Volume 1 – Arco 2
Capítulo 111: Na Régua
Era por volta das oito horas da manhã quando Bill e Will acordaram e levaram Thales até o heliponto no telhado da escola, que possuía mais de dois andares. Thales se lembrava que Mirlim disse algo sobre um jato. Não tinha entendido por que estavam subindo em um tal de elevador, mas quando chegou ao telhado, entendeu... com o que viu.
Uma grande aeronave, moderna, lisa, imponente e futurista os aguardava. Um jato prateado que mais parecia um helicóptero sem hélices. Fino e com forma de jato, suas asas eram dois propulsores de plasma retráteis. Não era necessária uma pista, pois aquilo era um híbrido perfeito: velocidade e impulsão de um caça militar nem inventado ainda pelos governos, e uma precisão e aterrissagem controlada para qualquer terreno e lugar que quisessem.
Thales ficou boquiaberto com o brilho da lataria à sua frente. Nem imaginava que aquilo ficava invisível aos olhos e radares no ar. Mirlim utilizava pouco, era poucas as vezes que saía do país. Usava mais quando queria algo diferente...
Os agentes levaram o menino para dentro. A porta se abrindo mostrava que parte da criação daquilo era nanorrobôs e um controle total da IA. Entrou. Por fora era uma coisa, mas por dentro parecia ter entrado em um portal que levava para o cenário que quisesse.
Modernidade. Era um jato luxuoso; não era necessário Mirlim possuir mísseis e armas, mesmo que a IA, com o próprio ar, pudesse criar munições infinitas, além de acoplar ainda em voo um lança-mísseis ou metralhadoras pesadas. Por dentro, era aconchegante. Cabiam umas 20 pessoas confortavelmente lá dentro... e também havia uma gigantesca cama mais ao fundo, com um tema voltado ao vermelho.
Thales olhou meio sem jeito, não entendendo. Paf Bill apoiou a mão no ombro e balançou a cabeça afirmativamente, com um pequeno sorriso de boca fechada. Ao lado, Will mantinha também. Sem os óculos típicos da dupla, Thales via aquilo e ficava com ainda mais dúvidas.
O jovem vestia as roupas de nanorrobôs. Pediu para que copiassem o presente do Sr. Sandro e descartou os trapos das outras. Os agentes o levaram até próximo à cabine de controle e o deixaram em um largo e aconchegante sofá. A estabilidade interna era tão grande que não era necessário usar cinto de segurança, o que deixava seguro ficarem na cama...
Thales teve permissão para comer o que foi reabastecido na geladeira e armazém, e o menino fez seu café da manhã: um mousse de maracujá com crosta de chocolate preto por cima, um pacote de batatinhas e uma garrafinha de água mineral para acompanhar, no tempo que olhava pela janela e via o propulsor brilhando em lilás, se dobrando e voltando-se para o chão.
A aeronave ficou em 35°, e o menino se assustou quando o chão e os prédios ao fundo que via desapareceram, tendo no lugar nuvens enormes e um infinito azul. Arregalou os olhos. Nem sentiu nada. O jato acelerou subindo como um míssil, chegando a alturas absurdas para impedir, mesmo que a IA já cuidasse de tudo, qualquer possível rastreio ou monitoramento militar ou governamental de qualquer país alheio.
Sua coloração externa ficou invisível. O menino só conseguia ver um pouco da distorção no ar se focasse muito no lugar onde via o propulsor direito anteriormente. Em menos de cinco minutos, chegaram em Catolândia. Aproximadamente 8.400 km/h. Mais de seis vezes a velocidade do som. Uma aeronave que, se o mundo descobrisse, sentiria terror.
O jovem nem havia acabado o café. Ficaram no modo invisível enquanto ele terminava e, logo, o jovem foi deixado no meio do mato para ir andando até a cidade. Aterrissar lá chamaria atenção demais.
Os agentes foram resolver suas pendências em Salvador. O café de Mirlim tinha que ser servido ainda... e Mirlim já estava acordada.
Em pé, no "quarto" de Thales, Mirlim olhava para a anomalia no cantinho, sem olhos. A anomalia sentiu-a e criou-os para olhá-la. Os olhos tristes sentiam a morte. Thales não voltou. Seria a sua vez.
Mirlim ainda usava a calça social de alfaiataria, mas desta vez com uma blusa social comprida de cor branca, com alguns botões. Não usava uma blusa de frio, e também não usava seu sobretudo da ADEDA. Mas... usava um sobretudo escuro, mais caro que o salário de todos os professores juntos. Discreto, elegante... assustador, dependendo de quem via.
Olhava-o de cima. Não conseguia entender por que o menino iria querer amizade de um ser tão feio e substituível.
— Você é o tal Robson? — rosnou.
Robson, acuado, balançou a cabeça afirmando com cautela.
— Thales foi embora... mas pediu que eu o libertasse. — Ergueu a palma da mão direita na direção. — Venha. Suba na mão da sua criadora.
Robson saltou, aterrissando na mão e se sustentando para não derreter até o chão. Mirlim não disse mais nada, assim como também o ignorou completamente. O que a anomalia sentia era confuso. Os sentimentos humanos cada vez mais presentes onde não deveriam.
Um carro caro a aguardava, um dos machos presentes em seu harém dirigia. Não se importou com a anomalia. Só seguiu onde foi ordenado e já aguardava, bem excitado, para uma tarde de amor no carro parado em algum canto da cidade. Teria que esperar a moça resolver algumas pendências naquele horário, mas não ligava, só pensava na visão do pôr do sol com os dois suados se comendo em cima dos bancos.
