Volume 1 – Arco 2
Capítulo 82: Jornal das oito
17 de Janeiro de 2021.
Um pouco mais de seis meses haviam se passado. Seis meses beeeem loooongos para Alissa, que precisava aturar Nino não só em sala, mas, às vezes, até fora dela.
Cada dia, embora diferente, carregava uma marca registrada: bastava entrar na sala, bater o olho no menino — com aquele sorriso irritante no rosto — e já sentir o sangue ferver sem que ele sequer precisasse abrir a boca.
O clima em sala, no entanto, melhorava dia após dia.
As crianças riam das provocações de Nino com Alissa, o que era como despejar urânio-235 na bomba nuclear de nervos em forma de mulher que se postava à frente da lousa. Mas, mesmo irritada, Alissa sentia-se grata a Nino e Nina — foram eles que ajudaram a turma a se soltar, se unir e fazer as aulas ficarem mais tranquilas.
Entretanto, todavia... Alissa tinha que deixar as frustrações e estresses diários saírem por uma válvula de escape... Quem recebia toda a bronca era Mirlim, que recebia ligações dia após dia, mês após mês, sem faltas durante todos os seis meses, de Alissa dizendo como foi o seu dia e como Nino a irritou.
Mirlim chegou a um ponto que deixava um gravador que dizia de tempos em tempos: "Uhum...", "Sério?", "Nossa..." enquanto dormia... Mas Alissa descobriu em menos de uma semana, lhe garantindo uma bronca da filha que levou ainda mais tempo que apenas uma ligação de dizer como foi o dia.
Era noite...
Um violininho tocava suavemente ao fundo, o som saindo de um antigo disco de vinil, preenchendo o luxuoso banheiro de Alissa. Em sua mão, uma linda taça de vinho, refletindo o brilho das luzes perfeccionistas da mulher levemente imersa na banheira quente.
A espuma, fumegante, tampava sua pele, seu pescoço e cabeça levemente apoiados e curvados para trás. Seu braço, delicado, liso e claro, levemente molhado, acompanhava a taça, reluzindo o brilho da sua frustração sexual.
Alissa quase chorava, já na sua décima segunda taça, reclamando com Mirlim que mais um encontro não deu certo — mesmo que a própria tivesse ido com uma escuta, onde Mirlim falava o que a menina tinha que falar...
— EU DISSE: "CHAMA ELE PRA SUA CASA"! VOCÊ ME VIRA E FALA: "SABIA QUE EU JÁ MATEI UMAS DUZENTAS CALAMIDADES?"! VOCÊ QUERIA OOOOO QUÊÊÊÊ!!!? — Mirlim berrava pelo telefone, do outro lado da linha.
Alissa, mole e derrotada, se afundava ainda mais na água quente, enchendo-se de vinho.
— M-m-mas...
— Fuuuuuuuu...!
O fungado de Mirlim ecoou tão forte que parecia ter saído do banheiro.
"Como pode não saber falar com macho?!" pensou Mirlim, irada com o encontro mais tenebroso que já assistiu na vida. — Eu quero dormir... Você não tá bêbada, então fala logo o que aconteceu na escola, e blá-blá-blá...
— ...
Alissa permaneceu em silêncio.
— Todo dia é quase igual... Como você consegue ser tão irritada? Já falei pra tomar um chá, pra tentar ficar mais calma. Mas não escuta...
— Já tomei de camomila, maracujá, lavand...
— Chá de piroca. Um cacete bem grandão.
— MÃE!
— Mãe nada. Arruma uma rola logo que você para de me ligar reclamando todo santo dia! Pelo amor de Deus. Desde julho me ligando, não cansa, não?
— Tsc... Impedi você de transar, foi? — Achou que estava arrasando com sua provocação... mas tudo tem uma volta.
— Óbvio que não. Eu mutava a ligação e ia dar. Você perguntava algo, eu desmutava, falava e mutava de novo.
Alissa ficou estática.
— T-tá de brincadeira... né?
— Ué? Preferiria que eu desligasse na sua cara falando que tava com algum macho?
— ...Sério?
