Dançando com a Morte Brasileira

Autor(a): Dênis Vasconcelos


Volume 1 – Arco 2

Capítulo 110: Exaustão

Levante e seja mais rápido. Levante e seja mais rápido. Levante e seja mais rápido. Levante e seja mais rápido. Levante e seja mais rápido. Levante e seja mais rápido.

LEVANTE E SEJA MAIS RÁPIDO.

26 dias errando e sendo punido. Mas, a cada dia, errava menos. Ser analfabeto era o menor dos problemas. Conseguir raciocinar sendo quebrado por golpes, mesmo conseguindo desviar... era bem pior.

Os números dos alvos eram muito aleatórios, exigiam constantemente mais do que o menino conseguiu de recorde no primeiro contato com aquele treino. Mas, ainda assim, dando nomes e significados às letras que ficavam ao lado dos números, foi conseguindo calcular na "sorte" seus golpes precisos.

O corpo todo roxo. Incontáveis vezes que seus ossos foram quebrados sem pena. Era uma tarde quente. Mirlim não saiu daquele campo em nenhum dos dias. Muito menos comeu ou foi transar com alguém do seu grande harém. Seu olhar se mantinha o mesmo o tempo todo: a irritação que os colocou naquele momento.

O treino de sobrevivência, velocidade, desvio, atenção e precisão de golpes foi encerrado há sete dias. Mirlim decidiu priorizar a velocidade. Colocou-o para correr sobre a linha do retângulo do campo, e o jovem, tonto de tanto rodar, continuava correndo o máximo que conseguia... e mesmo assim ainda havia surpresinhas. Vez ou outra, Mirlim erguia o pé, mas a ordem era clara: só pode saltar quando eu erguer; caso salte sem eu erguer... uma punição irá receber.

O vento agia de forma diferente. Um tornado de vento no meio não conseguia escapar, só crescia. O menino passava rápido, mas ainda era possível ver os movimentos fantasmas, seu corpo meio translúcido. Não era nada. Literalmente nada em comparação com os gêmeos... nem mesmo Louis... mas, de qualquer forma, esses não eram seus inimigos. Animálias eram. Anomalias mais rápidas?

O sol nem surtia efeito. O calor era irrelevante. A luta era interna. Era ele contra ele. Era ele contra seus limites. Era Thales matando um Thales a cada segundo, ficando mais rápido, ficando mais resistente e concentrado. Eram poucas as vezes que não acertava os saltinhos, mas, independentemente de acertar ou não... seu corpo queria parar a todo momento, mas ele não.

Nanorrobôs trabalhavam dentro... dentro do corpo. Continham danos, davam um suporte para o menino de fato não cair morto. O coração era o principal alvo de reparos; os batimentos cardíacos passavam de 300. Já era para ter caído duro, mas os mini médicos trabalhavam com exatidão... limitada de propósito.

Fu-fu-fu-fu-fu!

Enquanto Mirlim o via passar correndo com nitidez a cada volta, vendo em 8K cada lágrima que voava dos olhos, cada expressão de dor em meio à vontade, conversou com Thales em sua mente, embora não passasse de um monólogo interno:

"São outros tempos... ou você vira um super soldado, ou você morre na primeira missão de extermínio. Desculpa ser bruta com você... mas não tínhamos tempo para um treinamento amigável, fofinho ou infantil. Você não sabe nada desse mundo. Não sabe nada da vida. Posso ser um monstro na sua cabeça. Posso ser o ser mais desprezível, o ser mais nocivo em seus pensamentos. Mas entenda: se eu passasse a mão na sua cabeça, você nunca chegaria no que está apresentando hoje."

Fu-fu-fu-fu-fu!

"Aprendemos mais fácil na dor. Descobrimos a força que temos quando somos jogados no limite. As frustrações, as decepções são o que nos muda para sempre. Mudam a perspectiva de tudo, nos fazem cometer menos erros. Mas... como eu disse, garoto: um erro que cometer lá fora pode não ser pago apenas com choro e vergonha de ter falhado." O olhar severo continuava. Os ergues de pé, mais ainda.

