Volume 1

Capítulo 12: Niklas

O rei deixara Haru e Oz nos estábulos, lembrando ao seu pupilo que deveria estar no campo nos fundos do castelo após o almoço. Era apenas o segundo dia do recrutado no castelo, e ele já o surpreendia. Mesmo intrigado, Magnus pressentia que não podia baixar a guarda — por mais que o rapaz não aparentasse ser perigoso.

O que testemunhara fora inusitado: um soldado sem qualquer experiência com mana usá-la para acalmar um animal selvagem, e ainda descrever o feito como uma simples conversa. "Isso é, no mínimo, interessante", refletiu Magnus. A última pessoa que vira demonstrar tamanha afinidade com a mana fora a rainha Alice — e o modo como seu pai a estudava na juventude sempre lhe despertara certa inveja.

Alice e Magnus se respeitavam desde jovens, embora tivessem nutrido uma rivalidade ferrenha. Competiam por tudo no castelo, até mesmo na limpeza dos corredores — provocando-se sempre que podiam. Como acabaram se apaixonando ainda era um mistério para os dois. Hoje, ele ria do trabalho que ambos deram a Nathie e Soren, embora a Rainha do Gelo jamais tivesse demonstrado simpatia por ele.

Seus pensamentos foram interrompidos por um som familiar de pedras se desmontando — típico de um manipulador. Imediatamente, seguiu em direção ao salão de treino, curioso.

— Concentração, Grimm! — o tom severo de Ragna ecoou pelo salão vazio, denunciando sua conhecida impaciência. O rei os observava em silêncio, como se estivesse ali há horas.

— Só você insiste que eu tenho que aprender o seu estilo! — resmungou ele, ofegante. — Tudo seria mais fácil se me deixasse usar a forma tradicional!

— O fácil não traz força! — o mestre do castelo desfez um bloco de pedra deformado com um gesto ritmado e se aproximou de seu aluno com passos firmes. — De novo! Do início!

— Há quanto tempo estamos aqui? — ele se afastou cambaleando entre os escombros. — Eu só queria descansar um pouco.

— Não me lembro de ter te feito preguiçoso, Grimm!

A voz do Rei ressoou como um trovão, fazendo os dois voltarem a atenção para ele. O rei se aproximou com as mãos nos bolsos da calça de moletom, examinando o ambiente. Pilares deformados por todos os lados, alguns desmoronando conforme ele passava. "Instabilidade nunca foi boa para um cavaleiro", pensou, recordando as palavras do próprio pai.

— Ragna é quem insiste que eu aprenda o estilo Jishin! — justificou o machadeiro, ainda atordoado com a presença do rei. — Se fosse pela forma tradicional...

— Ragna está ensinando o estilo Jishin porque eu ordenei — interrompeu Magnus, com um tom tão firme quanto controlado. — E Alice também está de acordo com os métodos dele. Portanto, não aceitaremos objeções.

— Por que ninguém me consultou? — perguntou o discípulo, mais como uma fuga do que como questionamento real.

— Desculpe, desde quando sua importância aumentou? — respondeu o monarca, cruzando os braços e inclinando a cabeça com um sorriso irônico. Em seguida, voltou-se a Ragna. — Você propôs a luta individual ontem, certo?

— Haru e Grimm se desentenderam durante o exercício — respondeu o mestre, soltando um leve bufar que fez seu bigode se mover. — Laki interveio em defesa do novato, devido à atitude de Grimm.

O olhar de Magnus bastou para que Grimm quisesse sumir dali, mas o orgulho o manteve parado.

— Haru foi prepotente. Eu só respondi à altura — desviou os olhos com esforço.

— Ainda se pergunta por que escolhemos Laki como líder no teste? — suspirou o rei, aproximando-se do rapaz. — Se um novato consegue te tirar do sério, então você não serve para ser líder.

— Ele me desafiou! Disse que eu era um estorvo! — Grim tentou rir, mas a gravidade da situação o impediu.

— Mantendo essa presunção, dificilmente conseguirá ser sequer útil — Magnus balançou a cabeça em desaprovação e se afastou. De soslaio, dirigiu-se a Ragna: — Continue assim com os três. Ah, e Haru tem mostrado uma evolução notável. Espero que mantenham o nível.

A última fala atingiu o jovem como uma provocação direta. Todos sabiam que o melhor motivador para o chamado "Troll Negro" — título que recebera após sua condecoração — era sentir-se desafiado. Por mais que isso o tirasse do sério, aquela insinuação... aquilo feria seu orgulho e plantava a dúvida em sua mente. "Impossível! Ele chegou aqui ontem!" pensou, rangendo os dentes.

— Vá beber água — ordenou Ragna, dando-lhe um tapa firme no ombro. — Dez minutos e quero você de volta, entendeu?

O Machado Real não teve forças para retrucar. Apenas assentiu e se retirou com passos apressados. Chegou à primeira torneira próxima ao salão, ajoelhou-se e deixou a água escorrer pelos cabelos, tentando esfriar os pensamentos.

