Dançando com a Morte Brasileira

Autor(a): Dênis Vasconcelos


Volume 1 – Arco 2

Capítulo 103: Tatupeba?

Thales, junto de sua família, voltava com o fusquinha socado no chão, devido ao peso, de volta para casa. Era noite; foram segurados por algumas horas pela repórter, que não queria perdê-lo nem que a audiência alta diminuísse minimamente.

Não houve exames. Depois de finalmente agirem de forma racional, sua família escutou as perguntas e conversas, notando então que ele não estava machucado, apenas sujo, e, mesmo que estivesse machucado, aquele lugar não era minimamente propício para um atendimento clínico ambulatório ou hospitalar.

Thales dirigia.

O farol esquerdo piscava devido a uma falha em suas fiações; já o direito não funcionava. O foco era maior que o normal. Cada piscada da luz fraca doía seus olhos, mas era necessário se quisessem chegar em casa sem capotarem aquele veículo em meio à escuridão daquela noite, que a lua não queria cooperar.

Porém... de repente, Skiiirrrr... se sentiu obrigado a frear bruscamente. Uma luz intensa iluminava os arredores do carro. Mal conseguia manter os olhos abertos, assim como sua família, que começava a sentir medo.

"A-a-alienígenas?" pensou o irmão mais novo, travado de corpo inteiro no vidro traseiro, suas bochechas amassadas, sua respiração manchando o vidro.

Via melhor que todos os outros "a coisa" voando e agitando toda a vegetação ao redor da rua de terra. Era um helicóptero; os agentes da ADEDA chegaram e interceptaram-nos. A ordem foi clara: tinham que aparecer com Thales na manhã do dia seguinte no escritório de Mirlim.

Não havia espaço para erros ou falhas. Não importava se iriam conseguir "comprá-lo" ou precisariam sedá-lo e sequestrá-lo para levar até a segunda mais forte. As hélices rodavam violentamente. A luz se mantinha bem intensa conforme aquela aeronave descia, bloqueando a rua para que não fugissem.

Thales e seu pai, recebendo a claridade no fundo dos olhos, agora que a fonte da luz pousou de frente para o fusquinha, mantinham um braço em frente aos olhos e à testa, tentando de alguma forma identificar o que era aquilo.

Os dois desceram do carro.

O som da rolha de vinho sendo arremessada, dos seus músculos preenchendo o interior da parte da frente do carro, nem pôde ser ouvido, devido ao som das hélices diminuindo sua velocidade em seus giros.

A mãe abriu a porta de trás, e, igualmente como foi em Catolândia, os nove irmãos saíram rolando rua afora, finalmente tendo espaço, finalmente liberados da "lata de sardinha" que era o carro naquele momento.

Thales seguiu alguns passos ao lado do pai, seu punho esquerdo fechado para baixo, assim como o do velho, pronto para cair na porrada com qualquer coisa que estivesse ameaçando sua família. Podia ser um alienígena ou não, um soco no meio da cara ia levar, nem que os "humanos" morresse no processo.

Com dificuldade, viram o que parecia duas silhuetas escuras sendo formadas pelo brilho intenso. Os agentes da ADEDA haviam descido. Se postavam em pé, bem eretos, braços cruzados, feições sérias, embora ambos com óculos escuros no meio daquela noite intensamente escura.

Os meninos que voaram mais longe voltavam como zumbis, lentamente, desviando o rosto da luz, mas caminhando na direção. Thales parou o passo, seu pai também, e então foi o primeiro a abrir a boca:

— Quem são vocês? — Sua voz rouca, claramente ameaçadora.

— Sou o agente Bill, e ele, o Will — respondeu, ambos mantendo os braços cruzados, as pernas levemente afastadas. — Temos uma ordem da diretora da ADEDA do estado da Bahia para levá-lo conosco até lá, Sr. Thales.

"ADEDA da Bahia?" pensou Thales. — São gente? Desliga essa luz então! Tamo veno nada, rei!

— Ah — balbuciou Will, o agente de pele negra.

Desfez os braços cruzados e entrou na aeronave rapidinho, abaixando absurdamente a potência da luz, fazendo com que as piscadas do farol do fusca sobressaíssem em intensidade com a luz que manteve para que pudessem se ver.

Will desceu do helicóptero e voltou à formação, braços cruzados, ao lado de Bill. Thales viu aquilo, seu rosto meio confuso; aqueles dois pareciam que sacariam uma caneta prata a qualquer momento, dando um flash em sua família, apagando-lhes a memória.

— Por que estão de óculos escuros? Tá de noite.

Bill moveu a boca como se mastigasse algo, no tempo que ponderava a pergunta de Thales. Dois segundos que pareceram uma eternidade. Um constrangimento absurdo. Thales sentia vergonha daquela cena, e então os dois agentes disseram juntos:

— Achamos maneiro.

— ...

O jovem baiano nem se deu ao trabalho de falar mais nada.

— O que vocês querem com o meu filho? Quem é essa "diretora"? — perguntou o pai, dando um passo à frente. A mãe e os irmãos já estavam juntos em frente ao fusca.

Bill continuava movendo a boca, mas, desta vez, respondeu de imediato:

— Nunca viram a Srta. Mirlim Schmidt na televisão?

