a chorar.
Ao voltar à realidade e ver o rosto de sua irmã, a única coisa que conseguiu fazer foi pedir desculpas. Nina o abraçou... os dois no chão sujo, se abraçando enquanto Nino permanecia aos prantos.
Nathaly machucou muito o braço; visivelmente um osso havia sido danificado, mas, ainda assim, conseguiu se arrastar até os dois para se reunir ao abraço.
— Desculpa, desculpa, Nina, me... Me perdoa, eu... Eu não... Eu não queria, Nina. Desculpa, desculpa. Eu não queria usar. Eu não queria usar o sangue. Por favor, me desculpa. Me desculpa... — Nino ficou completamente devastado e, mesmo com o conforto de sua irmã, não conseguia se acalmar.
— Ei, ei. Para... — Apertou-o mais, o rosto pousado no ombro. — Me escuta. Você nos salvou. Não me machucou. Não importa se usou o sangue. Nino, relaxa. Por favor, só me escuta e relaxa — pediu com calma.
Nino parou de falar, mas ainda tremia muito enquanto chorava... Minutos depois, os soldados os encontraram. Os médicos armados trocaram as armas em suas mãos por suas experiências em campo. Ajudaram rapidamente Arthur, que convulsionava, analisaram o ferimento no braço de Nathaly e levaram todos de volta à base militar.
Os gêmeos negaram receber cuidados... Nino não chorava mais, mas... sua tristeza deu lugar a ódio e, em todo o caminho de volta, segurava-se ao máximo que conseguia para não explodir. Segurava o máximo que conseguia para não desobedecer Alissa e matar algum civil... mas essa bomba explodiu.
No tempo em que chegaram e uma grande movimentação se iniciou pelo lugar — os corpos dos falecidos indo até o IML, médicos indo correndo até a instalação que iriam ver como estava a situação de Arthur, e onde Nathaly foi para receber o gesso em seu braço (que, embora não estivesse quebrado, o osso estava com uma pequena fratura fechada, e Nina foi acompanhá-la) —, Nino explodiu ao não ver o tenente-coronel por lá.
Avançou no primeiro humano que possuía mais medalhas em seu peito que os outros. Bam! Bateu-o de costas contra a parede, segurando a gola do uniforme, e berrou a ponto de todos escutarem seu ódio:
— ONDE ELE ESTÁÁ??!!
O sangue gritava para matar todos, mas a voz de Alissa fazia tudo conflitar.
— E-e-e-eu não sei! Eu não sei! Quem?! Quem?! — perguntou desesperado.
Todos olharam na direção.
— O FILHA DA PUTA QUE MANDOU A GENTE PRA LÁ! ONDE...! ELE...! ESTÁÁ?!!
— EU NÃO SEI! EU JURO QUE NÃO SEI!
Nino o soltou, virou-se e fechou o punho a ponto de sangrar seu falso sangue vermelho. Agachou. As mãos foram até a cabeça. Estava enlouquecendo. Segurava-se para não rasgar o próprio rosto com suas unhas e mostrar a todos que não era só um humano com magia.
O sangue queria todos mortos. Alissa não queria que ele matasse ninguém de bem. O ódio aumentava... Nino desapareceu do nada.
Nina saiu das alas médicas e só viu quando o irmão sumiu... virou o rosto sem saber o que pensar sobre aquilo e voltou até onde Nathaly estava... não havia como saber a dor que Nino estava sentindo. Nina não amava Thales como Nino amava. Thales era só o Thales. Um humano, assim como Samanta era... Mas, para Nino, esses dois não eram humanos. Eram especiais.
Passando sobre as nuvens, o avião que o tenente-coronel entrou escondido sobrevoava... um voo estranho. Não era a rota registrada no sistema. Voo sentido Colômbia...? Uma desculpa perfeita para... SHFR-FR-FR-FRF-R-FR-F-R-F-R-F-R-F-RFRFRF...! Rag dilacerar tudo, a ponto de nenhum humano, arma, droga, suprimento, metal, maquinário restar... exceto o alvo de carne e osso caindo em queda livre.
— AAAAAAAH!
O avião sumiu... sem provas, sem rastros... aquele humano iria seguir o mesmo destino.
Nino surgiu na frente do inseto; seu rosto não era gentil.
