Dançando com a Morte Brasileira

Autor(a): Dênis Vanconcelos


Volume 1 – Arco 1

Capítulo 13: Sou só eu?

Com a chegada da limpeza, um exterminador emergiu do vazio, com passos firmes e uma presença imponente. Vestindo um sobretudo dourado que brilhava sob as luzes do caminhão, Louis chegou ao local das denúncias.

Os moradores de Jequitibá, curiosos e ansiosos, haviam se aproximado do local onde escutaram os barulhos, na tentativa de tirar fotos da cena de destruição, conforme requisitado por Louis.

— Por favor, mantenham distância. De preferência, voltem para suas casas. A anomalia está morta, mas isso não significa que não possam haver outras. — Sua voz era firme, carregada de autoridade, e sua postura ereta exalava respeito.

Os moradores obedeceram sem questionar. Não havia razões para arriscar suas vidas por algo que mal compreendiam.

Louis então voltou sua atenção para a cena diante dele. Sob os faróis do caminhão, a extensão do estrago se revelava: o buraco profundo no solo, árvores derrubadas em sequência, e, mais adiante, a carcaça grotesca da anomalia. Analisava cada detalhe meticulosamente.

— Hum... Braços arrancados no chão, possui regeneração... Coração removido, crânio destruído... — Franziu o cenho, murmurando para si mesmo. — Duas crianças fizeram isso?

Um dos técnicos da equipe de limpeza se aproximou.

— Senhor?

— Sim? — respondeu Louis, sem desviar o olhar da cena.

— Quando terminar sua análise de campo, nos avise para recolhermos os restos.

— Podem começar agora. Não há mais nada que eu possa fazer aqui. Mandem a análise assim que possível. Acredito ser uma Ruína, mas é sempre bom confirmar. Não precisam me enviar o relatório completo quando chegarem a Brasília; só preciso saber a classificação final do ser que essas... crianças destruíram.

— Entendido, senhor. Vamos realizar os testes ainda no caminhão, na estrada. Até amanhã cedo, garantimos que o senhor terá uma resposta em seu e-mail ou por mensagem.

— Espero que sim. — Se virou e começou a caminhar lentamente, observando cada detalhe da área. Seu olhar fixou-se no crânio explodido da anomalia antes de seguir para o matagal, em busca de qualquer outra pista.

A luz do caminhão foi ficando para trás enquanto Louis avançava. Pensando alto, murmurou para si mesmo:

— Duas crianças... Não faz sentido.

Percebendo a escuridão crescente, parou.

Clap!

E desapareceu.

Reapareceu em seu escritório na ADEDA após a palma, ligou a luz do ambiente e se dirigiu a um armário, onde abriu uma gaveta e pegou uma lanterna poderosa, projetada para missões de campo noturnas.

Clap!

De volta à cena. VuuVrum...

A limpeza havia retirado os restos e começava a manobrar para iniciar a viagem.

Louis olhou para trás naquele breve momento, mas logo apontou a lanterna à frente, iluminando o mato ao redor com intensidade. O feixe cortava a escuridão com facilidade, transformando a noite em dia onde a luz alcançava. Após mais alguns passos, finalmente avistou algo inesperado: uma casa.

Marta continuava sentada em sua cadeira de balanço, envolta em um cobertor. Seus olhos estavam fechados, mas seu coração disparava de medo. Fingia dormir, mantendo-se imóvel mesmo com a luz repentina da lanterna a atingindo.

Louis abaixou a potência da lanterna ao perceber a presença da casa. Ficou parado por um momento, avaliando a situação.

— Como assim? Entrei na terra de alguém? — murmurou para si mesmo, aproximando-se da casa. — Boa noite! — Sua voz cortou o silêncio, mas ninguém respondeu além das cigarras. — Alguém aí? Sou um exterminador. Estou verificando se estão bem. Uma anomalia foi morta a menos de cem metros daqui.

