Dançando com a Morte Brasileira

Autor(a): Dênis Vanconcelos


Volume 1 – Arco 1

Capítulo 26: Caixinha Amarela

Ano 2020.

Na véspera do aniversário de 14 anos dos gêmeos, enquanto dormiam em seu quarto, Marta, aos 74 anos, se encontrava inquieta na escuridão silenciosa da casa.

Em sua busca frenética, as mãos envelhecidas vasculhavam as gavetas do rack, abrindo compartimentos vazios, um após o outro. A frustração dava lugar a um crescente desespero, um peso no peito que aumentava a cada gaveta que se fechava sem encontrar o que procurava.

Foi então que seus dedos tocaram algo.

Uma caixinha de madeira, pintada de amarelo, embora já desbotada pelo tempo. Marta a reconheceu imediatamente — era um cofrinho feito por ela mesma para Alice, inspirado em um modelo que sua filha achou bonito, na vitrine de uma loja, bem no aniversário dela, onde o presente foi um passeio pelo centro de Belo Horizonte, pois comprar algo era inviável para Marta.

Com as mãos trêmulas, abriu a tampa com o peso da lembrança. Lá dentro, encontrou uma nota de cinco reais e uma moeda prateada de 25 centavos. A nota caiu sobre o rack, e sua atenção se voltou para a moeda em sua palma.

"Sempre dizia que essa era a melhor moeda de 25 centavos..."

Seus olhos se encheram de tristeza, e uma sensação amarga tomou conta de seu corpo... Aquilo era muito pouco. Ao olhar para a nota, viu de relance um velho aparelho de DVD na estante, um objeto quase esquecido, raramente usado, e pensou:

"Será que... em troca disso, me dariam um bolinho para os meus pequenos?"

Uma lágrima escorreu de seus olhos... Sentia-se mais fraca a cada dia. Mesmo em pensamentos, conversava consigo mesma com muita lentidão.

Exausta, com o coração pesado, se retirou para o quarto, tentando encontrar consolo no sono que apenas mascarava sua fraqueza diária... por tanto tempo.

Entrou no quarto, tentando não fazer barulho. Os gêmeos já dormiam, ocupando a parte de baixo da cama, juntinhos, quase abraçados, com os rostos tão próximos que dividiam suas respirações serenas. Haviam deixado a janela fechada para poupar esforços a mais de Marta.

Sem muita enrolação, a vovó se deitou, dessa vez virada para a janela, pois tinha receio...

"Não quero que me vejam chorando..."

Não queria que acabassem acordando, vendo-a ali, chorando baixinho por se sentir insuficiente, por sentir que falhou em criá-los... por se ver no espelho, seu reflexo, seu ser cada vez mais fraco, embora tentasse mostrar-lhes sempre uma figura forte.

Chorava escondido, sabia que, quando a viam assim, se preocupavam muito, e ela nunca tinha uma resposta.

Cansaço, dor, aflição, pressão, alegria, paixão, amor... Tentava explicar, mas eram coisas que eles não sentiam, não de forma... teórica. Apenas dizia como funcionava cada uma das razões que poderiam levar as lágrimas a brotarem em seus olhos, ou, no seu caso, tentava explicar como cada sentimento era manifestado, mas, sem nem mesmo saber o que era de fato ou como funcionava, eles nunca entendiam suas palavras.

Algumas coisas só podem ser aprendidas... na prática. Quando, de fato, você sente... e apenas sente... sem buscar lógica para tudo.

"Desculpa, Alice... A mamãe nunca lhe deu uma vida decente... e... e eu não consegui entregar isso para meus netos... também..."

Mantinha os olhos fechados com força, segurando a respiração para não causar soluços fortes. A dor que sentia apenas crescia a cada dia, e, com um pedido de desculpas à sua filha, a vovó Marta permaneceu acordada naquele dia, por horas e horas, tentando dormir, tentando descansar... Um descanso que... demorou bastante para chegar.


A manhã seguinte, enfim, chegou.

Os gêmeos acordaram e, ao olhar para o lado, notaram que Marta permanecia deitada, virada para a janela, da mesma forma que a deixaram na noite passada. Nos últimos anos, a claridade das manhãs afetava muito as vistas da vovó, fazendo-a sentir dor, optando então por sempre fechá-las, na busca de um despertar mais suave a cada amanhecer.

Com cuidado, para não acordá-la, saíram do quarto em silêncio.

