Volume 1 – Arco 1
Capítulo 20: Carta
No mesmo instante, se entreolharam, sentaram-se no chão e Nina, com um brilho de curiosidade, começou a ler a carta:
— "Oi. E aí, filhão? Como estão as coisas? Desculpa, não sou muito bom nisso. Vou ser breve. Queria que, antes de tudo, você soubesse que, nos poucos minutos em que eu o tive em meus braços, eu... eu senti um amor..."
— Acho que podemos pular isso, né? — interrompeu Nino, visivelmente entediado.
— Ei!... Ele é nosso pai! — respondeu, irritada, já começando a ficar impaciente com a atitude dele.
Nino a encarou com um sorriso provocador.
— Tá brava porque ele disse "filhão", né?
A Primordial virou o rosto, tentando não encará-lo, mas o sorriso travesso de Nino era impossível de ignorar.
— Nasci primeiro, supera, fofa — provocou, com um tom debochado, se divertindo com a irritação da irmã.
— Calado — respondeu, claramente incomodada.
Nino deu um sorriso de canto e, com um gesto leve de cabeça, indicou que continuasse lendo.
Nina revirou os olhos, mas obedeceu, desfolhando a carta mais uma vez:
— "Um amor tão grande que não eu sabia como reagir. Eu sou um Demônio Primordial e, como você já deve saber, estou morto. Isso faz de você o novo Primordial Preto. Quanto aos seus poderes, não sei em que idade você está recebendo esta carta, mas já deve ter percebido alguns. O principal é a magia escura, seguida pela manipulação do seu sangue; você pode criar armas, mudar sua aparência e fazer tudo que conseguir imaginar com isso. Peço que não os use..."
— Quê?! — Nino interrompeu novamente, com um semblante de total confusão.
Nina lançou um olhar rápido para ele, mas logo voltou a ler, continuando a mensagem do pai:
— "Eu morri usando-os. Se você usar e eles descobrirem, virão atrás de você. Entenda, quando se tem alguém para proteger, não se trata mais de você. Se trata da pessoa que você precisa proteger. Não deixe de usar isso por mim ou por você; não use por causa da sua avó. Você quer mesmo que ela sofra por algo que você causou? Bom, permito que use seu sangue apenas para esconder as duas marcas no pescoço. Fora isso, não use, nem mesmo para criar roupas. Por fim, você herdou de mim a 'posse': basicamente, se você matar algum ser que possui magia, ela se torna sua. Digamos que você mate um colosso ou, sei lá, um dragão..."
Nina parou de ler por um momento, franzindo a testa, um pouco confusa com as palavras incomuns.
— "Colosso"? — Olhou para Nino, que estava tão perdido quanto ela.
— "Dragão"? — ele perguntou, em tom de incredulidade.
Voltando à carta, Nina continuou a ler, tentando entender o que o pai tinha escrito:
— "Um dragão prismático. Depois de matá-lo, você basicamente tomaria posse de todos os poderes dele. Bom, é isso... Segundo... por fim"? Ahhh... — Nina olhou para Nino e deu uma risadinha. — Agora entendi por que o outro "por fim" estava rasurado. Ele tentou apagar, rabiscando.
— Não ligo, continua lendo — retrucou imediatamente, com uma atitude impaciente, já tinha perdido o interesse, ao menos, ficando rabugento.
— Chato!
— Seu rabo.
Nina se deu ao luxo de lançar uma expressão de desdém e voltou a ler, tentando não se distrair com a atitude dele:
— "Segundo por fim: preste bastante atenção e cuide bem da vovó Marta. Você só tem ela. Não sei o que ela diz sobre mim, mas digo com toda a sinceridade que há em mim: eu amo você, meu filho. Desculpa por não ter voltado... era o presente de aniversário que eu nunca pude lhe entregar..."
Nina fechou a carta e, sem mais palavras, olhou para Nino.
— ...Acabou?
— Sim — respondeu friamente, ainda querendo dar um soco no irmão.
O Primordial se deitou no chão com um suspiro irritado.