Marta permaneceu quieta, cada músculo de seu corpo travado.

— Harrff...

Louis suspirou, olhando para a casa.

"De noite, é claro que ninguém vai responder... Quem abriria a porta para um estranho gritando em sua janela?"

Se virou, mas hesitou. Decidiu deixar um aviso:

— Bem, foi uma destruição enorme ali na frente. Não sei se este terreno é seu, mas, como agente do governo, amanhã cedo mandarei uma equipe com terra para cobrir o buraco. Se tiverem tempo, gostaria de conversar. Nada sério, apenas uma conversa normal, não se preocupem. Meu nome é Louis...

Marta não gostou nem um pouco de ouvir aquele nome, mas manteve-se imóvel.

— Tenham uma boa noite e desculpem o incômodo.

Guardando a lanterna no bolso, deu as costas para a casa.

Clap!

Desapareceu, surgindo em seu apartamento.

— Harf...

Exalou profundamente e começou a tirar o sobretudo.

Antes que pudesse relaxar, Thumpf... sentiu algo bater contra ele. Olhando para baixo, viu uma criança com roupa de dormir, abraçando sua cintura por trás.

— Como foi lá? — perguntou Katherine, erguendo os olhos para ele com curiosidade.

Louis suspirou profundamente, tirando o sobretudo pesado, Fush! e lançando-o na mesa com um movimento descuidado. O cansaço em seu rosto era evidente, mas seus olhos ainda mantinham um brilho atento e calculista.

— Agitado e a...

Katherine deu alguns passos à frente e, com toda a sua força, tentou empurrá-lo em direção à cama. Louis, rindo levemente da determinação dela, Pahff... deixou-se cair sentado, enquanto ela exclamava com um sorriso travesso:

— Agora descanse!

— Claro, claro... A anomalia já estava morta, como indicavam as denúncias. Mas não de uma forma normal, foi morta brutalmente. Não que eu me importe, essas coisas têm que ser neutralizadas o mais rápido possível, mas a informação de que foram crianças... Isso eu não entendo. Não há uma ADEDA lá. A unidade de Minas ainda está em construção, o que quer dizer que são naturalmente fortes.

— Uhum... — murmurou Katherine, distraída.

Louis começou a desabotoar sua camisa social, os dedos movendo-se de forma automática, enquanto Katherine, com passos quase inaudíveis, ajoelhou-se à sua frente. Embora a atitude dela não o surpreendesse, seus gestos sempre o colocavam em alerta.

A menina retirou os sapatos de Louis, o toque delicado, quase reverente.

— Precisava sair da cama com tanta pressa? — A voz dela carregava um tom de provocação misturado com uma nota de reprovação.

— Foram muitas ligações, não podia perder tempo — respondeu ele, sem emoção, enquanto tirava a camisa.

Fush!

Lançou-a junto ao sobretudo, de forma descuidada.

— E precisava se arrumar todo? — insistiu Katherine, cruzando os braços. Havia algo na forma como o encarava, uma mistura de ciúme e insegurança.

— Isso não é perder tempo; é o meu trabalho. Preciso estar bem apresentado.

— Tinha garotas lá? — questionou, com um tom ácido.

— Óbvio que não! Por que teria?

Katherine se ergueu, aproximando-se com uma confiança calculada, embora sua insegurança transparecesse por baixo do disfarce. Sentou-se em seu colo com um movimento preciso, apoiando os braços em seus ombros, enquanto o encarava nos olhos. Louis não reagiu, mas seu semblante endureceu.

— Sou só eu? — perguntou ela, estreitando os olhos. Sua voz era baixa, quase um sussurro, carregada de algo desafiador.

— Para com isso, Katherine. Não é hora — respondeu ele, seco.

— Você nunca sente vontade? Nunca me olha de verdade. — Seus dedos passaram pelo rosto dele, hesitantes, mas insistentes. — Não sou bonita?

