Volume 1 – Arco 2
Capítulo 78: Caça adiada
Chegaram rapidamente, surgindo no passeio sem que algumas pessoas próximas notassem.
A noite se mantinha sublime; o frescor dos ventos e a iluminação realçavam os movimentos das folhas das árvores na pracinha em frente à porta de entrada do shopping.
Nino adentrou de cara fechada, com Nina logo atrás, tranquila e debochada.
O menino enfiou as mãos nos bolsos, e Nina, em um movimento natural, se juntou ao seu lado. Nino a olhou — seu semblante já tranquilo, abafando a frustração de mais um dia sem sangue. Nina o olhou de volta, e o Primordial então comentou:
— Tá bem vazio... Não sabia que hoje estaria tão cheio de tarde. Alissa me disse, mas não escutei ela — disse baixinho, se voltando para frente, procurando uma loja que vendesse produtos escolares.
— Quando cê conversou com ela? — a menina perguntou, ligeiramente desconfiada.
— Depois que eu deixei você na escola, eu voltei pro apartamento pra pegar o cartão. Alissa tinha acabado de pôr o vidro, aí eu disse que ia vir aqui, e ela me avisou.
— Ah... Muito burro.
— Calada.
Procuraram pela loja e encontraram rapidamente, após um passeio tranquilo pelo shopping desértico... a ponto de bolas de mato com raízes secas, estilo Velho Oeste, passarem lhes encarando profundamente e bem lentamente...
Voltando já com as sacolinhas nas mãos, Nino olhou para as escadas rolantes vazias.
Nina, que ia seguir para a saída, o viu parar e, entendendo sem precisar de palavras, voltou para o lado dele.
— Quer tentar?
Nino encarou-a, entendendo de imediato.
— Bora.
Juntos... subiram na escada.
No início, ficaram sem entender e seus troncos se mantinham estáveis no ar, como cabeças de galinhas, com seu corpo sendo erguido. As pernas iam subindo, estranhamente, mas o restante não acompanhava o movimento, mas então se apoiaram um no outro, segurando os ombros, e se ergueram, olhando o desafio os levando cada vez mais alto.
Conseguiram ficar de pé, e em uma rápida troca de olhar, se soltaram, conseguindo ficar estáveis, individualmente.
— ...É só isso? — Nino perguntou, com tédio.
— ...Sem graça, né?
— ...Mais fácil correr e subir sem ninguém ver.
— Sim, mas... pode ter ocasiões que não vai dar pra fazer isso.
— ...Prefiro pensar no presente.
— Tsi... Cê nem pensa pra fazer algo.
— Calada!
Voltaram para o apartamento, entrando sem formalidades pela sacada, mais uma vez.
As luzes continuavam como deixaram... apagadas.
Apenas com a luz da noite, caminharam até o leito, e deitaram-se da mesma forma de sempre. Com suas testas quase unidas, Nino fechou os olhos no mesmo tempo que Nina...
Caça adiada...
"Vou deixar pra um outro dia..." pensou, deixando-se relaxar, começando a dormir.
Vrr... Vrr... Vrr...
— Uuhmnnm...
Depois de mandar a mensagem no grupo, Alissa caminhou por um breve momento, até que não aguentou e ligou para Mirlim... que se encontrava no oitavo sono do dia, ainda em seu escritório, babando no pirulito e em todo o seu teclado.
Com um leve gemido sonolento, a preguiçosa ergueu um pouco a cabeça, como se estivesse emergindo de um coma, deixando apenas uma fresta dos seus olhos aberta, devido à claridade da tela naquela escuridão que consumia seus arredores.
Mirlim atendeu, e logo deitou a cabeça novamente:
— Oficina duas... aAAooaAH... migas, Sniiff... pos... so aju... dá-la? — Seu sono atrapalhava sua brincadeira. Quase dormia de uma palavra a outra, além de fortes respiros e bocejos.
— Tá dormindo? — Alissa perguntou, seca.
— ...ZzZZzZ... — silêncio... com uma pitada de respirações serenas.
— Mãe! — a mais forte berrou.