Dirigiu até onde lhe foi ordenado... o Jardim dos Namorados. Entrou com o carro na Al. Cláudio Leal Borges e estacionou, tendo visão das quadras esportivas. Mirlim saiu sem dizer nada. Pa Fechou a porta e sumiu... surgindo na areia, próxima às pedras. Na Praia do Chega Nego, ergueu o braço e olhou para Robson, que a olhava de volta.
Ainda sentia a dúvida. A estranheza. Olhava-a e não sabia se era o certo saltar da mão dela.
— Pode ir — murmurou.
Robson olhou à água. As suaves ondas da manhã colidindo nas pedras. Mesmo com tudo, Plash... saltou e caiu no mar. Sua translucidez o fazia ficar levemente camuflado, mas a coloração rosa acabava com isso. Mirlim olhava a geleia sumindo aos poucos, quando viu uma grande pescada-amarela, com cerca de um metro, Glosh! engolindo com uma bocada Robson inteiro.
A mulher assumiu um rosto tedioso, preguiçoso e sem paciência. Olhava o peixe nadando de volta às profundezas, quando o viu ser ingerido de volta por Robson, que o comeu de dentro para fora, vaporizando-o inteiro e criando algumas bolhas que subiram e foram ofuscadas por espuma branca da água que chocou nas pedras.
— Uhum. Até mais — murmurou ao finalizar de ver a cena e se virou, agora indo andando com preguiça de volta ao carro.
Na água, Robson continuava descendo. Seus amigos que viviam ali, não a mais de seis metros de profundidade... não estavam. Pensava que poderia ter sido o peixe, mas também sabia que um peixe só não mataria todos, mesmo que fossem muito mais fracos que Robson após ser modificado inteiro.
Descia mais metros... o escuro o assustava. Não ver nada o deixava com muito medo. Seus amigos não estariam lá. Mas se estivessem... iriam deixá-lo entrar? Na água, um estojo pequeno de maquiagem flutuava com o levar das águas. Não tinha mais pó algum. Era infantil. Alguma garotinha perdeu aquilo.
Mas... Robson olhou o objeto. Quando aquilo girou um pouco, mostrou-se um espelho trincado, e em todas as partes Robson se viu fragmentado. Não era ele. Não era. Era outra coisa. Uma vontade irreal aconteceu. Queria chorar. Mas isso era humano. E era exatamente isso que o queria fazer chorar. Sua construção não permitia. Só sentia o sentimento desenvolvido, mas não poderia realizá-lo.
Olhou para o abismo preto mais uma vez. Seu corpo flutuando. Via pequenos peixes passando em cardumes. Um pouco de algas e esponjas do mar na parede que subia até a superfície das pedras. O abismo era pior quando você tinha preocupações que não deveria.
"Será que eu conseguiria descer se ainda fosse só uma anomalia?" Nem notou quando conseguiu produzir uma frase inteira, uma pergunta inteira em sua mente, evoluindo com o que foi obrigado a aprender.
A irracionalidade o faria descer sem medo? O faria ir atrás da sua espécie, pois não haveria receio? Travou e só olhava. A resposta que pensava era um NÃO gigante. Uma reação nociva. Não saberiam que era ele, muito menos a mesma espécie, e tentariam se defender matando-o. Não perderia... mas também não queria matar o que foi sua família um dia.
Olhou para cima. Via as ondas passando e os raios solares se filtrando e penetrando a água. Não via o reflexo de Mirlim... Sentia-se sozinho. Humanos precisam de humanos. Humanos são seres sociais. Subiu alguns centímetros, desesperado... mas parou, ainda olhando para cima.
"Você não é ninguém. Não é mais uma anomalia. Mas também não é um humano. O que você é? Se for atrás da sua família, terá que matá-los ou deixar que o matem. Se for atrás da humana, terá que matar, ou será caçado. Fará um caos, pessoas vão gritar ao vê-lo. Você não é nada. Aceite e viva soz..." A ansiedade despertava em seu ser. A negatividade... Robson a ignorou. Usou da racionalidade desenvolvida para decidir, do mais absoluto e prazeroso foda-se, a opção que tinha mais chances de ter êxito.
Nadou o mais rápido que conseguiu. Subiu nas pedras, Tsssbloblo! ingeriu e vaporizou o molhado salgado do seu corpo e saiu correndo até o carro. Correndo com sua decisão suicida.
"A humana vai te matar. As pessoas vão t..." Ignorou. Deixou de escutar as vozes que invadiam sua consciência, que nunca teve, e continuou se rastejando, tentando não ser visto, escondendo-se atrás de latas de lixo e qualquer apoio, passando entre os humanos que circulavam e praticavam esportes por lá.
Pa
Mirlim entrou no banco de trás e fechou a porta.
— Me deixe na escola.
— Agora, meu bem — respondeu, olhando-a por trás. Um sorrisinho em sua face, vendo-a com o semblante preguiçoso de sempre. O palito do pirulito que seria substituído pelo seu, só que escuro, mais tarde.
O homem virou-se para frente e ligou o carro, quando... Plah! uma geleia rosa com olhos bateu no para-brisa. Assustou-o, mas Robson sentia-se mais assustado que ele. Sentia-se vulnerável lá fora, com medo de ser visto.