Passaram-se algumas horas. As luzes do campo foram ligadas quando o sol decidiu sair de cena. Thales ainda corria e corria. As ligações, tendões, disputavam quem doía mais. Uma forte rigidez em cada músculo. Era como acordar com uma tremenda dor de torcicolo, mas era em todo o corpo, e a cada passo sentia seus tendões se romperem. A cada pisada forte no chão, os ossos de sua perna rasgavam a carne.

Era sobre-humano. Os nanorrobôs continuavam trabalhando na ordem limitada, deixando no limite a todo tempo, entre a vida e a morte. Seu nível de concentração interno piorava a situação. Sentia que seus músculos e carne queriam desgrudar dos ossos. Era absurdo. Só queria poder parar, descansar, mas sempre que conseguia ver o rosto da mulher, sabia que tinha que continuar.

Até que...

— Pare — murmurou.

Thales conseguiu parar o corpo em uma segurada de outro mundo. Não passou pela mulher, parou e continuou olhando para frente, na reta que devia seguir. Mirlim o olhava; Thales estava de lado para ela. Suado como um porco sendo assado, respirando como um sedentário.

— Volte a... — Thales iniciou um passo já indo acelerar. — Vamos embora. — Pahff! Cancelou o passo e aceitou a queda como se caísse na cama mais macia do planeta.

Rfff-Rfff-Rff...

"...Não há razão para mandá-lo se levantar. Já acabou. Tenho só mais dois dias... e quero que já esteja lá na madrugada do segundo." Segurou o pé do menino, Scrcrrr... e saiu o arrastando de lá.

— Sii... Sinhá...?

Mm?

— Onde vamos agora?

— Pra enfermagem da escola. Vou deixar você dormindo em uma das macas que tem lá. Seu treinamento acabou. São as suas últimas horas aqui em Salvador.

Cof-caf! — engasgou e tossiu. — Por quê?!

— Porque é assim que funciona — sussurrou de volta e entrou na sala. Era ao lado do campo, já que aquele local era o mais propenso a acidentes. Ergueu o menino nos braços da mesma forma que foi erguida algumas semanas atrás e o deitou. Os músculos tão rígidos que o menino nem queria se mexer.

— Ma-mas por quê? Eu...

Mirlim se sentou ao lado. O rosto mantinha a preguiça, mas não a soberba, nojo ou desdém de sempre para com ele.

— Thales, desculpa por tudo. Precisava ser assim.

O menino ficou sem reação.

"'Thales'? 'Desculpa'?"

— Precisava de resultados rápidos. Então precisei fazê-lo sofrer tanto. Amanhã você volta para ver sua família uma última vez. Bill e Will vão deixar você em Catolândia. Chegou aqui de cabelo cortado. Então imagino que tenha um barbeiro lá. Vou disponibilizar um jato meu para irem e voltarem mais rápido de lá. Mas, ainda assim, não vai ir com ele até São Paulo, onde será sua nova casa. Vou disponibilizar apenas para poder ficar mais tempo com sua família antes dos dois agentes baterem na porta dizendo que já era hora de vir para o aeroporto aqui de Salvador. Em São Paulo, será levado até a ADEDA de lá e ficará na sala da minha subordinada. Se chama Alissa. Os dois te entregarão seus itens no jato — Mirlim disse, se levantando. — Era só isso, até mais.

— Espera, por favor! Por que isso do nada? Foi muito rápido, pelo menos me explica direito! — Forçava o corpo na maca, mas parecia uma pessoa toda engessada tentando se virar para o lado.

Mirlim parou, piscou com preguiça uma única vez e se virou para ele.

— Explicar o quê?

— ...Tudo. Por que eu preciso ir? Por que não posso ficar aqui? Eu sou escravo!

Mirlim revirou os olhos, mas não de raiva. Só uma preguiça maior mesmo, e se sentou novamente.

— Menino, eu tenho mais de 10 anos a mais que você. Aquele dia eu estava bêbada. E, quando estou bêbada, eu faço muita merda a mais do que sem estar. Não nutra sentimento por mim, isso é doentio, ainda mais pensando no que te fiz passar. Por favor, não meta uma de Estocolmo.

