Dançando com a Morte Brasileira

Autor(a): Dênis Vasconcelos


Volume 1 – Arco 2

Capítulo 114: Eu quero ser

06/07/2006

O relógio marcava 6h02 da manhã quando uma mulher de pele clara e cabelo castanho-escuro sentiu sua primeira dor aguda, diferente de tudo que havia sentido até então.

Não era apenas o peso do final da gravidez. Era uma fisgada funda, um choque, uma dor que atravessou seu ventre como um raio, forçando que algo se contraísse dentro dela com uma precisão cruel.

A mulher se sentou na cama num salto — ou no que mais se aproximava de um salto, estando com 39 semanas de gestação.

— Davi... Davi... — sussurrou, ofegante, tocando a barriga.

Davi, seu irmão, dormia na cama de solteiro ao lado. Não moravam naquele lugar. O marido da mulher alugara um apartamento em um condomínio de Morumbi para que ela ficasse próxima do hospital, em caso de emergência na gravidez.

Davi acordou sonolento, mas, ao escutar o tom de voz, pulou da cama, tropeçando nas próprias pernas. Sua irmã já ofegava, as mãos apertando o colchão. A contração passou, mas a sensação de que algo gigante se movia dentro dela permaneceu.

— Laura, é o bebê?!

Ela apenas assentiu, apertando os lençóis, a respiração curta. Então veio a segunda contração — mais forte, mais certa. Davi saiu correndo para pegar uma blusa e logo voltou para ajudá-la.

Enquanto ajudava Laura a se vestir, com as mãos trêmulas, ela mesma discou para o número salvo como "Dr. Vitor, Obstetra". Ele atendeu no segundo toque, a voz ainda rouca de sono, mas firme:

— Laura? Já começou?

— Sim. Tá doendo e tô sangrando um pouco.

— Perfeito. Sem pânico. Vão direto para o Einstein. Estou saindo de casa agora e aviso a equipe. Entro com vocês na sala.

Não perderam tempo. O motorista particular já estava à porta do prédio, na Av. Padre Lebret. Laura entrou no carro amparada por Davi, o vestido largo agora colado ao corpo pelo calor da dor.

Ao chegarem à entrada da Maternidade do Hospital Albert Einstein, em pouquíssimos minutos, devido à distância de onde estavam, a porta de vidro se abriu suavemente, como se reconhecesse quem chegava.

Uma recepcionista em tom pastel sorriu, mas logo mudou o semblante ao ver Laura andando curvada, o rosto molhado de suor, mesmo com o ar gelado do hospital.

— Sra. Laura Lopes? — Laura ergueu o olhar com dificuldade, o irmão a segurando com cuidado. — Seu nome já estava na tela. Dr. Vitor avisou. A suíte está pronta. Podem subir.

Duas enfermeiras as aguardavam no elevador, empurrando uma cadeira acolchoada. Nada de pressa desesperada — era um ritual ensaiado.

A suíte obstétrica parecia um quarto de hotel cinco estrelas: luz indireta, música ambiente suave, difusor com cheiro de lavanda. Mas, para Laura, aquilo tudo era papel de parede em meio ao caos dentro do corpo.

Na sala de parto privativa, Laura vestiu um avental, uma touca, e deitou-se com esforço na maca obstétrica. O encosto era levemente inclinado. As pernas da mulher foram posicionadas abertas, apoiadas em perneiras — tipo estribos acolchoados — para dar acesso ao canal do parto. Davi ficou ao lado, também com trajes hospitalares, pálido, apertando a mão dela.

Dr. Vitor chegou minutos depois, com expressão segura.

— Vamos ver como está o colo.

Fez o exame. A dilatação era de 3 centímetros. Pouco, para quem já sentia aquele tipo de dor.

— Está no começo, mas vamos acompanhando. Pode demorar.

A mulher respirava como quem saía debaixo d’água. A dor voltava em ondas, cada uma mais cruel que a anterior. As contrações aumentavam. O monitor fetal captava cada batimento do bebê. O irmão não largava sua mão e enxugava seu rosto com um pano frio.

A cada hora, uma nova avaliação. Dilatação: 4. Depois 6. Depois 8. O trabalho de parto avançava — mas lentamente. E a dor, mesmo com banheira, bola de pilates, massagens, virava tormento.


16h08

Já haviam se passado mais de 10 horas desde a primeira contração. Laura suava, tremia, chorava entre gemidos roucos.

As enfermeiras vinham em turnos, aplicando soro, monitorando batimentos. A cada duas horas, novo exame: 6 centímetros. Depois 7. Depois... a mesma coisa. Estagnado.

— Laura, está quase — dizia o Dr. Vitor, com calma profissional. — O bebê está descendo bem. Está tudo correndo como deveria.

A mulher já gritava baixo, com raiva, com cansaço de uma dor tão longa e contínua. Estava pálida, os lábios rachados.

— Não tá vindo... Ele não quer sair...

Dr. Vitor mantinha a calma, mas franzia o cenho cada vez que olhava o monitor.

— Vamos insistir mais um pouco. O bebê está estável. Mas, se não evoluir, vamos para a cesárea, ok? — ele disse... mas ela não ouvia mais, só ouvia o som interno da dor, da falha, da exaustão.


17h13

Um pouco mais de uma hora se passou, mas a dor permanecia. A mulher já mal falava. Chorava em silêncio. Cada nova contração fazia todo o corpo tremer. Soltou a mão de Davi de uma hora para outra e agarrou o braço do médico com as duas, segurando com toda a força que conseguia, os dedos afundando nas mangas do jaleco.

Ela gritou, um grito que não era de força, mas de desespero:

— Eu não consigo mais! Me corta, por favor! Faz a cesárea! Pelo amor de Deus!

Dr. Vitor assentiu.

— Cesárea agora. Preparem o centro cirúrgico — ordenou, voltando o rosto na direção da equipe.

Laura chorou, dessa vez... de alívio.

A maca foi empurrada suavemente pelo corredor perfumado até o centro cirúrgico. Em menos de 15 minutos, Laura estava sob anestesia, com um pano azul dividindo seu campo de visão, olhos semiabertos, a mão de Davi novamente apertando e dando força à sua. Mesmo que o homem, com touca e máscara, não soubesse o que fazer ou dizer além de permanecer parado daquela forma.

Dr. Vitor, com um bisturi firme em mãos, falava com a equipe com precisão:

— Incisão feita. Segura o útero. Bolsa rompida. Traciona.

O corpo dela tremia levemente sob o efeito da anestesia. Não sentia dor, mas sabia que estavam mexendo nela por dentro. Uma sensação estranha. Pensava, em meio ao leve torpor, que estavam cavando em busca de algo dentro do seu corpo.

E então, o som que todos esperavam:

Uéééhh!-Uééh...!

O choro.

Fraco no começo, depois cheio.

O bebê havia chegado.

A nova mamãe sentiu a anestesia pesar de um jeito estranho — não no corpo, mas na mente. O pano azul que a separava da equipe médica continuava lá, mas agora o foco era o som ao fundo: o pediatra falando baixo, o choro sendo limpo, diminuindo.

Davi estava com os olhos cheios d'água.

— Ele tá bem? Tá tudo bem com ele? — ela perguntou, num fio de voz meio trêmulo, olhando o irmão.

O médico respondeu por ele, sem hesitar:

— Perfeito. Chorou forte, boa coloração, batimentos ótimos.

A mamãe quis sorrir, mas o rosto não obedecia. O corpo ainda tremia. Era a adrenalina tentando sair, misturada com a anestesia na espinha. Sentia como se estivesse flutuando e pesada ao mesmo tempo. Nadando e se afogando. Sem ar e respirando.

O bebê foi imediatamente levado para uma mesa aquecida, onde a pediatra o examinou. O cordão umbilical foi cortado. Os testes iniciais — Apgar, respiração, coloração — foram realizados com exatidão e maestria. Foi limpo rapidamente, de forma superficial.

A pediatra aproximou-se da mamãe com o bebê enrolado na manta azul, só o rostinho à mostra.

— Quer conhecer seu filho, Laura?

Laura assentiu, os olhos rasos. Quando o bebê foi encostado em seu colo, sobre o lençol, ela apenas chorou. Baixo, sem som, derramando o resto de tudo que segurou no corpo.

— Meu marido e eu decidimos que eu escolheria o nome se fosse menina, e ele, se fosse menino. Se fosse uma menininha, seria Isabel, mas, desde que foi revelado... Luan disse que se chamaria Arthur — murmurou para a pediatra, ao lado do seu irmão, bem fraca, olhando o rostinho do pequeno Arthur.

