Volume 1 – Arco 2
Capítulo 113: Confiança
07:26.
A luz calma iluminava os gêmeos deitados, cobertos e com suas testas coladas com carinho. A vidraça tinha manchas e gotas descendo da serena chuvinha que caía naquela manhã. A porta, mesmo pouco aberta, permitia ao vento fresquinho entrar, fazendo com que algumas cortinas dançassem ao seu passar.
O som era suave, um pouco caindo na sacada.
Devido ao barulho dos despertadores ser insuportável, acostumaram-se a acordar de forma natural um tempo antes de ele começar a apitar. Não foi diferente nesta manhã. Abriram os olhos com preguiça e lentidão ao mesmo tempo. Respirações iguais, divididas.
Olharam-se e, ao mesmo tempo, mesmo que não quisessem, levantaram-se, desligaram o alarme que tocaria em poucos minutos e saíram sem trocar uma única palavra. Nenhum trocou de roupa ou pegou outra para levar ao banheiro.
Nino passou direto pelo corredor, ligou a televisão e foi preparar cereal para comer. Era tarde para fazer uma receita mais elaborada do que colocar leite e cereal em uma tigela. Já Nina entrou no banheiro e retirou o macaquinho para tomar uma ducha.
Não demorou muito... Só queria relaxar o sangue, pois o estresse diário que o menino estava lhe causando, em algum momento, terminaria em fatalidade familiar. Saiu do chuveiro, vestiu o macaquinho de volta ainda molhada e... Burn... usou o secar do seu corpo com uma explosão de chamas escuras para também limpar as impurezas da roupa usada no dia anterior.
O rosto bem sério. Encaixou o pé nos tênis e saiu, indo até a sala... onde encontrou o menino sentado no sofá com uma tigela de cereal nas mãos... mas com uma mão um pouco erguida, escondendo parcialmente o que havia dentro.
Um olhar afiado e desconfiado surgiu no rosto da menina. Nino, que a olhava de canto de forma bem suspeita, desviou para a televisão, tentando disfarçar do olhar semicerrado e bem ameaçador da irmã.
Nina chegou na cozinha, abriu o armário e se deparou com sua caixa de cereal de chocolate aberta.
— DE NOVO?! — berrou, olhando-o desesperada, enquanto ele a observava de volta do sofá.
— O SEU É MAIS GOSTOSO, CARA!
Nina franziu o cenho, com vontade de jogar o pacote de cereal na cabeça dele.
— Se na próxima vez você insistir em pegar um sabor exótico pra experimentar, ao invés de escolher um que sabe que vai gostar, eu juro que te mato!
Nino fez uma carinha fofa, com os olhos bem abertos, tentando ao máximo apelar para o lado sentimental da irmã. A tigela flutuava no ar com magia de vento visivelmente sendo usada por baixo, e ele juntou as mãos para baixo, mexendo o corpo de um lado para o outro.
— Desculpa, irmãzinha. Plometo qu...
Pah!
O pacote colidiu com a cara dele, Shchshs... derramando todo o conteúdo no chão e sofá.
— Irmãzinha seu cu, cala a boca!
O pacote caiu do rosto, e Nino assumiu uma careta de puro tédio, lançando-lhe um olhar indiferente.
— Limpa essa bagunça. Não quero me atrasar — rosnou, já sem paciência com ele em um curto início de dia.
Nino suspirou fundo e se levantou.
Sangue saiu de seu corpo, recolhendo cada floco de cereal sabor chocolate do chão e os colocando de volta no plástico, dentro do pacote.
— Para de usar o sangue — rosnou, braços cruzados.
— Não tem ninguém aqui.
— Não importa.
Nina começou a caminhar em direção à porta do apartamento.
— Hãm? Não vai comer?
— Compro algo no caminho.
Ele lavou rapidamente a tigela e a deixou escorrendo na pia antes de se juntar a Nina na porta. Se aproximou lentamente, tentando testar a paciência da irmã mais uma vez, mas ela o ignorou, indo diretamente ao elevador e apertando o botão para descer.
Nino correu, colocando a mão na porta para impedir que ela se fechasse.
— Poderia ser mais educada.
— Calado.
O elevador começou a descer e parou no terceiro andar, onde uma pessoa entrou.
Nathaly viu os dois — Nino com um sorrisinho no rosto e Nina com o rosto fechado, claramente se segurando para não socá-lo. Nathaly ficou no meio dos dois. Bem mais baixa que os gêmeos, o topo da cabeça chegava no início do pescoço de ambos.
— Aconteceu algo? — perguntou, virando-se para Nina e levantando o olhar.
— Nã...
— Ela tem probleminhas mentais, relaxa.
Nina abaixou a cabeça, cerrando os dentes, lutando contra o desejo de estourar a cabeça daquele moleque ali mesmo.
— Calado.
Sua raiva foi suficiente para esquecer da leve fome e nem se atentar em ir comprar algo em algum lugar. A chuva serena ainda caía. Nina usou magia de vento sobre os três para criar uma barreira, onde a água caía e ia para os lados, sem molhá-los. Nathaly observava, igual uma bobona, a barreira sobre sua cabeça.
A chuva já havia passado. O sol secava as ruas molhadas. Todos estavam dentro da sala, sempre com o assento vazio em frente a Nino. Mesmo em um início tranquilo, onde todos conversavam entre si baixinho — limite permitido por Alissa, no tempo que não iniciava a aula —, Alissa olhava desconfiada para Nino... incomodada.
