Dançando com a Morte Brasileira

Autor(a): Dênis Vasconcelos


Volume 1 – Arco 2

Capítulo 91: Let the game begin!

— Era só não gritar... como eu mandei... Que merda — murmurou... José.

Sentado, com o corpo largado no tronco de uma árvore, com o rosto estressado, sujo e suado, o tio da menina abusada relembrava do que fez mais cedo. Nenhum pingo de arrependimento caía junto do suor, devido ao calor que sentia da longa e cansativa corrida em meio ao mato denso.

— Alguém deve ter escutado — resmungou, limpando o rosto com a manga suada. — Aquele carro que parou próximo do portão... Será que me viu correndo? Só em filme que aquilo de digital existe, né? Não tem como saberem que foi eu.

Ficou em silêncio por um momento.

— Aah... Sei lá. Meu irmão deve tá me ligando. Foda-se, eu minto que não vi. Ela morreu, então eu tô de boa... né? Só falar que tava em uma viagem e trazer um queijo, um doce de leite lá de Minas... Sei lá. Só falar que tinha uma encomenda de madeira em Extrema, e fiquei sem carga no celular enquanto dirigia.

Com as pernas ainda cansadas do medo que sentiu acreditando ter sido perseguido, se manteve sentado, mas se preparando para se erguer, com as mãos nos joelhos.

— Ele não pode ver o caminhão no meu lote... Será que ele foi lá? Porra... nem foi tão bom. A desgraçada me fudeu por nada. Que mRErrda! — rugiu. — Arrrhrf...

O "homem" se ergueu com dificuldade, já não era jovem, e uma corrida intensa pesava em suas costas. Manteve a cabeça baixa, vendo se seu corpo continuava inteiro. Ergueu-o, vendo um pouco do filtro da lua passar por folhas no topo do céu, sendo coberto de árvores.

— Pego o caminhão, viajo a noite toda, chego lá amanhã, mando uma mensagem dizendo que tô voltando com presentes, escuto ele falando da morta, e finjo tristeza... Haha! — Com um tom de vilania e vitória, abriu um sorriso, comentando agora não mais em murmúrio: — O plano perf...!

— Titio?

— Hã?!

A voz de Ana foi escutada... em frente ao homem, poucos metros adiante, a menininha o olhava. Os braços juntos para trás. O rosto curioso, inocente. O olhar fixo no tio. A mesma roupa, o mesmo jeito, o mesmo... tudo.

— Quê? — O homem piscava várias vezes, incrédulo.

— Titio... eu disse que tava doendo! Por que não parou?! Papai vai ficar bravo comigo! — disse ela, com a voz doce e acusadora ao mesmo tempo, cruzando os braços como uma criança birrenta. O rosto em negação, olhos fechados. A mochila da escola, tudo era idêntico...

José cambaleou para trás.

— A-Ana, é você mesmo? C-como está viva? — Os olhos dele vibravam entre incredulidade e terror.

— O quê? Só doeu... Por que eu morreria? — sorriu ela, como se brincasse.

José tentava entender. Tentava respirar.

"Como assim?" — Você contou pra alguém? — perguntou, a voz falhando.

Ana balançou a cabeça devagar.

— Não!

A esperança brilhou nos olhos podres do homem.

— ...S-se você contar pro meu irmão... E-ele vai ficar muito bravo! Você não pode contar, ouviu?! — gaguejou com receio e estranheza, se aproximando lentamente da menina que continuava a lhe observar.

— Por que não?

— Porque o papai vai te bater muito pra te corrigir se isso acontecer. Acho que não vai querer apanhar de chinelo, e ficar de castigo sem poder assistir desenho no celular, né?

A menina abriu os olhos em pânico, tremendo.

— Não! — gritou, os braços levemente erguidos, a cabeça se movendo em negação em alta velocidade.

— Precisa guardar esse segredo, tá? Nem foi tão ruim assim, né?

A jovem parou os movimentos, um olhar de dúvida, voltando para o homem. Logo ergueu as mãos até a cabeça, seus pequenos dedos coçando, ainda tentando entender.

— Acho que não... — sussurrou.

— Quer fazer de n... — José se aproximou mais, a mão estendida, o sorriso nojento escapando pelos dentes amarelos.

— Desprezível... não passa de um bizarro.

O rosto da jovem mostrava desprezo, desdém e soberba.

A voz sendo distorcida por uma agressiva, aterrorizante e forte.

Screrachh!