A mãe se juntou ao filho mais velho e ao pai, enquanto Thales e o pai tentavam se lembrar daquele nome, mas nem passava por suas cabeças. O nome era difícil até mesmo de pronunciar.

— É uma mulher branca? — perguntou o pai.

— Sim, muito branca, cabelo preto, boniiS-slictona — disse quase em sussurro, voz rouca, uma feição relaxada, quase deixando a baba sair.

— Bonitooona mesmo... — respondeu o pai.

PÁ!

No instante em que assumia um semblante babão, bem semelhante ao agente, recebeu um tapa no braço da esposa pra acordar e ficou mansinho: cabeça baixa, braços esticados para o chão, envergonhado. A mãe o encarava com dois olhos imensos, e ele, um homem gigantesco, completamente indefeso perante quem realmente mandava na casa e na relação.

...Sabia bem que iria ouvir até o ouvido cair mais tarde.

Thales voltou o rosto para os homens, depois de se assustar com o estalo alto do tapa.

— Tá, mas... O que querem comigo?

— A Srta. Mirlim escolheu você para ser treinado por ela na escola de Salvador.

Enquanto o jovem processava aquelas palavras confusas, Bill entrou no helicóptero e saiu com uma maleta preta. Thales mantinha os olhos em Will e, ainda bem confuso, perguntou:

— Me escolheu? Como assim? E se eu não quiser ir?

Will se manteve impassível, não disse absolutamente nada.

Bill passou pela família, chegou próximo ao fusca e abriu a maleta cheia de dinheiro sobre o capô do veículo, saindo da frente para que todos enxergassem... menos o caçula, que, mesmo pulando, não via nenhuma das notas de 100.

— O q...

— Aqui tem 20 mil reais. — Plaf! De forma dramática, pôs a folha do contrato também sobre o capô do veículo. — E aqui eu tenho o contrato que precisa assinar para sua família levar os 20 mil reais para casa.

As crianças não entendiam ao certo. Sabiam que era muita coisa, mas ainda não conheciam o peso do dinheiro... o peso verdadeiro que caiu nos ombros dos pais... e o peso de perceber que a decisão era sua... nos ombros de Thales.

— A Srta. Mirlim quer treinar você, para torná-lo um exterminador de anomalias futuramente. Podendo atuar em todo o Brasil e, principalmente, podendo ajudar sua família com dinheiro, de onde for que esteja.

Sabiam bem o que faziam... Colocar uma "ação bondosa", uma "razão maior que a dor", uma "promessa de futuro, de mudança" para quem não tinha nada era ter a certeza de que o contrato seria assinado. O desespero para mudar, a necessidade, o dinheiro fácil, tão fácil... "Vamos... é só assinar!", "É pelos seus pais!", "Você não quer salvar seus irmãos dessa vida? Da miséria...?"

Não era como se fosse um contrato maléfico... não em curto prazo, já que teria que arriscar a vida por pessoas que nem conhecia, dar seu sangue para proteger seu país e todos os civis que confiavam e pagavam impostos, que, consequentemente, pagariam seus hiper salários... posteriormente.

Também não era algo criminoso, que destruiria vidas de pessoas para benefício próprio. Era o contrato que ditaria seu futuro. O contrato que podia mudar o futuro de sua família para o infinito sempre.

Thales se aproximou de Bill e olhou o contrato... suas mãos tremiam. Olhava para a caneta, mas tinha medo. Medo do que poderia estar escrito naquela coisa.

— Senhor, eu não sei ler.

Sua voz desenhava com perfeição sua tristeza, ânsia e receio. De forma instintiva, queria assinar. Mesmo com medo, quando olhou o homem após assumir sua limitação — algo de berço, já que ninguém ali além dos agentes era alfabetizado —, viu que o homem sentiu suas palavras. E aquilo o fez ver uma humanidade, uma sinceridade, em poder pedir:

— Poderia me dizer o que eu preciso fazer para ter esse dinheiro?

Will engoliu em seco. Já Bill respondeu sem rodeios:

— Ao assinar, o dinheiro será da sua família, mas você virá conosco e passará pelo treinamento da Srta. Mirlim. Só ela pode dizer o que será de você após a conclusão, pois ela será sua responsável e supervisora. Assinando o contrato, não há mais volta. Sua vida se torna pública, você vira propriedade do país. Terá que servir à ADEDA por ao menos 30 anos oficialmente, participando de um esquadrão. Caso, em uma missão, sofra um ferimento que o deixe impossibilitado de continuar servindo em missões, passará a ser professor em alguma das escolas espalhadas pelo Brasil, recebendo mensalmente o maior valor de salário que conquistou em operações. Assim que os 30 anos acabarem, ainda receberá seu salário mensalmente até o dia em que falecer, podendo optar por continuar servindo como professor ou não. Caso só queira se aposentar, terá a permissão, depois de receber uma medalha do presidente da república em honra ao tempo que serviu ao país.

Thales processava tudo, sua cabeça um pouco baixa.

— Não vou mentir, rapaz...

Ergueu o rosto para escutá-lo melhor.

— Não posso prometer que voltará a ver sua família tão cedo. Talvez só em anos, ou por videochamadas e coisas assim. Se ela disser que você tem que ir para o sul do país, você não pode questionar, só obedecer. Pode haver folgas, férias, ainda mais que estará na escola, e não já servindo em um esquadrão, mas, ainda assim, se for assinar esse contrato, dê um abraço bem apertado de despedida na sua família.