O oposto.
Ploch!
Penetrou a mão no meio do peito, perfurando e injetando sangue internamente. Fazendo o cara parar de gritar e sentir a dor mais aguda que seu corpo já pôde captar. O sangue começou a se espalhar, entrando e dilacerando cada tendão e órgão, substituindo o sangue humano pelo do demônio.
Aquele ser se tornou um boneco que Nino podia manter vivo enquanto forçava-o a se regenerar para continuar sua brincadeira até se cansar... O braço saiu de dentro e o jovem sumiu da frente.
BAAAMM!
O humano pôde experimentar a dor de ter o crânio explodido enquanto permanecia vivo... BUUM! O chute o mandou reto na direção do chão, ganhando cada vez mais velocidade devido à altura em que estavam.
O corpo foi esmagado, mas, assim como a cabeça, Nino forçou-o a se regenerar e manter-se acordado com o coração batendo mais rápido do que de um beija-flor cheirado na base da neve, que o filha da puta desviava.
Aterrissou diante do homem agonizando.
— Filha da puta... Filha da puta... DESGRAÇAAAADO!
BAM!-CR-CR-CR-CRASSH!!
Nino o chutou e, com o corpo, o humano derrubou quatro árvores.
— Você matou eles... Você matou eles... A culpa é sua... É sua... — murmurava chorando de raiva, caminhando lentamente na direção de onde o militar caiu... Avançou do nada, surgindo diante daquele cara.
BAM!-BAM!-RASSSRRRG!
Subiu em cima dele, socava-o, amassava, explodia o crânio e o forçava a se regenerar; rasgava o peito, a barriga, arrancava os órgãos e o obrigava a se regenerar. O tenente-coronel nem gritava; não tinha tempo para nada além de apenas sentir tudo com riqueza de detalhes, devido ao sangue intensificar a dor a todo momento.
— CULPA SUUAA!
BAM!
— SUA!
BAM!
— ELES MORRERAM POR CULPA SUA!
BAM!
...Mas não importava o quanto de dor causava naquele corrupto. Nino sabia que a culpa era dele. Sabia que os gritos e cada palavra xingando o humano na verdade eram xingando a si mesmo.
Sabia que dava tempo. Sabia que conseguia... mas falhou e sua dor não era suprida só torturando aquele cara. Foi sua escolha não alertar o grupo de algo errado. Morreram pelo seu ego e acreditar que nada iria acontecer, já que o "fodão" estava presente.
BUMM!
Uma explosão escura foi solta... o humano foi eliminado, deletado da existência... e Nino continuou no mesmo lugar, ajoelhado, olhando para baixo... a cabeça desceu e a testa encostou o solo. Nino chorava, chorava e não conseguia parar.
Minutos depois, Nathaly foi liberada, e juntas foram até um dormitório da base militar, cedido por um coronel. Foram informadas que Louis foi avisado em relação às baixas e Arthur estar em coma na emergência. Louis não foi ver o sobrinho... Não estava com cabeça para isso.
Só pediu para informá-lo quando Arthur estivesse liberado para voltar de avião ou, no caso, acordado, para que Louis os teletransportasse de volta. O diretor sabia que seu poder desligava o sistema do corpo por um período quase imediato, a ponto de nem sentir. Descobriu, a partir de testes com o, agora falecido, Doutor Ben, que isso acontecia.
O coração parava... Quase matou o velho anos atrás.
Pessoas cardíacas ou velhas, ele não arriscava tentar teletransportar... O sobrinho entrou nessa lista. Não tinha como saber se, caso o trouxesse de volta para ter cuidados melhores com médicos mais renomados em São Paulo, o coração iria voltar após um desligamento com o jovem em coma.
Um quarto. Três beliches velhas, encardidas e com um fedor de poeira absurdo. Nina usou magia de água, lavando tudo, desde paredes ao teto, retirando todas as impurezas e fedor... mas a pintura ainda era desgastada; não mudou.
Entraram.
Nathaly deitou-se na beliche do meio, na cama de baixo. Nina sentou-se na cama à direita, encostada na parede. Pensamentos longe. Olhar entristecido. Nathaly, de barriga para cima por conta do braço, olhou-a:
— Onde você acha que ele está? — perguntou em tom baixo.