— Ele disse que seria breve, mas demorou e só encheu o saco. — Desviou o olhar para o teto, ainda não aceitando completamente a escolha que o pai fizera.
Nina, ainda indignada, o encarou, balançando a cabeça.
— Mais respeito com nosso pai.
Nino olhou para ela com um sorriso irônico.
— Ele basicamente nos proibiu de usar o poder mais legal que a gente brinca.
Nina suspirou, já cansada do comentário de Nino.
— Harff... Ele quer nos proteger. Se ele morreu usando esse poder, é porque há pessoas muito fortes por aí. Se a gente usar, podem acabar nos matando também.
Nino bufou, ainda com uma expressão de desgosto.
— Não vejo isso como proteção. Ele morreu porque não sabia usar direito.
Nina soltou uma risada inesperada e olhou com sarcasmo para o irmão.
— O que cê tá falando? — Começou a rir. — Você nem sabe amarrar seus cadarços e tá dizendo que nosso pai não sabia usar a magia dele? — Teve uma pequena crise de riso, segurando a barriga.
— Amarrar cadarço é difícil, nem vem! — Nino virou o rosto para a esquerda, claramente emburrado, mas com um leve sorriso no canto da boca. Depois lançou um olhar desconfortável para a irmã, que continuava rindo, agora deitada no chão, se debatendo com os braços na barriga. — Pô... Mas é chato não poder usar o sangue.
Nina, já se acalmando, enxugou as lágrimas de tanto rir e se levantou, estendendo a mão para ajudar o irmão a se levantar.
— Vamos ajudar a vovó no rio. Depois conversamos sobre isso.
O irmão a olhou com desdém, mas aceitou a ajuda dela, se levantando com o rosto virado para o lado, em um gesto repulsivo para com ela.
— Tu é chato, hein?
Nino voltou o olhar.
— Esconde a marca — disse, ao perceber que Nina deixou a marca à mostra enquanto gargalhava.
— Ah, é... Eu não... Não estava? "Eu havia escondido!" Nina abaixou o rosto e, de forma automática, ergueu a mão para tocar o pescoço, surpresa por ter revelado a marca sem perceber.
— Você a revelou quando riu... Precisamos aprender a esconder a todo momento.
A irmã o olhou com um misto de compreensão e um certo constrangimento, agora mais ciente de sua distração.
— Ah... Eu não percebi.
— Uhum. — Nino assumiu a dianteira, caminhando com passos rápidos, querendo deixar tudo para trás, principalmente as restrições impostas pelo pai egoísta. — Vamos.
Saíram de casa em direção à ponte, a caminho do Rio das Velhas.
O caminho era tranquilo, com o som do vento e o farfalhar das árvores acompanhando seus passos. A BR era larga, mas logo chegaram ao local. Avistaram de longe a vovó Marta, sempre pescando ao lado da ponte.
Se encontrava sentada após descer um pequeno morro, como de costume, e do outro lado da ponte, a cidade para as crianças, parecia próxima, quase ao alcance da mão, mas não tinham permissão.
Scchhrchh...
Sempre brincalhão, com um sorriso travesso, Nino desceu surfando na terra, deslizando pelo pequeno morro em direção à vovó. Passou por Marta rapidamente, sem dar muita atenção a ela, e foi direto até a margem do rio.
Sem pensar duas vezes, Splah! lançou a cabeça na água fria. Afundou enquanto tentava, de forma impensada, procurar um peixe.
No entanto, o que encontrou não era o que esperava. Ao abrir os olhos na água, seus olhos se arregalaram com o susto que levou.
— Aaahblbllblbbll!
Tentou gritar, mas em vez de som, apenas se formaram centenas de bolhas, uma vez que estava cara a cara com uma imensa anomalia natural: uma sucuri-verde que havia crescido muito além do normal.
O corpo da cobra parecia interminável em sua visão, e a língua azul que ela esticou era maior que o próprio Nino.
A criatura encarou o menino com uma frieza mortal. E, em um movimento de pura agressividade, abriu a boca, indo em direção ao Primordial com um bote rápido e fatal.