Enquanto conhecia o filho, a equipe obstétrica já trabalhava com foco técnico.

O útero fora suturado com fio absorvível. Três camadas de tecido costuradas com precisão: músculo, fáscia, pele.

A voz do Dr. Vitor era baixa, profissional:

— Pinça... Fecha aqui. Isso. Verifica sangramento. Hemostasia feita. Linha média fechada.

Laura já não sentia nada. Só ouvia as vozes ao fundo e o choro de Arthur diminuindo, embalado nos braços da pediatra.

O pano e os lençóis foram retirados. Vendo o teto branco com luzes circulares, ainda meio grogue pelo que passou — fora as anestesias —, sentiu uma onda de frio invadir o peito.

A cirurgia tinha acabado.


18h05.

Foi levada, ainda deitada, para a RPA — sala de recuperação pós-anestésica. Davi foi junto. O bebê ficou alguns minutos no berçário para observação.

O ambiente era mais silencioso, com apenas duas outras mulheres em repouso. Cortinas dividiam os leitos.

A enfermeira ajeitou os monitores, cobriu a nova mamãe até o peito, conectou o soro e conferiu os sinais.

— Sente alguma dor? Náusea?

— Não... só um cansaço... gigante.

— Normal. Fica tranquila. Em breve você vai para o quarto. Aqui está a bolsa com suas roupas, acessórios e celulares. — Olhou para o irmão. — Não troque de roupa ainda, mas podem pegar os celulares para comunicar com alguém ou se entreterem. Só evitem barulho, por gentileza.

— Pode deixar — respondeu o irmão, recebendo a bolsa e vendo a mulher sair.

— Davi...

— Oi...? — respondeu, Schshsc... sentando-se e procurando pelo próprio aparelho.

— Me dá meu celular.

— Descansa um pouco, depois você mexe.

— Quero mandar um áudio pro Luan. É rapidinho, me dá aí.

O irmão bufou de leve, mas entregou. O reconhecimento facial liberou o aparelho. Laura entrou no aplicativo de mensagens e clicou na conversa fixada. Tinha três áudios: dois da noite anterior e um da manhã daquele dia tão especial.

A mulher colocou o celular próximo do ouvido e iniciou o primeiro:

— "Amor, haha, tô morto. Caçamos a anomalia o dia todo e nada. É um pouco difícil. Queria estar aí com você, acompanhando o finzinho até o nascimento do nosso menininho. Quero encontrar essa anomalia logo. Quero voltar logo a te ver, te beijar, te dar bom dia e te ver sorrir..." — Laura sorriu. — "Mas... nós não conseguimos achar. É tudo confuso. Nada faz sentido aqui. Uma incógnita... Às vezes eu acho que o que matou todas essas pessoas nem está mais aqui."

A reprodução automática começou o segundo:

— "Não sei dizer. Mas esse foi o sexto dia que estamos aqui, caçando e caçando e não encontramos uma pista decente do que é que fez tudo isso. As casas, carros, tudo está intacto. Só uma área que não... um caminho de destruição que dava para a carcaça da Calamidade retirada daqui. Tipo... se era uma luta entre duas Calamidades... por que todas essas pessoas desapareceriam do nada...? Desculpa. É que isso tá me consumindo bastante..." — O áudio continuava, mas era só um silêncio profundo e angustiante. — "Prometo que vou voltar o quanto antes. Te amo. Boa noite, meu bem..."

O terceiro iniciou:

— "Booom diiaa! Como está a minha gravidinha...? Ahrrf... desculpa, isso foi horrível. Não sabia como mandar isso. Tô saindo agora pra mais uma ronda. Já avisei o meu irmão e tô saindo com o esquadrão. Me deseje sorte e tenha um ótimo dia, amor da minha vida todinha..."

O áudio acabou e Laura segurou o botão para gravar um:

— Oi, amor... Arthur já nasceu. Tá bem de saúde... bem pesadinho. Sua cara... Seus olhos... Me deu até um pouco de ciúmes isso... haha. Quando chegar em casa, me liga, tá? Conversar por áudio é ruim, quero escutar você ao vivo.

Finalizou. A voz calma, cansada. Olhou para o aparelho antes de colocá-lo de lado sobre os lençóis... O visto de enviado não apareceu na mensagem. Com olheiras arroxeadas, fechou os olhos, se dando um descanso — uma soneca depois de tanta dor.


20:05.

Exatas duas horas depois de ter ido descansar no RPA, foi levada para um quarto particular. Luxuoso, bem equipado — não apenas com máquinas ou eletrônicos, como o berço aquecido onde o bebê ficou — mas também com comidas, para que, enfim, a fome acumulada de tanto tempo sem comer fosse cessada.

Davi ajudou-a, levou algumas coisas para mastigar, ver se conseguia comer. Nesse tempo, trocou de roupa. Laura manteve as hospitalares, para melhor circulação de ar e conforto.

Davi então decidiu ligar a televisão suspensa na parede, em frente ao lugar onde a mulher estava escorada, meio deitada, olhando a conversa com Luan... e vendo que a mensagem não era recebida de jeito nenhum.

Ligou.

A marca do aparelho apareceu, e logo a imagem a substituiu. No canal, passava o jornal das oito, e a reportagem em destaque naquele momento... era algo que não queria sequer escutar, nem em um pesadelo.

— "Nesta manhã, na Praça Sete de Setembro, em Belo Horizonte, oito dos nossos valentes Exterminadores de Anomalias perderam a vida enquanto nos protegiam..."

Laura franziu a testa. Thum Thum Thum — seu coração acelerando. Doía... doía muito. Cada batida se mesclava com o cansaço, e resultava em uma multiplicação agonizante de ansiedade.

— "Entre eles: Leonardo Teixeira, de 19 anos; Sabrina Ribeiro, de 22 anos; Taylor Rocha, de 17 anos; Alan Queiroz, de 17 anos; Felipe Israel, de 21 anos; Danilo Souza, de 18 anos; Eduardo Valle, de 19 anos; e Luan Cardoso, de 24 anos..."

Luan Cardoso... Luan Cardoso... O nome do seu marido ecoou sem pena ou hospitalidade, adentrou seus tímpanos e varou a alma sem qualquer classe. A foto do homem sorrindo foi mostrada na televisão... A mulher ficou em choque. O celular pesou mais que suas forças para erguê-lo.

Paf.

Caiu da mão, no travesseiro.

— "...Que Deus conforte o coração de todas as famílias."

A voz do apresentador era carregada de tristeza, uma pausa sutil dando espaço ao peso das palavras. Ele olhou para a câmera, seus olhos marejados refletindo o impacto da tragédia.

— "A morte foi supostamente causada pela mesma Anomalia que dizimou mais de 900 m..."

Davi viu sua irmã chorando, paralisada. Estava em choque também, mas desligou o aparelho com pressa e a olhava sem saber o que fazer. Suas mãos, erguidas, queriam abraçá-la, mas...

"O que eu faço? O que eu faço...?" O desespero consumia.

— Davi... me deixe sozinha, por favor... Por favor...

O irmão não disse nada. Apenas retirou-se da sala quase chorando, pelo rosto que jamais desejaria ver sua irmã fazendo. O rosto da dor. Uma dor que, mesmo durante todo o parto... ela não sentiu.

Saiu da sala e Laura se permitiu chorar a ponto de soluçar. Chorar a ponto de achar que a costura na barriga poderia ceder... Chorar... acreditando que poderia, de alguma forma, aliviar a estranheza que afundava em seu peito.


No dia seguinte, recebeu alta da maternidade após uma avaliação no bebê e nela mesma. O velório de Luan já estava pronto. O corpo do homem fora cortado ao meio, com precisão cirúrgica, pela espada de sangue de Blacko. Costurado inteiramente, era possível ver um pouco da costura na cabeça, no rosto e no pescoço — as únicas partes, fora as mãos juntas no peito, que podiam ser vistas no caixão aberto.

Laura segurava seu filho no colo. Usava um vestido preto, um chapéu grande e dramático, rendado, também preto, escondendo um pouco o rosto. Olhava, uma última vez, para o seu marido, quando Tap, tap, tap... ouviu passos chegando. Não de uma pessoa só — um som suave de passos se mesclava com outros, mais altos.

