Dançando com a Morte Brasileira

Autor(a): Dênis Vanconcelos


Volume 1 – Arco 1

Capítulo 9: Igual a mamãe

Ano 2009.

Dois anos se passaram desde o desaparecimento da gatinha Mel. A família que a perdeu já havia perdido as esperanças de que um dia ela voltaria para casa. Tantas buscas sem resultado... Mal poderiam imaginar que Mel teve o corpo incinerado.

Naquela manhã fria, Marta, devido a suas costas estarem cada vez piores, voltou a dormir no quarto, agora sempre acompanhada pelos netos, que dividiam a cama. O clima no meio do mato era rigoroso; as noites não perdoavam. Por isso, sempre se cobriam com dois a quatro cobertores, mas, dentre todos, um era especial.

A vovó o chamava de "gatona", uma coberta pesadíssima, mas muito confortável e quente. Era floral, peluda, com folhas verdes e flores em tons de lilás e roxo, além de listras amarelas que davam um ar acolhedor. Alice quem a apelidara assim, pois o tecido lembrava o pelo de um gato.

Os primeiros raios de sol adentraram a janela aberta e iluminaram o quarto.

Marta acordou ao sentir uma leve brisa em seu rosto destampado, junto da claridade, mesmo com os olhos fechados. Ao abri-los, encontrou Nino e Nina em pé na cama, observando-a atentamente. Seus rostinhos, curiosos e cheios de expectativa, a fizeram sorrir.

— Bom dia… — disse ela com a voz suave, ainda sonolenta.

Os gêmeos abriram um sorriso largo, enquanto a vovó procurava seus óculos na cabeceira da cama. Nina, sempre ágil, os entregou. Marta colocou-os no rosto e, ainda sorrindo, perguntou:

— Estão com fome?

Balançaram a cabeça em perfeita sincronia.

Levantando-se, Marta os seguiu até a cozinha. Pelo caminho, vestiu sua blusa preferida, que havia deixado pendurada na porta do quarto. Os gêmeos correram para a mesa, subindo nas cadeiras com uma agilidade quase felina.

— O que querem comer? — perguntou ela, enquanto abria a geladeira.

— CARNE!

— CARNE!

Gritaram os dois em uníssono, com os olhinhos brilhando.

— Carne de manhã? — Marta arqueou as sobrancelhas. Já nem mais ficava surpresa.

— ISSO!

— ISSO!

Os olhinhos brilhavam cada vez mais. Tk-tk-tk-tk! Seus dentes mordiam o ar como tubarõezinhos famintos.

A cena era tão engraçada que Marta não resistiu.

— Tá bom, tá bom… — cedeu, rindo.

Virou-se, abriu a geladeira e olhou para o congelador, quase um bloco maciço de gelo acumulado.

"Preciso limpar isso… E a carne também está acabando…" Pegou duas das cinco linguiças restantes. Fechou a geladeira e começou a preparar uma panela no fogo.

"Preciso economizar mais... Mesmo que gostem muito, se comerem carne no café, almoço e janta, o dinheiro será como água..." — Harff... — suspirou, olhando as linguiças na panela. "Já não tem muito, ass..."

— Vovó? — Nino chamou, interrompendo seus pensamentos.

Marta virou o rosto à esquerda, vendo-o em pé ao seu lado.

— Oi, Nino?

— Por que só duas? A senhora não vai comer? — perguntou, franzindo as sobrancelhas.

Marta hesitou por um momento, mas sorriu para tranquilizá-lo.

— …Estou sem fome, querido.

— Mas é tão gostoso! — insistiu Nino, fazendo um beicinho.

— Eu sei… Mas hoje estou com vontade de comer peixe. Por isso, vou pescar à tarde! — improvisou, iluminando-se com a ideia. "Isso! Se eu voltar a pescar, gasto menos com carne, deixo escolherem apenas um horário do dia em que vão querer comer carne e ainda ensino sobre limites. Isso!"

A ideia renovou seu ânimo. Sorriu para Nino, mas ele permanecia confuso.

— O que é pescar?

— O que é pescar?

Perguntaram em uníssono, inclinando a cabeça para o lado, como passarinhos curiosos, olhando-a.

— Hum… Vem cá, vou mostrar pra vocês.

Deixando a linguiça cozinhando, saiu pela porta da sala, seguida pelos dois, com seus passos curtos e sem muita pressa. Foram até a área de lazer, onde havia o fogão a lenha, algumas tralhas e uma mesa velha e suja de piquenique.

Marta pegou sua vara de pesca, uma réplica melhor e mais leve do que sua antiga — um presente de Blacko. Agradar a sogra era um bom plano, pois agradava Alice de tabela.

Após pegá-la, encontrou um chapéu com uma rede ao redor do pescoço para protegê-la do sol.

Paf-paf.

Tirou a poeira do chapéu e colocou-o na cabeça.

Olhando para os netos, começou a atuar enquanto explicava, demonstrando com movimentos detalhados.

— Para pescar, usamos isso aqui. Você coloca uma isca: minhoca, massinha… algum alimento que, de preferência, seja fedido. Mas um tipo de fedor que atraia peixes. Colocando nesse ferrinho curvado, precisamos jogar essa linha na água. A vara serve para isso, para facilitar o arremesso.

Com cuidado para não fisgá-los sem querer, Vul! jogava a vara em sua atuação.

— Hummmm…

— Hummmm…

— Esse isopor aqui serve para saber se tem peixe ou não. Às vezes os peixes são bem espertos, mas, na maioria das vezes, eu consigo notar se tem ou não. Quando o peixe começa a beliscar a isca, a boia mexe de uma forma diferente. Eeeee… assim que ela afunda completamente… você puxa com tudo!