— Uhum. Não é como se eu tivesse feito isso todo dia também, não é assim.
— ...Aquele dia que tava em um carro?
— Tava dando.
— ...Cinema?!
— Também... — murmurou, maliciosamente, quase babando.
Alissa apenas piscava, em choque.
— ...
Mirlim parou de viajar e voltou à realidade.
— Tá, tá, fala logo. Já vai dar oito da noite e eu quero hibernar até amanhã à tarde.
— ...O Nin...
— Nossa, sério que ele fez isso? Num acredito... — cortou, ironicamente.
A mais forte se aborreceu.
— Quer que eu fale ou não?
— Não. Na real, quero que me escute...
A voz de Mirlim endureceu, mais sóbria, mais firme:
— Presta atenção no que você fala. Foram meses reclamando e reclamando, irritada, e no fundinho ali, eu conseguia sentir que falava com um sorriso às vezes. Você pode estar odiando enquanto tá na sala. Odeia as brincadeiras, se irrita rápido. Mas você tá gostando no fundo. Porque você está se divertindo, notando isso ou não.
Alissa, quieta, nem mesmo ergueu a taça. Deixou-se afundar um pouco mais na espuma, ouvindo o sermão que ecoava mais fundo que o vinho em suas veias.
— Sua vida era monótona, chata. Ainda é... uma boa parte dela.
— Não precisava...
Alissa baixou a cabeça por um instante, mas a voz firme de Mirlim a puxou de volta:
— Precisava sim... Alissa, você querendo ou não... se esses gêmeos sumissem hoje da sua vida, desaparecessem, morressem, sei lá, você ia sentir muita falta. Não importa se esse Nino te enche o saco. Não importa se você quebra a cara dele todo o dia, ou não. O dia que você não tiver isso. O dia que ele parar de fazer isso. Você vai sentir falta. Mas você não vai me escutar, e também nem vai se importar muito. Porque você ainda os tem, e a chatice e irritação que ele te traz é maior do que pensar no quão bem a presença dos dois está sendo no seu dia a dia.
— ...
O silêncio do outro lado da linha falou mais do que qualquer palavra.
— Parando pra pensar aqui ou não. Colocando minimamente na cabeça ou não. Você é uma bomba-relógio, seu humor muda muito rápido. Vai ver o menino fazer algo mínimo para te provocar e vai explodir, esquecendo tudo o que eu disse aqui. Não tô dizendo pra parar de bater nele, tentar matá-lo, ou sei lá, essa relação suicida que vocês têm... Dois esquisitos. Só tô dizendo que não faz sentido reclamar tanto de alguém que tá lhe fazendo tão bem.
Do outro lado, a resposta não veio de imediato. Quando veio, veio tímida, carregada de uma tristeza inesperada:
— ...Eu tô te incomodando?
Mirlim respirou fundo.
A vontade de brincar novamente quase escapou, mas o tom sincero da filha a segurou.
— Não disse isso.
— Você disse pra eu falar logo que você quer dormir. Quer que eu pare de ligar?
Mirlim fechou os olhos, se amaldiçoando mentalmente. Queria dizer "sim", queria ter paz, mas... sabia o quanto seria cruel fazer isso agora. Sabia que Alissa ficaria triste e não entenderia a brincadeira.
— Para de drama. Força nada, não. É o mínimo que eu mereço depois de ser ignorada tentando te ajudar a arrumar um macho...
— ...Entendi.
Mirlim notou o tom da voz dela, a brincadeira não ajudou muito. A preguiçosa se encolheu um pouco na cadeira.
— E... o Arthur? — tentou mudar o assunto. — Ainda te culpa?
— Hum?
— O Arthur, ué? Desde que ele entrou na sua sala, você nunca disse nada.
— Ah... Ele tá legal. Não sei o que aconteceu, mas não acho que me culpa, não. Interage com a turma, responde bonitinho, é educado. Ou é um ator muito bom, ou Louis realmente contou a ele que o que minha prima dizia era mentira.
— Ah...
Mirlim ficou sem saber o que dizer.
Novamente, o silêncio se alongou, desconfortável.