"Esto... o quê?"

— Você vai achar alguém legal.

— Ma...

— Tatatata... — Ergueu uma mão e balançou a cabeça repetidas vezes. — Esquece isso. É pro seu bem.

Silêncio.

Thales não respondeu e desviava o olhar sem saber como manter uma conversa com uma mulher. Mirlim queria ir embora logo.

"Não vou mais vê-lo e o fiz dependente de mim... é brincadeira uma merda dessa." Abaixou o rosto para deixar a frustração sair, ergueu-o movendo os lábios: — Respondendo suas perguntas. Você não é um escravo, eu só gosto de chamar as pessoas que eu mando ou controlo assim. Não sou racista, só usei isso como arma para treinar você. Não comprei você. O contrato é algo que todos que entram na ADEDA são obrigados a assinar. Assim como aquele menino que você ficou com ciúmes — brincou, murmurando de forma suave.

— Eu agi errado. Desculpa — sussurrou com o coração.

Isso quebrou um pouco o clima da brincadeira, mas Mirlim relevou.

— O contrato não existia um tempo atrás. Foi colocado depois de uns eventos aí. Sobre os seus it...

— Desculpa, Sinhá, mas poderia contar esses 'eventos'? — Olhava-a curioso.

Mirlim fechou a boca após escutá-lo e a reabriu, continuando uma explicação preguiçosa:

— Não precisa me chamar assim. Pode se referir como você ou só me chamar pelo nome.

— Tá!

— ...Em 2006, uma calamidade fez uma bagunça em Minas Gerais. O Esquadrão Um foi até lá para caçar o que fez mais de 900 mil pessoas morrerem. De fato encontraram, mas, na luta, oito dos dez integrantes morreram. A notícia das mortes chegou mais rápido do que a volta dos dois sobreviventes. O líder do esquadrão e sua n... hoje atual namorada. Quando voltaram, a ADEDA de São Paulo estava um caos. Os milhares de alunos, crianças e adultos, professores e até mesmo grupos prontos para disputarem o torneio para descobrirem quais deles formariam os próximos esquadrões oficiais... meteram o pé cheios de medo.

Mirlim deu uma pausa, olhando para frente.

— Não me importei tanto. Nem queria sair da sala dos professores para entender direito. Mas era meio óbvio e eu consegui escutar. O principal argumento era: "se o meu professor, que era muito mais forte que eu, morreu, quem sou eu? Não quero morrer também!" Dando nome aos bois, ainda mais um pão duro como esse...

O rosto ficou rígido, a palito do pirulito parecia estar sendo mastigado. Thales não entendeu a ofensa um pouco mais ríspida na fala.

— Louis chegou e viu o caos. Mas, em sua cabeça, um maior ainda rolava. Seu irmão era um dos exterminadores que morreram. Quando voltou e viu toda a organização sendo desfeita... sentou em um banco e caiu em lágrimas. Mas... havia uma esperança. Nem todos meteram o pé. Alguns alunos mais velhos se juntaram e foram até ele chorando. O que falaram foi simples: "Diretor... nos treine! Vamos ser os professores das crianças que ainda temos." Eu consegui ver com nitidez o brilho nos olhos de Louis, a esperança sendo recuperada de ter um país seguro dessas... coisas horrendas. Naquele dia então, o contrato foi inventado para todas as pessoas que pedissem ou fossem selecionadas, assim como você, para entrar. Não comprei você como um escravo, só o recrutei para a organização. Um escravo não ganha nada pelo trabalho; exterminadores recebem salário... mesmo que os trabalhos sejam com um risco imenso. Aí que, de fato, entra o contrato: entrou na ADEDA, não dá mais para ser um covarde.

— ...Esse Louis treinou eles sozinho?

