Dançando com a Morte Brasileira

Autor(a): Dênis Vasconcelos


Volume 1 – Arco 2

Capítulo 53: Olhar

"Não dá pra ir embora ainda..." Nina olhou para a rua à direita. — Ok, só seguir a Francisco Matarazzo e a gente chega lá. Certeza que não quer que eu leve? Ficar com os braços meio erguidos assim vai te cansar muito.

— Precisa não!

— Uhum...

— Vamos — ordenou Nino, começando a caminhada. Logo mais atravessaram a faixa de pedestre, juntos.

Enquanto passavam por baixo da Av. Antártica, Nathaly olhava o garoto andando e se lembrou do que ele disse alguns minutos antes.

— Nino, por que não gosta do nome daquela praça?

— E... — Nino fechou os olhos, abrindo a boca para responder, tranquilamente, mas sua irmã...

— Ele tem medo de aranha — o interrompeu, quase rindo, falando por cima, ridicularizando-o com um tom debochado. Isso resultou em uma feição apática de Nino, que voltou a olhar para ela, com desdém, após abrir os olhos.

— Aihg, aranha é nojento mesmo — resmungou a jovem com uma careta, se tremendo toda.

— Não é só por ser nojenta, é po...

— Não conta — Nino a interrompeu, olhando para ela, já desanimado, com os olhos semicerrados e sem piscar.

Nina abriu um sorrisinho debochado, seus olhos tranquilos a ponto de quase se fecharem, deixando apenas uma fresta. Virou-se para Nathaly, agora com os olhos abertos, e retornou a dizer com um olhar travesso:

— Foi quando éramos mais novos e fomos pescar com a nossa avó...

— Vai contar mesmo? — perguntou, já sabendo o que viria.

Nina o olhou com um sorriso provocador, tombando a cabeça para o lado, e falou com um tom de brincadeira:

— Tá com vergoinha, é? O minininho vai choláá?!

Nino bufou, voltando o olhar para a frente com impaciência.

— Rrgg, conta então — resmungou, irritado, mas não tentou impedir.

Tsi... Então... nessa vez que fomos pescar, ele quis caçar minhoca pra ajudar a nossa vó, depois que ela mandou a gente voltar pra casa porque estávamos fazendo barulho demais perto da cidade.

— Como assim, "barulho"?

"Boa, animal. Conta aí, conta!" Nino virou o rosto, irritado, com os olhos cheios de raiva.

Nina o percebeu e instantaneamente sentiu o peso do que acabara de dizer.

"Fiz merda..." pensou, arrependida imediatamente. — B-ba...

— Barulho espanta peixe, pelo menos foi o que ela sempre dizia pra gente — Nino continuou, tentando corrigir a situação, assumindo a narrativa e tentando suavizar a merda de sua irmã.

A Primordial olhou-o em silêncio...

"Valeu..." e o agradeceu... mas Nino, por sua vez, não a olhava mais. Seguia na dianteira, com os olhos fixos no caminho à frente, e prosseguiu com a história de sua perspectiva:

— Como estávamos brincando, e nossa brincadeira sempre envolvia magia, resultava em pequenas explosões e coisas assim. Ela se irritou e nos mandou embora. Só que eu fiquei mal, me senti culpado depois da bronca.

A voz saiu baixa, uma mistura de desconforto e arrependimento. Mesmo que tivesse ocultado a verdade do barulho, o resto era verdade e doía apenas pensar em magoar alguém que amava. Mesmo sendo algo do passado, aquela memória ainda pesava em seu coração, como uma ferida não completamente cicatrizada.

Doía ter feito sua avó precisar chamá-lo a atenção, de maneira tão abrupta e grosseira, por sempre querê-los bem, e bem longe de contato humano.

— Então, fui tentar ajudar um pouco antes de voltar pra casa. Minha ideia era tirar pedras e caçar minhocas, mas quando puxei a primeira, tinha uma aranha gigante embaixo, toda peluda, meio marrom. No começo, não entendi o que tava acontecendo. Achei ela bonita, as partes pretas até combinavam bem... Mas aí, ela levantou duas pernas, e eu tombei a cabeça... Queria entender o que era aquilo, e quando fiz isso, a aranha pulou na minha cara.

