Dançando com a Morte Brasileira

Autor(a): Dênis Vasconcelos


Volume 1 – Arco 2

Capítulo 97: Acordo Informal

"Por que não me avisou que ela tava aqui?" Nino questionou Rag, diretamente, pela primeira vez.

"Raaaaag..." Rag respondeu, dizendo que não era simples assim. Tinha que obedecer os dois, não podia simplesmente dedurar um para o outro... mas nem Nino e nem Nina entendiam sua língua.

"Não consegue falar português?" insistiu, irritado.

"Raaaaaag..."

— Harrf...

Nino fechou os olhos e parou de andar quando bufou, sentindo Nina atrás de si. Abriu-os — sua irmã olhava suas costas a dois metros de distância. Uma feição nada agradável, claramente queria dar-lhe uma porrada sincera.

Virou-se lentamente, seu rosto já de volta ao normal, seu corpo não exalando mais tudo que fez os humanos sentirem naquele lugar.

— Quantas vezes você fez essa merda de jogo? — questionou ela, irada pela irresponsabilidade do garoto.

— É a primeira vez — respondeu sendo ultramente sincero.

Tcsah... Vai meter essa? — Nina sentiu a verdade, mas não queria acreditar, tendo em vista que seu irmão "escondia" algo.

Nino piscou duas vezes, despreocupado, e então tirou a mão esquerda do bolso, erguendo-a, e caminhou até a irmã, ficando bem próximo.

— Tá aqui. Não acredita? Se misture e veja se é mentira — respondeu, sendo direto ao ponto. O braço erguido ao lado da menina, seus rostos bem próximos, seus olhos se desafiando.

Nina desviou-os para a direita, e Nino abaixou o braço.

— Sério? Eu fiz algo tão grave assim pra você deixar de confiar em mim?

— Eu confio — respondeu, e voltou o olhar firme para ele. — Mas olha a merda que você tá fazendo escondido.

— Tá tudo sob controle.

— Tá tudo, é...? E se desse merda? E se alguém visse? E se EU fosse a Alissa?

— Ficar na merda do "e se" é burrice!

— Burrice é acreditar que sempre vai dar certo!

Nino virou o rosto, olhando por um tempo para outro lado.

— É a primeira vez que faço esse jogo que inventei em dois minutos. Mas naquele dia que a Alissa apareceu no apartamento, o que tava na minha mão era o coração de uma assassina que matei depois de ver uma reportagem no jornal.

— Hã? — Nina franziu a testa, olhando-o.

— Nada. Só tô sendo honesto com você.

— Acha que isso vai me fazer querer me misturar?

— Não. — Nino deu de ombros. — Não quero que se misture. Prefiro acreditar que o que tá escondendo é algo pra me proteger... sei lá. Descobriu alguma coisa que eu não vou lidar bem. Ter cabeça pra aturar.

"É... é meio que isso..."

Ssniiifffff, harrff... — Nino desviou o rosto. Não queria obedecer nem olhar no rosto dela enquanto dizia aquilo: — Tá... o que você quer? Quer que eu pare com isso?

— Não.

O Primordial voltou seu rosto completamente incrédulo na direção da irmã.

— Quê?

— Vamos fazer o seguinte. Também tenho vontade de fazer isso, mas não esse jogo. Isso é grande demais, e você ainda fez um barulho do cacete.

Fiu-fi-fiu... — Nino colocou as mãos para trás, inclinando o corpo em uma pequena dancinha tentando fingir demência, assobiando e olhando para cima.

— Vai funcionar assim: duas vezes por semana, cada um pode sair à noite. Mas não os dois no mesmo dia. Tipo assim, você fez isso hoje, então eu tenho o passe pra sair agora, e você precisa esperar eu gastar pra, em um dia seguinte, você poder sair.

— Por que não nós dois juntos?

— Quero privacidade — Nina respondeu com os olhos entediados e com nojinho do irmão.

— Ha-Ha! — A risada dele foi de puro deboche.

Nino sentiu o ar provocante passando pelo seu corpo.

— Mas você entendeu?

— Mais ou menos.

Nina respirou fundo. Falou devagar, como se explicasse pra uma criança... o que, de certa forma, fazia.

— Haaaaam... Finge que hoje é segunda. Se eu não for sair na terça... você continua esperando. Mesmo que eu não vá na quarta. Mesmo que eu não use o passe... você só pode ir depois que eu for. Mas apenas duas vezes por semana para cada um.

— ...Cê tá com uma carinha que não vai ir e vai me deixar esperando infinitamente.