— Não. Eu, Alissa e Katherine, a segunda sobrevivente do massacre que a Calamidade causou, ajudamos. Fiz um treinamento mais leve do que fiz em você. Mas não se sinta mal. Era porque eram fracos de corpo e força. Ainda assim, quebrei bastante ossos. Hehe! Mesmo depois de consertar, ficavam andando todos tortos. Era hilário. Mas era uma ótima forma para aprenderem rápido. Ninguém gostava quando chegava na minha vez de educá-los... mas faziam tudo de cabeça baixa para não dar merda. Mas é aquilo, né? Eles possuíam magia; o treino era mais para isso e como ser um professor didático, decente. Minha subordinada acabou me puxando em algumas coisas. Fazia bem pior com eles do que eu... era gostoso de ver uma menina de nove anos botar adultos para chorar de dor, não vou mentir.

— ...Nove anos? Alissa é a mulher de cabelo branco que aparece na TV às vezes?

Uhum.

— ...A pessoa mais poderosa do mundo é sua subordinada!?! — exclamou sua dúvida em euforia.

Uhum. Minha eterna escravinha.

— ...

Mirlim viu o rosto cheio de confusão e deu uma leve risada, uma leve risada que fazia o coração do jovem ficar estranho, mas ainda assim, Thales...

"...Não. Ela já disse... não posso criar sentimento."

— Você vai ficar na sala dela... — Aproximou o rosto para falar bem baixinho: — Vou te contar um segredinho, mas não conte pra ela...  

Thales confirmou com a cabeça, cheio de ânimo e expectativa.

— Ganhei dela em um duelo na escola.

— Q-q... Quê?!

Uhum. Ela é, de fato, a mais forte. E desde pequena já era um destaque internacional. Seu ego, sua soberba, sua... arrogância estavam no auge. Grande, brilhante. Tinha só oito anos quando chegou e, quando foi colocada nesse holofote, via todos como inferiores. Todos tinham que abaixar a cabeça pra menina e responder com o máximo da educação. O problema dela... foi me acordar de um sono na sala dos professores querendo exigir isso de mim. Me acordou mandando eu redigir um relatório para ela, além de pegar alguns outros arquivos que a menininha estava querendo. Eu, no auge da paciência, olhei no fundo dos olhos dela e disse "não", antes de deitar o rosto na mesa e tentar pegar no sono mais uma vez.

Thales escutava com a atenção a mil.

— Mas ela não ficou alegre com a minha atitude. Rosnou igual uma gatinha filhote irritada, mandando eu fazer aquilo, se não eu iria me arrepender. Me impedindo de dormir, não calando a boca, olhei pra ela mais uma vez e lancei um desafio: um duelo onde quem acertasse o primeiro golpe, vencia. Eu sabia bem que um duelo normal eu não ganharia. Mas ela, com toda a arrogância, aceitou. Se eu vencesse, ela seria minha escrava e teria que me obedecer para sempre. Se ela vencesse, a mesma coisa, do contrário. Todo o Esquadrão Um estava na sala. Por detrás das costas da menina, balançavam a cabeça para eu não fazer aquilo. Mas eu sabia de uma coisa... não precisaria fazer nada para ganhar.

— Foi igual fez comigo?

Uhum. Mas eu usei do mesmo artifício dela, que eu sempre tive... a dúvida. Ninguém do mundo sabe de fato qual é o meu poder, e o que pensam que sabem, é o que eu quero que pensem. Ela é a mesma coisa. Não há registros que dizem diretamente o que é. Mas eu sempre observava os vídeos, analisava, estudava como ela matava as anomalias sem se mover. Então... eu já sabia o suficiente. Não vou falar isso, porque se ela sonhar com isso, vou ter que aturar uma ligação de horas me xingando. Mas, basicamente, eu sabia mais dela do que ela de mim. Fomos para o estádio, eu de um lado e ela do outro. Lotado de gente. Isso foi bem antes da merda de 2006. Ela estava nitidamente irritada e eu, com deboche... um deboche pensado meticulosamente.

Mirlim assumiu o mesmo olhar e Thales corou... mas não era para corar.

"Ela já disse pra esquecer isso!"

