Volume 1 – Arco 1
Capítulo 15: 30 mil
Marta acordou logo após Louis sair do banho. Olhando pela janela, o céu já claro parecia uma promessa de um dia comum, mas ela não conseguia se livrar da lembrança do motivo que a havia trazido à sala.
"Ok, ainda estão no quarto..." pensou, tentando se recompor do dia anterior.
Levantou-se para fazer café apenas para ela, para que, quando Louis chegasse, a narrativa criada sobressaísse.
"Ele irá vir, finjo que estava dormindo na hora e pronto, tudo será resolvido... Ficaremos em paz."
Assim que caminhou até a cozinha, Frusshshshh... encheu um canecão de água, Rsk-rsk! e colocou no fogo.
— Até que você funcionou rápido hoje — brincou consigo mesma, olhando para o isqueiro com um sorriso forçado, e a velharia quase gritava: quero me aposentar!
Mexia no pó de café no coador de pano com um movimento automático, quase desconectada da realidade ao seu redor.
De repente, VruruUu-Pii-Pii...
— O quê?
Virou o rosto em direção à janela, tentando entender o que estava acontecendo.
"Verdade, o rapaz comentou sobre isso..." pensou, observando os caminhões despejando terra na cratera formada pela anomalia. Quando retirou os olhos da janela, Toc, toc, toc! o som de batidas na porta a fez saltar.
— Senhora, vi que está acordada, poderia abrir? Meu nome é Louis, vim fazer algumas perguntas.
Marta parou por um momento, o coração disparado. Hesitou, seu corpo paralisado pelo medo, mas finalmente se recompôs e abriu a porta.
— Bom dia, senhora! — Louis sorriu, tentando parecer profissional, mas a tensão em seus olhos não passava despercebida, sua luta interna se mantinha.
— Bom dia, moço.
— Posso entrar um pouquinho?
A avó olhou para ele e pensou em negar a entrada. Mas hesitou mais uma vez.
"Seria estranho demais não deixar. Só negar tudo e ele vai embora." — Sim, claro — disse com a voz abafada, tentando manter a compostura.
Nino e Nina colocaram seus ouvidos na porta do quarto, rosto no rosto, se olhando, para escutarem a conversa.
Quando ele entrou, percebeu o canecão no fogo.
"Ainda não tomou café."
— Pode se sentar, senhor.
Louis observou a cozinha e o que dava para ver da casa por um momento antes de se sentar. Marta o observava em silêncio, com as mãos tremendo ligeiramente.
— Ah, obrigado.
Sentou-se.
"Uma casa muito humilde, não deve negar uma proposta."
— Não tenho muito a oferecer, mas se quiser água, tem gelada — Marta falou, tentando desviar da tensão crescente, mas o nervosismo era óbvio em seu tom.
— Não, obrigado. Só quero conversar — respondeu o exterminador, com um olhar firme. — Você poderia se sentar, por favor?
A avó se sentou, o corpo rígido, sem saber exatamente onde colocar as mãos. Não conseguia entender ao certo o que se passava, mas sentia que estava no centro de algo muito maior do que poderia controlar.
— Qual o seu nome? — Louis perguntou, seus olhos fixos nela.
Marta hesitou, o peso da mentira prestes a cair sobre ela.
"Se eu mentir e ele descobrir, ele voltará..." O pensamento a atormentava, mas se recompôs. — Prazer, Marta — respondeu, mas sua voz saiu mais fraca do que imaginava.
Louis notou a hesitação, o que a deixou um pouco mais nervosa. Franziu a testa, mas prosseguiu:
— Bem... o terreno é seu?
A vovó abaixou o olhar, tentando esconder o pânico crescente dentro de si, ao perceber uma arma nas palavras dele.
"Teria que ser uma pessoa muito ruim para chantagear com isso..." — Quando meus pais vieram para cá, ainda não tinha isso. Depois que faleceram, eu continuei morando aqui. Quando o governo começou a vender essas terras e tal, eu já morava aqui sozinha, então não. Não é meu, mas, desde sempre, resido aqui.
— Ah, claro. Não se preocupe, não vim aqui para tirar vocês ou...
"Vocês?!" pensou Marta, tentando não deixar sua surpresa transparecer, mesmo após insinuar que vivia sozinha. "Ele sabe?!"
— Cobrar pelas terras, apenas vim pela denúncia de uma anomalia.
A avó sentiu o estômago revirar. Tentou controlar a respiração, mas a frase dele a atingiu como um golpe.
— Entendo...
— Onde eles estão? — perguntou de forma tranquila, sem demonstrar hostilidade, mas a frieza em sua voz era inegável.
— E-eles quem, meu senhor? — A vovó se viu respondendo sem querer, a confusão sendo a única coisa que podia oferecer.
— Uma das denúncias dizia que duas crianças mataram a anomalia. Onde estão? Estou interessado nelas.
Marta ficou paralisada, as palavras de Louis reverberando em sua mente. A pressão crescente fazia com que sua garganta se fechasse, e uma vontade intensa de chorar invadiu seu ser. Tentou se manter em silêncio, mas cada segundo era uma cruel eternidade, com as lágrimas começando a escorregar silenciosamente pelo seu rosto abaixado.