Era Louis... com Katherine o seguindo. Os dois vestiam preto. Louis mantinha um rosto que deixava nítido o quanto havia chorado mais cedo. Katherine não demonstrava tanto — era quase uma atuação. Sua obsessão era maior que a empatia pelo próximo... exceto por Louis.

— Eu sin...

Louis não sabia o que falar. Não sabia como... como poderia tentar confortar alguém, sendo que sentia uma dor ainda maior e não conseguia ajudar a si mesmo. Mesmo assim tentou. Juntou letras que se tornaram palavras e foram montadas em uma frase... mas nem pôde dizê-las. Laura o cortou com frieza, nem queria olhá-lo no rosto:

— Por que Alissa não estava com eles? — murmurou, mas as palavras doíam demais.

Louis travou por um momento. A culpa não era dele... mas o homem, mesmo com metade do seu ser culpando Katherine, não a culpou diretamente — culpou o ser que matou seu irmão, não a criança que acreditava ser suficiente.

Katherine recuou um pouco, ficando levemente escondida atrás do homem. Mesmo sabendo que a culpa era sua... transferiu-a para Alissa, que nada tinha a ver com seu erro doentio.

— Desculpa... Não achei que era necessário mandá-la. Alissa estav...

— Meu marido morreu. Tem certeza de que não era necessário?

— D...

— Meu filho nunca poderá ver o pai, por um erro seu.

— Laura... não tinha como saber.

— Era uma Calamidade. Ela devia ter sido mandada!

— Laura, a Alissa faz parte do Segundo Esquadrão, não do meu. No tempo em que meu irmão lutava em Belo Horizonte, Alissa estava exterminando outras três Calamidades que surgiram em Guarulhos... Pessoas morreram em Guarulhos. Se ela estivesse em Belo Horizonte, muito mais pessoas teriam morrido aqui do que meus amigos, que se sacrificaram lá — murmurou irritado. Aquelas palavras doíam demais, e a mulher à sua frente parecia não se importar com sua dor.

— Não me importo. Ela deveria estar lá. Luan estaria vivo. Não teria sido mais uma vítima dessas c...

VÍ-...TI-...MA!

Louis se irritou e a cortou em um tom bem alto, o que fez os membros das duas famílias olharem na direção.

— Vítima...?! Uma vítima?! — Louis apontou para o corpo de Luan sem olhá-lo, pois mantinha os olhos no fundo dos da sua cunhada. — Enquanto você olha para o seu marido como uma vítima, o Brasil inteiro olha para ele como um herói que deu a vida para proteger a população brasileira. Centenas de milhares de pessoas morreram naquele lugar. Você acha que queríamos isso? Você acha que eu adorei ver o meu irmão partido ao meio na minha frente? Você não sabe de nada. Só vive nesse egoísmo, que eu sempre alertei ele, mas nada... nada... Milhões de pessoas morrem por causa das anomalias no mundo. Nós damos nosso sangue para proteger nossas nações. Respeite o meu irmão! Está reduzindo um homem que lutava com um sorriso no rosto para proteger pessoas que, para você, não passam de números e irrelevantes...

— Me r...

Laura foi abrir a boca para discutir, mas Louis a cortou novamente:

— Todas essas pessoas que morreram tinham família. Todas essas famílias estão sofrendo com a perda de seus "Luans", e você trata isso como nada. Eu nunca gostei de você, mas sempre te tratei com o máximo de respeito que meus pais me deram. Mas não vou permitir que desrespeite o meu irmão no funeral dele. Honre-o. Agradeça-o. Não o veja como uma vítima. Veja-o como um herói, assim como as pessoas de quem você não se importa, cuja existência ou morte não significam nada para você, veem ele.

Louis virou as costas, olhos marejados, o maxilar travado de raiva. Nem olhou para trás. Katherine o seguia. Seu sangue fervia. Seu amor pelo irmão só seria menor se comparado ao que seu pai ou sua mãe sentiam por Luan. Que, da mesma forma que ele, sofriam naquele dia. Sentados longe do caixão, por não aguentarem saber que seu filho seria enterrado e que nunca mais poderiam receber um áudio dizendo: "te amo, mãe", "te amo, pai".

Sendo um homem muito bem-educado, saiu da discussão antes que não conseguisse se controlar e a xingasse na frente de todos. Antes que a tratasse com falta de respeito perante todos, e assim destruísse, de fato, o velório que deveria ser respeitoso.

Laura não engoliu aquelas palavras. Ficou estressada pelo que o homem fez na frente de tantas pessoas.

"Não gosta de mim? Não vou permitir que meu filho chegue perto de você!" exclamou em sua mente, sua feição mostrando tudo o que sentia.

Depois daquele dia... o que prometeu a si mesma... foi colocado em prática.


Ano 2013.

Foram sete anos mantendo o filho preso dentro de casa. O menino não saía, a não ser que fosse para ir à casa de algum familiar por parte de mãe, já que, por parte de pai, ela o mantinha afastado a todo custo. Nunca sequer disse uma palavra sobre Luan ao filho.

Arthur cresceu bem fechado, introvertido. Não falava muito, apenas acatava as coisas que escutava e que deveriam ser feitas. Laura não o permitia ver televisão. Laura não o permitia brincar com coisas "pontudas" sem supervisão. Laura não o permitia chegar perto do fogão. Laura não o permitia ter celular. Laura... Laura...

O menino cresceu em uma vida regrada, sem... nada. Foi privado de tudo. Privado de tudo que poderia ser prejudicial a ele. Qualquer coisa... Qualquer coisa... Uma superproteção na criação da criança que acatava e obedecia. Para ele, aquilo era a vida... mas, para Louis, definitivamente não era.

Laura morava em um apartamento chique em Pinheiros. Um dos imóveis que Luan adquiriu com seu suor e trabalho. A mulher não trabalhava, era sustentada pela herança do marido... mas... mesmo que Luan não acreditasse em tudo que Louis dizia sobre Laura, com todas as dúvidas e desconfianças, o homem havia deixado um testamento.

Como viviam em situação de risco, onde podiam ir em uma missão e acabar não voltando, era comum os funcionários da ADEDA, assim como os exterminadores adultos que estavam sendo formados em 2005/2006, deixarem um testamento, caso possuíssem famílias grandes ou filhos, mesmo tendo idades relativamente baixas.

Luan havia deixado o seu e, desde que descobriu que era um menino, o nome de Arthur era o herdeiro de tudo que o pai conquistou em vida. Louis sabia disso e, devido a isso, espionava a criação do sobrinho, para protegê-lo não só de ameaças externas, como anomalias, mas também de ameaças internas, que uma herança milionária poderia criar.

Depois de um tempo, Laura começou a sair bastante de casa. Basicamente todos os dias. Às vezes por duas horas, às vezes mais... mas sempre saía e deixava Arthur sozinho, com qualquer dispositivo desconectado ou sabotado para que não houvesse riscos de que o menino ligasse uma televisão, por exemplo.

Era claro:

— Mamãe já volta, fique aqui na sala brincando com o Titá, tá? — disse de forma calma, olhando para o filho com um camaleão verde de pelúcia abraçado ao corpo. Arthur confirmou com um movimento fofo de cabeça, e a mulher, arrumada, saiu do apartamento, trancando a porta por fora.

Arthur então fazia a única coisa que sempre fez sozinho: sentar-se no chão da sala, olhando para o seu melhor e único amigo, brincando com ele e falando sozinho... conversando com o único que lhe escutava, que lhe entendia... com quem o menino sentia conforto para abrir a boca.

Mas, neste dia... não deu tempo, pois levou um susto. Louis surgiu ao seu lado do nada, em pé, olhando-o no chão, com uma caixa de papelão nas mãos. A criança tomou um susto. Olhos arregalados, em choque, quase começando a chorar.

— Arthur, calma. Não sou malvado. Sou seu tio. Irmão do seu papai!

"Pai...? Papai?" O menino ficou cheio de dúvidas, seu rosto ainda assustado.

— Você já viu seu papai?

O jovem moveu a cabeça negativamente.

"O quê?" Louis que ficou assustado. — Você já se viu no espelho?

O menino confirmou.

— Acha que esse homem se parece com você? — Mostrou uma das fotos que estava dentro da caixa de papelão... o menino teve uma reação imediata. Louis não mostrou quem era Luan na imagem.

Os braços foram erguidos, e ele segurou a foto. A foto era uma em conjunto, todo o Esquadrão Um sorrindo, e ele... e seus olhos... foram guiados até o rosto do seu pai, na maior certeza que já sentiu na vida. Aquele homem... era seu pai.

