Dançando com a Morte Brasileira

Autor(a): Dênis Vanconcelos


Volume 1 – Arco 1

Capítulo 7: Primeiro Aniversário

Ano 2007.

Embora Marta tivesse ficado sozinha, com a enorme responsabilidade de criar os gêmeos, sendo, mais uma vez, uma "mãe" solteira, o primeiro ano havia sido relativamente tranquilo. No dia do massacre, Blacko não dizimou todas aquelas vidas apenas por prazer. Seu objetivo era outro, e, ao alcançá-lo, tomou para si o que considerava ser sua "recompensa".

Deixou uma quantia considerável de dinheiro, "roubada", para Marta. Não era generosidade; era uma espécie de compensação para um fardo que sabia que não conseguiria carregar. Marta, por sua vez, hesitou em aceitá-lo. Achava o dinheiro sujo, contaminado pelo sangue de inocentes. Contudo, ao mesmo tempo que o desprezava, entendia que precisava dele.

Não havia outra escolha.

Com aquele dinheiro, o plano original era suprir a demissão de Alice, que havia abandonado o trabalho no centro de Belo Horizonte. O Primordial via aquele dinheiro como uma forma de ajudar em casa, já que Alice o proibia de pegar uma mísera fruta sequer no terreno de outra pessoa, alegando ser roubo, tentando educar um ser que viveu centenas de anos.

No entanto, acabou sendo o sustento que permitiu a Marta criar os gêmeos sozinha.

Em mais um dia comum, mas carregado de significado, Marta se dirigiu à cidadezinha de Jequitibá. Naquele dia, completava-se o primeiro ano cuidando dos bebezinhos. A casa onde morava era afastada, rodeada de mata. Ainda assim, ficava próxima à BR MG-238, a rodovia que levava diretamente à cidade.

Caminhava ao longo da rodovia, o sol ainda ameno aquecendo suavemente o ar. Marta tinha 61 anos, era baixa, com sua postura ligeiramente curvada. Seus 1,58 metros diminuíam mais a cada ano.

A pele clara, o cabelo preto começando a se tingir de grisalho e o vestido florido eram sua marca registrada. Sobre ele, uma blusa de cor vinho e de manga comprida, sua preferida, aquecia o corpo magro.

Com um velho par de óculos ajustado no rosto, seguia determinada. Apesar da quantia deixada por Blacko, recusava-se a gastar consigo mesma. Mesmo precisando de óculos novos, tudo era destinado aos gêmeos. Para economizar, pescava no Rio das Velhas em vez de comprar carne, e, para os bebês, preparava mingau simples.

Depois de algum tempo, chegou à ponte que atravessava o Rio das Velhas, bem onde costumava pescar. Mas hoje, não parou ali. Seu objetivo era outro. À distância, avistou o primeiro sinal da cidade: um posto de gasolina seguido pelas pequenas construções da entrada.

Seu destino era um armazém e mercearia, localizado perto de um lugar encantador.

Com passos firmes, logo alcançou a Rua Padre José Gonçalves, onde o famoso lago da cidade se destacava com sua peculiar casa construída sobre a água. Marta olhou rapidamente para a pequena ilha.

Cercada por grades brancas com detalhes em azul, a casa de pedras e telhas avermelhadas parecia um recanto isolado no meio das águas verdes. Palmeiras altas ladeavam a paisagem, que exalava uma tranquilidade quase onírica.

"Clima gostoso..." pensou, desviando o olhar para o armazém ao seu lado.

Ao entrar na mercearia, não perdeu tempo e foi direto comprar um pequeno bolo. Pouco antes de sair do estabelecimento, porém, notou velas em formato de números organizadas em uma prateleira.

Por um instante, foi transportada para outro tempo. Lembrou-se de Alice, das festas simples e cheias de amor, quando sua filha soprava velas como aquelas, sempre com um sorriso no rosto. Mesmo em meio à pobreza, Alice dizia com convicção: "Vou dar uma vida digna pra senhora, mamãe."

Uma lágrima solitária escapou pelos olhos de Marta. Rapidamente limpou o rosto e virou-se para ir embora.

"Não posso fazer isso... Não quero que ninguém saiba da existência dos dois... É perigoso demais."

A ideia de comemorar o aniversário dos gêmeos a emocionava profundamente. Queria proporcionar a eles aquele carinho, aquela sensação especial de soprar a velinha com a família reunida. No entanto, o medo a paralisava.