Thales acatou as palavras, quase chorava. Lágrimas queriam jorrar... Aquilo mudaria tudo. Era tudo que sempre quis... uma saída do rumo inevitável do ciclo infinito da miséria. Seu pai não dizia nada, sentia a dor que o filho poderia estar sentindo, Thumf... e o abraçou de repente... a mão atrás da cabeça, apoiando a testa do filho em seu peito... quando Thales começou a chorar.

— Calma... Não precisa se sentir assim... Painho sempre vai te apoiar, meu filho. A escolha é sua. Se não quiser ir, não precisa. Nunca tivemos dinheiro assim, nunca precisamos até ag...

— Precisamos sim... pai... — Ao ser interrompido, manteve o silêncio, e, ao escutar o que o filho disse, percebeu que tudo que dissera era mentira, tudo que dissera era para tentar aceitar algo completamente falso. — Precisamos sim... Não temos dinheiro pra nada, isso vai ajudar vocês na casa. Comprar comida, pintar as paredes. Colchão pros meus irmãos. Você sabe que precisamos disso.

Thales se afogava.

Os braços para baixo, tremendo, com os punhos cerrados, na tentativa de parecer mais forte por fora do que tentava ser por dentro. Sua mãe se juntou ao pai, sua mão acariciando as costas do filho, tentando passar força com o toque de mãe.

Os irmãos não entendiam muito. Vendo Thales chorar, alguns se juntaram ao coro de choro, silencioso e doloroso. Will e Bill se mantinham impassíveis, em pé, posturados, de braços cruzados um ao lado do outro. Uma lágrima traiu a estrutura de Will e desceu pelo rosto, fugindo por detrás dos óculos.

Mesmo tocado pelo momento, abaixo da manga do terno escondia pequenas agulhas venenosas, prontas para serem usadas em uma investida rápida do homem. Os agentes da ADEDA, no geral, não costumavam saber magia — e, se sabiam, era bem pouca ou fraca para atuar como exterminador. Mas, ainda sendo obrigados a seguir carreira pela ADEDA, optavam por ser agentes... mesmo sem poderes, ainda eram ex-alunos treinados.

Com uma única negação de Thales, toda a família cairia em sono profundo e, como a ordem imposta, Thales estaria diante da mesa de Mirlim na manhã seguinte... por bem... ou por mal.

— Meu nego... a moça é muito famosa, rica, a gente já viu ela na TV... Se ela escolheu você, é porque é algo bom, ao menos mainha acredita nisso. Não fique aborrecido. Vamos sentir sua falta, mas... mas... — A mãe começou a chorar, enquanto continuava sua fala, que doía no mais profundo de sua alma: — A-assim você pode ter uma vida mió... não temos condições de dar a você, meu nego, uma vida boa como merece. Meu primeiro, meu primogênito, minha joia, meu diamante negro mais precioso. Não temos nada pra te oferecer, lá vo...

— Para, mãe...

A mãe acatou o pedido, continuando o abraço com leves carícias.

— Pe-... Peto! — chamou um dos irmãos em meio ao abraço.

— Oi, Gabriel? — respondeu Thales, ao escutar o apelido que seus irmãos o chamavam.

— Você vai deixar a gente?

— Gabriel! — repreendeu a mãe, com um tom baixo, mas bem agressivo.

Thales deu um leve sorrisinho de canto, envergonhado, meio sem jeito, em meio às lágrimas ainda molhadas em seu rosto, e sua testa apoiada no pai. O rapaz já havia feito sua escolha: entre a fome e a possibilidade de virar o jogo, daria sua vida, se precisasse, para seus irmãos não passarem por mais nenhuma dificuldade.

— Prometo que volto... Prometo que volto... Eu prometo...

Will fez um leve movimento de pulso, fazendo com que as agulhas voltassem a ser ocultas nas mangas de seu terno estiloso e tecnologicamente letal. Thales ergueu os braços, abraçando-os agora, calculando ao máximo sua força, pois todos não eram iguais ao pai, que não precisava se conter para abraçar seu velho tão forte quanto o mesmo.

Um tempinho se passou, o chororô que os meninos iniciaram havia cessado, e Thales se via diante do seu contrato. Mais uma vez, se via envergonhado. A caneta na mão, porém não sabia bem como escrever. Buscava no fundo da sua memória como fazia as letras do seu nome e, pressionado pelos olhares das miniaturas do seu velho e os dois agentes atrás dos óculos escuros e suas poses "maneiras", forçou-se ao máximo.

"TTT... Aga... não... tinha uma ponte, H, assim? Hm... A-a? T-h-a... Tha! Isso! Tha... Thales... Eli? Era assim? L? Thales... vem o E, e o... Z? Não era assim... era o contr..."

— Garoto, precisa de ajuda? — perguntou Will, tranquilo, notando a dificuldade do menino.

O jovem levou um pequeno susto, mas seu corpo permaneceu imóvel. Olhou para o agente, desviou o olhar e concordou com a cabeça. Will chegou mais perto e recebeu a caneta do menino, olhou a folha e viu "THALE" escrito em caixa alta, de forma quase infantil. Finalizou com o S.