Vuul!

— ÓÓ...!

— ÓÓ...!

Os olhinhos brilhavam, suas bocas abertas quase em ópera.

— Eu costumo dar uma puxada para a direita antes de tirá-lo, mas isso varia de pessoa para pessoa.

— Podemos ir?!

— Podemos ir?!

"É muito próximo da cidade…" — Não.

— Por favooorr!

— Por favooorr!

Os olhos esbugalhados, tristes e brilhantes a encaravam, e Marta sentiu o coração apertar.

"É perigoso…" — Quando aprenderem a esconder as marcas, eu deixo.

Piscaram duas vezes, confusos, mas logo fecharam os olhos e apertaram os punhos ao lado do corpo, esforçando-se ao máximo para esconder as marcas. Seus braços tremiam com a força aplicada, as cabeças abaixadas se concentrando com garra, e, ao invés de desaparecerem, as marcas começaram a sangrar.

— Para, para, para! — Marta gritou, desesperada.

Os gêmeos abriram os olhos e a encararam.

— O quê?

— O quê?

Franzindo a testa, a vovó os olhou, sem acreditar.

— Vocês… não sentiram dor?

— Não.

— Não.

Mesmo que fossem machucados ou, de fato, tivessem sentido dor, por serem Um Demônio Primordial, a dor desaparecia instantaneamente com sua regeneração. Se alguém cortasse suas carnes com uma faca, sentiriam dor momentaneamente, em todo o processo, mas ela sumiria no instante em que a faca parasse, dando tempo para a regeneração ser concluída com êxito.

No entanto, o ambiente em que Se Encontravam interferia, dificultando e prolongando as sensações, dependendo da gravidade do ferimento ou do cansaço.

— Não façam mais isso! Me assustaram! — repreendeu-os com firmeza.

— Tá bom.

— Desculpa, vovó.

Marta se levantou, ouvindo o som de canarinhos cantando nas proximidades. Olhando para as árvores próximas, ordenou:

— Peguem algumas jabuticabas e me sigam.

— Uhum.

— Uhum.

Os gêmeos correram até a jabuticabeira e encheram as mãos, evitando pisar nos túmulos.

— Vou chegar primeiro, otária — murmurou Nino em tom desafiador para Nina.

O Primordial se ergueu, mas ao dar o primeiro passo...

CrumnPah!

Um degrau de pedra emergiu, fazendo-o tropeçar e cair de cara, soltando todas as jabuticabas que havia pegado. Nina saiu correndo na frente e, irritado, Nino ergueu um dedo, olhando-a avançar.

Crumn-rumn-rumn!

No entanto, Nina, muito ágil, desviou com facilidade de todos os obstáculos "sadios", alcançando Marta, o que forçou Nino a parar.

"Praga de menina!" pensou, se levantando e recolhendo as jabuticabas.

"Bobão!" respondeu mentalmente, em tom de zoação, olhando por cima do ombro esquerdo. Sabia que seu irmão estaria a xingando em pensamentos.

Marta não notou ou escutou o que acontecera, apenas viu Nina caminhando ao seu lado, acompanhando-a até um ninho de canarinhos amarelos.

— Pra que isso? — perguntou Nina, curiosa.

Marta se agachou e fez força — uma força que não precisava antes. Não por estarem pesados, mas por sua idade cada vez mais avançada. Com cuidado, ergueu os netos para que pudessem ver os passarinhos: filhotes que haviam acabado de nascer, desajeitados, sendo protegidos pela mãe.

— Entreguem as frutinhas à mamãe passarinho.

Os gêmeos olharam para Marta e depois para os pássaros. Com calma, aproximaram a primeira jabuticaba. A mãe dos filhotes inclinou a cabeça, da mesma forma que eles haviam feito antes, analisando o que era. Depois de alguns instantes, aceitou a fruta, bicando-a e tirando-a da mão de Nina. Logo em seguida, fez o mesmo com Nino.

Mesmo com mais frutas nas mãos, os dois não jogaram as jabuticabas; observaram a mãe alimentando os filhotes — frágeis, sem penas, feios que só, mas com uma demonstração de cuidado. Era o instinto de proteger os mais vulneráveis, os seres a quem ama.

Olhando para Marta, os gêmeos buscaram uma explicação. Ela, sorrindo, disse:

— Tudo começa assim. Nascem pequenos, vulneráveis... A mamãe precisa cuidar, proteger. Mas, um dia, isso muda. A mamãe ficará velhinha, e o papel mudará. Os filhos, fortes e independentes, assumirão o resto. Cuidarão da mamãe, até o dia que ela não conseguir mais se levantar da cama... Até o dia que ela... partir.

Marta sabia que seu dia se aproximava, mas não tinha coragem de dizer isso diretamente.

"Sejam fortes quando isso acontecer... Sejam fortes e ao menos lembrem-se do que tentei ensinar a vocês..."

— Partir? — perguntou Nino, percebendo o olhar distante da avó.

Marta respirou fundo, voltando ao presente.

— ...Coloquem as frutinhas no ninho. Vamos voltar pra casa.

Obedeceram, posicionando as jabuticabas em um canto seguro, longe dos filhotes. Marta continuou com os dois no colo. Mesmo sentindo o peso agora, manteve-se firme.

— Partir significa morrer, deixar este mundo para trás.

— ...Igual a mamãe? — perguntou Nina, com a naturalidade de quem ainda não compreendia o peso das palavras.

Marta hesitou, mas respondeu baixinho:

— ...Igual a mamãe.



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