Volume 1
Capítulo 11: O Paradoxo da Mana
O recrutado abriu um dos olhos, deixando uma lágrima relutante escorrer pela bochecha, corada pelo sol fraco da madrugada. Sentou-se, balançando a cabeça e estalando o pescoço, sentindo um leve desconforto muscular dos exercícios do dia anterior. Ao levantar a camisa, notou uma marca sutil — provavelmente um hematoma causado por Grim — o que reacendeu brevemente sua irritação.
Após concluir sua higiene matinal, observou pela janela os moradores do castelo começarem seus afazeres. Ao ver Oz se dirigindo aos estábulos, saudado por latidos de cães que corriam ao seu encontro, Haru decidiu aceitar o convite do guarda-caça. Afinal, não estava ali por favores.
Vestido com uma calça e camisa pretas, bordadas com o brasão dos Dragões, desceu as escadas enquanto ajustava os sapatos. Ao chegar aos estábulos, ouviu o latido de um cachorro vindo em sua direção. O pelo eriçado e desgrenhado dava ao animal uma aparência selvagem, mas o olhar expressava apenas curiosidade.
— “Calmô”, Luna! É amigo! — gritou Oz, erguendo o rosto por cima de um fardo de feno e vendo o recrutado parado na porta, com as mãos erguidas. — Acordou cedo, garoto.
— Pelo visto, não fui o único — respondeu Haru, entrando nos estábulos e elevando os pés para não desarrumar a forragem no chão.
— O expediente aqui começa cedo — disse Oz, fazendo um gesto para que o novato pegasse um bloco de feno, enquanto erguia o seu sobre o ombro direito. — Apenas os cavaleiros acordam no meio da manhã.
— Pensei que todos deveriam ajudar — comentou Haru, imitando o mestre ao carregar o feno.
— Todos devem, a maioria ajuda… Mas cada um tem sua vocação — a última palavra soou quase irônica na voz do cavaleiro experiente. — Quem ambiciona ser rei, muitas vezes, não quer ser vassalo. Entende?
Haru assentiu, seguindo as instruções. Logo, Oz pediu que ele colocasse ração para os cães, alegando um “esquecimento por preguiça”. Após explicar onde ficavam os sacos nos fundos do estábulo, o garoto de cabelos brancos obedeceu. Desde que Haru adentrara o local, Luna o seguia como uma sentinela silenciosa.
O Dragão Branco despejava a ração nas tigelas com cuidado, vigiado atentamente pela cadela. Foi então que um ruído rompeu o silêncio da manhã:
— "Iirrrrrrrí!"
Os portões se abriram, e alguns funcionários entraram conduzindo um cavalo de raça pura, descontrolado. O animal se debatia violentamente, fazendo as amarras chicotearem os braços de quem o segurava. Haru, atento, notou o excesso de força sendo aplicado e correu para a porta do estábulo. Num solavanco, o cavalo derrubou um dos homens ao chão com brutalidade.
Instintivamente, o recrutado largou o saco de ração e correu, despertando a preocupação de Oz.
— Calma, garoto! Calma! — pediu o guarda-caça, enquanto rodeava o animal que continuava a se debater, golpeando os que tentavam contê-lo. — Calma!
Sem perceber, Haru deixou sua mana escapar — não o suficiente para criar uma aura, mas o bastante para sentir algo. Uma voz surgiu em seus pensamentos, como um sussurro desesperado:
"Onde eles estão?! Onde?!"
Oz se ajoelhou ao lado do outro funcionário caído, enquanto Luna latia ao longe, seus gritos parecendo ecoar uma aflição compartilhada. Haru ainda não compreendia, mas apenas ele conseguia ouvir aquela voz. Sua mana se conectara ao animal, como um toque gentil em ombros desesperados.
"Minha família! Eles sumiram! Estou com medo, mãe!"
Agachado perto do cavalo, o Espada ergueu uma das mãos, como quem instintivamente oferecia consolo. Um fino fio translúcido, da mesma cor de seus olhos, ligou sua mão à testa da criatura. Era como se, naquele momento, eles se compreendessem.
— Ei, garoto! Cuidado! — advertiu Oz, puxando o funcionário caído para longe.
— Calma… — sussurrou Haru, sentindo que o cavalo o escutava. O animal relinchou de maneira contida, e seus movimentos começaram a cessar.
"Eles vão me machucar!"
— Ninguém vai te machucar, está bem? — disse Haru com firmeza, olhando nos olhos da criatura.
O cavalo pareceu compreender. Tocou o focinho contra o peito de Haru, num gesto de entrega e súplica. O rapaz o envolveu num abraço leve, acariciando a crina e o pescoço da besta, repetindo baixinho:
— Já acabou… já acabou…
Só então percebeu que outros membros do clã o observavam à distância. Um deles se aproximava lentamente.
— Controle sua mana, garoto — disse Oz, tocando seu ombro e fazendo-o despertar do transe.
Haru notou o pequeno fio azul ainda conectando sua mão ao animal — como se os Doze o permitissem enxergar aquela “corrente”.
"Essa sensação… é isso a mana?", pensou, confuso.
— Desculpa, eu… — ele tentou se explicar, ainda atordoado.
— Vai pedir desculpa por fazer algo bom? — Oz deu uma risada abafada, pigarreando logo depois. — O que acabou de acontecer foi perfeitamente normal, garoto. Fique tranquilo.
— Com licença — um dos funcionários se aproximou, cobrindo com a mão uma pancada no braço. — Perdão pela preocupação que causamos.
— Posso saber o que está acontecendo aqui?