— Louis iniciou o duelo. Alissa usou seu poder em mim e perdeu instantaneamente. Eu não me movi. Só a vi sair voando na direção contrária à minha. Bateu contra uma parede. O entulho ao lado da menina, sem nenhum arranhão, única coisa que tinha era a raiva, a vergonha e a frustração estampadas juntas naquele rostinho pequeno. Não houve um barulho de tosse sequer. Ninguém disse absolutamente nada. Só olhavam assustados para o campo. Andei tranquilamente alguns passos e disse em alto e bom som: "A partir de hoje, você abaixa a cabeça quando eu falar, e todos os dias é pra você estar na sala dos professores, pois vou lhe dar ordens, ouviu, minha pequena escrava?" A raiva era imensa. Mas a menina abaixou a cabeça e engoliu a frustração, dizendo o "sim, senhora" mais fofo que alguém já me disse. Depois disso, eu basicamente criei ela. Virei uma mãe e amiga. Descobri muitas coisas, entendi muito sobre o porquê de a menina ser daquela forma e... não vou entrar nesse assunto. Não é sobre mim.

Uhum.

"Não. Começa a me imitar não!" — Mas enfim. Uma dica. Pelo que sei, ela está melhorando em sala, mas ainda assim, não converse, interaja ou chegue perto dela, se ela que não tiver feito isso. Eu não matei você, mas o temperamento dela pode fazer isso.

Thales arregalou os olhos.

— Última vez que conversamos, ela me disse que queria tacar um aluno do espaço pra cair na Terra. Cuidado, o aluno, pelo que eu vi, sobreviveria porque é muito forte, mas você não aguentaria. Não possui magia... então, tome cuidado com ela.

Thales afirmou com a cabeça. Tap-tap... passos preguiçosos foram ouvidos de trás. Mirlim chegou com uma bermuda, chinelo, cueca e uma blusa em mãos. Sobre as peças dobradas, um celular da ADEDA, o cartão e uma identidade nova.

O menino viu as duas e ficou confuso... mas a que segurava as coisas se desfez em nanorrobôs, colocando os itens ao lado da Mirlim verdadeira e deixando-o feliz.

"Não era um clone?! Ela ficou comigo o tempo todo?!"

— Essas coisas são suas. Ia deixar pro dois idiotas lhe explicarem, mas... já tô aqui, então... Basicamente, essa roupa é universal. Ela é tudo. Feita de nanorrobôs, você só precisa dizer o que quer vestir que será feito. Essa sua regata, se pedir para imitarem, vão imitar.

— Que legal!

Uhum. Como você é muito grande, achar roupas seria um desafio e encomendar por tamanho seria chato. Assim, se precisar de uma roupa específica, você tem. Viu algo que gostou na televisão? Viu algo em uma loja? Só falar diretamente para ela que será criado. São inteligentes. Detectam que é com eles e pronto. Agora, isso aqui é um celular.

Direcionou o aparelho para o jovem... que olhou e voltou para o rosto dela. Todo duro, não conseguia se mover. Mirlim colocou o aparelho de volta sobre as roupas.

— Você é analfabeto, então obviamente não consegue ler, e ler é o mínimo para usar um celular. Por isso, há alguns nanorrobôs em seu ouvido esquerdo. Modifiquei o celular, o único do mundo que possui minha tecnologia além do meu próprio. Minha IA está nele, controla tudo e, da mesma forma que você pode pedir para a roupa trocar de roupa, qualquer dúvida do mundo que tiver, é só perguntar que a IA consegue detectar que é para ela. E aí, os nanorrobôs controlados por ela irão dizer no seu ouvido a resposta e conversar com você. Ninguém consegue escutar, só você.

O jovem confirmou com a cabeça.

— O celular é feito para resistir às coisas mais extremas possíveis. Acredito que até um míssil, mas é aquilo. Só ele. O dono, não. Não precisa ter medo de quebrar ele. É impossível, a não ser que você queira isso de fato. Refiz sua identidade e já configurei o seu cartão de crédito. Contém quatro mil reais.

— Quatro mil reais?!