A criança começou a chorar em silêncio, segurando para não fazer barulho e irritar a mãe, mesmo que ela nem em casa estivesse.

Louis colocou a caixa no chão. Dentro, havia mais fotos, assim como um toca-fitas modificado da época em que gravavam as dezenas de fitas que havia ali, dentro daquela caixa. A modificação era uma tela, como uma pequena televisão portátil, a pilha, que era conectada ao aparelho para ver as gravações.

— Isso é mais do que qualquer centavo que meu irmão tenha deixado. São fitas com vídeos dele comigo e com nossos amigos na escola. Eu sou um exterminador de anomalias, e ele também era.

O menino não entendia nada, só chorava e chorava vendo seu pai. Louis mostrou como ligar as fitas, os botões que tinha que apertar, tudo certinho, bonitinho, e então colocou uma para passar... no tempo que se erguia e se despedia do sobrinho:

— Veja escondido da sua mamãe. Não fale pra ela nada disso. Ela não ia gastar nadinha... Tchau, Arthur. Talvez nos vejamos em outro dia... mas saiba, titio te ama muito e vou sempre proteger você.

Clap!

Sumiu, deixando só o seu sorriso na mente da criança. Arthur chorava menos. Não entendeu bulhufas de como o homem surgiu ou sumiu, mas seus olhos ficaram presos nas gravações do seu pai... as brincadeiras, as conversas, interações... até mesmo algumas filmagens de extermínio, lutando contra anomalias ou treinando no campus da ADEDA.

O menino ficou fascinado, admirado e com o coração quentinho... aquilo lhe permitia escutar a voz do pai, ver seu pai, rir com as gargalhadas do seu pai perturbando Sabrina, imaginar que estava lá... com seu pai. Nenhum dinheiro compraria ou supriria o desejo do menino de poder abraçar seu papai... pelo menos uma única vez na vida.


Ano 2014.

Um ano se passou, e o menino continuava sozinho, tendo o conforto do abraço do seu melhor amigo, enquanto assistia repetidas vezes às fitas. Já havia visto todas mais de 100 vezes e, mesmo assim, a sensação parecia sempre ser a primeira vez. O primeiro contato com o pai.

Mas... uma coisa fluiu dentro de si.

Sempre vendo seu pai criando água do nada — pois nem sabia direito o que era magia —, uma vontade de criar também cresceu dentro de Arthur. E, naquela tarde qualquer, soltou seu amigo de lado e estendeu as mãos, concentrando-se ao máximo, fazendo força como se estivesse parindo uma criança... ou fazendo cocô.

De repente, um brilho azul forte dominou parcialmente o ambiente, levemente iluminado pela luz do sol cruzando as cortinas claras. Gotas de água começaram a se juntar, criando uma bola de água volátil, rodando enquanto flutuava sobre suas mãos e seu olhar arregalado de felicidade por conseguir fazer aquilo.

A bola continuava aumentando de tamanho... a criança não sabia como fazia para parar... mas esse não era o maior problema. No tempo em que ficou inerte, imerso em sua magia, sua mãe havia chegado em casa e, quando entrou na sala... levou um susto.

Os olhos pousaram no toca-fitas, com a tela mostrando Luan enchendo um balde cheio de sapinhos de água que saltavam dentro como se estivessem vivos, para pregar uma peça em Sabrina, que chegava mais tarde na ADEDA. Vendo seu filho tentando, de certo modo, copiar, só conseguiu sentir o coração acelerar.

— Ar-Arthur!

Arthur levou um susto ainda maior.

ShCRASH!

Perdeu o controle que mal tinha da magia, e a bola foi disparada para frente como um foguete de bazuca, colidindo na parede que dividia um quarto de hóspedes da sala. A parede foi aberta, destruída. A mulher ficou ainda mais em choque.

Arthur ficou com muito medo.

"Titio disse pra não mostrar pra mamãe..."

Olhando a destruição... a mulher berrou, furiosa:

— VAI PRO QUARTO, AGORA!

Arthur se levantou e foi, sem reclamar ou protestar de maneira nenhuma.

— Foi ele... Foi ele. Quem deixou? Quem?! — rosnava.

Laura rodava pela sala, a cabeça longe, no estresse, mas pegou o celular na bolsa e não enrolou. Foi direto para o aplicativo de mensagens, desbloqueou Louis e já clicou em ligar.

O mesmo atendeu pouquíssimos segundos após o toque:

— Alô?

— Quem mandou você vir até aqui?! Por que você deu essa merda de televisão pro meu filho?! Quem você pensa q...!

Louis desligou, e a mulher ficou ainda mais irritada, olhando o aparelho e ligando mais uma vez... Louis não atendeu. Vrr, Vrr... Mas uma vibração abafada vinha de trás da mulher, que escutou e se virou, vendo Louis olhá-la.

— Você não tinha o direito de dar essa coisa pra ele!

O quarto do menino não ficava muito longe, e, como era comum ficar sozinho lá — com sua mãe ou Davi sempre recebendo amigos e, assim, pegando os cabos da televisão escondidos para ligá-la —, Arthur sempre se encontrava sentado com as costas apoiadas na porta, abraçando o Titá, com suas pernas juntas e a cabeça entre elas.

Dessa vez o Titá não estava, mas seu rostinho triste era presente, sendo possível escutar bem baixinho a conversa do tio com a mãe, há alguns metros dali.

— Olha o que ele fez... Olha essa parede, a televisão... Ele poderia ter se machucado, e a culpa seria sua. Poderia ter morrido se eu não tivesse chegado, porque você quis se intrometer onde não foi chamado! — Sua voz era grosseira, quase tremia de raiva.

Louis olhou a destruição, a televisão que nem para sucata deveria prestar mais. Notou algo peculiar, que também já sabia.

— Engraçado, nunca vi uma televisão funcionar sem cabo de energia. — Olhou-a seriamente. — Por que não permite que ele assista?

— Não é da sua conta como eu crio o meu filho!

— Sem celular. Sem televisão. Nunca sai na rua. Nunca f...

— Quem você acha que é pra me ensinar como ser mãe?! — Avançou irritada, alguns passos, peitando o homem, que era mais alto. Louis não recuou. Quando ouviu o tom ameaçador e alto, deu dois passos, fazendo com que ela recuasse um pouco.

— Não tô ensinando você a ser mãe. Tô tentando ensinar você a criar um homem! Meu sobrinho não tem uma figura masculina aqui dentro, e você acha que essa superproteção imbecil vai ajudá-lo em algo? Vai crescer sendo frági...

— Meu irmão vive vindo aqui me visitar...

Louis sorriu, indignado com o que ouviu. Balançou o rosto em reprovação.

— ...e, mesmo assim, você não tinha o dire...

— Seu irmão não passa de um viado que dá a bunda todo fim de sem...

Pa!

Louis levou um tapa no rosto — que permitiu, pois não queria machucá-la. Até então, evitou reagir com um agarrão firme no braço, embora tenha sentido vontade.

— RESPEITE O MEU IRMÃO!

Louis sorriu, rindo em sarcasmo, virando o rosto novamente na direção da mulher.

— Quem diria que chegaria o dia em que dizer a verdade seria ofensivo. Se sente vergonha da verdade, o que você faz é algo realmente legal? Me diga então: o que o gay do seu irmão faz? Me diga! Acha que esse merda trazendo seus namorados pra cá é uma boa influência? Isso é o que você diz sobre "figura masculina"?

— Você é um homofóbico!

— Meu sobrinho não deveria estar tendo contato com esses assuntos.

— E você acha que aprender magia é um assunto legal?!

— Saber da existência do pai? Saber o que o pai era? Isso, pra você, é que é errado?

— Isso é perigoso, meu fi...

— Perigoso...? A ficha de todos que já passaram nesse lugar, vindo através do seu querido irmãozinho, são pessoas com vícios em drogas. Isso é normal? Foda-se, é o meu irmão! E daí se os amigos gays são uns merdas que poderiam acabar tocando ou abusando do meu filho enquanto eu, a PORRA da mãe, não supervisiono esses drogados?!

— Meu irmão não é um drogado! Os amigos dele são pessoas boas! Você que tem esse preconceito ridículo! Meu filho é bem criado, e você não tinha o direito de se interferir. É perigoso ele querer usar magia, e agora você fez ele usar. Você pode acabar fazendo ele se machucar!