— Esquentadinho assim tão cedo? — uma voz rouca provocou um arrepio em sua espinha.

Só havia uma pessoa capaz de irritá-lo daquela forma. Uma garota de dezenove anos, pele negra clara acentuada pela luz do sol, com tatuagens nos braços e uma estrela chamativa no centro do pescoço. Cabelos negros com uma mecha azul brilhante na lateral e um chiclete estalando entre os dentes. O jaleco da enfermaria do clã sobre roupas casuais denunciava sua função.

— Não tem nada melhor pra fazer, Nami? — Grim balançou os cabelos molhados e evitou encará-la.

—Tinha, mas resolvi vir te importunar também — disse ela, enquanto a expressão indiferente de sempre realçava o tom irônico na voz. — Problemas no paraíso?

—Isso não é da tua conta!

—Calma, meu jovem! — ela ergueu uma mão em falsa rendição. — Respeita os mais velhos

—Você é só um ano mais velha do que eu, garota! Se enxerga!

—E é justamente isso que “mais velha” significa, idiota!

Ele enfim lhe dedicou atenção, o que a fez sorrir: adorava vê‑lo perder a paciência. Nami enfiou a mão no bolso do jaleco, puxou um cigarro e o acendeu com uma faisca de mana gerada na ponta dos dedos.

—Não devia ser tão negligente com a saúde, garoto — advertiu, afastando‑se. — Assim vai acabar infartando.

—Dispenso lições de quem fuma!

Nami virou‑se de costas e ergueu o dedo médio antes de descer a escada mais próxima. No fundo, ela tinha razão: ele não deveria irritar‑se tão fácil. Então por que aquela provocação o afetava tanto? “Não é como se o recrutado fosse conseguir, certo?”, resmungou para si, recordando a insinuação do rei. No íntimo, sabia que Magnus é quem deveria treiná‑lo — não Ragna— mas a incompatibilidade dos estilos falava mais alto.

Grimm amaldiçoava ter nascido rear, o tipo mais raro de cavaleiro. Aos dezoito anos, sentia que já não havia mais onde evoluir, mas escolhera conscientemente o caminho mais difícil, apesar dos conselhos de Ragna. Os planos que tinha com Laki haviam adiado a chance de se tornar membro oficial. Alice oferecera a arqueira a opção de realizar o teste com outra equipe, porém a promessa entre eles falara mais alto: os dois dragões veteranos queriam tornar‑se cavaleiros juntos.

—Grimm — chamou Ragna, aproximando‑se e passando um braço enorme sobre os ombros do rapaz — vamos fazer uma pausa. Preciso ir até Niklas e você vem comigo.

—Mas o senhor queria que eu retomasse o treino o quanto antes — estranhou o pupilo.

—Aproveita a folga antes que eu mude de ideia — riu o mestre, arrastando‑o com seu peso.

Seguiram pelo corredor mais quente do castelo. A fumaça da forja tornava o ar abafado todas as manhãs; poucos se acostumavam a passar por ali até a porta que levava ao domínio de Niklas Buchsenmacher e família. Antes que Ragna abrisse a porta, Oz saiu da forja acompanhado de Haru. Os olhos dos dois recrutas se cruzaram, faiscando em silêncio.

—Que surpresa, meu amigo — exclamou Ragna. O guarda‑caça limpou o ouvido, fingindo surdez.

—Lembrei que Haru ainda não conhecia a forja, então viemos encomendar a espada dele — respondeu Oz, dando um tapa amistoso no ombro do companheiro enquanto ajeitava as próprias lâminas recém‑consertadas.

—Oz, posso ir na frente? — pediu Haru, visivelmente incomodado. — Preciso almoçar e…

—Claro — Oz meneou a cabeça — Magnus te espera, eu sei.

Haru passou por Grimm em silêncio; o olhar severo de um foi devolvido pelo outro. Oz percebeu a tensão, mas deixou passar: talvez aquela rivalidade acabasse servindo de combustível para ambos.

—Bem, vamos nós também — sorriu Ragna, empurrando Grimm adiante. — Aquela garrafa de hidromel ainda te espera, meu velho!

—Diga a ela que logo chegarei — brincou Oz, seguindo na direção oposta. — Estou precisando de uma folga.

—Você precisa de folga desde o dia em que chegou! — gracejou o mestre.

—Nem todos são viciados em trabalho como você! — devolveu o guarda‑caça, esboçando um sorriso.

As provocações terminaram em risadas e acenos. O dragão‑mestre e o machadeiro entraram na forja. A chama da fornalha permanecia acesa e ardente, símbolo da tradição da família dos forjadores de dragões. “O coração do dragão está sempre coberto pelas labaredas de Mors”, lembrava a inscrição na parede. Perto do fogo, um homem atarracado retirou uma peça incandescente e mergulhou‑a na água.

