Dançando com a Morte Brasileira

Autor(a): Dênis Vanconcelos


Volume 1 – Arco 1

Capítulo 27: Te Amo

Cidadezinha de Jequitibá... Mal se lembravam de como era estar lá.

Foram com a vovó apenas uma vez.

Após Nino roubar a mercearia, o castigo foi eterno, rígido, sem mais nem menos. Marta quase se assemelhava a um ditador, de maneira suave, mas, se cometessem um erro, não aceitava que o mesmo erro fosse cometido uma segunda vez.

Era sim, sim, não, não.

Pura disciplina... embora com um amor de vó.

Mandava, e eles obedeciam. Ponto final.

A única permissão era acompanhá-la até o rio; além daquele ponto, eram proibidos de cruzar até a cidade. Mas... tudo isso aconteceu há oito anos e, além de terem feito apenas uma única visita, poucos os viram, e ninguém se lembrava da existência de duas crianças aleatórias.

Com pressa, Vul!-Vul! cortaram o caminho rapidamente, mas com cautela, evitando serem vistos.

Rasgavam o ar com seus corpos, saltos em alta velocidade passando pelo caminho.

Chegaram em menos de dois minutos, saltando sobre os telhados e olhando para a casinha no lago de cima. Quando desceram, após a leve pairada observando a vista do ar, aterrissaram fingindo normalidade, entrando na mercearia da esquina com uma naturalidade forçada, pois já não sabiam mais o que era "agir" normalmente, agir como... humanos.

— Bom dia — disse o Primordial, a voz quase inaudível.

— Bom dia — respondeu o comerciante, com um tom monótono, mais interessado na TV ligada do que em qualquer coisa ao seu redor.

— Minha irmã está com muita fome. O senhor teria alguma coisa para dar para ela comer? — perguntou, a voz trêmula de esperança, tentando passar um ar infantil, sabendo que "fofura" era uma das melhores formas de manipular alguém. Mesmo com uma mente mais avançada, apenas fingiu ser realmente apenas uma criancinha para obter o que queria.

O homem, sem desviar os olhos da TV, franziu a testa, confuso.

— Vendo muitas coisas aqui, garoto. Não entendi sua pergunta — respondeu, sem pressa de ajudar.

— ...Nós não temos dinheiro para pagar — o menino admitiu, sua voz baixinha, quase envergonhada.

— Cadê seus pais? — o homem perguntou, agora desconfiado.

— Não temos, moço — respondeu, forçando um tom melancólico, mas que não surtiu efeito no homem assistindo aos resultados do time de futebol que torcia.

O comerciante olhou para eles com desdém e, em um movimento brusco, aumentou o tom de voz:

— Ah, conta outra. Não tem nada aqui, não. Vão pedir em outro lugar — gritou, irado. "Tenho cara de otário agora? Pedindo esmola... cada uma."

A resposta fez algo que deveria ser deixado quieto dentro dos gêmeos... acordar. Mas, a princípio, não sentiram o sangue pedir por uma certa coisa.

Nina tentou assumir o diálogo:

— Por fav... Rrrromm! — Mas foi interrompida pelo som ensurdecedor de sua própria fome, ressoando como o rugido de um monstro faminto.

— Não ligo. Saiam logo da minha loja! — o homem gritou, agora com um desprezo visível, e a raiva de Nina e Nino cresceu... agora conseguiam escutar o sangue. Agora sentiam o desejo... a sede.

Ficaram em silêncio, encarando o homem, e, por um momento, suas mentes se uniram, guiadas pelo desejo incontrolável.

"Mate-o! Mate-o!" A voz ecoava em cada molécula de sangue que constituía toda a estrutura de seus corpos, mas ambos se controlaram, permanecendo apenas com o olhar fixado de ódio para o humano. Seus corações batiam descompassados.

— Já mandei saírem! — o homem gritou novamente, levantando-se e balançando as mãos como se os dois fossem cachorros de rua, agora visivelmente irritado.

Com um movimento brusco, os dois lutaram para não dizimar aquele ser e usá-lo como o alimento que acabaria com a fome que sentiam. Viraram e saíram da loja, suas unhas, naturalmente pretas, quase se afiando em garras mais cortantes que qualquer lâmina humana.

Sem muito para onde ir, Nino apenas seguiu o que seu instinto dizia. Avançou em um pulo na parede de uma casa ao lado e, da parede, pulou para o telhado da mercearia. Nina o seguiu, e, assim que pisou no telhado, viu seu irmão andando de um lado para o outro.

— O que custava dar um pedaço de alguma coisa? — Nino resmungou, frustrado, com as unhas agora pontudas, prontas para rasgar o comerciante ao meio. A raiva latejava em suas veias.

Nina se sentou, as costas encostadas na mureta do local. Levantou a cabeça para o céu, seus olhos fechados, mas sua mente em um turbilhão.

Rrrromm!

Desta vez... Era a barriga de Nino que roncava.

— Cansei. Nós dois estamos com fome — disse ele, sua voz carregada de raiva e cansaço. — Sei que a vovó disse para não roubarmos, mas, se não fizermos isso, vamos morrer de fome. Um lugar cheio de comida, e o humano de merda não nos deu uma única migalha.

Nina abaixou o rosto, fechando os olhos, querendo se afastar de tudo aquilo.

— Harrf...

Um suspiro pesado escapou de seus lábios, e tudo ao redor ficou ainda mais pesado. Estavam à beira de um abismo, e a fome os empurrava ainda mais para o fundo.

Nina abriu os olhos e olhou para seu irmão, a expressão no rosto marcada pela dúvida.

— Não quero desobedecer à vovó.

Nino a olhou por um momento e então falou, com uma calma carregada de um peso inevitável:

— Você não precisa. Eu vou.