— Que se machuque. Essa é a vida. Caímos e levantamos, é assim que aprendemos. Você quer criá-lo preso nesse lugar, sem contato com ninguém. Meus pais nunca viram o neto. A coisa mais comum é me ligarem chorando por quererem poder ver como Arthur está, se está bem, se está grande, e você não permite nem que conversem com o menino por telefone. Acha que isso é melhor do que ele cair e aprender?

— Vocês não são boas influências pro meu filho.

Aaah, seu irmão que é, né?

Laura ergueu a mão para dar um tapa mais uma vez... mas Louis não deu uma segunda chance. Segurou com uma firmeza que a mulher sentiu dor, olhando-a nos olhos. Antes de soltar, rosnou:

— Me desrespeite com mais um tapa, e eu te mostro minha permissão recebida pelo presidente da república de poder matar civis em situações de ameaça. Não me importo de redigir um relatório com informações tortas sobre seu óbito, Sra. Laura Lopes.

Soltou a mão da mulher.

— Você não sabe e nem quer. Não sabe e nem liga para a criação de Arthur. Vou continuar acreditando por mais um tempo nessa sua desculpa de protegê-lo. Me responda uma coisa: quando você morrer, quando Arthur ainda estiver preso aqui, já adulto, e você morrer... quem o protegeria? Ele saberia viver sozinho ou seria como uma onça que nasceu em cativeiro? Acha que uma onça consegue voltar à vida selvagem? Acha que seu filho iria ser um adulto funcional, não sabendo fazer nada?

— ...

— Está criando um ser humano fragmentado. Sua superproteção só o deixa burro, vulnerável, fraco e dependente. Quer tanto criá-lo longe do muuuundo perigoso... mas não é nele que você vai se aventurar todos os dias?

Ela o olhava, irritada.

— O afasta do mundo, o protege dele... mas e quando você morrer? O mundo ainda vai estar aqui, assim como o seu filho. Ahhh, mas agora... vamos fingir que você liga pra morte dele, assim como fingiu ligar pro meu irmão. V...

— Aquele dia foi o dia mais triste da minha vida... Você não sabe do que está falando — sua voz oscilava, um choro culposo.

— Não sei? Ha... Mas, enfim. Você não quer ver Arthur morrendo assim como Luan morreu, mas não o cria para lutar como um homem, o cria para ser disfuncional. O cria para ser uma presa fácil lá fora.

— Internet... televisão... celular são coisas perigosas para uma criança. Vícios, pornografia, golp...

Louis riu.

Aaaah, sério? Vícios? Golpes?... Pornografia? Haha... Criá-lo com ensinos e sabedoria, ensiná-lo o que é perigoso e o que é errado... NÃO! Privá-lo de tudo porque é mais fácil do que ser mãe... SIM! Para de ser falsa. Não deixa porque sabia que uma hora ele iria descobrir quem foi seu pai. Uma hora iria ver no jornal uma anomalia. Uma hora a curiosidade bateria na porta e ele teria que saber.

— Eu não queria que ele sofresse pela falta do pai!

Ah... Quer que eu realmente acredite? Eu ajudei você. O menino iria descobrir em alguma hora e a odiaria para sempre. Ou... não. Caso de fato, você nunca fosse deixá-lo sair daqui, para nunca ter risco do menino descobrir sobre o pai e a mamata da herança continuar à solta.

A mulher abriu bem os olhos.

— Que cara é essa? Você nem sabe o que eu e meu irmão passamos para mudar a vida da nossa família. Você nunca... NUNCA! Mandaria uma mensagem para ele dois anos antes de quando deee repeeeennte... descobriu o amor verdadeiro nele. Você nunca o chamaria quando Luan trabalhava de menor aprendiz até se tornar adulto, em tratamento de esgoto e limpeza de lugares alagados. Trabalhava em meio à merda, ao mijo, ao lixo, por anos e anos, usando sua magia e seu controle excepcional para isso. A ADEDA é recente, Sra. Laura. Sempre teve pessoas com magia lutando para proteger seus bairros e cidades quando alguma anomalia surgia, mas essas pessoas não tinham muito apoio, não tinham remuneração. Logo, precisavam trabalhar fora se quisessem pagar as contas e comer, e, logo, no tempo em que não estavam, alguém poderia morrer... assim como os próprios.

Louis deu uma pausa, passando a parte de trás da mão direita nos lábios.

— Não tinham treinamento. Não sabiam muito além de usar de forma muito amadora seus poderes elementais ou únicos... mas isso é algo bem raro de se ver. Logo, podiam morrer para o que hoje são as anomalias mais fraquinhas. Eu consegui, depois de muito esforço, entrar como servidor público e ter minha ideia aprovada. A ideia que protege milhares de pessoas no Brasil e bilhões pelo mundo. Eu consegui criar a ADEDA com a ajuda do apoio do presidente e verba pública. A popularidade veio com o início das redes sociais. E que curioso... não? Uma portuguesa, do outro lado do oceano Atlântico, me mandaria uma mensagem do nada, respondendo uma foto minha dizendo "lindo"... e o mais curioso: apagaria a mensagem assim que o meu irmão respondesse à que mandou para ele.

A mulher continuava em silêncio.

— Descobriu o amor do nada no Luan, foi? Em menos de um mês largou seu país de origem com um irmão e uma penca de familiar pro meu irmão sustentar, por amor... foi? Viria se ele fosse pobre...? Não! Você nunca olharia para ele se não visse que meu irmão tinha vencido no jogo da vida. Nunca abandonaria seu país do nada por um qualquer, um fodido de algum canto do mundo.

— Minha família aprendeu a falar certinho o português daqui, eu insen...

Aaaah, sério? Fez o básico que alguém faz quando vai viajar para outro país e acha que isso é muito? Português certinho? Ainda noto o sotaque.

Louis passou mais uma vez as costas da mão direita para limpar os lábios. A dor da morte de Luan foi tão forte que o homem buscou uma forma de se aliviar e se tornou alcoólatra. Mas, sendo um homem responsável, notando que aquilo estava sendo prejudicial no trabalho, parou completamente.

Com o estresse e problemas diários que estava passando com Katherine, acabou recaindo no vício aquele ano, mas parou pouco tempo depois de voltar e lutava novamente na mesma guerra que já tinha conseguido vencer antes... Porém, ainda salivava muito, tendo que sempre esfregar os lábios em sua luta para conquistar a sobriedade.

— Vou fazer mais uma perguntinha rápida. Não existia contrato quando Luan morreu. Logo, como já tenha notado, parou de cair dinheiro na conta dele faz um bom tempo. O que você e os sanguessugas da sua família pretendiam dizer a Arthur quando o dinheiro acabasse?

— ...

Ohh, não quer responder? Acho que seria cômico. O menino, quando descobrisse que tudo o que lhe pertencia já não teria mais nada e teria sido abandonado por você.

— Eu nunca abandonaria o meu filho. Nunca! Jamais! Mas você provocou que Luan não pudesse mais estar aqui, não pudesse vê-lo. Culpa sua que ele não tem um pai! — gritou...

Arthur ouviu bem, mas também ouvia toda a conversa, mesmo que muito baixinha.

— Só tem isso no seu vocabulário? Só se repete. Patética. A morte do meu irmão é algo que entra no assunto quando convém. Para se fazer de vítima, ele vem, mas para sair todo dia pra rua, para ir a motéis com homens usando o dinheiro dele, que agora é do filho... não convém, não é?

Os olhos da mulher vacilaram.

— Você está me seguindo?

— Eu...? Não. Mas tenho pessoas que sim. Pessoas que sabem tudo. Pessoas que catalogam seu dia a dia, não só o seu, como de cada membro da sua família presente no Brasil. — Louis deu alguns passos, andando pela sala. — Laura, Laura... Por que vocês não arrumam um emprego? Todos, sem exceção, vivem da herança de Arthur. Não só vivem, como luxam. Ou vai me dizer que esse sobretudo de couro com pelugem, que provavelmente deve ser de urso-pardo, não custa menos de 70 mil reais?

— Lu...

— Luan ficaria irado... provavelmente teria um estalo na cabeça e terminaria com você, se soubesse o que o irmão da mulher dele faz com o dinheiro que agora é do filho. Ficaria irado se soubesse que um merda de outro país abusa da herança do filho, contribuindo com dois, três, quatro milhões de reais todos os anos para bloquinhos de carnaval onde participa com sua linda e colorida comunidade... Não me leve a mal. Não ligo pra isso. Se Arthur quiser ser gay ou o que for, que assim seja, mas que seja ele quem escolha isso, e não a influência de um merda encostado que é sustentado pelo menino que fica trancafiado o dia todo.