Olhava para Mirlim com seus olhos bem esbugalhados, e a mulher o olhava de volta com o mesmo olhar de sempre, completamente entediado.
"Hum? Por que voltaria?" pensou de forma arrastada.
— Amor, a anoma...
— Uhum.
Tziii...
Abriu a janela de trás.
— Entre.
Robson entrou rapidamente, ficando no banco de trás, ao lado dela, assustado e envergonhado como um cachorro que destruiu um sofá inteiro e ficou olhando seu dono de canto de olho, pois sabia que fez merda, mas fingia ser irracional para não receber xingos e só um sermãozinho que logo viraria um carinho na barriguinha do sem vergonha.
Mirlim o olhou diretamente. Levou suas mãos na direção, e o serzinho ficou com medo, mas foi erguido e colocado no colo da mulher, que manteve a mão em seu corpo, conseguindo tocá-lo, sem que o mesmo fizesse esforço para não ser muito líquido.
— Você consegue entender tudo que eu falo? — sussurrou, um pouco rouca.
O homem olhava para trás, curioso com aquela coisa.
Robson moveu a cabeça em um sim, olhando-a de baixo, sendo um pouco atrapalhado pelos seios.
— Você se lembra de tudo que passou?
Sim.
— Fuu... — suspirou levemente frustrada, mas seu rosto ficou um pouco mais receptivo. — Uhum. Vou cuidar de você, por Thales, Robson.
Robson a olhou feliz, mas ainda acuado. A mulher ficou fazendo carinho em seu corpo. Nanorrobôs o penetraram, sem o mesmo nem sentir. Quando percebeu, conseguia fechar os olhos, pois sua liberdade e precisão ao controlar seu corpo foram aumentadas. Olhou-a mais uma vez e piscou depois de meses, bem feliz.
Mirlim olhou para o homem que entendeu e se virou de volta, seguindo para a ADEDA.
Chegaram depois de um tempinho. Robson ainda no colo confortável da mulher. Mirlim olhou para a porta da escola e depois para o homem. A animação no rosto era notória, expectativas sendo alimentadas a todo momento.
— Tchau, amor. Vejo você aqui a pou...
— Deixe nosso encontro para o dia 24, nesse sábado. Pensei que daria pra brincar hoje, mas tenho muitas coisas para resolver — cortou-o e viu o rosto dele ficando levemente triste e desapontado.
Tirou as mãos de Robson e puxou o homem pela gola da blusa social com a direita. Os rostos próximos, Mirlim o olhando como uma dominatrix. Olhava-o como uma presa, e o homem só aceitava sua insignificância e submissão. Mirlim retirou, com a mão esquerda, o pirulito bem babado da boca. Blo! um sonzinho sensual penetrou os ouvidos do homem.
O doce foi direcionado aos portões, vulgo boca, que se abria lentamente para recebê-lo em sua língua. O homem a fechou, e Mirlim mantinha um sorriso que o hipnotizava como uma feiticeira. Um olhar malcriado, malicioso para com o seu escravo.
Robson nem via nada. Espremido entre os seios e pernas na posição curvada da mulher, só aproveitava a maciez que suas formas agora conseguiam receber. Os olhos em êxtase. Dormia em meio a nuvens.
— Vou te mandar uma fotinha mais tarde. Sábado eu o quero por horas. Eu e você, sem mais ninguém. Escutou, meu escravo cachorrinho...?
— Sim, minha dona — respondeu no automático... o sangue indo todo lá pra baixo, e não conseguia raciocinar direito.
— Late, meu cachorrinho, late.
— Au! Au!
Mirlim soltou uma leve risada maliciosa e abriu a porta do carro.
— Até sábado, meu bem.
Pa.
— Até...
Saiu com Robson em seu colo, sendo abraçado. O serzinho ainda sentia-se nas nuvens de olhos fechados, sóóóó aproveitando. O homem olhou-a entrar. O sobretudo tampando sua visão de qualquer curva. Mas nem precisava de algo físico para se excitar. Só memórias, e o sabor derretendo na língua.
Thales chegava na garagem onde um homem fazia de barbearia. Não era nem perto uma pessoa extrovertida, mas como sempre cortou seu cabelo lá, até porque só existia uma barbearia por lá, quando entrou pelo portão aberto, foi recebido pelo dono, que acabava de cortar o cabelo de uma pessoa que sabia quem Thales era por conta da reportagem na televisão.
Era bem amador. Um banco para três pessoas, um filtro de água branco, com um galão azul em cima, uma pequena televisão no canto das paredes sobre um suporte, uma cadeira rotatória onde um homem com uma capa preta era atendido, e uma bancada com um espelho.
Muito simples, mas era o lugar que aumentava a autoestima dos homens com seus cabelos e barba. A maquiagem masculina.
— Thales! — exclamou o cabelereiro, Fsh-sh finalizando com pinceladas nos ombros do homem, tirando a sujeira. Thales entrou com um pouco de vergonha. Todos olhando. Fu tirou a capa do homem sentado e o rapaz se levantou, sentando-se no banco enquanto o barbeiro ia até o menino. — Tá diferente... é esse black? Haha! — brincou e cumprimentou-o com a mão.
— Faz tempo que não corto... Tem alguém na minha frente?
— Nada — saiu andando — pode sentar aí. Só vou varrer o cabelo. — Pegou uma vassoura e uma pá, varreu e jogou no lixo. Thales cumprimentou os homens com um aceno de cabeça e se sentou. — E aí...? Ouvi uns negocinho aí... — sussurrou, mas todos escutaram.
