Dançando com a Morte Brasileira

Autor(a): Dênis Vanconcelos


Volume 1 – Arco 1

Capítulo 14: Apenas um Amigo

A recepcionista à frente, embora em choque, agiu rapidamente, pegando o telefone de emergência.

— Emergência na entrada! Garota desmaiada, corte profundo no pulso esquerdo!

O olhar de algumas recepcionistas os analisou de cima a baixo. Era evidente que não pareciam pai e filha, e as roupas de ambos apenas intensificavam a estranheza da situação.

"Por que você está sem camisa e ela de pijama?" uma delas pensou. Contudo, considerando a gravidade da situação e reconhecendo os exterminadores, decidiu fazer a pergunta diretamente a ele, sem causar escarcéu na frente de todos, antes de pensar em denunciá-lo à justiça.

Em segundos, Thom! uma equipe médica surgiu por uma porta dupla com uma maca. Dois enfermeiros avançaram até Louis, seus olhares sérios transmitindo a gravidade do momento.

Louis entendeu sem palavras. Com cuidado, depositou Katherine sobre a maca, mas suas mãos demoraram a soltá-la. Temia deixá-la ir, como se, ao soltá-la, ela desaparecesse para sempre.

Um dos enfermeiros afastou o cabelo do rosto da criança, verificando rapidamente sua respiração.

— Pulso cortado... Não há pulso radial esquerdo. Pressão muito baixa. Vamos levá-la para o trauma! — Olhou para Louis. — Você é da família?

— E-e-eu sou amigo! — respondeu ele, a voz quebrando.

— Fique na sala de espera. Vamos cuidar dela agora.

— Não, eu vou junto! — Louis deu um passo à frente, mas o enfermeiro ergueu uma mão firme.

— Fique e espere na sala de espera, SENHOR Louis.

O tom foi firme, mas carregado de um desconforto palpável.

Louis, assim como Alissa, era uma figura pública, amplamente conhecida por suas frequentes aparições na televisão. Ele, comunicando ações importantes ao público, desde as notícias sobre o funcionamento da ADEDA até os relatos mais cruciais sobre a segurança pública. Já Alissa, com seus feitos extraordinários, sempre sob os holofotes, cativava todos os olhos e a admiração do mundo. A mais forte.

Mesmo sem seu sobretudo característico ou qualquer identificação formal, muitos no hospital já o haviam reconhecido.

O enfermeiro, com um tom enfático quase grosseiro, deixou claro que Louis não tinha escolha. Ainda processando o que acabara de acontecer, permaneceu paralisado. O olhar julgador do enfermeiro perfurava-o, carregado de uma acusação silenciosa, e o exterminador, ainda não entendia o que estava em jogo ali.

Sem mais palavras, Thom!... os médicos passaram pela porta dupla, levando Katherine para o setor de trauma.

O som da porta se fechando ecoou no vazio dentro de Louis. Ficou parado ali, imóvel, os olhos fixos na porta fechada, como se sua própria vida tivesse sido levada junto com a maca.

O peso do que acabara de acontecer desabou sobre ele como uma avalanche. As imagens da cena no quarto começaram a se repetir em sua mente: o sangue, a faca, o corpo inerte de Katherine. Cada detalhe, cada segundo, voltava como um tormento insuportável.

"Se eu tivesse dito algo... Se eu tivesse ficado e falado com ela... isso não teria acontecido."

O arrependimento era um veneno que corria por suas veias. Apertou os punhos, lutando contra as lágrimas que ameaçavam cair. Louis, o exterminador inflexível e resoluto, não chorava, não quebrava. Mas agora, ali, sentia-se em pedaços.

Sem forças, tropeçou, Pah! e caiu pesadamente sobre um dos assentos da recepção.

Sentiu um frio que não era apenas pela falta da camisa. Era um frio interno, profundo, como se a própria morte o rondasse, envolvendo-o e Katherine ao mesmo tempo.

Cada segundo se arrastava em câmera lenta. O ambiente ao redor era um borrão indistinto de cores e sons abafados. Apertava as mãos com força, tentando conter o tremor, mas falhava miseravelmente.

De repente, a recepcionista que antes o observara com desconfiança aproximou-se devagar. Sentou-se ao lado dele, com um movimento quase imperceptível. Louis nem percebeu, ainda preso em sua própria luta interna.

A mulher inclinou-se ligeiramente, o suficiente para que sua voz fosse um sussurro baixo e rouco, audível apenas para ele:

— Você fez algo com aquela garota?