— É o quê, então? Eu sou mãe e responsável pelo meu filho! O dinheiro também me pertence! E isso que você fala não passa de preconceito!

Aaaah... saquei a sua. Seus olhares, expressões. Quando eu falo, você sente medo do filho escutar do quarto; quando me acusa ou fala algo sobre mim, aumenta a voz para que ele escute e assim tenta fazer a cabeça da criança... que lindo, sua rapariga. Oooh, haha! Gostou da referência? — perguntou com um sorriso, apontando os dois dedos com uma expressão corporal alegre. — Uma pena que não é no significado português. Pula de macho em macho por aí para caçar uma figura paterna pro meu sobrinho? Ou é para trazer mais um encostado para ser sustentado com o dinheiro de outrem?

— Não sou uma puta.

— Não? De fato. É você que paga tudo. É uma consumidora.

— Me respeite.

— Eu? Por que eu deveria? Vocês não respeitam meu irmão. Sabe de uma coisinha, Laura? No carnaval, é o momento no ano em que mais acontecem surtos de anomalias Massacre e Ruína. Elas querem sangue, querem ficar mais fortes... ou só se alimentar mesmo. E com tanta gente unida, e com barulho para ofuscar os gritos de desespero quando alguém for ferido ou ver alguém sendo morto, fazem a festa. Luan, se estivesse vivo e descobrisse o que seu irmão faz, sentiria vontade de morrer por estar financiando essa merda sem saber. Não acredita? Os dados do governo estão aí, uma pesquisada, uma pergunta na internet.

— Por que o governo não proíbe então?

— Porque gera dinheiro e popularidade. Jogos de poder. Querem se manter lá em cima, logo sempre veem o que o povo quer. Mesmo que aconteçam mais surtos nessa época, quem trabalha somos nós, os exterminadores que você tanto despreza.

— Você não entende! Eu não quero que meu filho morra! Não quero que Arthur vire um exterminador! Isso é perigoso demais... E-e-ele é só uma criança, não posso permitir que lute contra essas coisas! — O choro ainda tentava vir.

— Quê...? Alissa tinha nove anos quando saiu da sua boca que ela deveria ter sido mandada para a missão em Belo Horizonte... Seu egoísmo ainda é bem presente, não é? Não é pelo seu filho. Para de fingir que é... Ou sei lá, talvez você realmente acredite nessas palavras falsas que joga sem pensar. Mas seja sincera com você mesma, você só queria uma vida mansa sem precisar trabalhar... dar à luz... ter um filho. Laura, você não coloca uma criança no mundo para ser o que você quer ou queria. Para suprir o que você não conseguiu. Aaah, mas meu filho vai ser médico... e se ele não quiser? E se quiser servir à Marinha? Aeronáutica? Ser confeiteiro? Não pode? Tem que ser o que a mamãe manda e quer? Ele não é seu escravo, ele é um ser que pensa por si próprio. Seu trabalho como mãe é ensiná-lo o certo e o errado até a maioridade e apoiá-lo quando tiver decisões que não são criminosas. Mas você falha em tudo.

— Alissa já era muito forte, meu filho não!

Louis estendeu a palma de forma desleixada para a parede destruída.

— Vai diminuí-lo assim como fez com meu irmão? Não acho que uma criança fraca seria capaz de destruir uma parede sem nem saber direito como usar seu poder. Herdou o poder do pai, quem sabe também o controle que Luan tinha.

— Isso não é algo bom!

— Só não é para você. Laura, acabou. Pare de fingir. Não tem mais saída. Só te entrego agora duas escolhas, mas já adianto: se negar escolher uma, entro na justiça e rapidamente o tiro de você.

Laura o olhava com cara fechada.

— A primeira: você chama seu filho até aqui e faz uma pergunta a ele: "Filho, você quer viver com a mamãe ou com o titio?" Se ele me escolher, você nunca mais poderá entrar em contato com ele, a não ser que ele queira. Mas, mesmo assim, você e toda a sua família terão que deixar tudo o que compraram com o dinheiro dele aqui e voltarão para Portugal. Caso ele escolha você, eu nunca mais apareço e muito menos faço nada em relação ao dinheiro dele. Só deixo que você o crie.

— ...Qual é a segunda?

— A segunda é você e sua família irem para Portugal agora mesmo. Mas poderão ir com as peças do corpo, independente de quanto custou, e lá, durante um ano, você receberá uma mesada de 10 mil euros para se reestabelecer, mesmo que não mereça. Qual op...

— A segunda — o cortou, respondendo com frieza.

Louis ficou em silêncio... segundos de choque depois, balançou lentamente a cabeça em desgosto.

— Parabéns... sinto vontade de matar você. Você não merece ser chamada de mãe, muito menos de mulher. Os agentes já estão reunindo sua família. Não tinha muita escolha. Em pouco tempo já estarão no avião para sumirem daqui. Mas antes, pelo menos seja mãe por um único minuto e chame o seu filho de forma educada, nem que precise atuar, já que viveu dessa forma, para pelo menos mostrar que "está tudo bem".

A mulher assentiu, mesmo com o rosto fechado.

— Aaarthur!

O menino se ergueu e abriu a porta, indo até lá. Laura assumia um rosto sereno, e Louis um sorriso calmo, verdadeiro, vendo o menino vindo. Laura se agachou para dizer:

— Filho, você prefere ficar com a mamãe ou ir morar com o titio?

Arthur abaixou a cabeça para não encará-la e respondeu com a maior sinceridade de uma criança:

— Eu quero ser igual ao papai.

Foi a primeira vez que Louis ouviu a voz do menino. Sentiu um impacto de fofura, mas ainda sentia tristeza por tudo e raiva da mulher. A criança ergueu o rosto; sua mãe ainda o olhava, mantendo o rosto tranquilo.

"Eu ia perder tudo..." pensou ela, antes de se levantar e apoiar a mão na cabeça dele. — Mamãe te ama.

Aquelas palavras... aquelas últimas duas palavras não foram como as que escutou do tio. Não pareciam ter o mesmo peso, profundidade e dimensão. Eram rasas, falsas, que o menino não soube diferenciar, mas sentia, e só sentir era meio estranho. Tudo que ouviu era confuso. Sabia que a mãe tinha mentido... mas nem sabia de fato o que era a palavra mentira.

— Cuide bem do meu filho, cunhado — disse de forma quase zombeteira.

Louis assentiu com um sorriso e olhou novamente para Arthur.

— Junte as fitas na caixa que já vamos sair, Arthur.

O menino obedeceu.

As fitas estavam espalhadas; a explosão que jogou na parede bagunçou tudo, e enquanto juntava, acabou que não se lembrou do Titá. Clap! Louis sumiu com o menino, e os agentes logo entraram no apartamento, assustando a mulher que achou que tinha trancado.

Katherine tinha 17 anos e ajudava Louis com e-mails no escritório do homem naquele exato momento. Quando o menininho surgiu com o tio, a menina se empolgou e o abraçou forte, apertando as bochechas. Louis apresentou seu sobrinho à sua titia... que corromperia a mente da criança.

Daquele momento em diante, sempre que Katherine tinha oportunidade de falar sozinha com o menino, colocava ele contra Alissa. Dizia que Alissa foi a razão para Luan morrer, e como o menino não sabia o que era mentira, acreditava em tudo e, sempre que via Alissa, seu rosto ficava bravo, mais fechado, e ele saía de volta para o escritório, onde voltava o rosto ao normal, assim como Katherine o instruiu para que fizesse.

De noite, dormia no apartamento de Louis... mas tinha um porém. Mirlim o chamava de pão-duro, e isso não vinha do nada. Louis era, de fato, extremamente pão-duro. Mesmo com muito dinheiro, seu apartamento era bem simples e muito inferior aos que a ADEDA fornecia para alunos que moravam muito longe do campus.

Não tinha um segundo quarto. O menino dormia na cama com Louis e Katherine. Mas... sempre que dormia e Katherine notava, começava logo a cutucar e chamar Louis para transarem, nem que fosse uma rapidinha; porém, o homem negava, ainda mais fazer aquilo com seu sobrinho na cama.

Resultou que a desculpa para não fazer foi efetiva, mas não por muito tempo. Katherine insistiu que o mandasse para um dos apartamentos e foi o que aconteceu: depois de muita pressão, Arthur foi morar sozinho no 412, no prédio onde futuramente os gêmeos ficariam.