O menino não fazia nada. Não abria a boca, muito menos os olhos fechados alegremente com aquela cara de bobão da corte. Os olhos da mulher se mantinham bem estreitos, enquanto aguardava a chegada do novo aluno.
"O que o senhorzinho está aprontando...? Nenhuma reação... Nenhuma provocação... Bandeira branca hoje?" A calmaria do menino era muito pior que a lenda enchendo o saco.
Thales havia chegado. Foi deixado na escola por um carro do governo... sem mais nada de explicações além do endereço do apartamento. Já era adulto. Achavam que, no instante em que passasse dos 17 para os 18 anos, a responsabilidade e o amadurecimento viriam juntos... idiotice.
Ao menos, tinha a IA para guiá-lo.
Na vinda, conversava sozinho como um lunático drogado. Mesmo que sussurrando, ainda atraía olhares estranhos. Mas o jovem se mantinha centrado no celular e no que a IA lhe explicava. Tirou dúvidas sobre o que era academia, viu vídeos e até uma competição de fisiculturismo no caminho.
Ao chegar no aeroporto, não mudou muito. Enquanto aguardava a liberação para ir até a escola, conversava e tirava dúvidas de diversas coisas. Não precisava se preocupar com bateria, os nanorrobôs produziam energia de forma infinita, já que era um pequeno dispositivo e não um computador quântico nível Mirlim.
— Como acha que eu devo entrar em sala? Para ter respeito?
— Sua regata lhe traz um toque infantil. Trocaria por uma blusa mais apresentável e uma feição mais confiante. Seu rosto é muito sereno e doce. Caso queira respeito, coloque algo mais sério e centrado.
— Uhum.
Com a confirmação, a regata de dragão virou uma blusa simples de cor escura, mas muito marcada no corpo, mostrando bem — e ao mesmo tempo não — seus músculos. Thales forçou o rosto... e passou longe de um sério. Ficou parecendo que queria matar alguém, um louco, um psicopata.
— Alivie um pouquinho, Sr. Thales.
Tentou, mas ainda parecia bravo.
As setas de hologramas guiando-o acabaram em uma porta.
— É essa?
— Sim.
Toc, toc...
Bateu duas vezes, com vergonha do que lhe esperava, e de repente a porta se abriu, revelando Alissa, que, mesmo cinco centímetros mais baixa que ele, ainda era mais alta que Mirlim. O olhar normal da mulher dava mais medo que sua treinadora...
[ — Mas enfim. Uma dica. Pelo que sei, ela está melhorando em sala, mas ainda assim, não converse, interaja ou chegue perto dela, se ela não tiver feito isso. Eu não matei você, mas o temperamento dela pode fazer isso. ]
...e o aviso voltou à sua mente.
— Entre — disse de forma calma, mas ainda parecia uma armadilha mortal olhar o infinito azul daqueles olhos.
Thales entrou e, cheio de vergonha, parou na frente de toda a turma. Seu rosto era egocêntrico, marrento... bem fechado. Sua tentativa de ganhar respeito foi por água abaixo. Todos olhavam-no com curiosidade. O menino era gigante.
Uma jovem o olhava com um olhar mais açucarado... Samanta escondia um sorrisinho com seus dedos e suas unhas verdes, da cor dos olhos, afiadas.
Alissa fechou a porta e voltou até a mesa, onde se escorou ainda em pé.
— Pessoal, este é Thales. Ele foi transferido da Bahia e vai fazer parte da nossa sala. Deem as boas-vindas.
— Bem-vindo, Thales... — disseram os alunos.
Thales não respondeu e, ainda com o semblante fechado, foi até uma cadeira vazia e se sentou à frente de Nino. Um pouco desajeitado. A cadeira parecia infantil para o seu tamanho.
Nino olhava a muralha tampando sua visão. Seu olhar curioso; a cor de Thales chamava sua atenção. Tap, tap... deu duas dedadas nas costas, o chamando. Thales se virou e olhou o jovem, encarando-o de volta.
"Oxi, branquelão, parece um ratinho..." pensou Thales.
— Quantos anos você tem? — perguntou Nino.
Thales viu o jovem com a cabeça tombada para o lado, piscando de forma curiosa, e não entendeu muito. Porém, respondeu acanhado, mantendo sua feição "respeitável":
— 18.
Nino voltou a cabeça ao normal, seu semblante mudando instantaneamente para um bem animado.
— Aaaaah, seu animal! 18 anos e desse tamanho? Você não é puro nada! — exclamou, rindo muito.
Rarrssg!
Thales não aguentou e se soltou na brincadeira. Era tímido, mas a zoeira com um amigo era mais importante do que como seriam os olhares alheios. Se levantou e começou a fazer várias poses que viu de fisiculturista enquanto gargalhava. Na primeira, sua blusa rasgou inteira com os músculos sendo forçados.
— Se liga nesses bíceps — disse. — Muah-Mwah! — beijando os músculos. — Saca só esse trapézio, oh, oh!
Nino subiu na mesa fazendo poses iguais, mesmo sem músculo algum em comparação com os do humano, e os dois ficaram igual dois imbecis, rindo sozinhos, com todos olhando a cena constrangedora.
"Ah, ótimo. Mais um sem neurônios." pensou Nina, revirando os olhos.
O incômodo de Alissa com o silêncio de Nino logo passou, substituído por sua irritação habitual.
— Chega, vocês dois! — Ambos pararam no meio de uma nova pose, olhando a mulher irada, quase com espuma na boca de raiva. — E você! — Apontou para Thales, e o jovem tremeu como se fosse morrer, olhos arregalados. — Vai procurar uma nova blusa, ago...!