A pergunta foi como uma explosão, consumindo todo o turbilhão de emoções que o devastava. Louis sentiu o chão desaparecer sob seus pés, mesmo estando sentado. Tentou responder, mas sua voz ficou presa na garganta, e suas palavras mal se formavam.

— N-não... — murmurou, a resposta fraca, tão fraca que até ele duvidava dela.

A mulher estreitou os olhos, a expressão carregada de desconfiança, enquanto sua voz se tornava ainda mais acusadora:

— Por que você estaria aqui de noite, sem camisa, usando uma bermuda... — seu dedo apontou discretamente na direção dele — ...com o pênis marcando no tecido, perto de uma menina de pijama?

— E-eu não fiz nada...

— Você é famoso, senhor Louis. Muito famoso. — O tom dela tornou-se frio, cada palavra carregada de ameaça. — Não vou denunciá-lo agora, mas também não acredito em você. Quando essa menina acordar, vou perguntar a ela o que aconteceu. Tudo. Qualquer relação entre vocês, seja de trabalho ou... ou algo pior. Se ela disser que você a obrigou, manipulou ou fez qualquer coisa para tirar proveito dela, seu cargo estará acabado. O senhor será preso por pedofilia.

— Eu... eu não fiz nada, e-eu já disse...

Louis não conseguia levantar os olhos para encarar a mulher. Suas palavras tremiam como vidro prestes a se estilhaçar. Olhava fixamente para o chão, a respiração entrecortada, o corpo tremendo, esmagado por uma combinação de culpa, medo e desespero.

— Quem responderá isso será ela. — A mulher levantou-se com firmeza e voltou para a recepção, deixando Louis afundado em sua própria mente. O ar ao redor desapareceu, e a sala girava à sua volta.


A noite era uma eternidade. Cada segundo era uma tortura.

Louis permanecia imóvel, os olhos fixos na porta por onde Katherine havia sido levada. A cada som, erguia-se ligeiramente, a esperança acendendo por um breve momento, apenas para se afundar novamente na cadeira ao perceber que não era ninguém vindo falar com ele.

Tic-Tic-Tic!

O som do relógio na parede era como marteladas em seu peito. Cada "tic" soava como uma contagem regressiva para sua sanidade desmoronar. Olhava para o relógio várias vezes, mas os ponteiros zombavam de sua angústia, movendo-se em câmera lenta.

O tempo se arrastava, levando consigo qualquer resquício de força que Louis ainda tinha. A madrugada escorria como areia em uma peneira, enquanto ele permanecia ali, imóvel, mas por dentro, uma tempestade rugia.

"Desculpa... Por favor... Por favor..."

Repetia as palavras em sua mente como uma oração, tentando barganhar com o universo, com qualquer força que pudesse ouvi-lo.

Finalmente, a porta abriu-se sem fazer barulho. Louis não percebeu de imediato, mas a voz de um médico interrompeu o vazio em sua mente:

— Senhor Louis.

Louis ergueu o rosto, os olhos vermelhos e inchados, e se levantou imediatamente.

— E-ela está bem?!

O médico, um homem de aparência séria e visivelmente cansada, deu um passo à frente, ajustando os óculos.

— Está estável. E também recebendo soro na veia agora. O corte foi profundo, e... estranho. — Hesitou, analisando Louis com um olhar desconfiado antes de continuar. — Bem... não queria dizer isso, mas foi o senhor que fez isso?

Louis congelou. Seus olhos se arregalaram enquanto balançava a cabeça freneticamente.

— E-e-eu... eu só entrei no quarto e ela estava assim!

O médico franziu a testa, inclinando-se levemente, seu olhar grave perfurando Louis como um bisturi.

— Chegou no quarto? Senhor, desculpe, mas isso só piora as coisas. Sua aparência, sua vestimenta... Entrou no quarto de uma criança? De noite? O ferimento não parece ter sido autoinfligido.

Louis tentou responder, mas sua mente parecia um borrão. Balbuciava, os lábios tremendo:

— Eu... eu não... não foi isso...

O médico cruzou os braços, mantendo o tom firme.

— Senhor, por favor, fale a verdade. O que o senhor estava fazendo no quarto dela?

— N-nada. Nada. Moramos juntos no mesmo apartamento desde o massacre em Belo Horizonte. Ela não tem família aqui, todos estão em Brasília. Não queria que ela ficasse sozinha... então deixei que morasse comigo.

O médico inclinou a cabeça, o olhar ainda carregado de dúvidas.

— Certo... Mas ela continua sendo uma criança. Você tem a guarda dela? O que você é para ela?