Louis o ensinou tudo que dava sobre tudo no apartamento, e também o ensinou como um celular funcionava e onde ele poderia ligar para o tio, que a qualquer momento e hora iria atender e ajudá-lo se precisasse.

Aprendeu rápido e nunca precisou. Mas... diferentemente de Louis, Arthur também nunca telefonou para a mãe, mesmo que o tio tivesse deixado o contato dela fixado no celular.

Depois de ver como era fora do apartamento onde cresceu, depois de ver que era privado de tudo... não sentia ódio pela mãe, mas também não sabia dizer se conseguiria dizer um "eu te amo" para ela um dia.


Em mais um dia na escola, no escritório do tio, o sinal do intervalo do almoço tocou e o menino então decidiu criar coragem para ir. O tio sempre incentivava, mas a criança tinha medo de ver outras crianças. Não sabia como iniciaria uma conversa, era muito fechado, calado... mas com muito incentivo, ele foi.

Quando chegou ao refeitório, ficou perdido. Crianças para todos os lados, meninos e meninas, e, dentre todos, à sua esquerda, sentada no chão, bem no cantinho onde tinha uma mureta para a área externa, viu uma menina vestida inteiramente de moletom cinza, com um capuz tampando o cabelo.

Nathaly ainda não usava sua gargantilha; Alissa ainda não havia entregue naquela época.

O menino se perdeu. O pouco do rosto, o olho baixo, triste, mas com uma cor tão bela o encantou... mas nem deu tempo sequer de criar coragem para ir até lá, dizer que estava sentindo algo parecido, dizer que era como... ela?

— Oi! Você é o sobrinho do diretor? — disse um menino, de um grupo de mais três que chegou em Arthur.

Arthur ficou inicialmente perdido.

— S-...sim?

Huh?

— Sou, sim — respondeu, desviando o olhar em meio ao murmúrio.

Ah! Quer ser nosso amigo?

Arthur o olhou e, sem saber muito o que responder, afirmou com a cabeça e logo foi abraçado por um braço no pescoço.

— Sabe como funciona a merenda?

— N-...não.

— Vem cá! Aqui é a fila!

Todos estavam bem animados, embora o menino continuasse acanhado. Entraram na fila, os meninos explicando algumas coisas, quando Arthur disse bem baixinho:

— Por que aquela menina está sozinha?

Olharam e voltaram, respondendo em murmúrio:

— Ela é estranha. Só fica lá sozinha. Mas dizem que ela matou o pai dela, só que ninguém sabe se é verdade, não.

Arthur a olhou mais uma vez.

— Matou o pai? Por que ela faria isso...?

— Deixa isso pra lá! Pega a bandeja, tamo quase lá!

Arthur obedeceu e continuou todo o intervalo com os meninos.

Do outro lado, também era a mesma coisa. Alissa, mesmo sendo uma adolescente, havia adotado Nathaly no ano anterior. A adoção era da ADEDA, mas Alissa assumiu a responsabilidade sobre a menina e, desde que a viu no orfanato, a teve como filha.

Assim como Louis, Alissa também incentivava Nathaly a ir até o refeitório, mas a menina não conseguia falar uma única palavra com ninguém, logo se isolava e esperava até que o intervalo acabasse e que todos saíssem de lá para se levantar, ir comer, antes de voltar até o escritório de Alissa.

Não foi diferente naquele dia.

Depois que Arthur se separou dos meninos, voltava para o escritório de Louis quando Alissa caminhava pelo corredor, indo até o refeitório ver se Nathaly não tinha conseguido mais uma vez.

A adolescente passou tranquila, mãos nos bolsos do sobretudo prateado. Olhou para Arthur com um sorriso gentil.

"A cara do pai.." pensou, mas Arthur a olhava estranho, e ela percebeu quando ele desviou o olhar e apressou o passo. "Katherine... que merda você está fazendo?" Já havia sacado, mas não valia o esforço.


Mais alguns dias passaram. O menino, já mais acostumado a morar sozinho... não era diferente de passar anos "sozinho", mesmo em meio a pessoas e sua "família". Nesse dia, Louis decidiu que as salas seriam divididas: os melhores com os melhores e os piores com os piores.

O teste para saber a classe em que iriam entrar. Os mais velhos tinham entre 8 e 12 anos. Por serem jovens e por não terem muitos professores formados ainda, só havia um único para cada uma das três distintas classes que tentariam lutar. Os demais professores pegariam a nata que falhasse.

Uma regra foi mudada. Não era preciso derrotar, só demonstrar um poder mágico muito alto em um ataque ou derrubar o professor para vencer e entrar na classe desejada. Um duelo mágico, um de cada lado.

Não importava tanto que fosse mais fácil entrar na classe A naquela época. Saindo de lá, mesmo vencendo o A, você era só um exterminador classe A não oficial. Só realmente ganhava peso quem passava pela peneira e se tornava oficial de um esquadrão.

Impressionantemente, 33 alunos desafiaram entrar na classe A e venceram. 2 dos 33 tiveram um destaque muito grande. Um menino chamado Vinícius, com um poder único... chamas azuis. Ninguém nunca tinha visto, e mesmo pessoas que conseguiam manipular fogo e gelo conseguiam replicar aquela coloração. Era algo único, e os olhares se voltaram ao jovem... o menino que perguntou se Arthur queria ser seu amigo.

Já o segundo destaque... foi Nathaly, mesmo que não quisesse e tivesse odiado aqueles olhares. Foi influenciada, obviamente por Alissa, a fazer o teste. A mamãe coruja sabia que a menina não precisava provar o poder dela, mas ainda precisava passar por aquilo.

Quando o desafio começou, a menina esticou as mãos para criar fogo... mas então sentiu muito medo. Medo de não conseguir controlar o seu poder, e o medo virou ansiedade, e a ansiedade a fez, de fato, não controlar o poder. As mechas do cabelo brilharam, e Nathaly se assustou.

BURRRNNMBUMM!!

Uma porrada, um soco.

Disparou seu fogo que avançou como a luz, a densidade de um cometa, e colidiu no professor que morreria se Alissa não estivesse presente. Uma parede sólida de chamas. O professor nem sequer conseguiu se assustar com o barulho ou o poder vindo, só arregalou os olhos amedrontado depois que se viu no meio de um incêndio e que o mesmo não o queimava.

Um poder muito mais forte do que quando Nino roubou e aumentou a lança de Daniel.

Todos no estádio se levantaram olhando, acreditando que o homem teria morrido, mas o fogo foi dissipado. Alissa havia surgido no campo e, sem dar satisfação a ninguém, segurou a mão da filha com carinho e as duas saíram de lá. O olhar orgulhoso da mãe, olhando sua menininha envergonhada de quase matar uma pessoa... Evento canônico?

"Como vou controlar tanto poder?" pensou Alissa, buscando formas de conseguir ajudar sua filha a ter mais confiança consigo mesma... A gargantilha entraria em cena pouco tempo depois.

Depois do susto e de todos enfrentarem os professores destinados às classes... foi então dada a ordem de Louis para Katherine selecionar seus alunos. Pegou 30 dos 33 da classe A. Alissa escolheu assim, não tinha motivos para reclamar. Mas dentre os 30, Arthur estava incluso... porém, Louis negou.

Tanto Katherine quanto o menino não gostaram, mas não importava; o homem já havia decidido que Arthur seria da sala de Alissa e que era para Katherine escolher outro aluno. O menino ficou muito emburrado e saiu do escritório. Seus amigos todos estavam na sala de Katherine e não queria ficar de jeito nenhum na sala da "assassina do seu pai".

O diretor havia notado mudanças no garoto. Sabia que Katherine estava fazendo algo, mas não tinha como provar e também não queria dor de cabeça a mais do que o cotidiano... e, mesmo assim, escutou um monte dela. Mas, com um chá bem dado naquela mesma noite, a garota escolheu o último aluno da sua sala no dia seguinte e deixou os três que restavam para Alissa:

Nathaly, Arthur e Samanta.

Alissa não tinha muita escolha; pouquíssimos haviam passado do B e C. Muitos só falharam. Então pegou somente 24 alunos, deixando a sala com três vagas para, quem sabe, no futuro, alunos decentes entrarem.

Julgava as ideias totalitárias de sua mãe, mas em sala era uma ditadora... curioso.

