Dançando com a Morte Brasileira

Autor(a): Dênis Vanconcelos


Volume 1 – Arco 1

Capítulo 19: Brincadeira Sadia

Ano 2012

O sol já reinava no céu, dourando a paisagem em mais uma manhã fresca. Marta, sempre madrugadora, aguardava pacientemente a água começar a ferver para seu café. Sentada em sua cadeira de balanço, abraçava o próprio corpo, sentindo o tecido fofo de sua blusa vinho contra a pele.

Os olhos fechados não eram para dormir, mas para saborear um breve momento de descanso enquanto o dia ainda hesitava em começar.

Na mesa da cozinha, deixou seu equipamento de pesca meticulosamente preparado, esperando para ao menos deixar um pouco de café pronto antes de sair para mais uma tentativa.

Suas medidas de usar o restante do dinheiro eram mensais. Mês sim, mês não. E aquele... era o mês de escassez.

O mês era setembro, dia 30, e sempre tentando ensiná-los disciplina, não recuava em suas decisões. Cada recurso era medido, calculado para durar até o fim de setembro. No dia seguinte, iria comprar algumas coisinhas para o sustento no novo mês, mas, até lá, precisavam se virar com frutas da mata e os peixes que ela pescava...

Mas aquele mês tinha sido ingrato. A pesca não estava rendendo. Marta voltava dia após dia com nada além de um ou dois peixinhos... minúsculos. A frustração se mantinha lá, silenciosa, mas a vovó se recusava a desistir. O sustento deles dependia disso.

Do lado de fora, os gêmeos se divertiam.

Não tão longe da casa, próximos à borda da mata, Nina e Nino estavam em mais uma de suas brincadeiras "sadias", que na verdade eram tentativas legítimas de se matarem. Desde pequenos, era assim: golpes e provocações faziam parte da rotina.

Eram idênticos em aparência, mas cada detalhe de suas personalidades mostrava-se uma competição para provar quem era o melhor. Mas, ainda assim, suas personalidades eram diferentes, mesmo que em pouquíssimas coisas.

O problema era que seus movimentos e pensamentos, principalmente em lutas, eram quase cópias perfeitas um do outro. Os movimentos fluíam de maneira tão sincronizada que, sempre que um tentava surpreender o outro, acabavam no mesmo ataque.

Naquele momento, ambos decidiram mudar a estratégia ao mesmo tempo:

"Farei o contrário!"

"Farei o contrário!"

Tudo que viesse em mente, fariam o oposto, mas, novamente, quando avançaram para desferir um chute imbuído de magia escura, com a intenção de quebrar o padrão, os dois mudaram o golpe criando uma lâmina de sangue imbuída, cortando o ar de maneira sincronizada.

Não se atacaram.

Apenas pararam, com os olhos entediados, se encarando.

— Para de me imitar!

— Para de me imitar!

A resposta simultânea acendeu a raiva nos dois.

Com olhares fulminantes, avançaram para ficarem cara a cara, os punhos cerrados.

— Para você!

— Para você!

— ...

— ...

O silêncio seguinte era quase insuportável, uma tensão pairando entre eles, até que ambos tentaram resolver o impasse ao mesmo tempo:

— T...

— T...

Interrompendo-se novamente, enquanto se olhavam desdenhosamente, falaram ao mesmo tempo:

— Fala ent...

— Fala ent...

Os olhos arregalaram. O desespero de estarem presos em um ciclo infinito os consumia.

— Cara!

— Cara!

Huhum! — Nino quebrou a sequência com um gesto teatral, limpando a garganta de maneira exagerada. — Vamos fazer o seguinte. Começamos de novo. Um ataca, o outro defende ou contra-ataca. Sem enrolação, tudo rápido. Assim, um é obrigado a reagir, e a gente para de se imitar.

— A forma que pensei era melhor, mas se o burrão insiste — brincou com um tom provocativo.

— Seu cu!

— Você ainda não está pronto para essa conversa. Sou mais inteligente, supera, burro ao quadrado — Nina se virou debochadamente.

Nino revirou os olhos.

— Aham. Pode começar me atacando.

— Hum... Ok.

Se afastaram, tomando uma distância de dez metros.

Nina criou uma espada de sangue com um brilho roxo intenso se misturando aos seus olhos, a lâmina imbuída de magia escura. Com um gesto elegante, Fulsh! arremessou a espada para o céu.

A lâmina cortou o ar, subiu até as nuvens baixas e, FuUuUuu! começou a despencar com força.

Shrrk!

Até penetrar no solo com um estrondo abafado.

Nina desfez a arma no instante em que avançou contra Nino, um soco envolto em magia escura zumbindo pelo ar. O movimento era rápido, mas Nino desviou com facilidade, girando diagonalmente. Enquanto girava, criou sua própria espada de sangue.

Nina notou o movimento e ajustou seu avanço. Ao invés de recuar, mergulhou na direção do ataque, reduzindo a distância entre eles de forma precisa e calculada. Passou pelo braço de Nino quase em uma rasteira, girando o corpo em 360° enquanto criava uma marreta gigantesca.

Nino se assustou, mas não conseguiu voltar a lâmina para trás a tempo. Nina finalizou o giro, deu um leve salto e voltou um rápido golpe vertical no irmão.