Uhum. Para se manter, mesmo que o apartamento venha abarrotado de comida. Você vai morar sozinho lá. Sobre como usar, é a mesma coisa do celular, só pedir para a IA ensinar. Mas eu queria que você desse um foco em aprender a escrever, ler... deixar de ser analfabeto mesmo com o auxílio da IA sendo suficiente. Use ela para estudar. Dependa o menos possível das coisas que conseguir. Tente ser sempre suficiente em tudo.

— Pode deixar... — respondeu quase lacrimejando, sabia que a hora de ir estava chegando.

— Você não deve saber o que é academia, mas eu já coloquei você em uma por lá. Não vai ajudar a ganhar força nem nada. Os pesos e as máquinas são irrelevantes para você, mas o coloquei lá para treinar sua precisão e aplicação de força. Você facilmente, sem querer, consegue quebrar as máquinas, então tente não quebrar. Essa é a operação que deixo com você para executar lá.

O menino afirmou com a cabeça, recebendo aquilo como uma honraria a um herói de guerra.

— O dono se chama Marcos. Ele é grandão também, mas provavelmente não é natural como você. Mandei ele me avisar se você ficar faltando. Precisa ir no mínimo um dia por semana, senão ele vai me avisar, e se ele me falar que você não está indo, vou quebrar você na porrada, me ouviu?

O choro de emoção foi sugado pelos olhos assustados que se abriram. Confirmou com a cabeça, vendo a mudança de feição da mulher tão abrupta.

— ...Não aceite racismo ou qualquer um te diminuindo, ok? Eu já disse, era apenas necessário, ao meu ver, eu usar disso. Se alguém for, tem permissão para quebrar ele inteiro, só não mata, mas se matar... relaxa que o resto eu faço daqui. Ninguém saberia que foi você, a não ser se você matar alguém no meio de outras pessoas.

— Pretendo não matar ninguém...

"Nha. Não sabe brincar..." — Uhum.

Silêncio.

Ninguém dizia nada, só se olhavam em uma despedida triste.

"Não é só isso também... Quero que faça amigos. Talvez conheça alguém grandão como você e vocês se tornem. Não sei muito sobre você, nem mesmo o que curte. Mas talvez esse meio de bodybuilder seja interessante."

— Mirlim...

— Diga.

— Sua esmeralda.

— Nunca quis isso, relaxa. Se eu quisesse, eu mesmo ia nos EUA e pegava de volta.

— Não... Não é isso. É que ela tá no meu bolso.

— Quê?

— O traseiro... não consigo me mexer...

Mirlim se ergueu e o virou de ladinho, enfiou a mão e sentiu algo. Puxou. Era a chave do corredor e uma pequena esmeralda. Olhou para aquilo com um olhar impressionado. Voltou-o na posição anterior e se sentou na cadeira, olhando aquela joia.

— Não imaginei que iria encontrar algo por aqui. Obrigada, me surpreendeu... Mas chegou a hor...

— Mirlim...

Não se irritou em mais uma vez ser cortada, mas a paciência estava indo embora. Queria sair de lá logo.

— Diga.

— Você pode deixar o Robson ir embora?

— Quem é esse?

— Meu amigo. A anomalia do meu quarto.

— Por que eu deveria fazer isso? É só uma anomalia.

— Ele é meu amigo... por favor, não mate ele.

Mirlim assumiu, de fato, um olhar de puro tédio.

Sniiiff... fuuu... Ok. Amanhã eu solto aquilo.

— Obrigado... Obrigado também por ficar comigo. Eu pensei que era um clone, mas aí veio esse clone e vi que não era... Obrigado!

Mirlim se levantou, já iniciando seus passos preguiçosos saindo de lá.

Uhum. Até m...

— Mirl...

A preguiçosa moveu o indicador direito e desmaiou o menino.

— Vai dormir logo, praga! Chatice. Óbvio que não era eu. E lá eu ia ficar esse tempo todo com você naquele lugar. Cada uma. — Moveu o dedo novamente, agora curando o menino completamente. — Chamação dos inferno. Devia ter deixado falar o meu nome, não.

Saiu resmungando pelos corredores. Braços cruzados, olhos entediados. Era noite, mas não voltaria para o apartamento. Havia trabalhos a serem feitos. Não só o relatório inicial para mandar para sua subordinada.

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