A iluminação porca do ambiente mal iluminava uma sala ainda com o sol estralando no céu. Nina olhou-a por um instante.
— Matando alguém — respondeu, antes de abaixar o rosto novamente.
19:02.
Dentro do IML, Nino se encontrava diante de seu amigo empacotado. Rasgou ambos os pacotes para olhar em seus rostos pálidos... Silêncio. Nenhum som. Só raiva. Só ódio de si mesmo. Só um sentimento de culpa maior que o peito. Não tinha jeito. Não tinha como voltar atrás.
Uma mulher entrou na sala e se assustou com o menino que mais parecia uma sombra em meio ao escuro das luzes fracas. Não disse nada. Só chegou próximo e segurou a maca de Thales, começando a puxá-la de lá... Nino se enfureceu e segurou o pulso da mulher.
— O que cê tá fazendo?! — exclamou, olhando com raiva.
Assustada e sentindo dor pelo aperto, tentou responder:
— A-a-as famílias já foram notificadas dos óbitos! Eles serão enviados para suas famílias realizarem o funeral — respondeu rapidinho, tentando disfarçar a dor em seu semblante assustado.
Nino soltou-a ao notar que passava dos limites...
Virou o rosto; aquele sentimento era torturante. Não conseguia entender, não conseguia uma forma de superar, se aliviar... não entendia absolutamente nada, e tentava resolver tudo da única forma que sabia: na dor, destruição, raiva, ódio... na tortura.
Mas nem sempre um soco ou uma lâmina iria resolver seus problemas.
— Desculpa. Desculpa-desculpa-desculpa... Não sei por que fiz isso...
Saiu do IML com lágrimas nos olhos; só queria parar de sentir aquela dor. Só queria uma forma de parar, de se desligar para não sentir aquela falta no peito... Encontrou o dormitório onde as duas estavam e entrou.
Recebeu a atualização de Louis por um soldado, assim como onde sua irmã estava, já que, por alguma razão, Rag não revelava ou ajudava em nada que um pedia em respeito do outro. (X9 ao contrário.)
A lâmpada estava acesa, mesmo que não parecesse de tão fraca que era, mas Nino não conseguiu olhar para sua irmã nem para Nathaly. Ignorou-as e deitou-se na parte de baixo da beliche na parede do canto esquerdo.
Nina ficou muito preocupada; nunca havia visto Nino daquela forma.
"Nem mesmo quando a vovó faleceu ele ficou assim... Eu só consigo entender o que você sente quando nos misturamos. Por que não me diz ou pede ajuda quando precisa? Sei de todas as vezes em que precisava de um abraço, e por causa desse ego de merda, você nunca pediu."
A preocupação rapidamente deu lugar à raiva. Sabia que Nino queria um abraço naquele momento, mas, cheia de orgulho, assim como ele, deitou-se em sua cama, virada para a parede oposta à dele.
Ambos no mesmo lado onde dormiam na cama que dividiam... mas, para não olhar na direção um do outro, ficaram de costas um para o outro. Não conseguiam dormir virados para os lados em que escolheram... Queriam?
Nathaly observou Nino deitado de costas... parou. Continuou deitada de barriga para cima, querendo uma recuperação mais rápida para o braço. Estava triste pela perda de seus amigos, mas também com Nino. Tudo que acontecia. Não sabia quem ele era. Toda hora era um Nino diferente... mas não queria pressioná-lo novamente, principalmente naquele momento difícil.
Olhava para o teto. À direita dela, Nino olhava para a parede; à esquerda, Nina, igualmente voltada para a parede, com os olhos igualmente abertos. Assim permaneceram durante toda a noite, imersos em seus pensamentos. Armazenando problemas e frustrações que poderiam ser resolvidos com um único pedido de ajuda sincero.
Em meio à escuridão, a pouca iluminação RGB do gabinete e teclado iluminava Mirlim sentada, recebendo a notícia do falecimento de Thales. A mídia ainda não havia divulgado. Louis queria fazer um pronunciamento, mas não se sentia pronto naquele momento.
Leu o relatório dos óbitos pelo sistema do exército. Seus olhos eram tranquilos, embora o rosa choque ficasse visível como uma luz no escuro. Não queria ler, mas lia sem perceber. Lia como ficou o corpo. Como foram encontrados e que a anomalia havia sido neutralizada.