— Hum? Oi? ChaAaaAoH... mou? — Mirlim ergueu o rosto, ainda completamente embriagada de sono.
— Nathaly me ligou... Assim como a senhora disse. Parei de seguir ela... Vou deixar ela se virar... Também mudei em sala. Eeeeh... Tô tentando, na verdade. Mas já melhorou! Os alunos parecem ter gostado, quando eu finalizei a aula foi um pouco engraçado eles na porta me esperando. Agora... O menino que minha filha gosta é um saco! Não me deixa em paz! Insuportável! — Alissa se abria, contando como foi o seu dia...
Mas Mirlim já havia voltado a dormir... e a exterminadora percebeu:
— Nathaly disse que treinou beijo de língua...
PLIM!
Mirlim acordou INSTANTANEAMENTE, como se tivesse levado um choque de 220V, erguendo-se e segurando o celular com firmeza. Sua pose na cadeira mudou, colocou as pernas juntas e cruzadas sobre a mesa, enquanto, com um dedo da mão esquerda, rodava uma mecha de cabelo, respondendo com um sorriso depravado:
— Treinou com o menino?! — A voz saiu num tom quase sugestivo demais.
— AGORA VOCÊ RESPONDE, NÉ?! — Alissa quase jogou o celular no asfalto de tanta raiva.
— Fala logo, foi com o menino?
— NÃO, SUA SAFADA! NÃO FOI COM O MENINO!
— ...Ué? Foi com os dedos?
— ...Espelho.
— Ah... — Mirlim suspirou, desapontada, mas ainda muito divertida. — E o que que deu? Posso falar com el...
— ÓBVIO QUE NÃO!
— ...Confia em mim não?
— PRA ISSO?! NUNCA!
— ...
Com o silêncio de Mirlim, Alissa ficou parada por alguns segundos, apenas caminhando, mantendo o celular encostado na orelha enquanto observava a rua cada vez mais vazia de carros.
Mirlim, do outro lado, esperava algo a mais, e após cinco segundos de nada além do vento, Alissa finalmente disse:
— Harrff... Só queria dizer que estou tentando mudar... Como você sugeriu.
— Não acho que me ligaria só por um beijo no espelho. — A voz de Mirlim veio arrastada, mas carregada de malícia. — O que aconteceu?
— ...Eu já disse. — A voz de Alissa soou envergonhada, sem firmeza.
Mirlim sorriu ainda mais, reconhecendo o tom. Rodou o pirulito entre os dedos, saboreando a vitória.
— Uhum... Claro. O menino que ela gosta é insuportável. Você está tentando mudar em sala e começou a dar mais liberdade pra Nathaly. Falta um detalhe: o motivo da ligação. O que aconteceu? Viu algo que não devia?
Alissa ficou vermelha igual o farol vermelho do carro que passou ao seu lado e freou antes de entrar na rua à direita. Mirlim levou o silêncio repentino como um acerto em cheio. Seu sorrisinho se intensificou a ponto de até tirar o pirulito da boca para fazer uma pergunta quase sádica:
— Viu ela fazendo coisinhas... não foi?
O silêncio que veio foi gritante.
A falta de resposta entregava tudo.
Um sorriso nervoso e extremamente envergonhado ficou estampado em Alissa. Mirlim soltou uma risada só de imaginar a cara dela, e a risada provocadora e maliciosa vinda da chamada não ajudou a mais forte a se estabilizar... Mas Mirlim logo parou e, com uma dúvida que surgiu, perguntou:
— Como você pegou ela no ato, se não a seguiu? Não foi nada com o menino, né? Acho que entendi errado.
Tentando recuperar o fôlego e a dignidade, Alissa respondeu:
— Não, não foi o ato em si, não. Ela me ligou e, quando eu coloquei o nome do menino no assunto, eu controlei os olhos dela. Aí notei que ela ficou bem quente, e no mesmo segundo, vi ela indo com a mão para dentro do short de dormir... Me assustei e gritei, fazendo ela se assustar e tirar a mão de lá.