Os nanorrobôs agiram e reconstruíram a peça... Alissa ficou desconcertada, um olho mais fechado que o outro, na mais absoluta estranheza. Não era para ter magia, então...
"Como?"
— Desculpa, coroa... — zombou Nino, e mais da metade da sala caiu na risada... entrando na mente da mulher mais que a dúvida do que vira.
— VOCÊ ME CHAMOU DE QUÊ?! — Neste momento, o dia de Alissa realmente começou. Mais um dia normal, tentando se segurar para não cometer um assassinato ali mesmo.
Algumas horas se passaram. As aulas haviam chegado ao fim. Os alunos foram liberados, mas, como sempre, muitos continuavam no campus, usando a biblioteca e o local preferido: disputando o Allianz, que sempre acabava ficando para os mais fortes, vulgo os seletos alunos de Katherine.
Nino e Thales saíram fazendo bagunça pela escola, mudando coisas de lugar, escondendo objetos e mochilas das crianças que gostavam de levar coisas do próprio apartamento. Fizeram um caos... que iria ser descoberto só na hora em que as vítimas fossem embora.
Nem se conteram apenas com o primeiro andar, onde a sala de Alissa e Katherine ficava. Foram para o segundo e terceiro; até mesmo salas que ainda não eram utilizadas sofreram. Montinhos de cadeiras, desenhos rasurados de rolas no quadro branco, e Nino ainda deixou assinado com o nome de Arthur... seu ciuminho com o menino, quando se aproximava de Alissa, ainda era presente.
Thales não conseguiu ler a palavra, mas também não perguntou o que era. Escutaram passos pela área e saíram correndo até a escada mais próxima, quase atropelando uma dezena de crianças que iam em direção às "salas proibidas", justamente as salas de onde os dois vinham...
Os meninos criaram uma lenda de que lá era assombrado por uma anomalia fantasma, que vestia branco, cabelo longo de cor preta e pele cinza, levemente azulada... não foi o que viram, mas, quando os dois saltaram sobre eles e sumiram correndo sem que os meninos vissem... os meninos, com algumas meninas, saíram correndo apavorados também.
Os dois pararam e fingiram naturalidade, andando como se fossem normais por um corredor que tinha uma área de alimentação com mesinhas e árvores, aberto ao céu. O refeitório ficava do outro lado, e a sala de Alissa... ficava ali.
Nino já tinha seu próximo objetivo em mente. Mas o disfarce continuou. Andando como dois ladrões idiotas de filme de comédia, passaram ao lado de Samanta e nem a viram. Samanta olhou para Thales de costas, ao lado do Nino, mas voltou-se para frente, indo comer algo no refeitório antes de ir para suas responsabilidades fora de lá.
"Que gatinho..." pensou, mas não teve coragem de chegar nele para pedir o contato ali na escola, ainda mais com o menino não estando sozinho.
Nino estendeu o braço, uma ordem silenciosa para que o amigo parasse. Olhou-o e ergueu a mão ao chegar na porta... mas ela hesitou, era arriscado demais. Nino foi até a área aberta e pegou uma pedrinha. Voltou ao corredor e, em silêncio, só com um olhar sugestivo da merda que ia fazer... direcionou a rota de fuga.
Preparou o corpo e Thales imitou. Ful-tac! A pedra voou e bateu na porta de Alissa. Mas, antes mesmo de desviarem o olhar da rota da pedra, para trás e para começar a correr... Alissa surgiu atrás dos meliantes, olhando-os de cima, perguntando de forma arrastada:
— O que estão fazendo?
Os dois se arrepiaram e se viraram lentamente, tremeliques involuntários, com caras de bobos assustados por um fantasma.
— E-eu não vi nada! Alguma coisa caiu ali — respondeu Nino, apontando o indicador e suando frio com um semblante culpado.
— Vou fazer cair algo na sua cabeça se continuar a me encher o saco — respondeu Alissa, fechando os punhos e levantando a mão ameaçadoramente.
— Você nem te...
BAAM!-CRASH!
Alissa deu um soco no meio da cara de Nino, que voou contra uma parede. Não a varou, mas tirou a tinta, e um buraco de entulho sobre o menino ficou.
— Vão pra casa, AGORA!! — gritou, entrando na sala e THAAAM! bateu a porta com tanta força que quase a destruiu.
Nino se levantou e voltou até Thales como se nada tivesse acontecido. O menino olhava para onde Alissa entrou. Via semelhança, mesmo que distante, com o que passou.
— Ela é sempre assim? — perguntou, curioso e assustado.
— Se eu estivesse sozinho, ela teria me jogado de cima de um prédio! — respondeu cheio de naturalidade, sorrindo, com um dente faltando e fazendo um joinha.
— E VOCÊ ACHA ISSO NORMAL?! — exclamou, chocado e com medo.
— QUEREM QUE EU VÁ ATÉ AÍ?! — Alissa berrou furiosamente, fazendo os dois saírem correndo, desesperados por suas vidas.
Saíram da escola.
Na calçada, achavam que estariam seguros de retaliação. Olhavam na direção, Nino procurando para ver se foi seguido. Mas não sentia nada. Voltou o olhar a Thales e o viu pegar um papel do bolso.
— Sabe onde fica isso? — perguntou, entregando o papel para Nino.
Nino olhou rapidinho.
— Isso é no meu prédio. É o seu apartamento?
— Sim. Mas não sei como chegar lá... hehe — disfarçou sua vergonha com uma risadinha forçada.