— Não sei se me conhece ou algo assim, mas eu lidero a ADEDA, a organização brasileira para combater anomalias. Sou de São Paulo, e lá, administro a principal escola. Nosso objetivo é criar uma força para proteger pessoas. Exterminadores para matar anomalias, assim como essas duas crianças citadas, dotadas de uma força que quero analisar. Hoje me veio a informação de que aquela anomalia era uma classificação Ruína, o que é bem interessante. Duas crianças sendo capazes de matar algo assim, me interessa bastante. Poderia me mostrá-los? — Louis não notava o choro silencioso. Marta mantinha a cabeça baixa, se escondendo, enquanto ele olhava ao redor, bisbilhotando o corredor. — Estão dormindo?
A pressão das palavras de Louis foi mais forte do que ela poderia suportar. Sabia dos riscos e não queria que eles ficassem perto de seus pequenos. A vovó queria gritar, mas seu corpo não a obedecia. Apenas conseguiu sussurrar, sua voz quebrada de medo:
— Vá embora... — O murmúrio foi quase inaudível, mas suficientemente claro para Louis perceber a situação que causou, assim que Marta ergueu o rosto, mostrando-o banhado em lágrimas.
Rapidamente tentou limpar o choro com as mãos trêmulas, tentando esconder sua vulnerabilidade, mas o peso da situação a esmagava.
Louis, que até então mantinha um semblante calmo, franziu a testa, ouvindo o pedido da senhora.
"O quê?"
Mais preocupado do que aparentava, embora sem reação, sem saber o que fazer diante daquilo, sua voz suavizou:
— D-desculpe, não escutei. — O olhar de dúvida fixo nela.
Marta olhava para ele, mas as palavras simplesmente não vinham. Seu medo, sua fragilidade, tudo era mais forte do que ela, e tinha perdido o controle sobre si mesma.
— Por favor, vá embora — conseguiu, finalmente, dizer, a voz embargada pela dor e pelo medo. Sentia que estava em uma encruzilhada, sem saber como lidar com o que ele exigia.
Louis se levantou.
Rrmn...
O som da cadeira sendo arrastada cortou o ar, irritando Nino, que ouvia tudo. A pupila do Primordial foi reduzida ao extremo, pronto para explodir de raiva, mas antes de possivelmente destruir a porta em sua investida contra Louis, Nina, com um olhar firme, o segurou e impediu, forçando-o a olhá-la nos olhos, enquanto suas unhas, afiadas como garras, quase rasgavam a carne dele, pedindo para se misturarem.
Nino permitiu, e assim que seus sangues se misturaram, Nina sussurrou em sua mente:
"A vovó disse para não sairmos!"
O garoto queria matar o exterminador, seu instinto de proteger Marta quase o dominava.
"E se ele a machucar?!" retrucou, os olhos brilhando com raiva.
"Se ele demonstrar agressividade, saímos e o matamos! Mas apenas se isso acontecer. Ela mandou ficarmos aqui e ponto final!"
Nino, olhando-a, com a intensidade de seus olhos guerreando, soltou um suspiro irritado, mas não ousou desobedecer. Apenas desviou o olhar.
"...Tá."
Nina, embora irritada com a situação, não queria agir sem a permissão de Marta. Não queria desobedecê-la. Quando os dois se misturaram, toda a raiva e o ódio que Nino sentiu foram para ela, mas, mesmo assim, diferentemente de seu irmão, tinha mais cabeça e se controlava melhor em situações assim.
A tensão em seu corpo era palpável, mas manteve a orelha na porta e o olhar no irmão. Nino voltou à mesma posição, se encarando enquanto escutavam o que acontecia, prontos para intervir em qualquer movimento brusco que parecesse uma ameaça por parte de Louis.
Louis, por sua vez, se aproximou de Marta. Sua preocupação agora era evidente, mas ainda tentava racionalizar a situação.
— Senhora, você está bem? Precisa de algo? Quer que eu a leve ao hospital? — Sua voz, agora muito mais suave, tentava trazer alguma calma para a mulher.
Thum Thum Thum
Marta não conseguia levantar o olhar.
"Meu coração está doendo... Não posso mais aguentar isso." A mente turvada pela preocupação com os gêmeos. Sabendo que seu tempo acabava, nem mesmo ligava para sua vida, apenas pensava no futuro deles. — Não, apenas quero que saia da minha casa. — Em um esforço para manter a compostura, pediu mais uma vez, tentando soar firme, mas sua voz traía seu desespero.
Louis, vendo o sofrimento da senhora, se viu em um dilema. Sabia que a situação foi mal interpretada, mas a dor de Marta era clara, e ele não queria continuar a pressioná-la.
— ...Eu não sou uma pessoa ruim. Acho que você me entendeu mal. Essas crianças podem salvar vidas, mas não estou aqui para tirá-las de você. Posso levá-la com eles até São Paulo, você poderia acompanhar tudo de pertinho — ofereceu, tentando aliviar a tensão, mas Marta apenas o olhou, sem compreender completamente suas intenções.