O corpo da menina começou a se derreter em sangue preto espesso, como cera quente. Os olhos infantis se tornaram abismos roxos. O rosto fixo na direção do homem, mudando para o de Nino, irado com o humano.

José ficou travado.

A mão ainda erguida na direção, não tinha coragem de se mexer diante do que via.

Nino mudou sua forma, voltando para sua verdadeira. José via aquele pré-adolescente sinistro à sua frente, com o olhar mais ameaçador que já vira... desde o olhar de soberba que Alissa sempre mantinha em suas entrevistas raras para a imprensa mundial e brasileira.

Tcsie... — rosnou, o som saindo com um chiado desprezível. — Você faz uma merda... traí o próprio irmão. Abusa da filha do cara que divide o mesmo sangue. Tenta tirá-la da vida do cara que divide o seu sobrenome. Tem a oportunidade de pedir "desculpa" ou implorar por perdão... e o que pensa é em fazer disso um segredo. O que pensa é em tentar manipular uma criança brincando de segredinho.

Nino colocou as mãos nos bolsos, seu rosto levemente inclinado, o queixo erguido com arrogância. Seu sorriso era de puro deboche; seus olhos, duas luas roxas. Andava lentamente em círculos ao redor do homem congelado de medo, como um predador brincando antes da matança.

Nino o observava, seus passos calmos, sua voz... mais ainda:

— Você me faz repensar um pouco nos meus conceitos. Me faz pensar... Que interessante. Olho pra um ser assustado e fraco como você e penso: "talvez a humanidade não precise do meu ódio... do meu extermínio. Terem seres como você no meio de pessoas comuns já é um pesadelo". Você... Isso mesmo... Você, seu insetinho...

Nino zombava olhando no olho.

José ainda mantinha a mão na mesma posição, embora trêmula, cansada de se manter erguida ali. O suor frio escorria da sua testa, descendo pelas costas, gelando-o por dentro. O calor que sentia de suas roupas sujas se mesclava a todo o medo que sua alma gritava em pavor.

— ...Me faz sentir pena dos humanos... Mas... Opsss! — Nino abriu um semblante alegre, os olhos bem abertos, junto do sorriso. — Já passou — fechou o rosto e disse de forma sombria, com chamas escuras sendo emitidas do seu corpo, seu sorriso mostrando sua excitação.

BAM!

...Crash!

José bateu de costas contra uma árvore... O tronco nem mesmo amassou. Já sua coluna... virou duas.

A dor era indescritível.

Não havia nem mesmo força para gritar ou gemer, apenas sofrer, enquanto Nino vinha calmamente, mantendo as mãos nos bolsos da calça.

— Se alegre! Vamos! Hi-hi-hah-i-ha! Se alegre!

Retirou as mãos do bolso, erguendo-as para o céu. Seu rosto feliz, seu sorriso animado.

— Você... Você mesmo... ME DEU UMA IDEIA... BEM... BEM... Arrrhff!

Quase babando, sua língua passava pelos dentes mais afiados que navalha de barbeiro. Seu rugido em meio às palavras, seu arfar quente... sedento.

— ...DELICIOSA.

Nino calmamente esticou a mão para frente, até alinhar sobre o rosto do homem, poucos centímetros mais abaixo, no chão. A boca de José se mantinha aberta, o gemido de dor silencioso.

O Primordial virou a mão, e seu sangue começou a escorrer, caindo certeiramente dentro da boca.

Lá, o sangue escorreu, rasgando a garganta, uma maré viva, um oceano de sangue preto se dirigindo com rapidez e tomando o corpo do último jogador. José sentia seu corpo ser tomado, a dor era imensa, algo incapaz de descrever.

Crunk!

Sua coluna foi colocada no lugar, sem nenhuma delicadeza ou diminuição de dor, pelo sistema nervoso.

Tudo feito para agonizar — e foi isso que aconteceu.

Nino parou de despejar sangue. O corpo do homem já era seu. José tocou o chão com as duas mãos, sem ar, tossindo, e sentindo uma imensa vontade de vomitar... algo que apenas ameaçava, pois nada saía.

Nino o olhava, seu olhar zombeteiro, um ar sádico no sorriso excitado.

Scrrrrechh!

O sangue rasgou a testa do abusador, e o número 10 se destacou em chamas escuras... Não apenas o número, mas a voz do Primordial cortou a música do sofrimento sendo produzida por um mero mortal:

— Você... e mais nove — sua voz saía arrastada, o nojo sendo palpável. E junto dela, cada um dos participantes escutava o clone de Nino que os observava começando a contar as primeiras informações do evento da noite — insetos... irão jogar um jogo em busca da sobrevivência... Apenas um vive. Apenas um vence... o jogo do abate.