— O quê? — respondeu o menino, curioso.
— Que você foi pra Salvador treinar com aquela branca lá, que passa na TV.
— A Srta. Mirlim?
— Isso. Uii... "Senhorita"?
Thales ficou envergonhado com o tom da brincadeira.
— Vai ser o de sempre?
— Sim. Na régua.
— Tá.
Pegou um pente e começou a soltar um pouco do crespo.
— E aí? Como foi lá?
— ...Ah, foi difícil. Mas treinei bastante.
— ...Virou um exterminador??
— Acho que não. Só treinei bastante. Vou ser mandado pra São Paulo.
— Oh! Caramba.
Não só o dono se impressionou, como também os outros dois.
Tzzz...
O homem ligou a maquininha e empurrou a cabeça do jovem para o lado. Enquanto conversavam, um outro homem chegou. Cumprimentou todos, Thales respondeu baixinho por não conhecê-lo. O rosto do homem estava meio bolado, e o dono do lugar percebeu, em sua olhada de canto, antes de voltar a focar os olhos no cabeço de Thales.
— Aconteceu algo? Não tinha mudado pra capital?
— Ah, cara... — Olhava para baixo, inconformado. — Deu uma merda aí com uma mulher.
— Como assim, caraí?
— Fiquei com uma mulher. Foi bom pra caralho. Mas em outro dia acabamos discutindo e ela parou de me responder. Aí cê tá ligado que eu fui com a minha irmã, né?
— Sim, que que tem?
— Quando eu fiquei com essa mulher, foi no apartamento dela, não na casa que tínhamos alugado. Só que teve um dia que eu não fui na academia, tava muito cansado do trampo que tinha pegado lá e fui direto pra casa. Velho... Não deu cinco minutos que eu tinha chegado em casa e minha irmã entra em casa fazendo um barulho da disgraça. Quando eu vô pra ver, ela tava beijando a muie que eu fiquei.
Todos riram, até Thales, mas de forma um pouco tímida.
— Alá, dá pra falar nada não. — Fechou a cara e ficou com os braços cruzados.
— Calma, corno — brincou o dono e todos riram.
— Rrr!
— Mas não deu em nada? Que que rolou?
— Porra, o que acha que aconteceu?! Discuti com a minha irmã e depois eu saí. As duas ficaram lá e depois ela me vem pedir desculpas dizendo que não sabia. Fiquei puto e decidi voltar pra cá depois de um mês lá. Como ela não ia aguentar o aluguel sozinha, veio também.
— Pô, não sabia que sua irmã era lésbica... queria uma chance — brincou o homem sentado ao lado.
— Vai te fude, diisgraça — respondeu automaticamente sem olhá-lo.
Todos riram.
— Mas essa mulher não tem nome não?
— Ah... se eu falar cês não acreditariam mesmo.
— Fala logo, pivete.
— Aquela mina que manda na ADEDA de Salvador. A Mirlim Smi não sei o quê.
Thales lançou um olhar de canto para trás.
— Ué? Thales tava treinando com ela pra ser um exterminador esses meses aí.
O dono disse, direcionando a cabeça para o menino sentado. O homem olhou para Thales, sentando igual um tanque de guerra sobre uma caixa de papelão.
— Comeu ela também...? — Era possível sentir um ciúme encardido, uma não aceitação de que foi só um brinquedo que foi descartado por existirem brinquedos mais interessantes e duradouros...
Aquelas palavras irritaram o menino. Sentiu um desconforto. Um sentimento estranho.
— Não. Só treinei mesmo — respondeu com educação.
— Ahh, queria ter ela de professora também. Se é loko... aquela mulher é fogo puro. Tem um quarto vermelho no apartamento dela, cheio de coisa. Uns pau de borracha, de plástico, umas cadeiras diferenciadas, corda pra carai, fantasias, umas máquinas, uns chicotes. Me encheu de chicotada mandando eu latir, nuossa... era bom demais. A cada chicotada que eu tomava eu quase gritava: "vai, minha senhora feudal, maltrata o teu escravo, vaiiinn".
Todos riram, menos Thales, que mantinha um grande desconforto.
— Levou chicotada, foi? Pensei que a escravidão tinha acabado — falou em brincadeira um homem ao lado.
— Ahhh, se for pra levar chicotada e ser escravo daquela branquinha eu não ligo não.
— Quarto vermelho? Vish. Já ouvi falar dessas coisas aí.
— Filho, aquela mulher não é normal não! Né ocê que come ela não, é ela que te come.
Continuavam rindo da entonação e das gesticulações do homem.
— Me boto deitado numa almofada diferenciada lá, levantou minhas pernas pro teto como se eu fosse uma vagabunda, encaixou o meu pau nela e é ela que mete, filho. Me soco todo. Quadrilzada na minha bunda. Minhas bolas tomando porrada. Ela me olhando no olho e do nada me arregaça um tapa na cara mandando latir e me fingir de puta. Aquela mina é sinistra... mas é bom pra caralho ser fodido assim...
— Iiish, lá ele — brincou o do lado.
O que contava olhou-o.
— Não entrou nada no meu cu não, cara.
— Iiiisshhi, eu não disse nada, tá se justificando por quê?
— Iiiiissshh, deu o tóba, foi? — outro brincou e com a reação irritada do que contava, todos zoaram e o homem pegou muita pilha. Thales olhava o cara irritado, os homens brincando. Sentia um forte ciúme que tentava reprimir.