Louis desviou o olhar, a paciência se esgotando.

— O que isso tem a ver?

— Por favor... Você nunca disse que me ama, nunca tentou me possuir como sua mulher.

— Katherine, você tem 12 anos.

— E daí? — A menina inclinou-se mais, o olhar quase desesperado. — Eu faria qualquer coisa por você. Quero ser sua. Só sua. Por favor...

O silêncio de Louis era cortante. Apenas a observava implorar. Então, sem aviso, ela tentou beijá-lo, mas Louis se ergueu rapidamente. Paff! A retirou de cima de si com firmeza, mas sem violência, deixando-a cair sentada na cama.

Katherine baixou a cabeça, os cabelos escondendo as lágrimas que começavam a se formar.

— Eu já disse para parar com isso. Não vamos fazer nada. Você... — Parou, mordendo as palavras enquanto a exasperação tomava conta. — Você nem deveria estar aqui... "Não deveria agir assim." Respirou fundo antes de continuar: — Vou tomar um banho. Esse assunto termina aqui.

A garota o encarou, os olhos marejados, enquanto uma sombra de mágoa profunda transparecia. As lágrimas começaram a rolar antes que pudesse contê-las.

— É porque eu sou inútil...? Não sou boa o bastante pra você? Você acha ela mais bonita que eu... Não sou como ela, né? — Katherine desviou o olhar, as mãos tremendo enquanto tentava limpar o rosto.

Louis parou na porta, os ombros rígidos, mas continuou de costas para ela. Mesmo assim, escutou o que ela dizia.

— Alissa... É ela, não é? Você não foi atrás de uma anomalia... Foi se encontrar com ela. Foi ficar com ela. Ela é linda, perfeita. Eu sou feia, insuficiente. Sou tudo de ruim, não sou? Você me odeia... — Sua voz quebrou, afundando em soluços. — Nunca vai me olhar como olha pra ela...

Louis fechou os olhos. Sua paciência à beira de um colapso. Decidido a encerrar o assunto, respondeu sem se virar:

— Katherine, chega. Você está cansada. Trabalhou o dia todo e começou a falar bobagem. Vai dormir. Eu já volto.

— É isso que você sempre faz! — gritou, a voz ecoando pelo quarto. — Me descarta. Como se eu fosse nada pra você!

O grito reverberou, mas Louis permaneceu parado por um instante. A garota, ajoelhada na cama, aos prantos, o observava de costas, sem blusa e com o cinto desafivelado. Sentia-se ainda mais inútil. Não conseguia mais suportar vê-lo tão indiferente, sempre a negando. Agora, nem mesmo olhava para ela... era cruel, doía demais. Baixou o rosto, tomada pela dor de se sentir insignificante, substituível... fraca.

— Desculpa por ser uma inútil... Desculpa por me apaixonar pelo meu professor... Você nunca irá me amar, não é? Nunca demonstrou desejo por mim... — Mantinha a cabeça baixa, chorando, embora agora conseguisse controlar os soluços. — Eu sempre tento e você me nega, mal sorri pra mim. Mas, pra ela, sua fala é calma, seu sorriso é verdadeiro... — Colocou as mãos no rosto, as lágrimas rolando com intensidade, mas Louis não ligou.

"Cansei. Se acha que vou continuar passando a mão na sua cabeça sempre que der essas crises, está bem errada." Finalmente, começou a caminhar em direção ao banheiro. "Ameaçar que vai se suicidar... Você não faria isso. Eu que sou um otário tentando evitar essa atrocidade."

Chegou ao banheiro, deixando-a lá, chorando sozinha.

Bham...

Fechou a porta com um baque surdo, a frustração crescendo em seu peito enquanto acabava de se despir.

Rrn-rrn...

Girou a torneira da água quente, Fluuushshshs... deixando o vapor tomar conta do ambiente enquanto as palavras dela ecoavam em sua mente.