Todos... olhavam com uma atenção absurda para Nino, contando tudo de forma assustadora. O sorriso do pré-adolescente... a despreocupação, o desleixo de manter as mãos no bolso, o olhar de pena — uma pena que zombava de todos.

— Vocês... matarão uns aos outros.

A frase bateu como o despertador tocando às 6h da manhã com o toque Radar, que com certeza foi desenvolvido por um humano em complô com o capeta.

"O quê?" O pensamento de dúvida foi dividido por todos, juntamente com o olhar assustado e o movimento de abaixar o rosto, vendo as mãos tremendo.

— Não se preocupem... Todos estão aqui por um motivo. Não se importem com quem trombarem. Não confiem. Você sabe o que fez para estar aqui, mas o outro pode ter feito algo muito pior do que o que você fez.

Todos olharam para si mesmos.

Cada um sabia muito bem o que fazia, e o que fez para estar ali. De todos, um ficou irritado... Douglas não aceitava.

— E-ght!

Track!

Levou as mãos até o pescoço... Quando foi protestar com Nino, o mesmo se irritou com a petulância e travou o pescoço do garoto, enforcando-o internamente com a carne e nervos.

Douglas tentava recuperar o ar. Era impossível... mas não desmaiava, e escutava tudo que Nino dizia. Mas doía, doía muito.

— Traidores... Pedófilos... Criminosos... Mentirosos... Abusadores... — dizia com calma, palavras bem espaçadas. — Não confiem em ninguém. O jogo é jogado, e a mentira é uma arma... Hãm... Tcs... As regras são bem simples. Até o mais imbecil aqui presente conseguirá entender.

Os clones com 1 e 2 olharam de forma mais direta para os assaltantes que tentaram roubar o motorista de aplicativo. Os dois eram tão burros que nem mesmo notaram a diferença da intensidade do olhar de segundos atrás para agora.

— Regra Número Um: o jogo será dividido por rodadas. Cada rodada, apenas duas pessoas morrem, exceto na última, em que apenas uma morrerá. Regra Número Dois: podem se aliar a um outro jogador, entretanto, não podem fazer dupla duas vezes seguidas com a mesma pessoa. Exemplo: o número 2 e o número 8 formaram uma dupla na primeira rodada, a rodada acabou, a segunda começou, e os dois fizeram dupla novamente. Caso isso aconteça, os dois serão penalizados com algo muito pior que a própria morte.

Os jogadores começaram a suar bastante, o medo transbordando. Suas respirações ficando ofegantes antes mesmo de precisarem correr por suas vidas, irem atrás dos objetivos, irem atrás da vitória da noite.

— Regra Número Três: vocês são obrigados a participar. São obrigados a lutar por suas vidas. Jogadores inúteis, jogadores que não fizerem nada em cada rodada, serão penalizados sem piedade alguma. Caso não obedeçam à ordem, sofrerão com algo que os fará implorar para apenas serem mortos. Não querem sofrer? Vençam. Caçem seus inimigos e os matem.

Douglas, ainda sendo enforcado, suas mãos no pescoço, quase com suas unhas penetrando em sua traqueia, querendo a todo custo apenas uma forma de respirar, se pegou pensando em tudo que Nino dizia:

"Preciso matar pra viver...? Eu... Eu quero morrer? Por que sinto medo da morte? Por que sinto vontade de lutar por algo que eu não quero?" Sua mente conflitava com o que seu eu realmente queria. Sua luta por ar quase foi esquecida, mas o roxo no pescoço mostrava que não...

O pescoço roxo, a marca das suas mãos, mostrava que queria viver... só não sabia.

— Regra Número Quatro: a área em que o jogo acontecerá é demarcada por uma linha de chamas escuras no chão, assim como o número que brilha em suas testas, que faz com que vocês se encontrem mais facilmente, a área também é visível. Saia... e morra instantaneamente.

A mãe que vendia o corpo de sua filha olhou para os lados, buscando as tais linhas.

"Será que não tem como chamar alguém? A ADEDA? Que merda!" O desespero era visível em seu rosto. Suas plásticas e botox não escondiam as rugas e as linhas de expressão do medo mais sincero da sua vida.

— Regra Número Cinco: não gritem por ajuda externa...

"Droga!" A mulher voltou o olhar ao menino, que continuava a dizer a regra.