"Relaxa... Ele não foi útil pra ela. Isso já é humilhante demais." pensou e abriu um sorrisinho de canto, conseguindo aturar as brincadeiras no nome de sua professora.
Um tempinho se passou. O corte foi finalizado e o menino esqueceu que seu pai não tinha lhe dado as moedas que ganhava vendendo mamão dos três mamoeiros que tinha. Porém, se lembrou do cartão no bolso, e deu uma desculpa para usar o banheiro.
Perguntou como usava para a IA e foi ajudado. Pagou o corte e voltava pela BR-135, andando tranquilo, um pouco ansioso para chegar em casa. O cabelo baixinho, na régua. O jovem olhava bastante para o chão. Aproveitava o calor em sua pele. Respirava aquele ar que fez parte de toda a sua vida.
Continuava ainda com um certo incômodo pelos comentários do homem. Era mais forte que ele aquele sentimento.
— Eu devia ter falado pra ele parar com aquilo? — murmurou para si. — Ficou desrespeitando ela... Se foi um inútil, a culpa não é dela não querer se encontrar mais com você!
Discutia as formas que deveria ter dito na hora, mas era tarde para se arrepender de não ter feito nada. Os olhos ainda na terra seca, laranjada, viam seus chinelos de nanorrobôs, confortavelmente pornográficos... seus pés pisavam em nuvens.
Atrás de si, no céu... um foguete rasgava o azul. Algo se aproximava, e o alvo era claro como o dia em questão. Uma anomalia vinha voando. Magia elemental de vento e fogo a aceleravam em uma velocidade obscena.
A sombra ficava maior a cada segundo. O barulho era quase nulo, mas o menino então notou... aquela sombra crescente não era ele.
Virou o rosto para trás.
BRRUUMM!!
A anomalia aterrissou destruindo a rua. Uma cratera foi formada, e Thales, sem equilíbrio, foi erguido ao ar. Não deu tempo de pensar. Sem equilíbrio algum, veio a mão do ser chegando, soltando um vento esbranquiçado.
BRANFFST! BUM-PRCT-!
Thales foi arremessado para fora da BR, capotou e se ergueu em um rolamento, lançando um olhar tentando identificar o que era aquilo. A anomalia tinha três metros. Um corpo forte, robusto e peludo. Até certo ponto, era semelhante ao nomeado Quibungo, que Thales fizera um massacre. Mas essa anomalia também já havia sido registrada... no Amazonas. Classificação Ruína 2, foi batizada de Mapinguari. Mas, ainda assim, era diferente. Os exterminados anteriormente não apresentavam magia... esse já havia mostrado três elementos.
Além de ser um gigante peludo, que parecia, de certo modo, um urso rebaixado e um pouco descabelado, com pelos mais grossos e bagunçados, possuía um único grande olho, no meio do que seria a testa, uma boca grotesca e enorme rasgava do nariz até o estômago, e os pés eram em forma de pilão.
"Não sei o que você é, e também não me importo nem um pouco." No instante em que firmou os pés, BmFuuu! O chão deu uma leve tremida quando a muralha começou a correr. Avançou rapidamente, chegou na anomalia e acreditava ter sido mais rápido que a visão do ser.
Não tinha como um golpe em algo tão grande ser como Mirlim o ensinou, mas ainda assim não hesitou. O soco foi lançado, o punho fechado mais forte que um cofre blindado. O olhar afiado e determinado. BA-! Socou a cintura do ser; mais alto seria um soco suicida dentro da boca esquisita...
"QUÊ?!" exclamou em pensamento.
O soco voltou.
Atrás da pelagem, não era pele ou couro. Era como se o ser fosse feito de uma borracha extremamente resistente. O soco foi absorvido sem dano algum, e o braço do menino voltou após o golpe... quem dera fosse só isso.
BRRAAMM! BM-BM-SCRRRCH!
O jovem foi arremessado centenas de metros capotando sem dó. Saiu de uma área seca de cerrado e entrou no meio de uma vegetação não muito alta, mas densa e cheia de galhos e mato tentando rasgar a rocha que era sua pele... o oposto do ser que queria devorá-lo.
O Mapinguari caçava-o... mas Thales espreitava em silêncio. Eram caçador e presa, ambos fazendo os dois papéis. O menino via o ser o caçando. A boca babava, era como o Quibungo, só que forte pra caralho.
"Do que essa coisa é feita?" Seus olhos cravados no ser, que caminhava de lado pelo mato.
Thales pegou uma pedrinha e arremessou para outro lado. Pc... o pequeno ruído foi suficiente para roubar a atenção da anomalia e fazê-la virar de costas. O menino não perdeu tempo, avançou instantaneamente com mais um soco. BA-! O soco voltou como uma mola, o ser virou, encarando-o com o olho maior que a cabeça do jovem, e Thales não teve tempo de nada.
BRAASH-SHSH-SH!
Rasgou e destruiu toda a vegetação com suas costas. A raiva roubava a lucidez. Não sentia tanta dor com os socos borrachudos, mas era a adrenalina do momento; sangue umedecia seus lábios. O ser tinha visão plena do menino, que aproveitou o avanço daquela coisa horrenda.
Thales caiu ao lado de uma árvore maior que as raízes e plantas que destruiu. Fingiu de otário. Fingiu-se estar machucado. A anomalia veio correndo de forma irracional. Mesmo com uma boca vertical, sua animação e olhar sedento eram indescritíveis.
