Dançando com a Morte Brasileira

Autor(a): Dênis Vasconcelos


Volume 1 – Arco 2

Capítulo 76: Retrato

Nino ficou um tempinho olhando para a sacada, piscando calmamente — um raro momento em que sua mente não clamava por sangue. Entretanto, esse instante de paz logo passou. Abaixou o rosto antes de se virar e entrar no quarto.

Foi direto até o criado-mudo, onde viu seu celular sobre ele, mas o ignorou. Pegou o que estava ao lado: seu cartão.

Colocou-o no bolso e saiu em silêncio, pulando da sacada, Vul! e aterrissando em disparada na direção do shopping.

Uma coisa o menino não se atentou: o conselho de Alissa.

Quando chegou, percebeu a fila só para entrar no shopping.

"Né possível..."

Espertinho, correu se esgueirando pelo mar de pessoas, subindo, descendo as escadas rolantes, andando para todos os lados. O mar seguia fluxos variados, o que causava congestionamento por toda parte.

"Que merda tá acontecendo pra ter esse enxame desses... dessas coisas nojentas aqui?"

Nino não entendia, só continuava se esgueirando rapidamente, sem que ninguém o visse.

Sua busca era incessante. Queria um porta-retrato.

De loja em loja, enfim encontrou alguns. Mas, assim como todo o shopping naquele pico do horário de almoço, aquele lugar estava lotado.

A fila dobrava corredores, e Nino via aquilo com um desgosto imensurável.

Olhou para o porta-retrato preto em sua mão. O valor não estava escrito na embalagem, mas ao olhar para a prateleira, leu:

— 19,99... Por que não colocam 20 logo? Raça estranha — murmurou com nojo.

Olhou novamente para os lados, vendo que ninguém prestava atenção em si.

Discretamente, desceu o objeto, pronto para enfiá-lo debaixo da blusa humana, pronto para ingerir o item com o seu sangue e sair dali...

[ — A partir do momento que não precisarmos mais disso, não iremos mais roubar, ok? ]

A voz de sua irmã ecoou em sua mente, como um trovão.

Sua promessa feita.

Nino travou.

— ...Saco! Nunca mais prometo nada também!

Resmungou consigo mesmo.

Desistiu de roubar, e com a desistência veio o enfrentamento da fila infernal...

Seu rosto mostrava perfeitamente o ódio que sentia naquele momento.

Não escondia.

Apenas cruzou os braços, segurando o objeto, percebendo que a fila não andava.

Diferente dele, que carregava só um item... todas as outras pessoas estavam com carrinhos lotados.

O tempo dentro daquele lugar parecia parado. Mas fora dali, o mundo corria — e corria rápido.

Nino ficou preso no shopping praticamente o dia inteiro. Quando saiu, já eram 19h20. Sua novela... já quase no fim.

Seu rosto? 

Continuava o mesmo do momento em que entrou: fechado, sombrio, carregado de raiva.

E naquele dia...

"Preciso matar alguém... preciso fazer algum filho da puta chorar de dor..."

Sua raiva só queria ser saciada.

Vul!

Chegou em casa em segundos, entrando no quarto pela sacada.

A luz estava apagada, mas com o brilho da noite, Nino não precisava de mais nada para enxergar.

Pegou o porta-retrato nas mãos; a embalagem já havia sido descartada no caminho.

Olhando para aquilo, passou a mão direita por baixo da blusa, penetrando o próprio sangue e puxando um pequeno tesouro: a foto dos seus pais.

Com delicadeza incomum, colocou a foto no objeto, encarando-os... e sentindo algo que não sabia nomear. Algo além da saudade que sentia de Marta.

Nino olhava para Alice e via Nina nela.

Seus olhos quase formaram lágrimas... lágrimas que confundiam sua mente.

"Eu não te conheço... Por que você me faz sentir essa coisa estranha?"

Olhou para o pai.

Sua mão tremia.