Arthur chegou na escola emburrado no primeiro dia que teria aula com Alissa. Ainda não aceitava bem, mas foi então que, ao entrar, viu a menina que chamou sua atenção... a raiva de ficar lá diminuiu, mas ainda assim sentiu-se na frente, bem longe da garota, que nem acordada parecia estar.

E também, sua visão de que Alissa era uma pessoa ruim aumentou... nem julgo, mulher estressada, cruz credo.


06/07/2014.

Parabéns!

Era seu aniversário de oito aninhos... e acordou sozinho no seu apartamento frio. Deitado, seus olhos se abriram com calmaria, embora como uma engrenagem. Não se deu o luxo de mais uma piscada lenta, aproveitando a coberta quente e a maciez do colchão.

Era dia... mas parecia escuro demais para ser. Lá fora não chovia... mas estava muito nublado para não. O menino levantou. As cortinas balançavam com dramaticidade em mais uma... manhã? Vuup arrastou a porta de correr do guarda-roupa e pegou uma blusa social cinza, com uma calça preta, social de alfaiataria.

Amava se vestir como o tio e seu pai.

Caminhou pelo apartamento, indo até o banheiro. As luzes baixas no corredor, o sol não queimava naquele dia? O silêncio de tudo. Nenhum passarinho cantando... Ah, era São Paulo. Nenhum carro correndo? Nenhuma moto acelerando?

Entrou no banheiro. Pli acendeu a luz, mas a mesma nem parecia que veio. Ligou o chuveiro, tava lagado, 190 de ping e demorou para soltar a água. Tomou banho rapidinho, o tempo corria, os minutos eram separados em uma disciplina e comprometimento absurdos.

Se vestiu e foi até a cozinha. Abriu a geladeira... estava vazia? Pegou, em meio ao escuro da luz que não vinha, um pedacinho de torta, que nem sabia se existia. Nhami-Nhami... Comeu um pedaço e saiu caminhando até a porta. Nem se ligou no retrato do seu pai em cima da bancada. Houhouhouu... estava na hora, vamos embora.

O elevador não funcionava. A luz do corredor piscava. Gente... por que as câmeras estavam desligadas? O menino decidiu seguir pelas escadas. Desceu. Tap, tap, tap... passos ecoantes em meio ao vazio e solidão... Ah, não...! Por que seu corpo tinha sombra se as luzes de proximidade não estavam funcionando?

Chegou na recepção... Nossa? O zelador não limpou o chão? Chegou na porta de vidro, sua digital não abria a porta... que porta...? Bobinho... aí não havia vidro. Chegou na rua, cadê os carros? Que estranho, o vento batia no corpo, no cabelo e nada fazia? Cadê a física?

Caminhou rumo à escola. O céu continuava nublado, os ventos não colidiam com o menino. As pessoas decidiram, de forma unânime, que não sairiam de suas casas, e o jovem chegou na escola. O portão, como sempre, estava aberto. Os corredores, como sempre, estavam... vazios?

vUuUuUuuU...

O vento uivava. O silêncio... gritava.

Olhava para os lados, seu rosto normal, mais um dia, mais uma aula.

Caminhou até a sala de Alissa... Alissa?

Tap, tap, tap...

Cadê a cantoria? Pássaros viviam nas árvores das áreas externas e preservadas da escola; onde estavam? Mudaram? Aaah, era tão gostoso ouvir os cantos, tão divertido dar-lhes sementes e frutas, com permissão e junto dos zeladores que cuidavam de todos.

Cadê os zeladores? Era comum ver alguém limpando o piso ainda de manhãzinha, cumprimentando-o com um "bom dia, quer um cafezinho?" Educação gerava educação. As tias da merenda, os zeladores eram sagrados, todos respeitavam; ninguém ousava desrespeitá-los. Ninguém ousava tirar os sorrisos tão gentis de suas faces.

Tias da merenda? Mas... cadê? Não ouço som algum vindo da cantina... estão fazendo uma festinha surpresa?

Tap, tap, tap...

Cabe tantas pessoas em uma só sala? Um lugar com tanta gente teria um eco tão alto?

Chegou à porta... Iiishh... estava fechada.

Abriu um sorriso.

"Será?" Animado... pensou.

Fuon!

Abriu com rapidez, na tentativa de assustar quem queria lhe assustar. Mas... por quê?

Meu jovem... veja! As luzes estão desligadas. Os corredores vazios, o silêncio vos reinava...

Então... por que... teria alguém ali? Opss... tinha sim.

Os olhos do menino se abriram com abundância. No canto da sala, no fundo, de costas, em pé, Nathaly... o aguardava? Vestia cinza... Uuff... Seu moletom normal, só que... sem o capuz. Seu cabelo estava solto para trás, embora sempre com algumas mechas bagunçadas do seu tamanho poder precisando fluir pelo cabelo para não explodir uma bomba nuclear do nada.

— O-oi! — criou coragem e gaguejou. Meu Deeeeeus, vire homem, menininho.

FuUuUuUuu...

Hahaha! O silêncio ria, o vento... vento? Soprava em meio às paredes... quê?

Tap, tap, tap...

Deu mais alguns passos. Isso! Isso, meu garoto! Chegou bem perto. Isso! Issso!! Fale, fale! Se de... clare?

Tremendo como um pinscher, a coragem invadiu seu ser com o menino a dois metros de distância da menina. Abaixando o rosto com os braços apertando as pernas para pararem de tremer... o menino proclamou sem nem mesmo entender:

— Nathaly, e-eu, eu... gos...

Pah...

Olhava para baixo e o que via era interessante... A menina caiu para trás... seu rosto era desfigurante. O jovem arregalou os olhos a ponto de quase rasgarem a carne. Aquilo que seus olhos viam não podia ser chamado de rosto.

Rarrrsssg!

De repente, o rosto se partiu ao meio. Duas mãos em preto absoluto surgiram de dentro. O corpo do jovem se arrepiou inteiro e cheio de medo, sua adrenalina invadiu o peito e, sem mais receio, a lucidez controlou a criança cheia de bosta nas calças e o tirou de lá correndo.

Tap, Tap, Tap...

Os passos pesados ecoavam. Corria sem controlar as pernas. Seu corpo agia sozinho. Um roteiro que o menino não tinha controle algum. Atrás, um ser saía do corpo da menina, uma sombra preta... uma sombra que lembrava muito Blacko com o lençol sobre o obelisco da Sete de Setembro.

Chegava até a porta...

PAH!

Quando algo a fechou, prendendo-o lá... mas o menino não conseguiu parar. PRASH!-PA! e se jogou, caindo sobre a porta arrombada e sem ar. O corredor era vermelho. Corpos mutilados, sangue e vísceras para todos os lados.

Era o paraíso.

Não para ele... claro.

O desespero voltou e foi maior que o controle que o corpo criou com a lucidez... Arthur, Arthur... agora era só você... meu caro.

As pernas bambearam, mas o menino conseguiu se erguer quase em choro... choro? Nenhuma lágrima saia, só forçava e nada... Choro culposo? Nããão... A não ser que fosse genética da "mãe" de merda.

Correu como se sua vida dependesse daquela corrida... dependia? Aaah, deixa o demônio se alimentar... Arthur. Blacko quer rir... Arthur... dê a ele um pouco do entretenimento que seu pai e amigos lhe deram... Arrrrthurr.

O jovem corria e muitas vezes escorregava ou tropeçava, quase caindo e recebendo um banho de vísceras fresquinhas... Ahhh, o cheiro, carne fresca, sangue que mais parecia ferro deixado no sol por dias. Pera... conseguia respirar?

Correu e chegou na dobra de um corredor. Sentia algo se aproximando atrás. Algo correndo, sedento, passos pesados... passos... pesados? Arthur... sua cabecinha parecia que iria explodir... menininho.

Fu!

Virou.

Haha! Uuuuéé? O sangue sumiu? O corredor desapareceu? E esse... filtro? Arthur... você entrou em um vídeo? Olha esse amarelado da lente da época. Essa não era a sala que...

— Pa-... Papai...? — Olhava para o pai, olhando-o de volta... sorrindo alegre, próximo de alguns computadores velhos da sala dos professores. — Papa... papai?

Tap... deu um passo.

— ARTHUR, CORRE!

Shk...!

Ooooh, o corpo do pai foi dividido ao meio... Ooooh, o garotinho não conseguiu gritar de desespero. Ooooh, a sombra de Blacko avançou em meio. Ooooh, a espada veio cortando o ar... sem rodeio. Ooooh, o menininho... foi cortado ao meio.

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