— Eu não quero, senhor. Por favor, apenas vá embora.
A tensão aumentou, e as palavras seguintes de Louis pareciam uma ameaça velada:
— O contrato é de 30 mil reais. 15 mil por cada um, e deixo que venh...
Marta interrompeu, soluçando enquanto tentava se segurar, as palavras escapando entre as lágrimas. Com medo de que o homem tentasse levar os gêmeos à força, tentava expulsá-lo de forma educada, para que não gerasse esse conflito:
— Meu senhor, eu sou uma mulher velha, eu não sei nada disso. Não sei o que quer. Você está me assustando... Estou com medo. Por favor, por favor, me deixe em paz. Por favor, vá embora. Meus netos não estão à venda, moço... — falava entre soluços, sem coragem de olhar para ele, seu olhar fixo no chão. "Por favor, vá embora... Não posso perder mais nada."
Louis ficou em silêncio por um momento, sentindo a dor e o medo em cada palavra que Marta pronunciava. Não tinha intenção de assustá-la, mas não sabia como sair daquela situação sem deixar um rastro de sofrimento.
"Fiz merda..." pensou, sua cabeça cheia de culpa. — Me perdoe, por favor.
Com um suspiro pesado, levemente curvou a cabeça. Sua expressão era um misto de arrependimento e confusão, sem saber como consertar a situação.
— Não se preocupe, irei me retirar, mas vejo que passa necessidade. Se algum dia quiser a oferta, vocês não passarão dificuldade alguma lá. Mas não vou insistir, apenas ligue se precisar de ajuda para a ADEDA. Me desculpe por assustá-la, fui um babaca e não percebi sua fragilidade. Com licença. — Se virou, seu coração pesado, e se retirou da casa de Marta.
Crlak...
Quando a porta se fechou atrás dele, o exterminador ficou ali por um momento, sentindo o peso da situação esmagando sua mente.
"Que merda... Não consigo pensar direito. Porra, tadinha..." Ficou mal, a cabeça conflitante entre trabalho e Katherine, junto de fazer uma vovó chorar, era doloroso.
Enquanto caminhava até a limpeza, fazia um pedido, desejava uma coisa que sabia que não aconteceria:
"Que não tenha nenhuma anomalia hoje... Que eu apenas possa descansar..."
Ao se aproximar da limpeza, sua mente continuava em um turbilhão, mas conseguia segurar a dor... ao menos em público.
— Bom dia.
— Bom dia, senhor.
Louis, visivelmente exausto, olhou para o caminhão distante, que jogava terra na cratera, cobrindo o que restara da destruição causada pela anomalia. Crmnmshss... O som da terra batendo contra o solo era estranho, era alto, mas não conseguia ser mais do que as vozes em sua mente, apenas adicionava uma trilha sonora para o eco do caos que acabara de presenciar.
— Vai ser o suficiente? — questionou, seu tom grave refletindo a fadiga mental que pesava sobre seus ombros.
— Sim, trouxemos um caminhão a mais por segurança.
Louis apenas assentiu, o peso da responsabilidade ainda pairando em seu peito, mas sem vontade nenhuma de se aprofundar nas palavras. Seu olhar passou rapidamente para o homem antes de ele responder:
— ...Entendi, tenha um bom dia de trabalho.
— Para o senhor também.
Clap!
Com uma palma rápida e impessoal, desapareceu, deixando para trás os trabalhadores que continuavam a tarefa com atenção.
Reapareceu em seu escritório na ADEDA. A exaustão se refletia em seu rosto, marcado por uma noite inteira sem descanso. Sentou-se na cadeira com o movimento automático de alguém que já não sabia mais o que fazer consigo. Tic... Fruuuuuu... Clicou no gabinete e ligou seu computador.
O monitor se acendeu, Tlec... Tlec-tlec... e ele digitou a senha mecanicamente, de forma lenta e agoniante, mas ao ver a tela, uma sensação de vazio tomou conta de seu ser. A sigla ADEDA na área de trabalho zombava de sua incapacidade de prosseguir, do peso das responsabilidades que não queria mais carregar.
Ao menos não mais naquele dia.
Louis ficou ali, imóvel, encarando a tela em branco por tempo demais. Era apenas o logo da organização, mas naquele momento, nada parecia mais distante de sua realidade. O peso do dia anterior, as angústias de não conseguir lidar com tudo e o medo de que algo estivesse fora de controle tomaram seu ser.
Abaixou a cabeça, as lágrimas começaram a surgir involuntariamente. O peso foi insuportável. Apoiou os braços na mesa, arrastando o teclado para apoiar o rosto nas mangas de seu sobretudo dourado.
Não tentou esconder, apenas se entregou à sensação de impotência, deixou-se livre para chorar, na tentativa de que isso o aliviasse.
— Cadê ela?
Mas... uma voz fria e infantil interrompeu bruscamente seu momento de vulnerabilidade.