Se segurava para não gritar de raiva... ou de saudade.

Se segurava para não gritar... perguntando o... "Por quê?". Olhava para ele, e a raiva que dizia ter não saía, não existia. Só existia quando não o olhava, só existia na sua cabeça fragmentada.

Distraído do mundo, colocou o porta-retrato um pouco escondido na sua parte do guarda-roupa.

Mas não percebeu um detalhe importante: Nina o observava.

De pé, encostada na porta do quarto, o olhava o tempo inteiro.

Nino só parou ao vê-la.

— Pensei que o odiasse... Por que guarda uma foto dele? — questionou Nina, a voz calma, mas carregada de curiosidade.

— Nossa mãe está na foto.

— Se esse é o caso, por que não rasgou e deixou apenas ela? Por que não pegou uma das várias fotos que tinha só ela?

Nino passou pela irmã, quase trombando no ombro.

— Não te interessa — respondeu seco.

— Ela era uma humana — Nina rebateu sem papas na língua. Nino parou de andar no corredor, mantendo-se de costas para ela, assim como Nina fazia.

— Mas foi a humana que nos gerou — disse o menino, com um tom sombrio na voz.

— Continua sendo uma humana, não odeia ela? — insistiu a menina, fria.

— Uma exceção. Assim como Alissa, Nathaly e a vovó — respondeu, mais baixo.

— Ram... — Nina balançou a cabeça em negação, virando-se para ele com um olhar penetrante. — Você sente saudade do papai, e esconde isso no ódio, não é?

— NÃO ENCHE! — Nino explodiu, virando-se num berro, deixando sua Marca Primordial emergir na pele, reluzente e ameaçadora... Mas quando notou que Nina só queria saber pelo bem dele, que queria ajudar ele... Nino abaixou a cabeça, virando-a no tempo em que sua marca se escondia. — Desculpa... Tô estressado... Passei o dia todo na fila pra comprar aquilo.

— Tava cheio lá? — perguntou a irmã, mais suave.

— ...Muito. Eu não quis roubar e sair... Não quis quebrar o que te prometi.

Nino saiu andando até o sofá, onde se sentou e ligou sua novela... para esperá-la acabar, e tentar se acalmar em mais um dia de caça. Nina, no entanto, o observou, antes de se virar e entrar no quarto, para ver se já havia mensagem de Nathaly, que havia colocado o celular para carregar assim que as duas chegaram nos apartamentos.

Paff...

Deixou-se cair de barriga na cama, segurando o celular com os braços esticados, mas quando desbloqueou a tela, a foto da menina ainda não havia mudado, e juntamente disso, nenhuma mensagem havia chegado.

— Aaaaah... — resmungou frustrada.

Em seu campo de visão, tinha o celular de Nino no criado-mudo do menino... Olhando-o por três segundos, não se aguentou e foi até lá. Mas assim que desbloqueou, não encontrou nenhuma mensagem além da notificação da compra do porta-retrato.

— ...É, comprou agorinha. Não estava em outro lugar — murmurou bem baixinho para si mesma.

Colocou o celular de volta, ajeitando-o exatamente como estava.

Andando até a porta, decidiu dar atenção às sensações secundárias do momento.

"Estou ficando com fome... Será que tem os bolinhos que ele fez ainda? Tava uma delícia." pensou, caminhando quase como uma sonâmbula, até a bancada da cozinha, mantendo os olhos fechados, até que...

Toc, toc, toc...

"Hum? Demos permissão pra Nathaly..." Nina olhou para trás, vendo seu irmão no sofá, olhá-la com um olhar entediado. "...É, sei lá."

Foi até a porta e a abriu, revelando Alissa, ainda com o seu sobretudo.

— Professora? — perguntou, surpresa.

— Posso entrar?

Uhum...

De relance, Nino viu o sobretudo de Alissa e imediatamente voltou-se à novela, ignorando a visita.