Mas... o tempo foi passando eee... Marta não acordava.

Rrrromm!

A barriga de Nina roncou alto, interrompendo o silêncio dos dois sentados à mesa.

— Estou com fome.

— A vovó ainda não acordou.

— Não tem nada no armário? — Olhou para seu irmão, com as mãos na barriga, dramatizando como as atrizes das novelas da vovó.

Sem dizer nada, queria que o mesmo fosse olhar, mas Nino, vendo a atuação fajuta, respondeu:

— Ué, olha você, tu que tá com fome é você, não eu — respondeu e cruzou os braços, olhando-a com deboche.

— Nossa! Mal-educado! — Retirou as mãos da barriga e se levantou.

— Haha — riu ironicamente, os olhos fechados, o rosto ignorando-a.

Nina abriu as portas do armário ao lado da mesa, mas não havia nada. A regra de "mês sim, mês não" já havia se esgotado, assim como o dinheiro.

— ...Não tem nada. — Olhou para ele, derrotada.

— Quer acordar ela?

— Pra irmos no rio tentar pescar algo? — completou, com um tom de desânimo.

— ...É a única opção, eu imagino.

— Tá, vamo lá.

Chegaram ao quarto e, com muito cuidado, acenderam a luz e abriram a porta, tentando não acordá-la com um susto.

— Vovó? — Nino chamou, com voz baixa.

— Vovó, acorda, estou com fome! — Nina insistiu, sua voz agora cheia de uma preocupação que não compreendia.

Um silêncio ensurdecedor tomou conta do quarto. A luz amarelada e opaca daquele cômodo fechado, com Marta deitada de costas para eles, tornou tudo ainda mais sombrio... Um sombrio longe do que era a natureza dos dois, sádica, macabra, sem limites para o terror e sangue derramado. Apenas olhá-la deitada, sem respostas, superava tudo que desejavam e sentiam vontade de fazer com as raças que julgavam inferiores.

Se aproximaram lentamente, e Nino, com um receio crescente, tocou a avó.

— Vovó? — repetiu, agora com a voz trêmula ao sentir a carne fria.

Nada. Não houve resposta. Nenhuma reação.

Thum! Thum! Thum!

Uma reação foi compartilhada... Seus corações queriam sair de seus corpos.

Desesperados, começaram a sacudi-la, mais rápido, mais forte. Nina, agora em pânico, virou Marta de barriga para cima. E então, a verdade cruel se revelou: Marta morreu naquela madrugada.

Ambos congelaram.

Algo inexplicável os paralisou.

Lágrimas começaram a escorrer... mas não de dor.

Não eram lágrimas de tristeza.

Apenas lágrimas... sem controle... sem compreensão.

O que sentiam não era tristeza... Era... um vazio.

Um vazio profundo, sem explicação.

Era como se o mundo tivesse se partido em dois e estivessem perdidos, sem mapa, sem direção.

Lágrimas escorriam e escorriam sem parar como uma cascata em seus rostinhos... neutros.

Seus corpos não sabiam como reagir.

Suas mentes, seus olhos não viam aquilo como algo angustiante, e nem... ruim.

— A blusa dela... — Nina murmurou, olhando para a peça favorita da avó.

Nino nem precisou olhá-la para entender. Sem dizer uma palavra, pegou a blusa e, juntos, vestiram-na nela.

Após vesti-la com o complemento da figura que conheciam, a roupa que quase fazia parte da personalidade da vovó, Nina a ergueu nos braços e carregou o corpo até a jabuticabeira.

Seus rostos continuavam confusos, os olhos distantes, tudo era irreconhecível. Não conseguiam dar espaço em suas mentes para sofrer naquele momento. O foco de suas mentes naquela situação era instintivo: sobreviver, e nada mais.

Crumnnmn...

Nino usou sua magia de pedra, movendo a terra com um gesto suave, criando uma cova onde Marta descansaria ao lado de Alice e Blacko, para sempre, como imaginara ser seu futuro desde o início, desde o Massacre da Praça da Sete.

Com delicadeza, Nina posicionou o corpo, juntou as mãos da avó, e, com os dois observando em silêncio, Nino cobriu Marta com a terra. O vento gelado soprou em seus rostos, e o som das folhas da jabuticabeira parecia mais alto do que nunca. Com o balanço de suas roupas, Nino virou-se e caminhou até a área de lazer.