— ...Nop — respondeu meio sem jeito, não conseguindo olhá-lo. E Nino a encarou com os olhos semicerrados.

— A-hãm... vamo fazer o seguinte então. Caso o outro não use nenhum passe na semana, deixando o outro na espera sem poder sair, quando der segunda e resetar a semana, o que esperava assume a prioridade da fila... Fechado?

Nino estendeu a mão direita para a irmã, buscando fechar o acordo informal...

Mas... não eram apenas os dois presentes ali.

Dormindo e estressada pelos barulhos... uma anomalia se encontrava deitada, enrolada entre as copas de diversas árvores. Uma anomalia imensa... camuflada... literalmente... invisível.

Uma Calamidade 1, já registrada anteriormente... só que... no Amazonas. Não era para aquele ser estar ali. Batizada de Guariba-boia, era um ser com um corpo imenso de cobra. Sua barriga, esverdeada, ao invés de escamas, possuía uma pelugem dourada, bem alaranjada.

Sua cabeça não era de serpente — era de um macaco bizarro de tão feio e assustador. Dois braços saíam da região que seria o pescoço da cabeça peculiar de tão horrenda. Mesmo que fosse uma Calamidade registrada como 1... era muito mais problemática que isso.

Alissa, quando interviu no estado do povo amazonense, brincou um pouco com o Guariba-boia e descobriu uma peculiaridade nesta anomalia: sua capacidade de desenvolver mutações e evoluções.

Alissa presenciou três, contando com a forma base — essas sendo classificadas como Calamidade 2 e 3. Por um tempo, se entreteve, mas quando se cansou... apenas destruiu o ser e mandou a limpeza fazer o resto.

Nina estendia a mão para fechar o acordo com o irmão... quando a anomalia avançou em uma velocidade mais que absurda. Entretanto, o ser, com inteligência "limitada", deixou seu corpo ser revelado, abandonando sua camuflagem de se tornar literalmente invisível... e o que aconteceu?

Shrrrrrrrk!

A anomalia veio com tudo, sua boca aberta para devorá-los... e o que encontrou?

Nina, virando o rosto calmamente na sua direção, mostrando o que era velocidade de verdade.

Uma espada de sangue se formou na mão da Primordial, e seu golpe desceu na vertical, dividindo o corpo inteiro do ser em dois, com os gêmeos no meio das partes que pareciam infinitas devido aos 20 longos metros daquele ser.

O corpo da anomalia passou na lâmina como uma tesoura de costureira em tecido...

O ser foi inteiramente dividido... mas não parou.

Ao perceber danos em sua carne, suas primeiras mutações se revelaram.

Seu cérebro se expandia e seus poderes... também. Já tendo plena noção de que não venceria aqueles dois daquela forma... foi procurar força, procurar sua evolução... foi em direção aos prédios cheios de pessoas da cidade mais à frente... seu destino: um condomínio de Vila Santos.

Seu corpo se regenerou... mas não em um ser... a Calamidade se tornou... duas.

Quando os gêmeos notaram aquilo, se olharam rapidamente. Os olhos se abrindo na lentidão que o tempo passou quando Nina ordenou de forma silenciosa para Nino que os dois precisavam destruir aquilo.

Tudo aconteceu tão rápido que o som das árvores se partindo com o impacto das anomalias rasgando a floresta era quase nulo. Crash! Crash! Mas nulos apenas devido à velocidade dos gêmeos.

Havia muitas pessoas acordadas.

Nino de fato fez um barulho muito alto naquela noite... mas sem imagens ou provas de uma anomalia, as ligações para a ADEDA não passavam de possíveis trotes.

As duas Guaribas não avançavam juntas. Se separaram, e nem precisavam manter contato. O que uma comesse e aprendesse, a original, ou cópia, também evoluiria. Buscando sangue, buscando energia vital e alimento...

CRASH! BAM!

Nina interceptou a que perseguiu quando a anomalia passou destruindo o viaduto inacabado. Com uma enorme marreta feita de pedra, sempre atenta para não usar armas de sangue onde poderia ser vista... Nina desceu um golpe aéreo — a marreta descendo com o peso de um pequeno planeta sendo lançado — estraçalhando a cabeça da primeira.

BUMM!

Que colidiu contra o chão... mas...

BOM!

Se explodiu... e da explosão... o que era uma se tornou três Guaribas-boia voando... descendo na direção de Nina, que apenas esperava com um semblante tranquilo.

No tempo em que seu embate acontecia... o que previu era realidade. Pessoas a assistiam dos prédios, filmavam e comunicavam à ADEDA. Muitos assustados, muitos animados por presenciar algo como aquilo... já outros... viam a morte.