— Ah, mas também, né! Pra que fazer isso?! — Mirlim ficou um pouco brava, mas sua voz não era de uma repreensão bruta.
— Eu pedi desculpas... Não devia ter feito aquilo mesmo... — a mais forte admitiu, abaixando um pouco a cabeça, sabendo que o que fez foi bem errado.
— Ruum... Então foi só isso?
— Sim... Os gêmeos estão me ajudando em sala também. A Nina, principalmente.
Mas o irmão dela... Snifffff! — respirou fundo — é insuportável! Dá vontade de matar aquela peste a cada segundo que passa do meu lado.
— Entendi... — Mirlim murmurou, ainda meio rindo. — Nathaly sabe disso?
— Não. Que estão me ajudando, não sabe não. Mas disse pra ela que eu ia mudar, então ela acha que vem apenas de mim.
— Ah... Por que não diz?
— Porque eu vou no apartamento deles ver ideias e coisas assim. Se ela souber, vai querer ficar lá. Aí como vou quebrar a cara do menino com ela lá?
— Cê bate no menino? — Mirlim arregalou os olhos, assustada.
— Ele é forte, aguenta bem. Joguei ele do prédio uma vez.
— VOCÊ O QUÊ?! — Mirlim se endireitou na cadeira, em choque.
— Não se machucou, não. Caiu de boa. Voltou andando... Aí eu... joguei ele mais forte! — Alissa dizia com um semblante macabro.
— VOCÊ É DOIDA! É UMA CRIANÇA!
— Próxima vez vou jogar do espaço, só pra garantir rrhihi... — Alissa respondeu séria, com um olhar frio. Seu celular flutuava sozinho em contato com o seu ouvido, no tempo que suas mãos se juntavam em frente ao corpo, numa postura de vilã... assassina.
— ...Meu Deus... — Mirlim ficou desolada.
— É que você não convive com essa praga. Entenderia se tivesse que dar uma única aula.
— ...
Mirlim ficou em silêncio, e Alissa... também.
A preguiçosa no computador adentrava a rede da ADEDA, procurando pelos alunos da sala de Alissa. Já Alissa, sentiu o silêncio como um incômodo... um incômodo que ela fazia à sua mãe, e com isso, decidiu encerrar a ligação:
— Vou... vou indo nessa então. Quero chegar em casa e tomar um banho de banheira. Depois nós nos falamos... Tá?
— Uhum... Vô aproveitar que me acordou e ver uns e-mails que não li mais cedo... Nem ontem... Nem antes de ontem... — Seu semblante se entediou, e Alissa compartilhou do mesmo, quando escutou aquilo.
— Tá... Tchau, mãe. Te amo...
— Tchau, te amo também.
Mirlim desligou a ligação... e Alissa olhou para o celular, levemente abatida com a despedida que pareceu um pouco vazia.
"Ela é assim... Não gosta de falar muito..." Enquanto pensava em coisas para se tranquilizar um pouco, notou notificações a mais do que o padrão em seu celular.
Quando abriu, percebeu diversas mensagens recebidas no grupo da sala.
Depois dos gêmeos responderem, criaram uma reação em cadeia. Uma avalanche de alunos confirmando e agradecendo pelo aviso de levar os lápis de cor.
Aquilo abriu um sorriso no rosto da mais forte, que abriu os emojis e mandou o mesmo sorriso em sua face como resposta... para tudo aquilo.
Mirlim nem notou a forma que a respondeu. No momento, lia o relatório que Louis tinha escrito sobre os gêmeos, e só lembrava do "Tchau" e o "Te amo" na ligação, o que a mesma respondeu no automático.
— Mataram um Massacre e uma Ruína? Interessante... A Ruína foi em dois mil e... nove...?! Se eles têm 14, MATARAM UMA RUÍNA COM TRÊS ANOS?! — Mirlim pegou seu celular instantaneamente, abrindo a conversa de Alissa.
Vrr, Vrr...
Alissa já havia disparado até sua cobertura.
Agora se encontrava com uma taça de vinho na mão, deitada nua, dentro da sua banheira cheia de espuma branca e água quente, olhos relaxados sob a luz amena do banheiro.