Pegou um pedaço fino de madeira e, sem palavras, Fircn... colocou-o como uma lápide improvisada. Não havia nada escrito, mas, para eles, era o suficiente. Não precisavam de palavras. Não havia espaço naquela pequena madeira que conteria tantos anos detalhados do quanto a amavam.

Em silêncio, voltaram para casa, cada passo pesando mais do que o anterior.

Caminharam sem dizer uma palavra, em um silêncio pesado, mas sem forças ou entendimento para questionar o que se passava. Ao entrarem, se dirigiram direto à cozinha, vasculhando cada canto na esperança de que, de alguma forma, brotasse comida, do mais absoluto nada. Mas, no fim, o que encontraram foi um limão cortado, já seco, dentro da porta da geladeira.

— Não tem nada aqui — disse Nino, a voz arrastada e desanimada.

Os dois ignoravam a dor sem nem perceber. Não podiam dar atenção a qualquer coisa que não fosse a sobrevivência. Não tê-la mais deixou-os em alerta. Um alerta que não cessava. Não sentiam mais a proteção, por mais inútil que fosse, que a avó trazia.

— E agora? — perguntou a irmã, a voz fria, embora arrastada. Por um momento, vendo-os agirem por instinto, era imperceptível afirmar que de fato amavam Marta.

Nino a olhou rapidamente, depois virou-se e foi em direção ao quarto, seus pés pesados. Cada movimento se assemelhava a um esforço monumental... que o garoto não conseguia entender.

"Hãm?"

Olhava para seus pés. Seu corpo hesitava, não queria entrar no lugar onde viu a vovó morta. Mas sua mente, abafando seus sentimentos — ainda muito voltados para a natureza do pai — continuava escondendo a dor de um ato como aquele, em um momento tão "doloroso".

Conseguiu chegar ao quarto, olhando diretamente para seu objetivo.

Caminhou até a cômoda de madeira velha e amarelada, onde pegou a foto dos pais no porta-retrato. A imagem, levemente desbotada pelo tempo, era uma recordação distante — dois seres importantes em suas vidas, que não tiveram a chance de conhecerem.

Com um gesto suave, passou a foto por baixo da blusa de tecido humano, sentindo o papel gelado contra a pele, e logo a penetrou em seu sangue, guardando-a dentro de si, preservando o último vestígio de algo que já não "existia".

Tentava preservar uma memória que, mesmo repleta de angústia e rancor em relação ao pai, ainda trazia um desejo por explicações, um desejo de entender por que foram "abandonados".

Assim que guardou-a, deu um passo para sair de lá, mas deu de cara com uma foto, de frente para a porta, de Alice, em uma pirâmide maia na Guatemala, em um dia... curiosamente vazio de turistas. Blacko... Bem, não fez uma baguncinha apenas no Brasil; ao menos essas, escondeu para que Alice não descobrisse.

Nino viu o sorriso da mãe para a foto, os olhos roxos, iguais aos de sua irmã. Piscou duas vezes e logo apagou a luz.

Voltando à cozinha, encontrou Nina mordendo uma das frutas falsas da mesa, tentando disfarçar a fome. Mas o gesto vazio não enganava ninguém. A garota olhava para a fruta com uma expressão de desinteresse.

— Poderia ao menos simular o gosto... — disse, com desânimo, assim que viu seu irmão chegar. Nino não teve nem argumentos para discordar, mesmo que fosse apenas para irritá-la de alguma forma, como fazia todos os dias.

— Vamos pra cidade — disse, sua voz seca, já carregada de uma decisão que não tinha volta.

Nina olhou para ele, os olhos baixos, com uma mistura de receio e cansaço.

— O que vamos fazer lá? — perguntou, incerta, mas o vazio de sua expressão dizia tudo o que sentia: a necessidade de fazê-lo, mas o receio de "abandonar" a vovó de alguma forma.

— Pedir comida — respondeu, com uma urgência impulsiva. Nem mesmo tinha certeza do que queria fazer, mas não via outro caminho. — Seu estômago está roncando, e nós não temos nada aqui.

— E a casa? — perguntou, hesitando, já sabendo que a resposta não seria o que queria ouvir, mas sabia que teria que deixá-la, teria que abandonar a vovó, dormindo eternamente no quintal de casa.

— ...Se for melhor voltar do que ficar por lá, voltamos — completou, a voz firme, mas sem confiança.

Nina baixou o olhar, sem palavras, mas sua mente já havia se rendido.

"Não temos muitas opções."— Beleza... bora então.



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