— O quê? — O olhar da irmã exalava confusão, tentando entender o que ele queria dizer.

— Vou descer e trazer coisas para comermos. O desgraçado nem vai perceber. Sei que ela nos pediu para prometer, mas, se ela estiver olhando lá de cima... Ela não ficaria brava de nos ver fazendo isso nessa situação... Eu acho.

Nina ficou em silêncio por um instante, os olhos fixos no irmão, avaliando suas palavras com seriedade. Finalmente, suspirou e colocou um acordo na mesa:

— A partir do momento que não precisarmos mais disso, não iremos mais roubar, ok?

O Primordial a encarou, sem palavras, mas a compreensão passou entre eles como uma promessa não dita... até que, finalmente, vocalizou:

— ...Ok — concordou, a expressão dura.

Nina o observou por mais alguns segundos, então baixou os olhos, pensando na avó, e murmurou:

— ...Vai lá.

Nino fechou os olhos e, em um suspiro profundo, disse baixinho:

— Desculpa, vovó. — Sentiu o peso da culpa atravessando seu peito, mas a necessidade de fazer o que sentia ser o "certo" pesava mais em seu ser. — É o que precisa ser feito...

Fu...

Saltou do telhado com uma leveza quase sobrenatural, e, assim que seus tênis tocaram o chão, Fuuu! seu corpo se moveu em alta velocidade, indo até a loja e saindo quase num piscar de olhos.

Foi como um sopro.

Pegou o que pôde, sendo inteligente, sem levar muitas coisas juntas ou iguais para que o comerciante não estranhasse o sumiço de nada — várias coisas pequenas, mas suficientes para saciar a fome — com a destreza e velocidade de um ser habituado à furtividade.

O ar, porém, foi alterado, arrastado com seus movimentos, fazendo a roupa e o cabelo do homem atrás do balcão se moverem levemente.

— Que ventinho bom que bateu aqui — comentou o comerciante, distraído, com os olhos ainda fixos na tela da TV.

— Cuidado pra peruca não sair voando — brincou um dos funcionários, rindo baixo.

— Tsc... — O comerciante fez um gesto impaciente com a mão, virando o rosto, incomodado.


Mas nada disso importava.

Nino voltou de sua missão, subindo no telhado com agilidade, Phschsch... e soltou tudo o que havia guardado em seu sangue, revelando o estoque de besteiras que priorizou.

Nina, em silêncio, Schcs... abriu um pacote de salgadinhos, dividindo-os entre os dois. O silêncio era confortável, mas pesado ao mesmo tempo. Apoiaram-se no ombro um do outro, as costas na mureta, com o pacote de comida compartilhado entre eles.

— Ei? — Nina chamou, sem olhar para ele.

— Oi? — o irmão respondeu, com um tom de voz que misturava cansaço e melancolia.

— O que vamos fazer? — perguntou, a dúvida clara em sua voz.

Não havia resposta fácil para isso.

O que mais podiam fazer?

Estavam sozinhos, sem uma figura para guiá-los, em um mundo onde um passo errado, uma falta de controle, resultaria em suas cabeças sendo caçadas, assim como foi a de Blacko.

— ...Não sei.


O dia passou lentamente, com os dois permanecendo no telhado.

Não havia planos.

Não havia respostas.

Apenas o som do vento e o silêncio pesado entre eles, enquanto devoravam a comida que conseguiram, sem pensar no amanhã, sem pensar em nada além do que sentiam naquele momento. Duas crianças... perdidas.

Quando a noite chegou, o frio começou a se espalhar pela cidade, envolvendo tudo em sua brisa cortante.

Nino e Nina ficaram encolhidos em um cantinho do telhado. O vento cortante os fazia se apertar mais um contra o outro, buscando calor, mas também conforto. Nino ficou encostado na mureta, e Nina entrou em seu corpo, misturando-se ao seu sangue, deixando apenas metade do lado esquerdo para fora.

Nino, com um gesto instintivo, abraçou sua irmã com mais força. Usando seu sangue, criou uma manta, uma camada protetora ao redor dela, para que a menina não sentisse tanto frio. Nina se aninhou contra ele, os olhos fechados, a cabeça apoiada no pescoço; na mistura, encontrou consolo no abraço.

Nino a observava, seus olhos fixos nela, enquanto sua irmã tentava, em vão, pegar no sono.

"Preciso cuidar dela."

Seu sentimento era tão profundo que nem mesmo se ligou no que acontecia...

"Para de pensar, imbecil."

A voz na sua cabeça era impessoal, direta, como uma ordem, cheia de desdém... e brincadeira. Nino, por um momento, fez uma careta e revirou os olhos antes de responder em pensamento, com o mesmo tom:

"Esquece o que eu falei."

Alguns segundos depois, com os dois em silêncio, Nina, com a voz baixa em seus pensamentos compartilhados, mas cheia de carinho, falou:

"...Te amo."

Nino, tocado pela simplicidade das palavras, a abraçou ainda mais forte.

Não sentia que precisava dizer nada, pois sabia que sua irmã sentia tudo dele, da mesma forma que ele sentia dela. Mas, mesmo assim, mesmo estando misturados, o garoto respondeu, vocalizando o amor por sua irmã, embora, na maior parte do tempo, o seu "te amo" fosse irritá-la:

"Te amo."

Os dois, então, se entregaram ao sono, envolvendo-se na presença um do outro. E, naquele silêncio quieto e confortante, onde o medo e a solidão se dissipavam por um momento, eram apenas um ser.

Os dois... são um.

Um banho de luz suave da lua os envolvia enquanto dormiam, uma promessa silenciosa de que, por mais difíceis que fossem as circunstâncias, ainda tinham um ao outro.



Comentários