Pisou no ponto gatilho. Caiu na armadilha criada pelo humano.
CRASH! BA-BLREARH!
Thales arrancou a árvore como se fosse um pedaço de uma barra de chocolate gelado. Virou para o ser como se fosse uma lança e enfiou na boca daquilo, conseguindo travar e ganhar um tempo... Scrrsh! Deslizou indo para as costas, CRASH! O ser quebrou a árvore, e o menino segurou seu pé direito.
— RRGHH! — rosnou fazendo força.
Ergueu-o e foi lançá-lo ao chão... em vão. No ar, indo com ignorância de tão rapidamente forte, o ser fez a pelagem do pé se amarrar aos braços do jovem, e, com o lançamento que recebeu, usou da força bruta do próprio jovem para dar uma cambalhota e impulsionar o menino no seu lugar.
BRAAAMM!!
Thales colidiu com violência no chão. A dor veio. Uma pedra bateu no centro das costas. A falta de ar também marcou presença. BAM! BAM! BAM! O ser o arregaçava. Mesmo com golpes borrachudos em uma pele basicamente rochosa, o menino só apanhava, não conseguia revidar, não estava conseguindo ser mais rápido.
Cada soco que levava, sua mente contava.
"Uma, duas, três, quatro, cinco mortes..." Por um momento, não estava mais na luta. Por um momento, era como se tivesse aceitado a morte. Por um momento... acordou. Arregalou os olhos. Sangravam, tingindo seu verde sereno.
A anomalia desceu mais um soco. BRASH! Thales desviou e o golpe abriu o chão. O menino virou o corpo, um giro preciso, um soco rápido voltando no meio da boca daquilo. BA-! Foi ricocheteado, mas Thales controlou o coice e voltou.
BA-!
Mais um forte ricochete, mas menor... e ele entendeu... não era necessário...
"Socar com força!"
BAM-BAM-BAM!
Diminuiu a aplicação, e a anomalia flutuava com os impactos. Agora, a mesma recebia o ricochete; Thales só a fazia sangrar pela boca nojenta. BAM! CLAK! BAM! CLAK! Era como brincar no jogo do crocodilo dentista. Thales acertava um murro interno na boca, e a anomalia tentava arrancar seu braço com uma mordida, mas o menino era mais rápido que as mandíbulas, e a cada fechada de boca sinistra, os dentes se estilhaçavam e se regeneravam para a próxima rodada.
Os socos contínuos a levantaram demais. Thales segurou com firmeza o pé e a arremessou ao chão... mas, ao sentir os pelos o segurando... mudou de ideia. BAM-BAM-BAM-BAM! Fez o Mapinguari de Loki e o batia no chão diversas vezes.
— MORRE LOGO! — gritou exaltado. Respirava com dificuldade, estava cansado dos golpes sobre os pulmões.
CRUNSHHH!
O ser sacrificou suas pernas para se desprender. Regenerou outras e, no ar, não poupou BURRMNM! Uma explosão de chamas aconteceu, e Thales a recebeu no peito. Voou longe... queimado. A regata foi destruída, mas os nanorrobôs a criaram logo em seguida.
Mesmo que a tecnologia o poupasse de um grande problema que seria aquilo diretamente em sua carne, aquilo parecia ter sugado sua força. O menino ficou mais fraco do que em todo o tempo em que não comia nada. Caído no chão, 200 metros de onde foi acertado, seus olhos fechavam.
"Tenho que matar isso rápido. Não tem como ir contra magia de peito aberto..." Abriu os olhos; a anomalia vinha de um salto enorme na sua direção.
BUMM!
Uma cratera se formou onde estivera deitado. O jovem conseguiu desviar, e, no tempo do desvio, via o enorme olho macabro olhando como se sorrisse e dissesse: "vou matá-lo". Ergueu a mão na direção do menino mais rápido que o tempo corria; Thales viu novamente a mão emanando uma aura e nem imaginava que tinha como desviar daquilo.
BURRMNM! BUM-SCRrsrshh!
Foi lançado longe e caiu capotando, raspando seu corpo pelo chão. Sua barriga dilacerada em carne viva e queimada. Uma grande camada de pele foi obliterada, e o jovem sentia uma dor mais ardente que as chicotadas que Mirlim usou para abrir suas costas.
De bruços, sangue escorria de sua boca e corpo. A roupa se refez e nanorrobôs ainda internos em seu corpo desde o último treino tentavam conter os danos internos. THUM-THUM-THUM! Os bpm acima do limite humano. Tambores de guerra internos no menino gritando para se levantar e vencer aquilo.
Thales ergueu o rosto. Seus cotovelos rasgados se apoiando na terra seca da terra natal. Não via o ser, mas via uma sombra próxima ao seu corpo. Olhou para cima, no céu, e via a anomalia olhando-o, sorrindo com deboche.
— Arrff... Arfff...
O ser ergueu e esticou as mãos na direção. Thales arfava tentando controlar a dor. Uma aura emanou das mãos da anomalia; da esquerda, pontos se congelavam, na direita, fogo emanava... VRUSH! BRUMM!! Aquilo disparou sua magia mesclada, e uma explosão com uma imensa cortina de fumaça surgiu ao acertar onde Thales permanecera.