— Qual seu sobrenome?

— Thales dos Santos.

Will escreveu "dos Santos", Clok... fechou a maleta e entregou ao pai, que olhou para as mãos do homem e recebeu de cabeça baixa, prestando o máximo de respeito que podia para tal ação.

— Parabéns, o filho de vocês agora faz parte da ADEDA. Podem ficar tranquilos e felizes. São milhares de crianças, pré-adolescentes e adolescentes que tentam entrar e mandam pedidos semanalmente. Milhares de jovens são recusados em todo o Brasil, e o filho de vocês foi escolhido logo por uma das pessoas mais importantes dentro da organização.

A mãe e o pai olhavam admirados para o filho, que não sabia onde pôr a cara de tanta bajulação de olhares. Os irmãos o rodearam, o abraçando, no tempo em que ele balançava os cabelos de um por um.

— Sinto em dizer isso, mas precisamos ir. Temos que chegar em Salvador bem cedinho amanhã, e, além de ser quase meia-noite, precisamos abastecer no aeroporto mais próximo que tiver por aqui. Thales, dê um último tchau e vamos.

Thales assentiu. Os agentes se viraram e entraram no helicóptero, e o jovem ergueu irmão por irmão, abraçando um por um, até mesmo a mãe. Mas, ao chegar no pai, quem foi erguido foi o jovem, com seu velho o apertando bem forte.

— Pai sente orgulho demais do cê... Vou sentir muito sua falta, nego. Quando voltar, mesmo que não seja mais preciso sair para caçar tatu... vou querer ir caçar com você, uma última vez... uma última vez antes de eu mor...

— Painho, não fala isso.

O pai o apertou mais e o pousou no chão, agora com a mão atrás do pescoço, o olhar direto nos olhos do filho. Um sorriso triste, orgulhoso e com uma pitada de insuficiência existencial pelo filho precisar ir para longe para poder cuidar dele. Não deveria ser o contrário? Não deveria ser eu a me sacrificar? Sussurros passavam em sua cabeça. "Cabeça vazia é oficina do diabo!", mas o velho não queria se abater.

Trr... Vu-vu-vulvulvulvulvulvlvlvlv!

A aeronave foi ligada, as hélices ganhando velocidade.

— Preciso ir...

O pai abaixou o rosto, engolindo em seco a frustração que continuava a tentar tomá-lo.

— Vá...

Soltou o filho, e Thales deu dois passos até as luzes levemente mais aumentadas.

— Filho...

Thales parou.

— Por favor... nunca esqueça que amamos muito você.

Thales virou um pouco o rosto para seu pai, e viu então uma lágrima escorrendo do rosto dele, o rosto de lado, tentando se manter de pé, mas ainda assim a postura não era suficiente para a fragilidade. Aquela lágrima era diferente de todo o drama e preocupação de mais cedo, do filho poder ter se machucado feio... era diferente, era mais profundo do que a profundidade. Mais sincero que a própria sinceridade.

O corpo do menino agiu sozinho em um passo voltando ao pai, mas ele cancelou e se virou, indo até a aeronave... pois sabia, sabia que seu pai não queria que ele o visse assim, que seria a mesma coisa de vê-lo desarmado, nu, indefeso no mato.

Entrou no helicóptero com a ajuda de Will. Sentou, e Will precisou amarrar um cinto no outro para conseguir contornar todo o peitoral do jovem. Ao deixá-lo preso, voltou ao assento do lado de Bill, e Thales olhou para sua família reunida, abraçados, o vendo partir, o vendo subir naquele helicóptero azul-escuro. O tchau silencioso, o olhar sereno que dizia mais que tudo.

No ar, Thales não via muita coisa. Era muito escura aquela zona rural em que vivia. Não havia postes por ali, e o que via era só as luzes do painel do veículo, acesas ou piscando. Ouvia o som do chiado, escutava os dois comunicando, pelo rádio, aeroportos por perto, buscando permissão para abastecer o tanque. Cansado do choro e das mais de 4h segurado em uma entrevista exaustivamente arrastada, o sono batia naquele quase início de madrugada.

Fechou os olhos. Sua mente idealizava de leve o seu futuro, como ajudaria seus pais, como seria bem-sucedido, mandando dinheiro, mostrando que enfim venceram. Um sorriso brotou em sua face serena e sonolenta. Logo sua cabeça tombou... o jovem dormiu.

Abriu os olhos... o céu já se iluminava com o nascer do sol. Era bem cedo, haviam acabado de aterrissar. As hélices foram desligadas. Bill e Will desceram, e Will foi acordar Thales, quando percebeu o jovem acordando, o que facilitou para retirá-lo de lá. Thales despertou de vez em pé, do lado de fora, no ainda friozinho da manhã, antes de entrarem e seguirem direto até a sala de Mirlim.

Arrumou rapidinho o prego do chinelo arrebentado.

Não havia tempo para café da manhã.

Bill e Will seguiram com ele até a sala dela o mais rápido que puderam. Thales não entendeu muito bem a pressa, mas seguiu o ritmo que parecia ser muito necessário.

TRARARARAARARAARAR!

De frente à porta, escutavam um som intenso de uma M134 disparando sem parar. O despertador de Mirlim gritava e gritava, mas a dorminhoca não acordava. Continuava deitada sobre seu teclado, babando-o e ainda mantendo um pirulito na boca.