— ...Apenas uma única ameaça de implorar por socorro, e serão rasgados do seu corpo os pulmões, a traqueia, a laringe, as pregas vocais, a faringe, a cavidade bucal, a cavidade nasal, a língua, os lábios e a mandíbula, beeem leeenntamente... com as minhas garras.

Os clones ergueram a palma direita, suas unhas pretas afiadas como lâminas de sangue.

"Fala português, carai!" pensou 1, mas não disse nada, por receio, ao ver o psicopata mirim.

Nino reparava na dúvida estampada no 1 e no 2, e então complementou:

— Para os imbecis, significa que vou rasgar suas carnes, arrancando da sua boca até o peito, retirando seus órgãos, mantendo vocês vivos para continuarem o jogo completamente fracos e fodidos.

Seu rosto mostrava a seriedade, mas 1 segurou para não rir, achando aquilo uma comédia.

2 só desviou o olhar.

"Essas crianças de hoje em dia... geração esquisita." pensou, sem coragem de mover um músculo.

Nino os olhou com os olhos semicerrados, mas logo continuou com as regras para todos.

— Regra Número Seis: a primeira rodada é a mais importante. Folhas de papel, queimando em chamas escuras, foram espalhadas pela área do jogo... Apenas oito, ou seja, dois jogadores não irão conseguir pegar. Em cada uma, há uma arma desenhada. Desde faca, machado, espada. Para acessar esta arma, engula o papel em chamas, sinta-o queimar seu corpo, e a arma brotará do chão para que possa usar.

José arregalou os olhos. Um desespero primitivo tomou conta dele.

"Só oito?" Olhou para os lados. "Tenho que achar uma. Tenho não! Preciso achar essa porra!"

Nino sorriu, vendo os rostos receosos, cheios de ansiedade e medo.

— Regra Número Sete: com as armas, irão atrás de seus inimigos. Não é necessário literalmente matar seu inimigo. Ferindo-o ou incapacitando-o já serve como vitória na rodada, ou, no caso, para escapar da punição de ser um inútil. Como diz na Regra Número Um, apenas dois podem morrer. Caso dois embates comecem ao mesmo tempo, e em ambos uma pessoa for ferida pela arma, a rodada acaba, e eu mesmo punirei com a morte os feridos. Mas, caso comece uma luta onde você feriu o outro e a rodada não acabou, ainda precisa de mais um morto, mais um perdedor. O que significa? Caso o ferimento que disferiu no outro não seja fatal, o outro ainda pode lutar pela vitória. Caso ele o mate antes de um outro alguém ser ferido na floresta, ele escapa da minha punição, vencendo a rodada.

Nino começou a andar lentamente, seus clones rodando em volta dos participantes — como abutres rodeando carniça — que não ousavam virar o corpo para acompanhar os movimentos.

— Regra Número Oito: a cada rodada, a área do jogo diminui. E a cada início de rodada, você surgirá em um outro lugar, separado de sua possível dupla, ou separado de uma possível ameaça que corria atrás de si.

Antes de mais uma regra, o clone de Nino com Felipe o olhava com um sorriso cruel apenas para ele. Um olhar direto, que o machão não conseguiu aguentar e precisou desviar para o lado.

A voz arrastada, irônica e divertida de Nino foi ressoada pelos seus ouvidos, uma regra que parecia feita por encomenda para o pizzaiolo:

— Regra Número Nove: caso perca um membro do corpo, matando o seu adversário antes da rodada acabar, pegue sua arma, corte o membro do corpo do outro que lhe falta no seu, e se ajoelhe, com a testa no chão. Após, erga-se, morda e engula uma parte generosa da carne do membro cortado. Feche os olhos e não os abra. Vai doer. Irá agonizar, mas irei lhes devolver aquilo que perderam. Caso os abra no processo, irei arrancar outro membro correspondente à sua petulância.

"Desgraçado... Criança maldita..." Felipe voltou o olhar, um olhar irado, cheio de raiva... de ódio.

— Regra Número Dez: me entretenham... a todo custo. Hihi-haha-HAHAHAHA!

Gargalhando como um louco, excitado como nunca... Nino esticou os braços para os lados, seu rosto erguido. Desceu com o olhar, penetrando os olhos de cada um presente naquele lugar, e disse com sua voz raivosa, sedenta, rouca e eufórica:

— Que os jogos comecem!

Seus olhos brilhavam em roxo. Uma aura de sangue preto saía do seu corpo...

Fu!

Como um sopro... todos surgiram em outro ponto da floresta "maldita".

Nino sumiu...

O jogo começou.

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