"E se forem descobertos? E se se assemelharem ao pai? Aquela marca... Herdaram aquilo? Herdaram algo que os torne próximos de Blacko?" Esses pensamentos invadiam sua mente, sufocando qualquer desejo de celebração.

"Vou dar um jeito!" Mas, mesmo assim, a vovó queria desesperadamente entregar aquele momento especial para os pequenos.

Seguiu de volta para casa.


Depois de algum tempo, a silhueta familiar de sua humilde morada apareceu no horizonte.

Cansada da longa caminhada, Trlec destrancou a porta e entrou. Sua casa era modesta, nem pequena nem grande, mas aconchegante. Assim que abriu a porta principal, já dava de cara com a cozinha. À esquerda, uma mesa de madeira coberta com um pano grande decorado com desenhos em xadrez vermelho e branco.

Sobre a mesa, havia um prato quadrado branco que Marta considerava muito bonito eeee, por isso, nunca o usara para outra coisa além de decoração. Dentro dele, descansavam algumas frutas: maçãs vermelhas e verdes, peras e morangos... de plástico.

Uma das maçãs ainda tinha a marca dos dentes de Alice, deixada em um dia de fome e distração, quando saiu correndo para o trabalho em uma manhã, meses antes de Blacko cair naquele lugar. Alice havia reclamado, indignada, com a armadilha tão chamativa, mas Marta apenas riu e ignorou.

Na parede à frente, uma geladeira antiga, bege e desgastada, ostentava um calendário promocional de um botijão de gás comprado há anos. Ao lado da geladeira, o próprio botijão, coberto por uma capa bordada, que, se tivesse uma cabeça, pareceria uma vovó decorativa.

À direita, um fogão velho de cinco bocas encostado à pia de pedra cinza, acima da qual havia um armário de copos e pratos. Abaixo da pia, gavetas guardavam panelas e talheres, enquanto um armário mais gasto, perto da janela da porta de entrada, ao lado da mesa, armazenava comida e biscoitos.

Era tudo velho, de cor branca, mas dava para o gasto.

No canto, próximo à pia à direita, um saco de tecido bordado com uma família de galinhas e pintinhos servia para guardar sacolas plásticas. Pendurado perto de uma pequena lixeira.

Saindo da cozinha e avançando à direita, chegava-se à sala. O chão era coberto por um grande tapete escuro, no centro do qual ficava um sofá escuro protegido por uma capa azul-marinho. O sofá ficava de frente para uma antiga televisão de tubo apoiada no espaço central de um rack bege.

À esquerda, sua cadeira de balanço, posicionada estrategicamente, oferecia o melhor ângulo para assistir à TV.

Ao lado da cadeira, ficava o berço dos gêmeos. Assim, Marta podia cuidar deles enquanto descansava ou assistia aos programas que preenchiam suas noites. Uma janela na parede direita iluminava a sala com a luz do início da tarde, mostrando o sofá de lado, direcionado ao rack.

Na parede ao lado do rack, havia uma porta quebrada. Era a mesma que Blacko havia arrombado e nunca consertara, deixando apenas a tranca pendurada como uma lembrança do ocorrido. Bem além daquela porta, Marta havia feito um túmulo simbólico para ele, onde repousava ao lado de Alice, sob a sombra da jabuticabeira.

Não muito longe dos túmulos, uma área de lazer modesta exibia um fogão a lenha, uma mesa de piquenique, um disco de arado e tocos prontos para serem usados como lenha. Tudo amontoado na parede da casa, com um pequeno telhado para proteger as tralhas e ferramentas da chuva.

Entre a cozinha e a sala, um corredor estreito começava reto e virava à direita. Antes da curva, ficava o banheiro. Simples, com cerâmica bege avermelhada cobrindo o chão e as paredes. Uma cortina de plástico separava o chuveiro do restante do banheiro, já que não havia box.

Continuando pelo corredor, nas paredes, vários quadros com fotos de Alice. As imagens eram testemunhos de cenários inimagináveis que presenciara por todo o mundo, desde quando pisou na lua até quando viu a aurora boreal...

Blacko não se continha.

Qualquer lugar que notava Alice admirada, assistindo à televisão ou lendo uma de suas revistas de pontos turísticos preferida, um círculo de sangue surgia no chão. Em um piscar de olhos, mesmo que isso o destruísse por dentro e minasse sua magia e energia, os dois surgiam nas paisagens, e o sorriso que ela abria pagava sua exaustão diária.