Fechou todas as abas abertas. Fechou todos os experimentos, testes e protótipos... desligou o projeto da armadura reativa... não deu tempo... não deu tempo...
Desligou o computador e apoiou a cabeça no encosto da cadeira.
Em meio ao escuro, agora de fato ficou.
Um fio de luz passava por debaixo da porta. Única coisa que iluminava o escritório era essa luz no corredor ligada.
— Eu sabia que não dava... Eu não devia ter-lhe mandado para a morte, Thales — murmurou para si, embora quisesse que Thales ouvisse.
Sempre soube e não adiantou só avisá-lo que um deslize e sua família choraria... não adiantou; não devia tê-lo enviado.
— Devia ter encerrado essa merda — resmungou arrastadamente enquanto se levantava.
Ter encerrado a filial da Bahia após ter certeza que não havia humanos com magia por lá seria a escolha correta? Quantas pessoas Bill e Will salvaram de anomalias? Não havia quem mandar para São Paulo, mas havia a quem salvar no nordeste.
A armadura demorou mais que o previsto. Todos os testes com minérios criados do zero na base de idealizações dela não foram um sucesso completo. Conseguiu chegar a 70%... mas não 70% de redução de danos sofridos no corpo.
Funcionava como a roleta de um cassino. Poderia cair nos 70% ou nos 30%. Mesmo que 70% fosse o maior número que conseguiu até então, era perigoso demais. Por que era simples demais de entender.
70% de chance seria a ruína de muitas vidas. Muitos morreriam pelo fato de acreditar que o número era muito alto e tudo ficaria de boa. Ninguém imaginava algo ruim acontecendo consigo mesmo. Ficariam relaxados, tranquilos e desleixados pela segurança que o número alto trazia em suas mentes.
Uma instrução simples era um problema maior do que uma complexa.
A complexidade de algo fazia as pessoas terem receio de não terem entendido direito e fazerem merda. Logo, mais atenção e receio de algo não funcionar por culpa de si mesmas. Já uma instrução simples, como: "se forem acertados por um ataque físico ou mágico, possuem 70% de chance de não sentirem nada", traria segurança porque entenderam perfeitamente o recado.
30%? 30%...? Quem iria ficar receoso tendo 70% de chance de algo funcionar?
O receio e o medo eram algo importante em um exterminador. O medo de não voltar para casa que os fazia voltar para casa. Pois não iriam abaixar a guarda. Não iriam arriscar mais que o necessário para vencer e retornar com vida para poder escutar a voz de quem amava mais um dia.
Mas isso era cabeça de adultos formados... os mesmos que saíram da ADEDA por medo de não voltarem vivos como seus professores no evento em questão. Não podiam esperar os adolescentes e novos adultos chegarem nos 25-28 anos para terem mais responsabilidade de fato.
Precisavam de mão de obra logo. Precisavam de alunos nas ruas. Exterminadores fortes para protegerem as pessoas... então a inconsequência vinha junto. Alunos que achavam que aquilo era festa. Que gostavam de matar anomalias e se divertiam. Isso não era um problema, mas a confiança excessiva em si... sim.
Passos lentos, mas não preguiçosos, na direção da porta. Robson acordou e seguiu Mirlim, ainda sem entender o que havia acontecido. Sentia algo estranho; nunca havia escutado uma lágrima cair dos olhos dela até o chão.
— A sua sorte é que eu não sinto você vivo, porque, se estivesse, eu iria lhe apresentar uma dor maior do que essa que deve estar sentindo no inferno, Dr. Ben — resmungou arrastadamente e abriu a porta, esperando Robson sair para selar sua sala na escuridão novamente.
Sabia dos experimentos.
Sabia das merdas que o governo brasileiro fazia embaixo dos tapetes e olhos de Alissa e Louis. Sabia de cada coisinha... mas não queria agir a princípio. Queria esperar um evento que estava sendo fabricado por eles mesmos. O momento perfeito para iniciar algo que planejou há muito tempo... mas, no momento, sua mente só se culpava pela morte e pensava em proteger o avião com o corpo do Seu escolhido voltando para a Bahia.
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