Não sabia em que assunto entrar.
Percebeu que sua falta de paciência pesou o clima um pouco, mesmo que suas palavras tivessem sido para abrir os olhos da filha.
— E...
— Pode ir dormir — cortou Alissa, num tom gentil mas distante. — Não precisa ficar aqui não, se não quiser. Vou... Vou ficar mais uns minutinhos aqui e ir dormir também.
"Saco... Por ligação nunca sei se é o seu draminha forçado ou se realmente tá triste..." pensou, frustrada. — Desculpa... Eu não queria dizer aquilo. Eu não ligo de me ligar, é que...
— É que é chato... né? — deu um risinho seco. — Vou ligar só quando for algo importante... não quero te incomodar com isso.
— Alissa...
— Não... Não, sério mesmo.
— Maneira na bebida, acho que tá começando a bater.
— ...Rum.
O som sarcástico do resmungo atingiu Mirlim como um tapa.
— Então é isso... — disse baixinho. — Tchau, mãe.
— ...Sniiff, fuu... Tchau, boa noite, filha. Te amo.
— Boa noite. Te amo também.
Alissa desligou, e Mirlim olhou para a tela preta do celular, Prut! largando-o sobre a mesa.
— ...Ficou realmente chateada?
Se jogou de volta na cadeira, encarando o teto escuro, suspirando profundamente.
— Harrrff... Como que dorme agora?
No tempo que isso acontecia... chegava o então aguardado Jornal das Oito horas.
Luzes apagadas... o ambiente mergulhado na escuridão, iluminado apenas pela luz tênue da TV. Nino, sozinho na sala, olhava para a porta do quarto, com a luz igualmente desligada. Seu sorriso era malicioso, seus olhos predatórios.
Foram dias e dias tentando uma escapada, e nada. Todos os dias sendo frustrados.
Alissa no apartamento... Alissa se vingando depois das aulas.
Mas o menino não parava de encher o saco, e ainda ficava irritado por não ter tempo de fazer o que seu sangue desejava. Entretanto, naquele dia foi diferente. Não irritou tanto a exterminadora assim.
Só o básico em sala, deixando-a em paz no tempo que permanecia no escritório após as aulas.
O que lhe deu um dia de "folga", sem ser caçado como um coelhinho pela mais forte para apanhar em algum canto da cidade... deixando Nina e Nathaly sozinhas. Tudo neste dia dizia que seria perfeito, tudo lhe dizia que daria certo o seu anseio.
"Hoje... é hoje."
A introdução do jornal veio, e assim que terminou, dois apresentadores apareceram na tela. Um homem e uma mulher, impecavelmente bem vestidos.
O homem falou primeiro:
— "Boa noite."
— "Boa noite. Nesta manhã, em Jardim Peri, mais exatamente em Jardim Antartica, uma menina de nove anos foi abusada e brutalmente ferida em sua cabeça." — disse a mulher, sua voz carregada de pesar.
Pausando a fala, o homem assumiu:
— "O mais aterrorizante de tudo isso... é que o autor do crime foi o próprio tio da vítima. Passe as imagens."
A reportagem começou, feita ainda de dia. Nino via com clareza o ambiente, e o repórter dizia:
— "Ana Vitória Menezes, de nove anos de idade, voltava de sua escolinha há cerca de 400 metros daqui, quando se deparou com um homem, José Vitor Menezes, de 49 anos... Você não ouviu errado, é o mesmo sobrenome, o autor do abuso e tentativa de assassinato é o próprio tio da menina... que foi confirmado pelo pai, ao olhar as imagens das câmeras de segurança que captaram a pequena Ana com o tio."
O vídeo mudou, mostrando um terreno baldio, cheio de materiais de construção abandonados e vegetação alta e descuidada.
— "Ana foi encontrada neste local, um lugar abandonado" — o repórter apontava para trás, na direção de um viaduto — "igualmente como essa construção inacabada. A câmera que registrou os dois juntos é uma presente na rua, deste mesmo lugar. O abusador trouxe a menina até aqui, onde conseguimos ver sinais de resistência, um pouco de roupa rasgada e sangue. A câmera não registra esse lado, mas capta som, e o som que registrou foi a menina gritando, pedindo ajuda, e logo em seguida... um silêncio assustador."