Mais adiante, ficava o "primeiro" quarto, o quarto do casal. A cama de casal simples ocupava o canto, virada de lado para a janela que se estendia acima dela, com um guarda-roupa quase caindo aos pedaços ao lado esquerdo.

No chão, entre o guarda-roupa e a cômoda de madeira amarelada, que ficava ao lado da porta de entrada, repousava um espelho relativamente grande, apoiado na parede. Aquela cômoda guardava a foto mais importante para Alice, a primeira foto que tir... obrigou Blacko a tirar junto.

Não havia outro quarto, aquele era de Marta, que se tornou dela quando Marta percebeu que sua filha queria dar. Ao ver as necessidades de Alice, deixou o quarto para os dois poderem transar tranquilos.

Desde então, dormia em sua cadeira de balanço, muito confortável, ainda mais com suas cobertas costuradas. A cadeira de balanço, assim como a televisão, era um presente de Alice, que buscava constantemente melhorar a vida da mãe.


Após entrar em casa, foi direto ver seus netinhos.

Ao se aproximar, sentiu o coração apertar ao perceber que não via os gêmeos. Por um instante, o desespero tomou conta de seus pensamentos.

— Ufaa...

Um suspiro aliviado escapou quando percebeu que era apenas sua miopia. Lá estavam eles, dormindo tranquilamente, embora com as marcas no pescoço, algo que a causava um medo constante.

Passou a mão no peito, sentindo o alívio percorrer seu corpo, e então seguiu com seu plano.

Caminhou até o quarto da filha, abriu a cômoda amarelada e encontrou uma tesoura. Pegou uma folha de papel e, com cuidado, Rasgrags recortou o número "1". Voltou para a cozinha e encontrou um dos últimos palitos de dente no armário.

Pensativa, improvisou uma estrutura firme, unindo os poucos palitos que restavam com fita adesiva, formando um "1" para que não ficasse mole, e fixou o número de papel.

Quando terminou, seus olhos brilharam de satisfação com sua criatividade.

Mas então... parou, percebendo algo óbvio.

— ...Como vou acender isso? — Olhou para o número improvisado na mesa e suspirou. — São bebês. Não sabem soprar... Não precisam de fogo, ainda não!

Depois de se convencer, Clacsh... abriu a embalagem do bolo que havia comprado, colocou o número no centro e deu um passo em direção ao berço. O bolo era bem pequenininho, logicamente, eram bebês, não consumiriam aquilo.

Sua ideia era simples: dar aos gêmeos um pedacinho, apenas um docinho, para ver suas reações ao sabor do açúcar pela primeira vez.

Mas ao se aproximar novamente do berço, notou algo errado. Marta parou subitamente, seu coração afundando mais rápido que seus passos...

Os gêmeos não estavam lá.

— Ni... C-cadê vocês?! — Sua voz saiu trêmula, um sussurro de espanto.

Atchim...

Um som repentino quebrou o silêncio.

Um espirro baixo... que não vinha de dentro da casa, mas de fora.

Marta virou-se em direção à porta da sala. A tranca, ainda quebrada por Blacko, e que ela se recusou a gastar dinheiro com o material para consertar, fazia com que a porta estivesse entreaberta, mas... de forma estranha — algo que sabia que não deveria acontecer.

Seu estômago revirou.

— T-tem alguém aqui...? — murmurou, mal conseguindo formar as palavras enquanto seus músculos vacilavam.

A ideia de alguém ter descoberto seus netos, de terem vindo buscá-los para eliminá-los, acabando assim com uma possível ameaça, encheu sua mente de pavor.

— Não... Não...

Lágrimas silenciosas começaram a escorrer por seu rosto enquanto seus braços perderam a força.

Prumsh!

O bolinho caiu no chão. Não sabia o que fazer, mas sabia que não podia deixar nada acontecer a eles.

Com os olhos fixos na porta entreaberta, viu o rodo que havia deixado ali no dia anterior, após limpar a sala. Sem pensar, o agarrou. A madeira firme ficava muito pesada em suas mãos trêmulas, cheias de medo, mas naquele momento era sua única arma.

Tomada pelo pavor, mas guiada por um amor feroz, atravessou a porta, pronta para proteger seus netos com tudo o que tinha.



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