Volume 1 – Arco 1
Capítulo 17: Papai
Marta limpou as lágrimas que teimavam em cair, sentindo a dor se acomodar em seu peito. O peso da preocupação ainda a consumia, mas, aos poucos, começou a se dissipar. Blulblblu... Escutou algo borbulhando e, num impulso, olhou para o lado.
— O café!
Levantou-se rapidamente, desligou o fogo e correu para preparar a bebida, a mente ainda mergulhada no turbilhão dos eventos recentes.
"Tá tudo bem... Eles estão bem."
Passou o café, mas seus olhos estavam fixos na janela, um olhar distante, vigiando a área lá fora com o cuidado de quem não queria ser vista. Permaneceu ali, oculta, esperando que a limpeza terminasse para ir embora, sem querer se expor, sem querer se mostrar vulnerável.
Não demorou muito e os funcionários públicos acabaram e se retiraram do local.
Os gêmeos, silenciosos, ouviram os passos se aproximando da porta e, ao perceberem, saíram rapidamente, para que Marta não soubesse que estavam espionando. Porém, quando Nino subiu na cama e olhou para a cômoda amarelada, seus olhos caíram sobre a foto de Alice e Blacko.
"Papai?"
Clec.
Marta abriu a porta do quarto.
— Podem sair, já foram embora.
Afirmaram com a cabeça em perfeita sincronia e logo seguiram Marta até a cozinha, enquanto a avó, tentando esconder sua fragilidade, se esforçava para injetar uma falsa normalidade na voz.
— O que querem comer?
Nino e Nina se acomodaram à mesa, e Marta, com um esforço para manter o semblante alegre, abriu a geladeira.
— Hoje temos... Hummm... Linguiça, peixe, peixe, peixe, linguiça, ou peixe... — Sorriu tentando ser brincalhona. — O que vão querer?
— Nunca comemos peixe — comentou Nina, os olhos curiosos.
— Então será peixe fritinho!
— Tá! — Nina respondeu com entusiasmo.
Nino olhou para a irmã, e Marta tirou algumas piranhas da geladeira, começando a preparar o que precisava para empanar e fritar. Enquanto preparava, Nino surgiu ao seu lado esquerdo, olhando-a no rosto, o que a fez se assustar abruptamente, pois não esperava aquilo.
— O-o que foi? — perguntou, quase caindo dura.
— O que aconteceu com o papai?
A pergunta foi feita em um sussurro, mas a intensidade no ar foi como um golpe. Marta parou de empanar por dois segundos, e a dor foi clara em seus olhos. Desviou o olhar, tentando afastar a realidade.
Retomou o movimento, preparando os peixes, não queria responder, mas deixar Nino sem saber nada sobre o próprio pai seria cruel, e ela sabia disso.
— Ele... Blacko teve duas opções. Uma era ficar aqui, com todos nós, a outra era ir resolver um problema que ele mesmo criou. Como já devem saber, ele preferiu ir, e... não voltou.
Nino a encarou com uma intensidade que cortava. Sua mente, sem entender a totalidade, começou a criar uma narrativa própria.
— Papai nos abandonou? — A pergunta, dita com a inocência de uma criança, se estendeu como uma faca no peito de Marta. O Primordial baixou a cabeça, um ódio pelo pai se formando dentro de Nino, e Marta percebeu o erro. Sentiu a raiva crescente dele, uma tempestade prestes a explodir.
— Não, não! Ele não nos abandonou! — exclamou, quase gritando, ao perceber o erro na direção para onde ele havia sido conduzido. — Blacko apenas acreditou que venceria, mas não conseguiu. Seu papai os amava muito, muito mesmo. Fez isso por amor a vocês, não por querer sair de nossas vidas.
Mas as palavras não alcançavam Nino. O menino olhava para o chão, o ódio tomando conta de seu peito. Seus punhos se fecharam com força.
— Se ele gostasse de nós, teria ficado, não ido.
O comentário ecoou pela cozinha, e Marta sentiu sua própria dúvida crescer dentro de si. A avó também, de certa forma, questionava a decisão de Blacko. Mas sabia que ele tinha agido com a intenção de proteger a família.
"A forma que ele reagiu naquele dia... Eu não estou mentindo, Nino..." — El...
— Por isso que nunca diz nada sobre ele?
Marta desviou o olhar, sua expressão vazia. Sabia que o pequeno não entenderia, mas sentia a dor de ter que mentir, de esconder a verdade.
— Não, Nino, não é por isso. Ele queria que eu cuidasse de vocês, os protegesse.
— E o que isso tem a ver com contar coisas sobre ele?! — A voz do garoto se elevou, o desespero se misturando à raiva. Não entendia, e Marta sabia que não poderia mais manter a fachada passiva. Mesmo com a dor de fazer aquilo, precisava repreendê-lo.
— A melhor forma de protegê-los é falando o menos possível sobre ele! — exclamou com um grito abafado, fazendo Nino dar um passo para trás, surpreso pela bronca. O pequeno ficou calado, desviando o olhar e franzindo a testa. Marta também ficou em silêncio, respirando pesadamente, vendo a reação de tristeza do garoto. — Desculpa, m-mas essa é a verdade. Seu pai amava muito sua mãe, fazia de tudo por ela. Deixou de ser quem ele era por ela.
— Então nos conte. Quem ele era? — Nino voltou o olhar a ela, sua súplica dolorosa.
O pedido foi firme, determinado. Marta, no entanto, olhou para ele com uma tristeza profunda. Todas as palavras que podia dizer não seriam suficientes.
"Eu não posso..." — Não posso. Por favor, Nino, a vovó está cansada. Eu quero muito descansar... Me deixe preparar a comida, por favor, eu preciso ir deitar.
O silêncio que tomou conta da casa foi denso e sufocante. Nada mais foi dito, até que Nina finalmente quebrou o peso do momento:
— ...Quer ajuda?
Marta não olhou para ela. Apenas desviou o olhar novamente, voltando à pia e à preparação dos peixes, evitando enfrentar a preocupação que via nos gêmeos.
— Não. Podem apenas esperar, eu só quero descansar. Esse começo de dia foi difícil para mim.
— Desculpa, vovó.
— Não tem que se desculpar, Nino. Me desculpa você, é um direito seu, mas é muito doloroso para mim.
Nino ficou em silêncio, a dor refletida em sua expressão. Ainda a observava, mas Marta já não tinha mais forças para encará-lo. Apenas continuava trabalhando, mais mecanicamente do que com qualquer outra intenção: pegava um filé, temperava, empanava, passava para o lado e continuava assim, tentando não cair em lágrimas.
— Uhum...
— Senta lá rapidinho, vou fritar tudo e colocar no prato para vocês.
Nino assentiu sem responder, indo para a mesa e se sentando ao lado da irmã. Ambos aguardaram em silêncio, mas o olhar de Nino era fixo na vovó, seus olhos carregados de tristeza, raiva e a busca incessante por uma verdade que sempre escapava entre os dedos.