Nino deu alguns passos de costas, antes de se virar, o chamando com a mão.
— Tranquilo. Bora lá!
Uma aula prática e mais efetiva do que a que recebeu quando chegou em São Paulo. Ensinou o jovem onde ficava, como entrava, usava o elevador e em qual apartamento morava. O jovem adicionou uma senha de quatro dígitos, colocou as digitais para entrar de forma mais prática e, enfim, entraram no apartamento 507.
Todos eram iguais. Mas havia uma coisa diferente no de Thales. Mirlim mandou outro do mesmo console que deu aos irmãos do jovem, além de mandar um largo catálogo de jogos junto. Os olhos do menino brilharam, e ele saiu entrando, nem se importando com toda a decoração luxuosa do lugar.
Nino nunca havia visto um console, muito menos jogado algo.
Fechou a porta e caminhou tranquilo até o sofá, onde Thales ligava a televisão e já estendia um controle ligado para Nino, que olhou e recebeu com serenidade.
— O que é isso?
Thales o olhou meio sem jeito.
— O quê? Nunca jogou?
— Hãm? Como assim "jogou"?
— Videogame. Não tinha um, não?
— Não.
— Sério? Nenhum?
— É... é caro isso?
— Acho que sim. É um Playstation novo.
— "Estação de jogo novo"?
— Quê?
— Foi o que disse.
— Quê? Eu disse Playstation.
— Exatamente.
— ...Tá brincando comigo?
Continuavam se olhando como dois idiotas.
— Cara... você literalmente disse isso.
— ...Tão tá, boy — disse, virando o rosto meio confuso.
— Meu nome é Nino, não menino.
— Quê?
— Você me chamou de menino.
— Eu disse "boy"...
— Exatamente. Não tô te entendendo.
Thales olhou para a televisão, o console já havia iniciado.
— Sinceramente... nem eu.
Nino olhou para a tela e se sentou ao lado do jovem.
— Ahh! Tem Mortal Kombat! Joguei com meus irmãos ontem.
— Ahãm...
— Cê gosta de sangue? Luta?
Nino olhou-o com um rosto peculiar.
— Pessoas morrem nisso aí?
— ...Éeeh, meio que isso.
— Ahãm...
Thales iniciou o MK11. Chegou na seleção de personagens e ensinou Nino a como selecionar. O que o menino foi absorvendo e entendendo como um gênio. Olhou de relance por todos e, quando passou pelo Noob Saibot, não perdeu tempo e selecionou. Thales foi de Scorpion.
Iniciou e logo pausou.
— Aqui são os botões, combos, poderzinhos e especiais!
— Poderzinho?
— ...Magia, basicamente.
— Ah... esses caras existem?
— ...Acho que não.
— Ah.
Thales mostrou a lista de Nino, todos os combos e coisas que o personagem podia fazer. Tudo ficou gravado na cabeça dele. Um mapa e possibilidades fartas de como iria regaçar o outro na porrada virtual.
— Aí você aperta esses botões como tá mostrando e o personagem obedece na tela, lutando. Entendeu?
— Ahãm.
— Bora então!
ROUND 1... FIGHT
Thales avançou, mas logo se fudeu. Bam-Bam-Pah! ☐ ☐ X, tomou dois socos na cara e uma bicuda no peito. ↓ ↑ + R1, Nino teletransportou amplificando. Um portal surgiu por cima, atrás do Noob, saltou e surgiu por outro que apareceu por baixo do Scorpion, na direita.
Saiu do portal putaço, StinnPloch! penetrando uma linda e pequena foice meia-lua na garganta do adversário. Furou o corpo e o arremessou ao chão, VulVulVul! onde um portal roxo, cheio de sangue preto e sombras, surgiu.
Scorpion entrou e ficou em um looping, aumentando sua velocidade de queda por três vezes. Na quarta passada: PAH! Regaçou o corpo caindo na terra... não houve compaixão.
Thales de boca aberta, sendo brutalmente molestado. ☐ ☐ X, O corpo caiu quicando. Bam-Bam-Pah! Nino não perdoou. Repetiu o combo: dois socos e um chute, mantendo o corpo caindo na horizontal, flutuando no ar.
☐ ☐ X, Bam-Bam-Pah! Repetiu. ↓ ← ☐ + R1 No chute, lançou outro combo amplificado. Noob emanou um brilho branco quando, Bam-GrrPAH! ergueu um gancho, acertando na beiça, mandando-o ao céu e criando um clone que subiu, abraçando o Scorpion e arremessando-o de volta ao chão.
O corpo quicou, e Nino continuou: ← + ☐, ☐ + X BamPlochStrililirn-Baam! Ainda no ar, outro clone surgiu. Noob acertou um soco, e o clone penetrou uma corrente na barriga do Scorpion...
Thales sem reação. Stliskfksllitck! Apertando tudo e não conseguindo fazer nada.
↓ ↑, O adversário foi puxado e Nino fez um teletransporte normal. PlochPAH! Saindo do portal por baixo de Thales e penetrando a foice no pescoço, virando-o e arremessando-o ao chão mais uma vez... 48% da sua vida foi embora.
Nino perdeu o timing, mas, no desespero de Thales, quando o personagem levantou, tentou um agarrão... Contra seus irmãos, spammar agarrão e teletransporte era vitória fácil. Contra o menino que tudo que via aprendia... era uma derrota iminente.
Nino abaixou e desviou com perfeição das mãos passando por cima de Noob... Não poupou.