Bill e Will se entreolharam, conversando em silêncio, se deveriam entrar ou esperar que acordasse. Mas o receio de não cumprirem a ordem de estarem lá de manhãzinha era maior do que esperar quantas horas fosse necessário para que ela acordasse e abrisse a porta.

Com uma reação quase robótica, Gulp... ambos engoliram em seco e entraram na sala. O som do despertador ficando mais alto, intenso e insuportável. Caminharam com cautela. O ambiente ainda estava bem escuro, as cortinas estavam fechadas. Mais parecia uma caverna, a casa de uma morcega.

Thales observava as coisas em volta, como o filtro de água distante da mesa... bem estranho... Era estranho como cada coisa ficava afastada dentro daquela sala espaçosa. Vendo e sentindo essa estranheza no ambiente, viu os agentes estendendo a mão para frente ao mesmo tempo, olhando-as.

Bill lançou pedra e Will... papel. Comemorou a vitória em silêncio, o rosto triunfante, e Bill foi em câmera lenta até a onça dormindo... e deu dois — vulgo suicidas — toques no ombro.

Mirlim ergueu o rosto, a baba brilhando levemente em seu queixo. Seu olhar dorminhoco parecia normal, até que se focou nos três perante ela, e a mulher acordou. Sua feição não era nada agradável... estava com fome. Muita fome.

Passou o braço nos lábios, e o movimento era quase uma sentença de morte para os dois agentes, que tentavam ao máximo se segurar para não tremerem a ponto de seus esqueletos desgrudarem de suas carnes.

Limpou a baba, e seus lábios se moveram com uma ordem:

— Desapareçam.

Bill e Will sumiram tão rápido que Thales nem viu. Olhou para a porta, mas ela nem foi movida. Mirlim desligou o despertador, olhando a hora. Eram 05:58; chegaram bem cedinho, como foi ordenado. Mirlim não os machucou, só limpou sua visão dos dois cagões.

O contrato ficou na mesa, e Mirlim pegou-o e leu, notando a diferença de caligrafia estranha. Mas não deu muita importância. Soltou a folha sobre a mesa e se ergueu. Thales tinha 1,84; ela era mais baixa que ele... não crescera tanto desde sua adolescência.

O menino não dizia nada. Não sentia medo, só não sabia o que dizer, logo apenas esperou que ela mostrasse, falasse ou iniciasse as coisas. Mirlim manteve o silêncio, mas pegou uma fita métrica que deixara em sua gaveta, para medir o braço do jovem, já que ficou com dúvidas pelas imagens que viu pelo monitor.

— Estenda o braço — ordenou, e Thales acatou.

Mediu. Dava 59 centímetros. Impressionou-a, que voltou e se sentou preguiçosamente na cadeira.

— Você faz academia?

— ...O que é isso?

"Quê?" — O quê?

— Desculpa... não sei o que é isso... — Thales abaixou a cabeça, envergonhado por acreditar que aquilo era algo que ele deveria saber.

— Você tem 59 de braço, como você tem tudo isso? O que você faz?

— Eu... eu só caço tatupeba pra comer.

— ...Tá me dizendo que você tem 59 de braço só caçando tatu?

Ergueu o rosto para responder, olhando-a.

— É... mato com um golpe rápido na cabeça.

Mirlim mantinha uma careta desacreditada no que ouvira.

— Tão tá... Popeye.

Thales piscou duas vezes, não entendendo a palavra. Seus olhos se mantinham em uma luta constante para não descer do rosto para os seios, na luta com a blusa por liberdade. Mirlim notou que o garoto não entendeu e, mesmo mantendo um rosto neutro, notava bem que os quarentão não estavam tão longe assim.

"Não sou tão velha assim..." — Quantos anos você tem? Tá com sua identidade aí?

Amn... Tenho 18. Não tô não. Nunca usei aquilo, fica jogada no meu quarto.

— Você é analfabeto? — perguntou de forma fria e direta, quase como uma humilhação velada.

Thales abriu um pouco mais os olhos. Mirlim notou a reação.

— S-sim... como sabe?

— Só sei.

Ergueu-se da cadeira e caminhou até a porta.

— Me siga. Vamos começar as coisas.

Thales a seguiu e, no corredor, Mirlim fez duas únicas perguntas por todo o trajeto, seguindo até uma porta no mesmo corredor com abertura para o céu, no centro da escola, semelhante ao da ADEDA de São Paulo, do pátio do primeiro andar.

— Deram algo pra você comer?

— Não...

— Tá com fome?

— Um pouco.

Com o rosto frio e entediado, Mirlim seguiu em silêncio.

"Melhor assim."

Clipt.

Chegou à porta e a destrancou.

Ao entrar com ele na sala escura de coisas de limpeza como rodos, panos, baldes e vassouras, atrás de um amontoado de panos, havia uma porta. Clipt. Mirlim a destrancou também, e dava para um corredor de pura terra, com sustentações de madeira, e um fio que conectava as lâmpadas fracas e brancas no teto, que davam uma iluminação estranha ao local. O caminho descia mais e mais, ficando cada vez mais estreito.