CRAAASHH!

WHAAAARRRK!!

O rugido da fera, a anomalia que Nino perseguia, destruiu e invadiu o térreo de um dos prédios. Sua movimentação foi instantânea, ergueu seu corpo e subiu de boca aberta, quebrando piso por piso, fazendo cada humano voar... fazendo cada humano cair em direção à sua boca aberta, mostrando suas presas... seu bafo de merda.

Crianças, adultos, idosos... todos caíam sem poder fazer nada... Mas o tempo estava parado. Nino havia chegado, surgido ao lado da cabeça, olhando com ira para a boca aberta.

Seu corpo leve, mãos próximas da mandíbula da anomalia, pernas prontas para golpear com um chute violento que decidiria destinos...

Mas... a dúvida invadiu sua mente.

Seu olhar mudou.

"Se esses humanos morrerem, a culpa não é minha. Posso matar essa coisa depois dessa carnificina..." Seu sorriso doentio voltou, e o menino começava a segurar o chute, para esperar os humanos que caíam lentamente no tempo que via passar bem na sua frente.

"Depois eu..."

[ — Vocês dois... Fizeram o certo. Me protegeram, pois sou mais fraca. Quando verem pessoas precisando de ajuda, pessoas sofrendo ao seu redor... ajudem... ajudem. Protejam os outros, seus amigos, protejam as pessoas a quem vocês se importam... ]

Seu desejo foi barrado por uma lembrança... Marta, a voz da vovó invadiu sua cabeça. O olhar de Nino mudou, seu sorriso sumiu por um momento. Seus olhos tremiam, não sabia o que fazer. Queria dar o prazer que o sangue pedia, mas não queria desobedecer Marta, não queria...

"Mas eu não me importo com essas pesso..."

Fu!

O ambiente mudou.

Nino surgiu de pé, em um quarto inteiramente preto.

As paredes... eram líquidas.

Sangue preto.

Sangue vivo.

Tudo era no mais puro e profundo preto. No teto deste quarto, o olho de Rag cobria-o bem aberto, olhando para baixo, olhando para o menino.

Nino não entendia, mas quando piscou uma única vez, um ser surgiu em pé ao seu lado, em sentido contrário ao seu. O corpo do jovem estremeceu, a presença lhe travou inteiro. Olhou de canto, não ousava olhar diretamente para o seu... pai.

Blacko o olhava com ira, suas íris pretas rasgadas às roxas do menino assustado. A marca não existia mais no homem. Seu pescoço, sua pele clara era lisa, e o que foi seu um dia ele via no seu filho parado, em pé, ao seu lado.

Os lábios do Primeiro Imperador da Linhagem Preta se moveram, e cada única letra que saía tinha o som de um trovão nos tímpanos do menino:

— Obedeça sua vó, criança insolente... — A voz de Blacko, na visão de Nino, era assustadora demais. Palavras faladas em tom baixo, mas tão rouco que era quase um rugido de uma Fera Lendária. Uma ameaça disfarçada de repreensão.

— Harf!

Nino acordou assustado. Sua marca continuava escondida... da forma que tinha que ser.

BAM!

Sua perna agiu por vontade própria, golpeando a anomalia, CRAAASHH! expulsando-a de dentro do prédio como um projétil furioso.

BRUUSFFF!

O corpo do ser imenso quebrou muitas paredes, tirando completamente a sustentabilidade do edifício... o mesmo ia desabar. Assim que Nino, assustado, seguiu as ordens do pai, juntou suas mãos o mais rápido que pôde e uma explosão de magia de gelo aconteceu, criando linhas, passarelas, escorregadores e loopings, salvando cada humano da morte naquele desabamento.

Avançava correndo nas paredes caindo, pulava de móvel em móvel, pegando crianças no colo, salvando todos... sem... exceção.

Mesmo com sua velocidade, nos segundos que os salvamentos duraram, pessoas viram e sentiram quando foram salvos e colocados no chão... não apenas os meninos pequenos que escorregaram nos diversos loopings que Nino fez de um gelo bem escorregadio para afastá-los de lá...

Não foi uma boa ideia.

Para os humanos ali, assustados ou não, a demonstração de poder que os dois estavam mostrando gerava uma curiosidade imensa em cada... e uma vontade maior ainda de viralizar na internet.

Movimentos quase idênticos.

Todos conferiram se estavam com os celulares, e todos que estavam...

Começaram a filmar o embate contra as anomalias, acreditando estarem seguros, acreditando que nada poderia acontecer com suas vidas...

Afinal... o cameraman nunca morria.

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