↓ + △ StinnBACREK! Subiu um golpe usando a foice, que colidiu no queixo de Scorpion, resultando em um Raio X, a câmera close focando os ossos se rachando. Nino estava gostando, mas ainda assim:
"Um corpo nem tem isso tudo de sangue."
Notava a mentirada... Desmembrar um corpo na vida real era mais prazeroso.
O corpo saiu voando, e o combo foi resetado. ☐ ☐ X, Bam-Bam-Pah! Dois socos e um chute violento foram dados. Thales só conseguia ver seu personagem sendo regaçado e o ouvir gemendo igual um maluco. ← + ☐, ☐ + X, BamPlochStrililirn-Baam! Mais uma vez o clone surgiu. Desta vez, pegou Thales antes que caísse e o puxou com uma corrente. ↓ ↑ + R1. Nino lançou um teletransporte amplificado. Noob saltou, entrou em um portal e surgiu por outro abaixo de Scorpion. Ploch! Penetrou a foice na goela e foi arremessado no portal. VulVulVul!-PAH!
O menino dava tiques nervosos com o olho esquerdo, embora os dois estivessem arregalados.
☐ ☐ X, Não tinha folga. Nino não parava. Bam-Bam-Pah! Caiu quicando e apanhou no ar. Dois socos e um chute foram executados. ↓ ← ☐ + R1, Bam-GrrPAH! Subiu um gancho no meio do queixo e, quando Scorpion decidiu que criaria asas para voar, um clone surgiu o abraçando e o arremessou no chão.
← + ☐, ☐ + X, Quicou de novo...? Que pena. BamPlochStrililirn-Baam! Levou um soco, o personagem sendo lançado para trás. Mas um clone surgiu e o puxou de volta com uma corrente. Nino cancelou um soco no timing e apertou L2 + R2... Um portal roxo e preto surgiu por debaixo de Thales. A tela mudou... era uma cinemática do Fatal Blow.
Um clone surgiu atrás do Scorpion, vindo correndo, e o segurou. Thumb! Empurrando-o na direção de Noob, que vinha correndo com uma voadora de dois pés. CREECK! O crânio foi destruído.
A forma que pulou chamou a atenção de Nino, que abriu o olhar, vendo a pose maneira que o personagem fez com as mãos meio que "foda-se".
Após a voadora, o corpo de Noob caiu entrando em um portal no chão. PAH! O clone derrubou Scorpion de costas e Noob saiu de um portal sobre o mesmo. BACREEK! Aterrissando com os dois pés na cabeça de Thales.
O corpo quicou e voou na altura do peito. Noob criou uma foice. PLOCH! Penetrou da goela varando a cabeça inteira... Uma rodada perfeita. Thales pausou, o olhando em choque.
— Seu mentiroso!
— Hãm? Eu não menti.
— Como fez isso então?!!
— Uai. Vi os botões que você falou e os mesclei, o que que tem? — Rosto despreocupado, voz tranquila.
— Você memorizou tudo...?
— ...É mais fácil do que parece — respondeu tranquilo e voltou o olhar para a tela pausada.
Thales piscou incrédulo e retomou ao jogo.
ROUND 2... FIGHT
← → ☐, Get over here! Thales iniciou lançando a corrente. Ploch! ...E acertou Nino, que não esperava e muito menos sabia daquele golpe, já que só havia visto sua própria lista.
— "Venha até aqui!"? — imitou em murmúrio o que Scorpion gritou.
— Quê?
— Foi o que o cara disse.
— Ele falou em outra língua, doido.
— Foi em português, cara! Ele disse: "Venha até aqui!" Aí me puxou com a corrente.
— Cê tá é biruta... — brincou.
Nino aborreceu o olhar e voltou a espancá-lo sem pena alguma. A barra de vida já esgotada e o menino ainda dando combo sem deixar o corpo cair. Thales travado, olhando ele, e Nino molestando o personagem na tela.
— Rapaz, comprou o meu e o seu? Posso jogar? — brincou.
— Hãm... cê não aguenta.
Aquilo virou um desafio. Thales curvou o corpo, sua postura molecão tryhard. Olhos focados, controle próximo ao rosto... Só faltava esperar Nino parar de espancar o personagem morto.
Ficaram a tarde inteira jogando... Thales não venceu uma única rodada, mesmo tentando com vários e vários personagens. Era imoral. Choramingou e choramingou, falava que o personagem que era ruim, Nino ia e pegava o mesmo... espancava o amigo do mesmo jeito.
Mal piscaram, e já era noite. 20:40, quando Nino se ligou no horário, vendo que não entrava mais luz pela cortina à esquerda da televisão.
— Vou embora, já tá tarde e minha irmã deve tá preocupada — disse, alongando os braços, depois de deixar seu instrumento de tortura virtual sobre a mesinha. Thales com um olhar longe... morto por dentro.
Logo saiu do clima de velório e se ergueu também, levando um soquinho para se despedir. Nino viu e levou seu punho. Tap! Thales se assustou... arregalou os olhos, e Nino não entendeu, franzindo a testa em dúvidas.
— Você usou magia? — Sua voz era curiosa.
— Pra que eu usaria?
— ...Foi só força?
— Uai... como assim?
— Você... como?
— Eu sou mais forte que você, o que que tem?
— O seu braço é fininho em comparação ao meu!
— Uai, que que tem?
— Que não faz sentido! Eu deveria ser mais forte!
Nino estreitou o olhar.
— Quer ir numa quebra de braço?
Thales sorriu, animado.
— Bora!
Crmnm!
Thales se assustou.