A voz do rei interrompeu todos os presentes, revelando sua aproximação ao fundo do pátio, trajando roupas comuns. Haru não comentou, mas era estranho ver Sua Majestade vestido de forma tão casual. Se não soubesse quem era, poderia tê-lo confundido com um homem qualquer, de cabelos cobreados e desgrenhados.
A quantidade de pessoas reunidas no pátio deixava evidente que a manhã já avançava. O ar estava carregado de preocupação. Sobre os ombros dos demais, Haru avistou Laki ao longe, surpresa. Seus olhares se cruzaram, como se buscassem uma explicação um no outro.
— O cavalo se descontrolou — explicou o segundo funcionário, fazendo uma reverência ao rei. — Parece que se assustou com a forma como foi capturado.
Magnus puxou a corda presa à cabeça do cavalo agitado, mas sem machucá-lo, entregando-a em seguida ao seu súdito mais novo.
— Quantas vezes eu disse para não usarem de violência com os animais que cuidamos? Vão para a enfermaria agora. Nós assumimos daqui! — disse o monarca com severidade, imprimindo urgência à ordem.
Os empregados se retiraram rapidamente, e o rei ordenou que os demais súditos também se afastassem. Logo em seguida, sussurrou a Haru:
— Leve o cavalo na frente e tente manter sua mana como estava antes — seu tom soava como uma extensão do treinamento, mesmo que não houvesse sido planejado. — Nós vamos te seguir. Se ele se descontrolar, interviremos.
Os olhos cerúleos do Dragão Branco imploravam por uma explicação. “Meu corpo se moveu sozinho... nem sei o que aconteceu”, pensou Haru, enquanto obedecia. Fechou os olhos por um instante, tentando manter o controle. Sentiu o olhar atento de seus professores.
— Vamos, garoto. Está na hora de descansar — disse ao cavalo, conduzindo-o com um sorriso tranquilo.
"Fique perto de mim, por favor! Estou com medo!"
— Está tudo bem. Só se acalme…
O caminho seguiu sem incidentes. Magnus e Oz trocaram olhares, sem entender como o rapaz progredira tão rapidamente. Ao entrarem no estábulo, Oz conduziu o animal até um espaço vazio.
A voz do rei então rompeu o silêncio, chamando a atenção do aluno. Uma pressão percorreu a espinha de Haru, fazendo-o tremer. A mana de Magnus era ameaçadora — como o rugido de um predador oculto.
— Haru!
Uma chama foi lançada em sua direção. Instintivamente, Haru ergueu a mão coberta por sua própria energia e conteve o ataque. A labareda permaneceu suspensa em sua palma, informe, até que sua mana a moldou em uma dança vívida. Quando dissipou a energia, a chama ainda resistiu por um breve instante, até se apagar ao fechar a mão.
— Como você está, garoto? — perguntou o rei, aproximando-se com as mãos nos bolsos, notando o progresso do pupilo. — Se machucou?
— Não, senhor… — Haru ainda parecia desorientado, encarando a própria mão. Em seguida, olhou o cavalo, agora calmo, observando-o de volta. — Só parece que saí de uma longa conversa…
— Uma longa conversa? — Magnus o encarou, percebendo algo incomum em sua reação.
— O cavalo... — respondeu o ex-prisioneiro, voltando os olhos ao animal. — Ele me perguntava onde estava a família dele… por que ele estava aqui. Era como se falasse comigo, desesperado.
“Uma pessoa boa pode ter uma mana suja?” A pergunta do falecido rei Maximoff ecoou na mente de Magnus, que absorvia cada detalhe do relato de Haru. “O paradoxo da mana se reflete na criação e retorna nas nossas ações, como a luz num espelho…”
— ...afinal, apenas os animais conseguem sentir a pureza de um ser humano — murmurou o Dragão Real, sorrindo com nostalgia.
— Perdão? — perguntou Haru, desviando a atenção para o rei, limpando a mão no peitoral da camisa.
— Hoje você deu mais um passo no controle da sua mana. Orgulhe-se — disse Magnus, ignorando a confusão no rosto do rapaz.
O rei o fitou com curiosidade. Naquele instante, sentiu que escolher aquele jovem tornaria os próximos dias bem mais interessantes. Sorrindo, bagunçou os cabelos de Haru, que ainda tentava compreender o que acabara de viver.
Oz então pediu ajuda ao aluno para forrar o estábulo do novo hóspede. Concordaram em deixar que Haru escolhesse um nome para o animal.
— Gládio — disse o rapaz, fitando o cavalo com admiração. Teve a impressão de ouvir um relincho satisfeito em resposta.
— O escudo do rei? — Oz cruzou os braços, curioso.
— Meu pai contava essa história quando eu era criança — respondeu Haru, acariciando as orelhas do animal. — Acho que fiquei nostálgico por um instante.
— “Compreender a criação…” — começou Magnus, se aproximando.
— “…passa por entender as pessoas, mesmo que a resposta não venha...” — completou Oz.
— “…esse é o quão paradoxais os Doze conseguem ser.” — finalizou Haru, sentindo sua mana fluir suavemente pela palma da mão.
O novo espadachim sentiu como se tivesse dado um passo adiante. Um sentimento que há muito tempo não experimentava. Drake teria sorrido para ele naquele momento… e isso o fez pensar: por que sonhara com o amigo poucos minutos antes?
A angústia foi substituída por vontade de seguir em frente. Voltou a ajudar Oz nos estábulos, mesmo sendo advertido — afinal, aquele era para ser um dia comum. Pelo menos, era isso que Haru ainda queria acreditar.
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