Começaram a descer. Scrersrs... Thales chegou ao ponto de se arrastar, pois não cabia nem passava tranquilamente como Mirlim; seus músculos o deixavam mais exprimido do que dentro do fusca com o pai.

Seus pequenos grunhidos chamaram a atenção da mulher, que lançou rapidamente um olhar de canto para trás e não perdeu a oportunidade, na sua falta de vergonha na cara, de lançar uma provocação velada:

— Não gosta de lugares apertados? — Voltou o rosto para frente; já estavam chegando ao fim da escada meio rampa.

— Sou muito grande, prefiro ter espaço pro meu corpo — respondeu de forma inocente. Não notou a malícia ou duplo sentido na fala da sua treinadora.

Uhum.

Não disse mais nada. Manteve os braços cruzados, sua pose padrão desde a adolescência. Era quase como se os usasse para sustentar os seios, mas nem percebia; só era confortável e gostava de andar assim, quando animava a se levantar e sair andando para algum lugar.

O corredor logo chegou ao fim. A descida dava a um lugar não muito aberto, um pequeno retângulo na horizontal, tendo a "porta" por onde passaram para entrar no centro do lado esquerdo deste pequeno retângulo.

Lá, havia o fim da fiação: uma lâmpada fraca iluminava o ambiente hostil. A parede, seguindo a reta da entrada — o outro lado do retângulo —, era de rocha, terra, cascalho e... possivelmente de minérios, pedras preciosas e coisas belas e caras.

Havia um ser dentro deste lugar: uma gosma viva, reluzente em rosa clarinho... uma anomalia. Quando Thales entrou, podendo enfim abrir o corpo — ou, no caso, deixar seus braços relaxarem e não mais forçados para frente do tronco —, se assustou levemente ao olhar à direita.

A anomalia era bem feia, uma gelatina que possuía dois olhos esbugalhados. Era parecida com um peixe-bolha, mas era impossível distinguir nariz e boca, só os olhos e, bem no fundo... uma tristeza por não ser mais o que já fora.

Não andava, mas sua massa oscilava de forma estranha, nauseante. Mesmo sendo só uma anomalia nojenta, anomalias ainda possuíam sentimentos, ainda eram seres vivos. Algumas, mais inteligentes, como Ruínas ou Calamidades, aprendiam e podiam até mesmo chegar ao ponto de falar, entender a língua humana e replicá-la, como corvos ou papagaios, mas, ainda assim, todas possuíam um grau de inteligência.

Como um pet, algumas podiam ser treinadas ou... subjugadas, obrigadas a obedecer, modificadas para seguirem ordens... Claro, dependia do poder, do quão forte, do quanto aquele ser aguentava resistir. Para controlar uma Calamidade natural... só sendo Alissa... ou Mirlim.

Afinal, você só obedece a alguém que tem poder sobre você. Alguém mais forte que você. Alguém que pode destruir, arruinar você. Alguém que o tem em suas mãos, pois você precisa dele, teme ele, e o medo do que o outro pode fazer — o medo do outro demitir você, descartar você, matar você... — o faz obedecer e seguir à risca tudo que for ou será ordenado.

Ninguém ousaria, nem em pensamento, contestar Alissa. Uma palavra, um desprezo, uma única reclamação para com um país, e todo o mundo entraria em conflito com o país em questão, pois ela ditava o jogo, as regras, e todos apenas seguiam... por medo de ser o próximo alvo.

Da mesma forma, era com anomalias: a presença de Mirlim ou Alissa as estremecia. O medo gritava em suas mentes; não importava se a animália possuía uma inteligência comparada à de uma mosca ou à de um macaco — a certeza da morte era certa. Algumas optavam por cair dando tiro, tentando inutilmente acertar ao menos algo. Outras aceitavam e esperavam pela morte, ou, quem sabe... piedade.

Aquela gosma não era uma Calamidade, Ruína ou Massacre; era uma mera Errante. Uma Errante que tentou fugir, mas Mirlim queria usá-la, precisava dela para seus planos ego...ístas? Talvez. Aquele ser foi forçado a ser inteligente, a entender palavras... Foi forçado a se tornar um escravo obediente e silencioso de Mirlim Schmidt.

— O-o que é essa coisa?

Mirlim parou e lançou um olhar cheio de desprezo, de canto, para o ser quietinho no cantinho.

— Uma anomalia passiva. Vai ajudar você aqui embaixo.

Thales olhou em volta do lugar... era uma literal mina de mineração, mas não possuía carrinho para levar as pedras, cascalhos, terra ou o que for para fora, e muito menos picaretas para facilitar a escavação.

— Me ajudar? Como assim? — Cada milímetro do rosto do jovem exalava dúvida, desentendimento. Olhava Mirlim de costas para ele, mesmo sendo mais baixa, mais "frágil"; o olhar gerava uma estranheza, algo maior que sentira dentro da sala da mesma.

Era como se Mirlim fosse uma vilã de algum quadrinho publicado no mundo. Era inexplicável. Meio segundo de silêncio a deixava mais... assustadora.

— Em 2001, garimpeiros artesanais extraíram de uma área de garimpo, nomeada Serra da Carnaíba, no município de Pindobaçu, cerca de 300 km ao noroeste daqui, uma esmeralda que não era lapidável em si. A pedra continha cristais de esmeralda incrustados em matriz de rochas como feldspato e quartzo... O que ajudava no seu peso bruto de aproximadamente 380 kg.