Tsii... — Nina segurava o riso desde o começo da história. Ouvir a voz melancólica do irmão contando aquela cena era demais. Lembrava muito bem de como rira no dia do acontecido.

Nino ouviu o leve risinho escapar da boca dela, mas ignorou. Não se irritou, apenas continuou sua história:

— Quando ela agarrou o meu rosto, eu fiquei desesperado, e comecei a bater a minha cara na pedra, até a aranha me soltar... já morta.

— B-bateu o rosto na pedra?! — Nathaly passou por Nina, ficando ao lado esquerdo de Nino, olhando um pouco para cima, no rosto dele, vendo-o de perfil, com os olhos curiosos.

— Sim. Não doeu, não. A aranha amorteceu os impactos...

— O-"os"?! — O olhou com os olhos bem abertos.

Tsssii... — Nina continuava com os risos contidos, agora os sonzinhos eram feitos de propósito, só para irritá-lo ainda mais.

— Arf... Minha irmã tá rindo aí. Deve estar querendo dizer algo.

— Naaada... — Tentou manter a compostura, mas a voz traiu o riso. — Só que não disse que saiu correndo igual um maluco. Pulou na água, nadou rio abaixo, voltou em segundos, correu pela ponte, pulou dela atééééé... finalmente se jogou de cara numa rocha, começando a bater a cabeça igual um doido.

Nino ouviu a história com uma expressão de quem não gostou nem um pouco, mas continuou em silêncio.

Olhou para Nina de canto, com um olhar impassível.

— Não achei necessário contar tudo isso.

— Não achou? Deixar de contar tudo, basicamente? — Nina sorriu, ainda provocando. Gostava, assim como ele, de sair vitoriosa em qualquer confronto que pudessem ter.

Nathaly os observava, alternando os olhares entre os dois.

— ...Você se jogou de uma ponte? — perguntou, um tanto incrédula.

— Era baixinha, tipo você... principalmente quando começa a suar — falou, despreocupado, com um olhar calmo, quase sedutor. Seu tom era leve, a ponto de fazer alguém flutuar. Ainda tinha o rosto um pouco virado para Nathaly, que arregalou os olhos ao escutar aquilo. — Mas não sei se o sabor dela também era bom... — Nino completou, com uma suavidade carregada de algo oculto.

Hipnotizada pelos lábios do menino, sentiu uma onda de calor subir por seu corpo. As palavras dele, arrastadas e quase em sussurros maliciosos, a atingiram com uma força inesperada.

— Igh... — Corou de imediato, seu rosto agora um rubor intenso. Rapidamente voltou o olhar para frente e, envergonhada, apressou seus passos, querendo se distanciar dos dois. "Quero fazer xixi..." pensou consigo mesma, tentando achar uma desculpa para fugir um pouco daquela situação um tanto embaraçosa.

Tendo êxito em seu plano, Nino diminuiu o ritmo de sua caminhada, dando um único passo mais lento, permitindo que Nina o alcançasse. Nathaly, agora, um pouco à frente deles, claramente tentando se afastar.

Nina não entendeu de imediato o que acontecia ali, o olhar de Alissa era mais voltado para ele do que para ela, o que fazia o menino sentir mais o peso no peito.

Nina observava amiga à frente, seus olhos fixos nas leves ondulações do cabelo que desciam até o final da cintura. Cada detalhe prendia sua atenção — o balanço sutil dos quadris, o pequeno short azul-escuro que se moldava ao corpo, o esforço quase silencioso da amiga ao segurar as sacolas acima do chão com os braços elevados de forma graciosa.

Tudo nela parecia se mover com uma leveza natural e inconsciente, tornando-se ainda mais hipnotizante sob a luz fraca da rua.

A pele clara reluzia suavemente, e Nina se sentia cativa daquela visão. Cada passo era uma dança involuntária, uma exibição sem intenção que a fazia querer guardar aquele momento só para si.

Quando a garota juntou levemente as pernas, as coxas quase se tocando, uma gota sensual deslizou por sua perna direita. O olhar de Nina foi automaticamente atraído, seguindo o percurso do líquido como se seu próprio desejo escorresse junto.