A única luz na sala escura era o reflexo da TV na pele de Nino. Seu rosto imóvel, os olhos estreitos, absorvendo cada detalhe... refletindo cada pixel da tela brilhante.
— "A menina foi abusada sexualmente, e segundo a polícia, a tentativa de assassinato veio pelos gritos. Em uma tentativa de silenciar a menina de gritar, o homem teria pegado um tijolo e acertado o rosto da criança. Como podem ver, há estilhaços de tijolos aqui, e ao lado... uma pedra grande, ensanguentada... A arma principal do crime."
As imagens mudaram novamente, e enquanto o repórter andava pela rua, continuava:
— "A menina foi encontrada viva, mas muito ferida. Levada ao hospital, a informação é de que houve traumatismo craniano e está na emergência recebendo os devidos cuidados. Mesmo que o crime tenha acontecido à luz do dia, apenas uma pessoa viu... ou no caso, ouviu. Um adolescente, que não quis seu nome revelado, nos deu uma pequena entrevista."
A imagem mudou novamente, uma silhueta toda preta, com a voz distorcida dizia:
— "Eu estudo de tarde, e eu tava me preparando pra ir pra escola, quando escutei vários gritos de uma criança. 'Socorro', 'socorro', 'tá doendo'. Eu fiquei com muito medo, e não quis ir sozinho. Eu não sabia o número da polícia, mas pesquisei o mais rápido que consegui na internet e liguei pedindo ajuda. A polícia demorou um pouco, e eu nem fui na escola com medo de sair."
A reportagem voltou ao repórter:
— "A polícia está patrulhando a área, acreditam que o homem correu para a reserva florestal, que fica logo em frente. Rondas serão feitas, os policiais dizem que ele não pode ter ido tão longe."
A foto do homem apareceu, o nome estampado em letras vermelhas... facilitando ainda mais para Nino achá-lo.
— "Este é o homem, caso o tenha visto ou saiba de seu paradeiro, disque '190' e faça uma denúncia."
As imagens voltaram para os apresentadores, mas Nino não se importou em escutar mais nada. Desligou a televisão sem hesitar. Se levantou e foi até o quarto, normalmente. Nada em seu ser demonstrava a excitação que sentia em querer torturar aquele homem.
Os passos foram tranquilos, mas Nina não havia dormido.
Usava os dois celulares ao mesmo tempo, e ao notar Nino se aproximando, desligou o Wi-Fi do celular do menino desesperadamente, e o deixou em uma velocidade absurda, da mesma forma que sempre ficava no criado-mudo esquerdo.
Igualmente, deixou o seu no direito e assumiu sua pose na cama, que Nino dividia da mesma, ao contrário. Nino entrou, vendo a claridade da lua iluminar seu caminho até o seu lado.
Continuou com a tranquilidade, chegou, tirou seus tênis e se deitou, com sua testa quase colada na dela.
— Arrff...
Suas respirações se juntaram, mas as de Nina eram mais calmas, serenas... como se dormisse. As de Nino começavam a se encaixar na mesma tonalidade e força... uma atuação de pegar no sono.
O menino não se importava com o tempo, naquele momento, só queria ter a certeza.
"Mais um pouco, e eu vou."
Passou-se uma hora... Suas respirações sincronizadas desde quase o início.
Um sentimento dentro dele dizia que ela ainda não havia dormido...
"Será que eu arrisco...? Vai brigar comigo depois... Arrrh! Foda-se! Nunca foi um segredo. Nunca escondi nada. Não quis se misturar, problema é dela. Nhah! Se quiser vir, que venha...!"
Vul!
Nino sumiu da cama, seus tênis... também.
No ar, encaixou-os, e em sua mente, ordenou:
"Me mostre..."
Rag abriu o olho sobre a marca que se revelou no menino... mas não foi apenas Rag que acordou. Nina abriu os olhos, e sem nenhuma enrolação.
Vul!
Foi descobrir o segredo do irmão.
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