Thales não estava entendendo muito bem aquilo, só escutava a mulher de costas continuar a história.

— Não é... ou, pelo menos, dizem que não era... translúcida. Seu maior valor é como peça geológica. Não tem valor como gema para joalherias ou qualquer destino comercial... Mas, ainda assim, é uma das maiores esmeraldas do mundo.

Os olhos da mulher, rosas, um rosa violento, forte, brilhavam levemente, sendo ajudados pela luz fraca do lugar. Um pequeno sorriso enquanto falava se mantinha em seu rosto, o desejo por uma pedra preciosa tão imponente.

— Sem equipamentos modernos ou apoio técnico, os garimpeiros retiraram a pedra manualmente e a transportaram por mulas, atravessando trilhas na mata. No trajeto, os animais foram atacados por onças, e a pedra quase foi abandonada, mas os garimpeiros insistiram e seguiram em frente. Eles não tinham noção do valor real do que carregavam.

Uma mão de apoio subiu ao rosto, que ficou levemente inclinado.

— A esmeralda foi vendida por um valor irrisório e passou de mão em mão. Pouco tempo depois, acabou sendo exportada ilegalmente para os Estados Unidos, declarada falsamente como um "betume natural" e avaliada na alfândega por apenas 100 dólares... uma tentativa de esconder seu verdadeiro valor.

Seu olhar se aborreceu; era notória a raiva que sentia nas palavras que prosseguiram após sua pequena pausa dramática, em sua história que poderia facilmente virar um roteiro de "Indiana Jones", mas ela sabia que os Estados Unidos não fariam um longa-metragem mostrando que também eram filhas da puta.

Antes de dizer mais, Mirlim virou levemente o corpo, olhando o menino diretamente no rosto.

— Passaram uns anos, e a pedra passou por tentativas de venda, disputas judiciais e até roubos, além de sobreviver ao furacão Katrina em 2005, o que alimentou histórias de uma possível "maldição"... Já que, desde que saiu da terra, só desgraças aconteceram. Como os animais mortos no ataque, os garimpeiros que, mesmo ilegais, ganharam uma miséria na venda da pedra, e o furacão em questão... que, mesmo sendo devastador, não causou dano algum à pedra que estava guardada em um depósito em Nova Orleans.

Um pequeno silêncio se seguiu.

Thales, meio sem jeito com a mulher lhe olhando nos olhos, sem piscar, não sabia como reagir. Mirlim era muito bonita; o menino nunca tivera interações com uma mulher que não fosse sua mãe... e a repórter que tentou sugar o máximo da sua relevância na noite anterior.

Nervoso, não sabia se desviava o olhar ou não, mas, receoso, só disputou, sem nem reparar, uma competição de quem piscava primeiro, o que acabou perdendo, com um leve susto que tomou quando a mulher continuou a falar:

— Acerta um soco forte nesta parede — ordenou, apontando com o dedo para trás de si mesma, e Thales caminhou até a parede.

Chegou e olhou para ela, que o olhava de forma... arrogante e enojada.

Thales fechou o punho e, sem pensar muito, BUM! socou. Um soco relativamente forte, mas muito, muito longe da mínima expectativa que Mirlim havia criado. Pedras saíram voando, o ambiente tremeu, e poeira caiu do atrito da madeira, dando suporte para que o lugar não desabasse.

O jovem sentiu dor, mas não queria mostrar isso. Olhou para a mulher, manteve a mão ralada para baixo e fingiu naturalidade, mesmo acreditando que havia deslocado algum osso.

— Mais um.

Thales abriu levemente os olhos a mais do que já estavam... e então começava a entender o que aconteceria ali. Com a mão doendo levemente, cerrou-a e, BuM! um forte soco — nitidamente mais fraco que o anterior, mas, ainda assim, voaram pedras, areia e coisas inúteis... coisas que não valiam nada. Além de começar a abrir mais o "retângulo", abrir mais espaço naquele lugar.

Mirlim o olhava com desprezo e arrogância... Thales via aquela expressão e só conseguia sentir a mesma estranheza que ela passava. Mas... não sentia que ela era uma pessoa ruim, só não entendia o que, de fato, ela parecia.

Mirlim desviou o olhar dele e olhou a anomalia, que rastejou e passou por cima de cada pedrinha e montinho de sujeira levantado e despejado no chão. Seu corpo apagava aquelas coisas da existência, liberando espaço instantaneamente, sem precisar jogar os restos em algum lugar ou perder tempo subindo com um carrinho.

Thales viu aquilo, e seu corpo arrepiou com a voz da mulher dizendo:

— Quero uma esmeralda gigante também. Destrua essas paredes até o infinito, se precisar, mas me ache uma esmeralda gigante. Ele vai limpar toda a sujeira; só se preocupe em duas coisas: não dormir e não parar de socar essa parede.

Thales piscou assustado; essas duas coisas eram insanas, inumanas.

M-mm... Mas não estamos em Pindobaçu — tentou argumentar, seu tom baixo, tentando identificar se ela só estava brincando... um teste para ver se ele seria de fato o escolhido.