"Isso já passou dos limites... Passou de todos os limites." Esfregou o rosto com força, sentindo o peso não só do cansaço físico, mas de uma responsabilidade que nunca pedira para carregar.

Já se completavam quatro anos desde que Katherine entrou na escola e ficou obcecada por ele. Quatro anos em que se via preso a manter uma ferramenta excepcional contra anomalias, mas também a alimentar um amor proibido, resultando em constantes ameaças.

Tomou banho com a expressão tão pesada quanto seu espírito. Lavou os longos cabelos com calma, usando seus diversos produtos de hidratação. Flush-flrush-frucsh... Se cuidava, tentando manter a tranquilidade, embora mesmo com os olhos fechados e a água caindo em seu rosto, não conseguisse disfarçar sua frustração.

Após um bom tempo sob a água quente, Rrn-rrn... finalmente desligou o chuveiro.

A tensão no corpo havia diminuído, mas a mente continuava em constante alerta. Secou-se rapidamente, vestiu uma fina bermuda qualquer, que Katherine havia deixado no banheiro mais cedo para ele usar, e ajeitou os cabelos longos sob sua touca de cetim rosa, um hábito que o mantinha minimamente organizado mesmo em meio ao caos.

Pegou o celular e discou o número da equipe de limpeza de Minas Gerais enquanto ajeitava as coisas ao redor, devolvendo cremes e produtos aos armários da pia.

— Alô, senhor Louis? Aconteceu algo? Apenas um caminhão não foi suficiente?

— Foi suficiente, mas a destruição foi bem maior do que esperávamos. Uma cratera com mais de 20 metros de diâmetro, eu imagino, com uma profundidade considerável, foi deixada lá. Quero que enviem caminhões com terra para tampar aquilo. Há uma casa na área, então presumo que o terreno seja dos moradores. É nossa responsabilidade consertar o estrago causado pela anomalia.

— Sim, senhor... 20 metros?

— Isso é um chute, mas mande mais terra do que acha necessário. Melhor que sobre do que precisarmos voltar.

— Entendido, senhor. Mais alguma coisa?

— Apenas isso. Tenham uma boa noite.

— Obrigado, boa noite.

Desligou o celular, observando o próprio reflexo no espelho do banheiro. O cansaço agora parecia esculpido em suas feições. Respirou fundo, tentando se centrar, e saiu para o quarto com passos despreocupados, embora sua irritação ainda estivesse latente.

"Espero que o drama já tenha passado..." pensou, quase como uma prece silenciosa.

Ao se aproximar da porta do quarto, porém, um frio cortante percorreu sua ser. Seus olhos se arregalaram.

— KATHERINE!

A visão à sua frente era um pesadelo. A menina estava caída no chão, o braço esquerdo estendido, o pulso cortado. O sangue manchava o piso, e a faca ao lado dela brilhava sinistramente à luz fraca do quarto.

— O QUE VOCÊ FEZ?! — gritou, o pânico invadindo sua voz. — O-o-o que você fez?!

O desespero o tomou por completo. Correu até ela, ajoelhando-se e puxando-a para perto. Sua mente girava, os pensamentos confusos e embolados, até que, por um instante de clareza, lembrou-se de seu poder.

Ergueu-a no colo, jogou-a levemente para cima, em um micro salto, apenas o suficiente para, Clap! realizar sua palma, e, então, se teletransportou com ela até o hospital.

Reapareceu no pronto-socorro, surgindo em frente à recepção como um flash.

— ME AJUDA, SOCORRO!

O grito ecoou no espaço, assustando as atendentes atrás dos acrílicos e outras pessoas na área. Todos o viram sem camisa, com o semblante retorcido de desespero, segurando uma criança em seus braços.

O corpo dela... mole, vestindo seu pijama inocente, os braços pendiam inertes para os lados, como se toda a energia tivesse sido drenada.



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