— Amigo. Apenas um amigo.

O médico suspirou, inclinando-se mais para perto.

— Se fizermos testes no corpo dela, não vamos encontrar nada, correto? Você nunca fez nada com ela, certo?

Louis apertou os olhos, tentando conter as lágrimas que ameaçavam cair novamente.

— Nunca, doutor. Nunca.

O médico o encarou por alguns segundos que pareceram uma eternidade. Seu olhar era duro, mas havia algo mais... uma desconfiança silenciosa, uma dúvida que não conseguia disfarçar.

— Não permitirei que você chegue perto dela até que ela tenha forças para conversar e nos dizer o que realmente aconteceu. — O médico o olhava com um misto de nojo e autoridade, a voz fria como gelo. — Se ela nos contar que você a tocou, passou a mão ou qualquer coisa desse tipo, você será denunciado ao governo. Seus poderes são públicos, senhor Louis. Todos sabem que, com uma palma, pode se teletransportar. — Seu tom era mordaz. — Mas não se preocupe. Temos métodos eficazes para lidar com gente como você. Camisas de força são bem úteis. Espero sinceramente que o líder da segurança nacional do nosso país não seja um monstro que usa de sua autoridade para...

Hesitou, mas sua expressão dizia o que as palavras não precisavam concluir.

— ...Para fazer essas coisas.

As últimas palavras saíram impregnadas de desprezo.

Louis ficou paralisado. Sentia cada sílaba do discurso do médico como socos diretos em seu estômago. Baixou a cabeça lentamente, os olhos pesados de vergonha e cansaço, mas sua mente corria em círculos.

"Não adianta eu dizer nada. Nunca acreditarão em mim."

Um alívio sombrio o percorreu ao saber que Katherine havia sobrevivido, mas logo foi ofuscado por um medo devastador.

"Sua obsessão a fará mentir?" O pânico lhe apertou o estômago. "Vai dizer que somos namorados? Ou pior... que já transamos?"

O médico o observou por mais alguns segundos, o olhar firme como uma espada apontada para o pescoço do exterminador, antes de se retirar com um movimento brusco.

Louis ficou sozinho novamente, o ar ao seu redor foi ficando cada vez mais denso. Respirou fundo, tentando se recompor. Olhou para as cadeiras da recepção como se buscasse uma âncora, mas encontrou apenas um vazio.

Brrr! Brrr!

O som de seu celular vibrando quebrou o silêncio.

Levou a mão ao bolso, olhando a tela. Era o "001", o número da equipe de limpeza de Minas Gerais.

— Alô? — sua voz era rouca, quase um sussurro.

— Senhor Louis, aqui é da limpeza. Iriam enviar um e-mail, mas achei melhor ligar diretamente. — A voz do outro lado era prática, mas respeitosa. — A análise confirmou: a anomalia se tratava de uma Ruína 1.

Louis apertou os olhos, exausto.

— Ah... ok. Obrigado.

— Por nada, senhor. Tenha um bom dia.

— ...Igualmente.

Desligou o celular e o guardou no bolso, encarando o vazio do corredor à sua frente.

"Tenho minhas obrigações... Não posso passar o dia aqui."

O pensamento era uma tentativa desesperada de agarrar-se à rotina, a qualquer coisa que o tirasse daquela espiral de culpa e tensão.

Clap!

Com uma palma, desapareceu, teletransportando-se de volta ao apartamento.

Ao chegar, a visão do quarto o fez travar. O sangue seco ainda manchava o chão, a cama e até os lençóis. A cena era um lembrete cruel da noite infernal que acabara de passar.

"Eu preciso limpar isso... não posso deixar que ela volte e veja isso."

Sem pensar duas vezes, foi buscar materiais de limpeza. Esfregou o chão, limpou as manchas, trocou os lençóis. Cada movimento era mecânico, mas sua mente permanecia a mil. As palavras do médico e da recepcionista ecoavam na sua cabeça.

Depois de terminar, foi ao banheiro, tirou a bermuda manchada de sangue e tomou outro banho. A água quente escorria sobre seu corpo, mas o calor não alcançava o gelo dentro dele.

"Tenho responsabilidades. Compromissos. Não posso me dar ao luxo de cair agora." Seu rosto destruído, sua voz tentando afirmar coisas para sua mente ser enganada com mentiras fragmentadas.

Vestiu-se, colocando seu traje formal, e seguiu para mais um dia de trabalho, carregando o peso de uma noite que jamais conseguiria esquecer.



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