A anomalia pousou, olhando para o lugar. A explosão chicoteou pelo ar e pessoas conseguiram escutar, de Tiririca. Olharam na direção, mas só o som foi propagado. O sorriso do Ruína era notório, o olhar de quem aproveitaria uma carne assada... mas um ser cortou a fumaça.
FUU!
Um olhar irado. Louco pela vitória. Não importava o sangue que escorria do corpo. A regata de presente escondia seus machucados e seu olhar reforçava quem era o caçador. Thales veio com um soco, saltou e ia direto no rosto... sem pena, sem desvios, sem medo.
Em silêncio...
[ — Shhhh! Não faça barulho... — murmurou seu pai, ensinando na sua primeira caça aos tatus. — Eles são muito assustados. Um barulhinho e saem correndo ou se enfiam embaixo da terra. Temos que ser rápidos, precisos e silenciosos. Nunca deixe sua presa escutar você, a mate muito antes de pensar que estava em perigo... entendeu, meu nego?
Thales, criança, afirmou com a cabeça e focou o olhar no tatupeba que andava a cerca de sete metros de onde o observavam.
— Tá vendo ele?
— Sim, papai.
— Lembre... um soco só, só temos um soco só para dar a ele uma morte respeitosa. Não somos pessoas más. Só precisamos comer. Mas ainda precisamos respeitar nossos alimentos. O mate com apenas um soco na cabeça. Não deixe que ele te veja e não o faça sofrer... meu filho.
— Sim, papai.
— Tá pronto?
Afirmou de forma fofa com a cabeça.
— Vai! ]
A anomalia viu e deu tempo... lançou um soco de volta, e, como se o tempo passasse lentamente, os dois seres com os punhos cerrados colidiram suas mãos com violência extraordinária.
BAAAAMM!!-CREEKK!
O braço da anomalia não aguentou a pressão, e Thales tocou os pés no chão e avançou como se o selvagem ali fosse ele mesmo. O olhar focado, como em cada caça que já fez, mas com uma diferença: aquele ser não merecia uma morte respeitosa.
BmPBAAAM!!
O chão tremeu ao ser empurrado para um salto. O braço da anomalia se regenerou, mas Thales voou em mais um soco aéreo... no meio do olho daquela coisa horrorosa. Explodiu o globo. Não podia perder tempo. Não se brincava com magia... e ele sabia, sabia muito bem.
Sua mão penetrou a órbita ocular do ser, e o menino segurou com ferocidade. Era como um escalador profissional em uma competição. Agarrou o apoio e colocou os pés ao redor da boca para não ser mordido por burrice. As duas mãos seguraram a esquerda e a direita, e, antes dos braços da anomalia fecharem em um golpe no corpo do menino...
SCRRRUNCH!
Na base da ignorância, Thales dividiu aquela coisa ao meio. Sem pena. Sem remorso. Rasgou como uma folha de papel. Separou cada tendão, músculo, osso, nervo, veias, órgãos e... fios?
O coração não foi dilacerado, nem tocado... mas a anomalia aberta no chão não se regenerava como deveria uma Ruína... verdadeira fazer. Thales arfava com violência. A dor das queimaduras ainda era muito presente, embora a "vitória" fosse doce e o deixasse anestesiado.
Sentada em sua cadeira obscenamente confortável, em seu escritório banhado na escuridão... deixando só a iluminação dos RGBs do teclado e gabinete brilharem, além de telas translúcidas flutuando e um capacete igualmente tecnológico na sua cabeça... Mirlim se aborrecia.
Não usava mais o sobretudo, só a calça de cintura alta e sua blusa longa social com botões. O capacete tinha um visor que dava a visão da anomalia robô que controlava, que agora só lhe mostrava o preto da tela de derrota em seu jogo realístico demais.
O visor se desmaterializou, assim como o capacete, e a mulher ergueu o celular, discando um número.
Vrr, vrr...
— Hm? — Thales se assustou com uma vibração no bolso da bermuda. Enfiou a mão e viu que era o celular. — ...Isso é resistente mesmo. IA, o que é isso?
— A Srta. Mirlim está ligando para você, clique no verde para atender.
— A Srta. Mirlim?! — perguntou animado e atendeu. — M...
— Tá vendo que tem um fio preto e um vermelho no corpo dessa coisa?
— Hum...? — Thales olhou a carcaça e viu os fios soltos. — Sim... o que é isso? Pera... como sabe disso?!
— Porque era eu. Queria ver se estava pronto mesmo — resmungou do outro lado.
— É?! E eu tô?!
"Definitivamente eu estou te mandando para morrer..." pensou, mas não respondeu. Não ajudaria em nada falar aquilo. — Uhum. Me venceu controlando isso.
Thales ficou feliz, animado... a reação que a mulher queria. Ao menos assim, seria mais autoconfiante. Nem se tocava que Mirlim não o queria matar; se fosse um Mapinguari verdadeiro... talvez teria morrido. Talvez, digo, por conta das características. Mirlim modificou todo aquele ser à distância em seu escritório, ajudando a Limpeza, e, devido à anomalia não ter resistido aos experimentos nos laboratórios secretos em Brasília, foi criada uma forma de controlá-lo remotamente. A carcaça de "borracha" era para ver se o menino conseguiria passar por um couter perfeito. Conseguiu... mas se o ser possuísse garras... teria morrido, e Mirlim sabia muito bem disso.
— Mas... como controla isso? É um robô? — Curiosidade estampada na feição infantil que fez.
— ...Thales... você confia no governo? — murmurou, num tom sombrio, mas que Thales não viu como ameaça.