Um cubículo de pedra emergiu das cerâmicas do nada, e Nino posicionou o braço... o jovem, logo em seguida. As mãos se juntaram, um olhando no olho do outro. Thales, focado; Nino, no foda-se. O sinal veio com um balançar de cabeça, e Thales lançou tudo... mas nem moveu ou tremeu a mão de Nino.
"Como...? Como?!" Fazia força, suava, e via Nino piscando, tranquilo.
— Posso acabar ou quer tentar mais? — provocou de forma debochada.
— GRRR! — rosnou, enquanto continuava forçando. E nada... nada de ameaçar um tremelique. Bcrmn... seu cotovelo trincou o apoio. O bloco se rachava, querendo ceder.
Pa
Nino acabou em um instante... Thales, derrotado, olhava para o vazio de sua alma.
Crmnm...
O bloco se despedaçou inteiro, sumiu por completo, e a cerâmica estava intacta.
— Você é forte — Nino dizia, e Thales ergueu o olhar para escutá-lo. — Não ache que não só porque perdeu. Eu e minha irmã somos os destaques da escola, os mais fortes, sem exceção — se gabava, sem nenhum pingo de humildade, só egocentrismo e arrogância. — Não há como se comparar, então não se compare com nós dois. Qualquer outro da sala, você venceria. Menos a Alissa... sinceramente, nem eu venço, eu acho.
Os braços ficaram moles, olhos fechados, corpo atordoado.
Thales se ergueu com um sorrisão. Não ligava de ser mais fraco, mas ficou feliz de ter um amigo naquele lugar para dividir os longos anos que serviria à ADEDA antes de se aposentar.
— Entendi. A IA disse mesmo que tinha dois irmãos muito fortes na sala da Alissa.
— ...IA? — Nino tombou a cabeça.
— É um negócio que a Srta. Mirlim me deu lá na Bahia.
Voltou a cabeça para o lugar.
— Não sei quem é. Mas é isso, ela deve tá me esperando. Falou aí. — Nino se virou, meio despreocupado, levando as mãos até os bolsos... mas Thales viu uma coisa.
— Oxi, tu pinta as unha?
Nino se virou, olhando-o nos olhos, e abaixou o olhar à mão esquerda que retirou do bolso. Vendo suas unhas naturalmente pretas, inventou uma pequena mentira:
— Quando eu era mais novo, minha irmã sempre pintava brincando. Aí comecei a gostar e uso até hoje.
— Uhummum...
Nino o encarou com um semblante entediado.
— Quantos anos você tem? — perguntou Thales.
— Fiz 15 esse mês.
— Uhummm...
Continuou o encarando, totalmente entediado.
— Eu gosto, que que tem, cara?
— Nada, nada... Tô brincando só.
— Tranquilo. — Deu alguns passos ainda de costas antes de se virar. — Te vejo na sala amanhã.
— Beleza, vai lá! — exclamou com um sorriso gentil, seu rosto sereno como sempre.
Nino saiu, fechando a porta com cuidado para não causar ruídos, e seguiu ao elevador, indo para o sétimo andar. Quando chegou no 701 e entrou, viu a cabeça de Nina no sofá, assistindo à televisão. Fechou a porta e seguiu até a geladeira, procurando por algo no congelador.
— Não tem casa, não? — rosnou Nina, ainda virada para a televisão.
Nino lançou uma olhada na direção, mas voltou o foco na procura entre os sorvetes no congelador.
— Tava com saudade? — provocou.
— Onde cê tava?
— No apartamento do menino novo. Ele é legal, gostei dele.
Nina franziu o rosto de nojo e estranheza, virando a cabeça bem lentamente para trás, Bombastic side eye, julgando-o absurdamente pelo que disse.
— O quê?
Pla
Nino fechou o congelador, frustrado, e ergueu-se, indo lentamente até a irmã.
— O que o quê? Você não disse pra eu fazer isso?
— ...Considera ele seu amigo?
Nino piscou duas vezes, sem entender.
— Como a Nathaly, que que tem? Arf... Cê eu mato, reclama, cê não mato, reclama, se fas...
— Nem começa usando isso de desculpa. Só achei curioso. Primeira vez que usa essas palavras pra se referir a um humano sem ser Nathaly ou Alissa.
— N...
— Vovó e mamãe estão mortas — cortou-o, falando com frieza, olhos estreitos.
Nino a olhou como se visse uma assassina.
— Credo. Sem coração.
— Ha-...
— Eu só ia falar que não tem carne pra janta.
— Aaaaah, não me diga! Quem mandou usar tudo no jantar de ontem?
Nino a olhou com nojinho, preguiça.
— Não vi você reclamando enquanto comia. — Abriu um sorrisinho debochado, vendo a irmã em silêncio buscando uma resposta. — Ficou o dia todo à toa e não foi comprar nada? Por que não chamou a Nathaly e foi? Queria jogar isso na minha cara, né, fofa?
Derrotada e sem argumento, Nina virou-se no sofá e continuou assistindo ao jornal, baixinho. Não quis contestar e buscar uma revanche. Aceitou e se colocou como quem resolveria:
— Amanhã mais de tarde eu compro. Tô com preguiça de ir hoje.
— Uhum. Tem uns vegetais — Nino se virou, indo até a geladeira novamente. — Posso fazer uma sopa pra gente. — Abriu a porta, Scshchs... e pegou alguns sacos plásticos e recipientes com os alimentos já picados.
— Nino...?
Olhou-a e já lançou um olhar desconfiado. Nina não o olhava, e o tom de voz era muito estranho. Fofinho...