O celular vibrou no suporte ao lado.
— Hum? — murmurou, curiosa, e viu que era Mirlim.
Única coisa que faltava era suas musiquinhas calmas... mas foram adiadas por um tempinho.
Atendeu:
— Mãe?
— Alissa, você leu o relatório dos gêmeos?! — A voz afobada de Mirlim soou como macaco alucinado segurando uma metralhadora enquanto dava tiros para todos os lados e os malucos que lhe entregaram uma arma corriam ainda mais desesperados.
— Sim, por quê? — respondeu de maneira relaxada, sem muito mistério.
Mirlim ficou com uma expressão de tacho.
— ...Ah. Nada não, então. Só ia dizer que você tem dois potenciais absurdos nas suas mãos... — pausa breve — Mas você já sabe, né?
— Uhum — murmurou, levando a taça, com seu vinho caríssimo, aos lábios para um gole lento.
— Certeza que tá doida pra fazer igual eu fiz com você.
— Cuf-cof! — ao escutar aquilo, engasgou por realmente ter pensado naquilo.
— Ruum... essa tosse não esconde. — Mirlim soltou um risinho malicioso. — Cê vai ver que é legal. Receber as missões e mandar seus escravos irem fazer no seu lugar.
— Por que você me chamava assim?
— Ué? Foi a aposta no duelo. Eu seria sua escrava se eu perdesse, mas eu venci, e você se tornou a minha.
— ...Se você soubesse o quanto eu fico feliz ao ser chamada de filha por você... — Alissa sussurrou sem querer, sua voz embargada, olhos umedecendo sem perceber.
— Oowh... Sério? Por que nunca me disse isso?
A mais forte ficou envergonhada, se afundando um pouco mais na espuma quente.
"Falei alto?!" pensou, sem nem se lembrar direito do que saiu da sua boca. — E-eu...
— Ruum... — Mirlim riu baixinho. — Não precisa inventar suas desculpinhas horríveis... Era só isso que eu queria dizer mesmo. Vou deixar você relaxar na banheira... Comprou um vibrador?
— ÓBVIO QUE NÃO! — Alissa explodiu, Shuashhuashhh! fazendo ondas de espuma transbordarem como uma tempestade marítima.
— Aaah, mas eu te mandei uma lista dos melhores... — provocou com um sorriso safado na voz.
— MÃE!
— Ruum... Sabia que vibrador era usado no século XIX para tratar histeria? — Mirlim arrastou a voz em puro deboche. — Tá precisando se acalmar, filha... é mediciiiina...
— Medicina seu rabo!
— Que isso, Alissa? — Mirlim mudou completamente seu rosto, não entendendo aquilo.
— D-desculpa! Os gêmeos ficam se xingando toda hora assim... Acabei... Acabei... E-e...
— Tudo bem... Meu rabo é mó lindo, não entendi xingá-lo assim.
Alissa semicerrou os olhos, com uma expressão de puro tédio.
— Pensei que tinha ficado brava com a resposta.
— ...Mais com a ofensa à minha rabeta mesmo. Comparar medicina com ela? Isso aqui, meu amor, é uma divindade! Medicina só tem gente e coisa feia. Além da faculdade... mas é uma putaria até que interessante...
— ...Você é a personificação da luxúria.
— Gostei desse apelido... — respondeu, satisfeita.
— Bom saber. Nunca mais vou usar — rebateu, seca.
— Aaaaahhh! — Mirlim choramingou teatralmente.
Apesar de tentar manter a braveza, Alissa não resistiu. O tom brincalhão da mãe e seu riso caloroso atravessaram todas as suas defesas, suavizando sua expressão.
— Tá bom então, filha. Mamãe te ama, tchauu!
— ...Te amo, mãe — não conseguiu resistir e respondeu com um sorriso tímido.
Mirlim desligou.
Alissa ficou olhando para o teto por um tempo, o sorriso ainda escondido nos lábios.
"Te amo... mãe..." seu pensamento suave, aquecendo seu coração cansado.
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