Nina deu passagem, e assim que Alissa entrou, fechou a porta.

A exterminadora caminhou até o centro do apartamento, fitando o sofá. Seu olhar zombeteiro se acentuou ao ver Nino, um sorrisinho travesso se formando deliberadamente, vendo o menino assistir novela antiga:

— E ainda tem coragem de dizer que eu sou velha... Assistindo novela nessa idade, sério? — brincou, a voz carregada de malícia, se aproximando um pouco mais... Mas a resposta que recebeu não veio em provocação, veio do fundo da alma, palavras carregadas de uma dor e saudade, que Alissa sentiu muito bem:

— ...Minha vó assistia com nós dois. Assisto porque parece que ela está ao meu lado, balançando no ritmo das cenas em sua cadeira de balanço, com dó do Mossoró e estressada com o Arthur.

As palavras atingiram Alissa como um golpe no peito.

Seu sorriso morreu instantaneamente.

A culpa lhe queimou o rosto.

"Nossa... Vacilei legal..." Arrependida da brincadeira, disse: — Ah, foi mal, nã...

Nino virou-se, dizendo de forma afobada:

— Mal nada! Pode ir vazando! Tá fazendo o que aqui?!

O clima amigável de mais cedo foi jogado no lixo.

Alissa se irritou e, com um semblante estressado parecido com o do menino, começou a discutir, fazendo com que Nina se aborrecesse e sentasse no banquinho da bancada, esperando a briga acabar:

— Como assim o quê?! Disse que ia ajudar com minha nova abordagem em sala!

— Já ajudei! Você mesmo disse!

— Para de chatice, criança! Preciso de ideias pra amanhã!

— Ai, ai... Que piada. Uma professora pedindo ajuda pra fazer o seu trabaAHgthgARRA!

Praft!

Alissa se lançou sobre ele com ambas as mãos no pescoço, enforcando o menino que agora berrava com a boca escancarada, ficando quase amarelo, seus olhos esbugalhados num dramalhão digno de Oscar.

— Para de encher o saco! — disse ela, movendo o menino igual uma louca, que nem reagia mais à tentativa de assassinato.

— Acho que não precisa de ajuda pra isso — comentou Nina, sem olhá-los. Observava o liquidificador já seco de mais cedo. "Vou fazer um suco depois..." pensou, lembrando do suco de laranja que Nino havia feito.

— Como assim?

— HAAAARRFFF!

Alissa soltou Nino, que respirou profundamente de forma exagerada, a ponto dos cabelos curtos e o sobretudo da professora balançarem com o vento gerado.

— Sei lá... Não acho que precise todo dia apresentar algo diferente. Acho que o diretor passa um planejamento de conteúdo, a própria ADEDA, sei lá. Não acha que pensar em algo novo todo dia não vai te desgastar não? — Após perguntar, voltou o olhar para a moça.

"Ela é muito inteligente..." Alissa a admirou um pouco.

A forma madura de Nina era algo que a fazia lembrar-se de como teve que ser adulta bem cedo.

— ...Nossa sala tem uma diferença grande em relação a uma outra sala com outras crianças mais velhas, como vocês dois. Os alunos mais velhos da escola têm 15, 14 e 13 anos. E é justamente na outra sala que está a grande maioria. Basicamente... todos os classe A. Na nossa, como eu te disse, apenas temos 5. Vocês dois, Nathaly...

"Nathaly é 'A'... Legal!" pensou Nina, feliz.

— ...Arthur, o menino que Nino atrapalhou, e uma mocinha chamada Samanta.

— Tá, mas... e aí? — perguntou Nina, suave, sem entender direito.

— E aí que lá, conseguem treinar tranquilamente, já que estão, digamos, no mesmo nível. Todos sendo classe A. Mas aqui, se eu colocar você, por exemplo, contra toda a sala, excluindo Nino, imagino que vença tranquilamente. Ou seja, não tem competição. Não há treino. Preciso pensar em atividades e formas de fazer os alunos se desenvolverem, melhorarem. Entendeu?