— Não importa. Se for necessário, destrua e faça do seu quarto um túnel até Pindobaçu. Não ligo o tempo que vai demorar, quanta rocha terá de estilhaçar. Eu quero minha esmeralda... e ponto final.

Com um olhar firme, Mirlim virou-se para voltar à escola, mas, antes, deu uma parada na porta, dizendo:

— Não é pra parar de socar essa parede. Não é para descansar ou dormir. Caso eu chegue aqui amanhã para entregar o café e você estiver dormindo, não comerá nada, além de que precisará de uma correção — Mirlim virou levemente o rosto, olhando de canto, mas o brilho que emitia de seus olhos era intenso; Thales via-os nitidamente, sentia a agressividade com a qual aquela luz estranha... magia? Era emitida —, e escute aqui, moleque, eu não gosto de servos malcriados.

Mirlim virou-se novamente e seguiu saindo do lugar.

Thales piscou algumas vezes, sua feição ainda meio... inerte, indiferente, embora confusa.

"Isso é um... teste? Resistência?" Olhou para a parede, olhou para a anomalia, que tinha os olhos desanimados, olhando-o do chão. Quando o ser notou o humano encará-lo, desviou o olhar quase como uma criança envergonhada; Thales estranhou muito aquilo. Sua testa se dobrou, sua expressão de incredulidade, dúvida.

Olhou para a mão, cerrou o punho, o vermelho do machucado após o soco, o ralado em sua pele grossa. Fechou duas vezes, lentamente, e olhou para a parede que lhe esperava.

"Eu... eu aguento?"

Sem pensar muito... BAM! Tudo tremeu, a anomalia voltou ao trabalho, e Thales, mesmo com a dor crescendo, BAM! seguiu socando — impiedoso, obstinado... obstinado em mostrar que era merecedor da escolha... de que...

"Esse dinheiro não foi jogado no lixo!" BAM! "Vou mostrar pra você que eu sou merecedor de ser seu escolhido!" BAAM! "Vou ajudar meus pais..." BAAM! — VAMOS SER RICOS UM DIA! — BAAM!


Mirlim já havia saído do túnel. A distância e profundidade ajudavam a anular os tremores e barulhos intensos lá de baixo. A porta era antirruído... as duas. Mirlim trancou-o lá... as duas portas, e seguiu até sua sala, mais ao fim do corredor.

Passos preguiçosos, olhar afiado, braços cruzados. Chegou e, lá dentro, havia uma mesa com uma fartura imensa de comidas variadas... um café da manhã digno para uma pessoa como ela. Bolos, biscoitos, pães, sucos naturais, queijos, salames, requeijões, goiabadas, doces... uma variedade absurda que quase a fazia parecer uma mineirinha da roça.

De pé, afastados, mas virados de frente para esta mesa, estavam Bill e Will. Braços para trás, posturas eretas e sem óculos, para não desrespeitar a autoridade de Mirlim. A mulher caminhou até sua cadeira em frente ao monitor, e seus dois agen... escravos... ou servos, se ela estivesse minimamente humorada para dar-lhes o privilégio de serem chamados assim, agiram rapidamente.

A mesa, gigante, não era única. A mulher era muito preguiçosa, não iria ficar se levantando para se deleitar da comida, então a mesa foi dividida em três partes — uma colocada à direita da cadeira e a outra à esquerda dela. Já os itens da mesa central foram cuidadosamente colocados na mesa na qual a jovem "trabalhava"... no seu tempo.

Tiraram papéis e coisas que julgavam, pela expressão facial e corporal da mulher, serem inúteis, e liberaram espaço para os alimentos selecionados a dedo para agradá-la e, de alguma forma... fazê-la se sentir bem.

Após finalizarem, Bill pegou uma linda taça e Will despejou suco natural de laranja, entregando a taça cheia com cuidado e reverência na mão delicadamente assustadora de Mirlim, que recebeu com uma leve expressão de dominância e saciedade, mostrando que o trabalho submisso foi bem executado.

Ambos não demonstraram nenhuma reação, continuaram de cabeça baixa, servindo e esperando qualquer sinal corporal para agirem e saciá-la, como a mesma esperava. Mirlim desceu um gole generoso e sensual, afastou a taça de seus lábios e fez uma única pergunta direta... de forma quase impessoal:

— Quanto custou?

— 20 mil... Srta. Mirlim.

— 20 mil... Srta. Mirlim.

Ambos responderam como cachorrinhos obedientes. Will conversou com Bill na viagem, o mesmo acatou a mudança de "senhora" para "senhorita". Will já sabia que Mirlim gostava assim, então alertou o parceiro de trabalho.

Mirlim desviou o olhar deles, observando o suco dentro da sua taça levemente inclinada em sua mão desleixada. O olhar baixo a possibilitava ver o palito do pirulito que já acabava de se desmanchar em sua língua... Já era hora de terminá-lo e pegar outro em sua gaveta.

— Dispensados.

A ordem foi calma, em tom baixo, sereno. O valor que Thales foi comprado era quase a mesma ideia da esmeralda... irrisório. 20 mil reais não dava nem para pagar o que a mesma gastava com comida semanalmente.

Bill e Will acataram a ordem e saíram posturados, sem pressa alguma. Passaram pela porta, a fecharam, e Mirlim seguiu o seu início de dia comendo do seu farto banquete de café da manhã.

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