— Bem... eles nos protegem... Confio sim!
— Não deveria.
— Hum? Por quê?
— Junte os fios. É só conectar o fio vermelho no preto. Eles não te... Eu esqueci de adicionar nanorrobôs na criação para facilitar esses possíveis acontecimentos. Não esperava que iria romper os fios. Pensei que, no máximo, destruiria o coração biológico. Ah, lembre-se de uma coisa, embora imagine que Alissa vá ensinar quando chegar: sempre destrua o coração. Independente do quão fraca for a anomalia, destrua o coração. Você nunca sabe se pode ser uma Ruína falsa ou uma Calamidade falsa se mostrando ser fraca para conseguir mais vítimas.
— Tá bom.
Tz
Conectou um fio ao outro. A anomalia regenerou. Fu! Dando um soco em Thales, mas o menino desviou.
— Bom desvio. Achei que cairia.
O menino ficou feliz com a resposta, e a anomalia se levantou, ainda sorrindo de forma estranha, macabra. BpBUM! Saiu voando de lá, como um foguete em direção ao espaço. Thales levou um pequeno susto, mas acompanhou com o olhar a fumaça deixada em rastro no céu... não ia na direção de Salvador.
— Vai pra casa. Dez minutos antes do seu voo começar o embarque, os dois agentes vão aparecer aí para te trazer para o aeroporto de cá. Até mais, e se cuide lá em São Paulo — disse de forma suave, tranquila.
— Obrigado! Mirlim, você vai ir no aeroporto me dar tchau...?
— Sr. Thales, a Srta. Mirlim desligou assim que acabou de falar.
Thales fez bico, meio envergonhado.
— A.
O corpo do menino foi curado do nada. Não sentia nenhuma dor e ficou incomodado. Puxou a regata folgadamente e viu que seu corpo estava intacto.
— O que aconteceu?
— Magia, Sr. Thales. A Srta. Mirlim usou magia.
Passaram alguns minutinhos. Thales enfim chegou na porta de sua casa. Por fora, tudo permanecia igual. O Fusca com a mesma pintura um pouco zoada de quando foi embora, as paredes, tudo igual. Respirando fundo... entrou.
Continuava tudo igual por dentro também, exceto pelo fato de ter uma enorme televisão na sala e seus irmãos estarem jogando em um console novo. Thales ficou meio desapontado.
"Poxa... não era melhor gastar com coisas mais necessárias?" Enquanto pensava, o caçula o viu na porta.
— PEEEETOO!
Todos olharam quando o menino berrou, apontando para a porta. A mãe, que fazia comida, quase quebrou o pescoço; o pai, que soltava um barro, escancarou a porta tampando-se com um rolo de papel higiênico. As crianças saíram correndo na direção do irmão, e Thales se viu abraçado por todos do nada.
Abriu um sorriso e os abraçou de volta, erguendo seus irmãos todos juntos enquanto escalavam seu corpo. O pai se limpou e foi até o menino como uma bola de canhão. Seu abraço apertado fez as crianças todas saírem de cima do irmão.
— Meu nego... meu nego... você tá tão forte! — os olhos brilhavam, quase chorava de emoção. A mãe chegou em silêncio, secava as mãos com um pano. O rosto de quem não iria aguentar e começaria a chorar a qualquer momento. Abraçou-o junto ao pai.
— Que saudade eu tava...
— Eu também... mãe.
O abraço caloroso durou alguns segundos. Quando Thales foi solto, seus irmãos começaram a puxá-lo na direção da sala.
— Peto! A gente tá jogando Mortal Kombat! — exclamou o mais novo.
— Eu vi... — Virou o rosto para os pais — Pai, não devia ter gastado com comida e uma reforma na casa, não? Uma TV nova e um videogame não me parecem uma escolha legal.
— Mm? Foi presente.
— Quê? De quem?
— A Srta. Mirlim! — O pai tirou um celular da ADEDA do bolso. — Deu um celular pra todo mundo também. Mandou também dois agentes que nos ensinam de tarde português e matemática. Eles disseram que isso tudo era ordem da Srta. Mirlim. Que ela queria nos alfabetizar para poder falar com você pelo celular no tempo que vai ficar longe da gente.
A imagem de Mirlim voltou na mente de Thales como um meteoro. O rosto bravo, severo... mas também dos poucos momentos em que era doce, tranquilo. Não conseguia pensar em outra coisa. Só em agradecer. Não aguentou, e seus olhos ficaram úmidos.
"Cuidou deles por mim... obrigado..." O pai viu o menino com um sorriso de quem segurava o choro e foi o abraçar de novo. Apoiou a mão na cabeça do rapaz, e, mesmo que fosse muito mais forte que o pai, deixou-se afundar o rosto no peitoral do... agora... segundo mais forte da casa.
Deixou-se ser protegido. Deixou sua força de lado para voltar ao seu porto seguro: os braços do pai, a presença da família, a presença dos seus irmãos rindo felizes com O Pouco que tinham, que um dia... iria virar O Muito.
Apoie a Novel Mania
Chega de anúncios irritantes, agora a Novel Mania será mantida exclusivamente pelos leitores, ou seja, sem anúncios ou assinaturas pagas. Para continuarmos online e sem interrupções, precisamos do seu apoio! Sua contribuição nos ajuda a manter a qualidade e incentivar a equipe a continuar trazendos mais conteúdos.
Novas traduções
Novels originais
Experiência sem anúncios