— Entendi... — murmurou Nina.

— Minha meta é conseguir deixá-los mais confiantes e fortes, para iniciar os treinos ano que vem... Mas acho difícil. Aí eu pensei em uma atividade para amanhã.

— O que seria?

— Desenho. Vou pedir para cada um desenhar o poder que tem, mas quero que no desenho, seja a própria pessoa usando o que acredita ser o ápice dele. Sei lá. Vamos supor que o Arthur lá...

Só de Alissa pronunciar o nome de outro menino, deixava Nino incomodado... semicerrando os olhos.

— ...desenhe ele levantando uma bola simples de água. Vou ver que a mentalidade dele é uma merda. Desculpe a palavra.

— Falamos coisas piores, relaxa — Nina respondeu, fechando os olhos um tanto envergonhada.

— Agora, se ele desenhar criando um oceano, já é outra mentalidade. Quero ver isso, quem está disposto a realmente crescer. Mas ainda assim, a seleção é bem pequena para um esquadrão oficial. O primeiro tinha dez membros. Cada sala tem trinta. Uma peneira até que chatinha para entrar. Mas caso eu não tenha dez alunos, vai menos, não é um problema.

— Entendi... — repetiu Nina, absorvendo tudo.

— Acha que a minha ideia é boa? Será que pode ser interessante?

— S...

— Acho que tá é na hora de aposentar, acha não? Idade já te...

TUC!

— IiIihGghti...

Depois de levar um cocão certeiro, Nino se encolheu no sofá, gemendo fininho em agonia, as duas mãos sobre a cabeça.

— Fica quieto!

— Achei uma ideia legal... — disse Nina, ignorando o drama.

A mais forte virou o rosto para Nina, apoiando-se no encosto do sofá, meio sentada-em-pé.

— Com o tempo e Nino ajudando pro pessoal entender que pode perguntar e brincar, conversar e tal. Não toda hora, óbvio. Vou tentar pôr isso na cabeça desse idiota... Mas isso vai ajudar. É algo progressivo. Algo constante. Da noite pro dia não vão mudar, mas em dias, semanas tendo exemplos, vão se soltar mais.

— Você é muito inteligente, Nina. Diferente dessa criança insuportável aqui — brincou Alissa, apontando com o polegar para o menino gemendo no sofá.

— Obrigada! Nossa avó também dizia...

— Seu rabo! — Nino rebateu, se erguendo indignado.

— Rum... Imagino... — Alissa sorriu, desencostando do sofá e caminhando até a cozinha, ficando ao lado de Nina. — Então era só isso mesmo. Vou ir pra casa. Amanhã vejo vocês na escola. Provavelmente será às 8h, mas se mudar eu mando no grupo da sala.

— Ok...

— Tchau pra vocês dois — disse, mudando o olhar de Nina para Nino.

— Tchau, professora — respondeu Nina, sorridente.

— Nem volta! — resmungou Nino, voltando para o drama.

Huumm... Escutou um mosquito zumbindo? — Alissa provocou, olhando para Nina.

— Sim, TsiHaha! — Nina riu, divertida.

Alissa deu uma leve gargalhada e saiu pela porta, deixando Nino jogado no sofá, olhando para as duas com expressão de puro desgosto.

"Se uniram de novo... Traidora... Traidora!" pensava ele, julgando Nina com todo o peso da sua decepção teatral.

Apoie a Novel Mania

Chega de anúncios irritantes, agora a Novel Mania será mantida exclusivamente pelos leitores, ou seja, sem anúncios ou assinaturas pagas. Para continuarmos online e sem interrupções, precisamos do seu apoio! Sua contribuição nos ajuda a manter a qualidade e incentivar a equipe a continuar trazendos mais conteúdos.

Novas traduções

Novels originais

Experiência sem anúncios

Doar agora