BRAM!

O chão foi esmagado com um impacto assustador, mas Nino conseguiu se esquivar a tempo. Em um salto ágil, pisou no topo da marreta gigantesca. Com a visão clara de Nina segurando o cabo mais abaixo, aproveitou a vantagem e se impulsionou para frente, lançando uma voadora direta.

"Sem magia?" Nina pensou, surpresa ao perceber que o chute não tinha nenhum poder imbuído.

Instintivamente, soltou o cabo da marreta e interceptou o ataque com as mãos, apenas para perceber... tarde demais.

"Safado!"

Na primeira partícula roxa que brilhou no tênis de Nino, a Primordial sentiu a armadilha. Fazendo-a liberar sua própria magia escura no mesmo instante.

BUM!

Uma explosão controlada.

Nenhum dos dois se feriu, mas Nino foi lançado para o céu. Enquanto subia, seus corpos se afastavam, mas as mentes dos dois entraram em sintonia mais uma vez, como sempre acontecia na luta... Era inevitável.

O Primordial, girando o corpo em um mortal perfeito, esticou os braços para ela, logo puxou o direito para trás, simulando puxar uma flecha invisível. Sua magia escura reagiu imediatamente, um redemoinho assustador de energia roxa e preta se formando ao seu redor.

No mesmo instante, Nina, lá embaixo, fez o mesmo movimento.

Sill!

Dispararam.

BOOOMM!!

As flechas colidiram no ar, desencadeando uma explosão que sacudiu o ambiente. A fumaça resultante era densa e ameaçadora, subindo como um fantasma amaldiçoado.


Passaram do limite.

Marta deixava-os "brincar", mesmo que não gostasse dos treinos. Sabia que um dia eles teriam que sobreviver sozinhos e precisariam saber se defender. Entretanto, o barulho daquela explosão foi muito mais alto que o comum, diferente do que sempre escutava.

Cochilando em sua cadeira de balanço enquanto esperava a água do café ferver, foi despertada pelo estrondo. O susto fez seus olhos se arregalarem, e ela quase caiu no chão. Sem pensar duas vezes, correu até a porta da sala. Assim que abriu, viu os gêmeos ao longe, a fumaça começando a se dissipar.

— Parem de fazer tanto barulho! Vocês vão chamar atenção! Entrem logo!

Os dois olharam para Marta e depois um para o outro.

— Eu venci!

— Eu que venci!

— EU QUE VEN...!

— ENTREM LOGO!!

O berro reverberou em seus ouvidos.

Sem mais protestos, caminharam até a casa, suas expressões voltando à neutralidade enquanto obedeciam.

— Eu que venci — murmurou Nina, sem olhar para o irmão.

— Calada.

Entraram na casa, e o cheiro do café fresco os envolveu.

Marta estava na cozinha, terminando de encher sua caneca preferida, estampada com uma foto de Alice a abraçando — um presente carinhoso da filha. Sem hesitar, Gulp! tomou um gole generoso, mesmo com a bebida ainda quente o suficiente para queimar.

Percebendo os dois ao seu lado, abriu um sorriso caloroso antes de colocar a caneca na mesa. Levantando-se, fez sinal para que a seguissem.

— Acho que chegou a hora.

— Como assim? — Nina perguntou, franzindo a testa enquanto seguia a avó.

— O pai de vocês deixou uma carta para lerem quando estivessem maiores.

— Uma carta? — Nina se aproximou, os olhos cheios de curiosidade.

— Sim... Só deixa eu encontrar aqui. — Marta começou a abrir as gavetas do rack da televisão, Crshe-rcrs... remexendo nos papéis antigos.

Nina e Nino trocaram um olhar intrigado enquanto aguardavam.

Não demorou muito para que Marta encontrasse o envelope envelhecido, com a caligrafia do pai deles ainda intacta na frente. Blacko, muito inteligente, aprendeu português de forma passiva, deixando assim a carta na linguagem do mundo onde morrera.

— Aqui! — Entregou a carta para Nina, que a segurou com cuidado, abaixando o olhar para o envelope com um misto de curiosidade e ansiedade. — É para vocês lerem, viu? Vou até o rio, perto da ponte mesmo, onde eu sempre fico, tentar pescar algo para o almoço. Podem ir lá se quiserem. Talvez sejam melhores pescadores que eu.

— Tá bom, vovó!

— Tá bom, vovó!

Responderam em uníssono, com um sorrisão alegre.

Marta retribuiu o gesto, e antes de ir até a cozinha, apoiou a mão na cabeça de ambos, fazendo um cafuné e balançando rapidamente o cabelo dos dois. O que resultou no melhor som que já escutara — uma gargalhadinha sincera dos dois sapecas.

Soltou-os e foi até a cozinha, pegou seu equipamento de pesca e, desta vez, incluiu uma ferramenta diferente: uma pequena enxada. O pensamento positivo a animava:

"Tentei tudo, menos minhoca... Hoje vai dar certo. Tem que dar!"

Colocou o chapéu de pesca, organizou tudo e seguiu para a porta.

— Tchau, queridos!

— Tchau, vovó!

— Tchau, vovó!

Fechando a porta atrás de si, Marta partiu, deixando os gêmeos "sozinhos" com a carta em mãos.



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