"Que que tu quer?" — Hãm?
— Você confia nesse menino?
— Como assim?
Nina ficou apreensiva, mãos nas coxas, rosto baixo.
— Quero contar pra Nathaly a verdade. Quero contar pra ela o que somos.
"E o que caralhos isso tem a ver com o Thales?" Sshhschs... Nino aterrissou as embalagens sobre a pia, Pla fechou a porta e caminhou até o sofá, vendo sua irmã com a cabeça abaixada para frente.
— Você confia nossas vidas a ela? — Sua voz soava julgadora, incerta e negacionista.
Olhando para baixo, Nina respondeu:
— Sim.
Nino criou uma lâmina de sangue, uma pequena adaga com um leve curvar, e a posicionou no pescoço da irmã. Ergueu a cabeça dela, Rrrssg... e passou suavemente a lâmina na pele clara, rasgando a garganta e causando um pequeno sangramento, que logo era regenerado à medida que a lâmina se afastava.
Nina não sentiu dor. Era como uma pessoa que se auto-beliscava. Uma beliscada de outrem gera mais dor. Como são o mesmo ser, aquilo era só uma forma de Nino ilustrar suas falas:
— Você tem certeza? Nossas vidas estão em jogo. Não só nós dois. Ela também. Se ela ameaçar contar, ou aceitar de forma ruim... teríamos que matá-la — murmurou de forma dura, cruel, no ouvido esquerdo de Nina. Nina quase chorava; não queria de forma alguma que Nathaly se afastasse ou que precisasse ser executada. — Eu não acho que conseguiríamos fugir da Alissa. Então eu pergunto mais uma vez: tem certeza que quer contar?
— Eu tenho certeza que ela nunca contaria a ninguém — respondeu com firmeza, mesmo que seus sentimentos, mesmo que mais desenvolvidos que os do irmão, estivessem cheios de dúvidas, inseguranças e estranheza.
Nino retirou a adaga e a desfez, voltando na direção da cozinha.
— Tá bom. Chama ela aqui amanhã. Aí você conta tudo.
— Nathaly nunca contaria, eu tenho certeza.
— Tá bom, cara, eu já entendi — resmungou, olhando-a de canto, vendo-a ainda bem sentida com o pedido. Olhava aquilo com estranheza, mas virou o olhar ao seu objetivo: fazer comida. "Seria interessante meter o loco por aí... mas morrer é meio paia... Nha, quero não." Sua expressão excitada em meter o caos pelo mundo sumiu com a frustração e um tremelique de olhos fechados, vendo-se ser morto pelas mãos de Alissa.
Porém... havia uma pessoa na porta, com o ouvido esquerdo grudado, tentando escutar tudo. Quando Nathaly chegou à porta e foi bater, por pura educação — já que possuía permissão para entrar e a senha — escutou seu nome ser dito. Curiosa, tentou escutar tudo antes de entrar, mas não conseguiu ouvir os murmúrios de Nino para sua irmã no sofá.
Toc, toc!
Morrendo de curiosidade, bateu na porta, e Nino, bem mais próximo, atendeu tentando não mostrar surpresa no olhar.
— Natha...
A jovem passou por ele rapidamente.
— Queriam falar comigo? — perguntou com o rosto sério.
— Oxi. Tu é telepata? — brincou o menino, fechando a porta. "Aqui acabo..."
— Vim jantar com vocês... minha mãe me levou para comer fora e me deixou trazer um lanche pra vocês.
[ — Fico feliz que esteja mais alegre. Mais sociável. Os dois são bem legais... mesmo que o Nino seja insuportável de chato! — exclamou com o rosto bravo, gesticulando com as mãos fechadas. — Ainda assim, gosto que os três sejam bons amigos.
Era uma hamburgueria bem cara, com muitos luxos e pessoas de alto padrão. Duas mulheres na mesa ao lado, perto da janela do restaurante, notaram Alissa falando um pouco alto e fazendo expressões exageradas. Mesmo que Alissa fosse muito rica e famosa, pessoas que já nasciam herdeiras sempre viam pessoas que enriqueceram com olhos desdenhosos.
Começaram a cochichar entre si:
— Que mulher esquisita, falando desse jeito... — A loira com um vestido vermelho desprezou Alissa para sua amiga, que vestia branco.
— Sim, sem classe alguma, haha! — riram baixinho.
Alissa, percebendo os comentários, lançou um olhar de lado para as duas.
Um garçom chegava para entregar os drinques e as comidas das mulheres, a bandeja cheia de armas prontas para manchar... tecidos brancos. Alissa manipulou discretamente. Sshcrash... fez com que tudo caísse sobre as mulheres.
— Tsi...
Soltou uma risadinha de canto de boca, olhando-as com deboche.
— Vai ficar bem manchado — comentou Nathaly, usando roupas casuais, assim como Alissa, que não via necessidade de sair toda produzida, já que não era para ir atrás de olhares ou macho.
Alissa virou o rosto para frente e pegou, com cuidado e classe, sua taça sobre a mesa.
— Faz parte, né? Acidentes acontecem — respondeu, Glub... bebendo seu drinque e desviando o olhar, enquanto Nathaly a encarava. — Mas e aí? Pensei que, depois que descobrisse que a gargantilha não ajuda a controlar o fogo, você iria parar de usá-la.
— Eu uso porque foi o primeiro presente que você me deu, mesmo que tenha mentido pra mim — respondeu, lançando um olhar julgador para Alissa, como se até as mínimas pontas duplas dos fios de cabelo dela fossem culpadas.