Os detalhes se tornaram cada vez mais acentuados — o celular escorregando do bolso traseiro, o modo como o suspensório ajustava-se ao corpo, revelando pequenas curvas e sombras que só ela parecia notar.

A Primordial queria absorver cada fragmento daquilo, gravar tudo em sua mente como algo intocável e seu.

Mas a bolha foi estourada quando, de repente, uma mão passou na frente de seus olhos.

— Nina! — A voz impaciente de Nino a fez piscar, despertando do transe da paixão profunda em que havia mergulhado.

Respirou fundo, tentando afastar o calor que tomava conta de si, enquanto seu olhar relutantemente se afastava da cena.

Piscou mais duas vezes.

O desejo forte ainda borbulhava dentro dela, mas foi interrompido ao encontrar o olhar de Nino, que se aproximou, visivelmente estressado, e murmurou, com a voz abafada, no ouvido dela:

— Tô sentindo o olhar.

— De onde? — sussurrou de volta, intrigada.

— ...De cima, atrás da gente.

— Em cima? Como? Estamos embaixo de um viaduto.

— Eu sei! Mas eu sinto... alguma coisa me observando, vindo da direção do shopping.

Por dois segundos, se encararam, parados, enquanto os carros passavam ao redor, o som dos motores abafando seus sussurros.

— ...Tá, foda-se.

— Quê?

Nina olhou para frente, percebendo que Nathaly, visivelmente envergonhada, acelerava o passo com vontade de fazer xixi, embora o que escorresse não fosse isso e já começasse a atravessar uma faixa de pedestre... completamente alheia ao que acontecia com os dois atrasados.

Nina voltou o olhar para o irmão.

— Assim que chegarmos do outro lado da rua, provavelmente vamos conseguir ver o topo do shopping. Quando pisarmos na calçada, viramos e olhamos essa coisa.

— Tem certeza? — Continuava relutante, mas não havia dúvida em Nina. Decidida, mesmo que não soubesse ao certo o que estavam prestes a enfrentar.

— ...Quer tentar descobrir o que é ou vai ficar com medo o tempo todo? Estar alerta o tempo inteiro cansa e é um saco.

— Diz isso mesmo eu tendo chamado seu nome mais de dez vezes? Tava fazendo o quê?

"Merda..." — ...Pensando. Tava pensando em como resolveríamos isso.

— Ah, e qual era a solução anterior? — Nino, com uma expressão incrédula, questionou.

— Não cheguei a concluir... Mas...

— "Mas"?

— Mas era voltar pra casa, e depois, quando nos separássemos de Nathaly, eu ia sugerir que caçássemos e matássemos o que está provavelmente nos caçando e querendo nos matar.

— E acha que dá pra vencer? — O tom de Nino carregava dúvidas, mas também alguma esperança.

Nina deu um passo à frente, focada em Nathaly, que já havia atravessado a faixa de pedestres e continuava seu caminho, ainda corada de vergonha. Mal percebia a distância crescente entre eles.

— Não tem como saber se não tentarmos... Anda logo.

— Arhrff... — o menino resmungou, e, sem mais palavras, se juntou ao passo de Nina.

Enquanto avançavam, o topo de suas cabeças começou a ser banhado pela luz do sol. Seus passos seguiam um ritmo constante, mas a tensão crescia a cada listra da faixa de pedestre que ficava para trás.

Thum! Thum! Thum!

Os corações de ambos pulsavam com brutalidade, queriam escapar do peito. A dor e o incômodo se espalhavam pelo corpo, tornando cada passo mais difícil. O último movimento veio em perfeita sincronia — como sempre havia sido entre eles.

Tapb...

Ao pisarem na calçada, sentiram o peso do momento cair sobre seus ombros. Seus pés pareciam afundar, seus olhos arregalados de medo. O suor escorria em abundância, não pelo calor do sol, mas pelo frio nervoso que apertava suas entranhas.

Sem trocar uma palavra, ambos olharam para baixo, buscando um respiro, uma chance de organizar os próprios pensamentos. Mas, quando seus olhares se cruzaram de canto, a incerteza gritou em silêncio.

E então, como "se fossem um só", giraram a cabeça ao mesmo tempo.

Seus olhos encontraram o olhar que os encarava.

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