A mais forte, com um sorriso no rosto, fingia que Nathaly não estava falando dela.
— Eu realmente gosto muito. Obrigada — agradeceu, sorrindo de forma fofa.
— Sabia que ia gostar — caiu na armadilha.
— Pra receber agradecimentos, você é boa, né?
— Vou pedir um lanche pra você levar pros gêmeos. Aí você passa no apartamento deles hoje.
— NÃO MUDE DE ASSUNTO!
— Você não quer? Glub... — perguntou com um semblante sério e sarcástico, enquanto bebia seu drinque e olhava diretamente para Nathaly.
— Você é suja...
— Também te amuuu! — respondeu com um sorriso brincalhão. ]
— Aí, eu trouxe — disse Nathaly. Shchs... colocou a sacola da hamburgueria sobre a bancada da cozinha. — O que queriam falar comigo? — perguntou, visivelmente ansiosa.
— Senta aqui no sofá... — disse Nina.
Obedeceu. Sentou-se ao lado da amiga, e Nino ficou atrás do sofá, meio apoiado por trás da jovem.
— É... É que nós... nós dois não somos humanos — confessou Nina, fechando os olhos, temendo ver uma reação de repulsa.
— O quê? Como assim...? Vocês são anomalias? — perguntou, confusa.
Nino criou a adaga com a mão direita e a segurou firme, olhando Nathaly de cima.
— Não, não somos.
— Ué? Ent...
— Nem um nem outro. A burra da minha irmã não sabe falar. Na verdade, somos demônios. — Nathaly ergueu o rosto inteiro para olhar para cima, vendo-o falar. — Nosso pai foi aquela Calamidade que causou uma chacina em Belo Horizonte. Mesmo sendo conhecido como uma anomalia, ele não era. Não sabemos muito sobre ele, mas sabemos que era um Demônio Primordial Preto. E agora, nós dois nos tornamos também.
A menina piscou duas vezes. Confusa. Sua feição não era de repulsa, medo ou coisas negativas assim. Só confusão.
— Isso é uma brincadeira de vocês? Não tô entendendo.
Nino desfez a adaga e criou uma espada de sangue preto diante dela, e foi então que Nathaly percebeu que estavam falando a verdade. Sabia daquele acontecimento, Alissa já havia contado sobre o evento passado. Mas, mesmo assim, ver aquela espada ainda trazia dúvidas. O menino também mostrou a Marca Primordial no pescoço. A menina viu e olhou para Nina, que também revelou a marca para ela.
— Mas... por que estão me contando isso? Por que isso agora? Do nada? — perguntou, preocupada e ainda mais confusa.
Nino via que Nina não conseguiria formular frases decentes. Não estava com cabeça no momento, então continuou com a dianteira da conversa, trabalhando melhor com sua cabeça fria e seu sangue ainda mais pronto para executar a menina, se fosse necessário, mesmo que, a princípio, não quisesse precisar matá-la.
— Queríamos te contar porque te consideramos parte da nossa família. Você é a pessoa em quem mais confiamos. Não é justo que continuássemos escondendo isso de uma pessoa tão importante pra nós — respondeu Nino, com um pequeno sorriso gentil, atuando, cabisbaixo, mostrando uma leve fraqueza e tristeza diante de uma possível não aceitação da garota.
Nathaly começou a chorar.
Uma pequena lembrança veio à sua mente, de Alissa a abraçando no orfanato depois de tê-la adotado. Nino nem precisava ter tentado manipular as emoções da menina. "Parte da nossa família." Não era necessário mais nada. Nathaly só tinha os dois e Alissa.
— Mesmo com medo, vocês confiaram em mim? — perguntou, enxugando as lágrimas.
— Sim... É meio complicado. Nosso pai matou muitas pessoas. Não sabemos o motivo... o contexto... mas acho que a ADEDA não ligaria e só iria querer nossas cabeças... Sabe? — murmurou Nino. Crcs-crs... coçou a cabeça.
— Uhum... — murmurou, com o rosto úmido, de forma fofa, acanhada, com vergonha e feliz pelo que escutou do menino que tanto gostava. — Também acho. Mas... eu não vou falar nada! Tá? Vou guardar esse segredo com a minha vida, se for preciso... Afinal, somos uma família, não é? — perguntou, sorrindo.
Thumf...
Nina a abraçou, enquanto Nino, ainda em pé, Crcs-crs... fez cafuné na cabeça dela, com uma pequena bagunçada de cabelo, e foi até a bancada. Rrrooonm... Curioso e com a barriga roncando, Spletsh... abriu o lanche sobre um prato.
Seus olhos brilharam ao ver os hambúrgueres artesanais e as batatas fritas rústicas, ainda quentes, com o ar úmido indicando sua frescura.
O menino virou o pescoço quase como uma coruja para olhar Nathaly no sofá. O abraço havia acabado. Segurava as mãos de Nina, as duas felizes, se balançando em brincadeira.
— Posso comer? — perguntou, quase babando.
Nathaly olhou para ele com um sorriso gentil e exclamou:
— Sim! Podem lanchar!
Apoie a Novel Mania
Chega de anúncios irritantes, agora a Novel Mania será mantida exclusivamente pelos leitores, ou seja, sem anúncios ou assinaturas pagas. Para continuarmos online e sem interrupções, precisamos do seu apoio! Sua contribuição nos ajuda a manter a qualidade e incentivar a equipe a continuar trazendos mais conteúdos.
Novas traduções
Novels originais
Experiência sem anúncios