Niklas tirou a máscara de proteção, revelando uma barba ruiva escurecida pela fuligem que lhe manchava o rosto, fazendo a pele queimada pelo calor parecer ainda mais vermelha. Ao ver Ragna e Grimm, abriu um sorriso e gritou:

—Freya! Coloca mais água no café, temos visita! — E abraçou o amigo pela cintura, já que sua baixa estatura não lhe permitia alcançar mais alto.

—Não se incomode, velho amigo — Ragna deu‑lhe um tapinha no ombro. — Estamos só de passagem.

—Bobagem! — retrucou o ferreiro, largando as luvas sobre a bancada e espalhando fuligem. — Não é todo dia que recebo tanta gente. Oz trouxe um rapaz interessante agora há pouco! Calado demais pro meu gosto, mas simpático.

—Haru? Simpático? — Grimm ergueu a sobrancelha, surpreso.

—Pelo menos conosco foi — Niklas riu tão alto quanto Ragna. — Trévo adorou o garoto e já pediu que ele o ensinasse a manejar espada!

—Essas crianças de hoje — Ragna cruzou os braços, sorrindo. — Ele tem o quê, dez anos?

—Oito, na verdade — corrigiu o ferreiro, ainda animado. — Ano que vem vai estar mais alto que eu! E, se quiser treinar logo, não vou impedir.

—Será muito bem‑vindo, você sabe — Ragna passou o braço enorme pelo pescoço de Grimm, voltando os olhos para ele. — Logo vai virar teu rival também!

—Até parece — resmungou o machadeiro, arrancando gargalhadas dos dois.

A esposa de Niklas se aproximou com uma bandeja onde equilibrava canecas de ferro fumegantes com café. Grimm, intrigado, se perguntava como ela conseguia segurar ferro quente com as mãos nuas naquele calor abrasador. Curioso, criou uma pequena chama na palma da mão usando mana, tentando comparar o calor — mas logo percebeu o quão ingênuo era seu gesto.

—Você não para de crescer, garoto?! —disse a senhora, que aparentava cerca de 55 anos, cinco a mais que o marido, bagunçando os cabelos do rapaz com carinho. As poucas rugas no rosto se esticaram em um sorriso, enquanto ela ajustava o pano preso à cabeça. —Quando te conheci, você mal passava da altura do Niklas.

—Obrigado, senhora Freya —agradeceu o rapaz, respeitosamente.

—Ser mais alto do que eu não é lá um grande feito, querida! —o ferreiro gargalhou da própria piada enquanto puxava um banquinho para se sentar.

—Ora, querido! —retrucou ela, dando-lhe um leve tapa no ombro com o pano de prato, espalhando a fuligem. Logo depois, trocaram um beijo de despedida.

—Veio ver a manutenção das armas provisórias, meu amigo? —perguntou o Dragão de Ferro, voltando a atenção a Ragna, que permanecia de pé, levando o café à boca.

—O café continua excelente como sempre, Freya —respondeu o mestre, sendo retribuído com um gesto cortês da anfitriã. —Mas não é só por isso que vim. Vim dizer que Grimm vai passar um tempo aqui na forja.

—Como é que é? —Grimm ergueu as sobrancelhas, surpreso.

—O estilo Jishin exige uma mana mais refinada —explicou Ragna, pousando a mão no ombro do amigo de longa data. —E ninguém melhor do que Niklas para ajudá-lo com isso.

—Mas como vou aprender isso numa forja?

Niklas soltou um suspiro e deixou escapar uma pequena aura vermelha do corpo. Estalou os dedos — polegar contra o médio — e, num instante, a chama da fornalha trepidou com força, rachando a lenha sob seu calor intenso.

—Tá chamando nosso trabalho de simples, garoto? —perguntou, lançando um olhar sério a Grimm.

—N-não foi isso, senhor...

—Relaxa, garoto —disse o ferreiro, rindo e lhe dando um tapa no ombro. —Nosso ofício pode ser simples comparado ao de vocês, mas isso não significa que você não tenha nada a aprender aqui.

Então o dono da forja retirou uma ferramenta do bolso. À primeira vista, parecia uma estaca de ferro, sem ponta, com o formato de uma chave de fenda. As gravuras entalhadas ao redor do objeto despertaram imediatamente a curiosidade do rapaz.

—Deixe sua mana fluir por esse manete de aura —instruiu, entregando a ferramenta ao rapaz. —Preciso testar algo.

Grimm a segurou com cuidado, fechou os olhos e concentrou-se. Deixou a mana fluir. Uma aura branca cobriu o instrumento, e, por um instante, transformou-se em um verde-esmeralda. Foi então que uma lâmina longa de energia se projetou do manete. Niklas desviou rapidamente.

—Só de ver essa reação já dá pra saber que você tem talento! —exclamou o Dragão da Forja, recuperando a ferramenta, que Grimm largara no susto. —Mas ainda falta muito para sua mana se estabilizar. Você é um rear, não é?

—Como é que o senhor sabe?

—Só um rear consegue traduzir sua mana com tanta clareza! —afirmou Niklas, cruzando os braços. —E aí, meu amigo, quando ele começa?

Ragna abriu a boca para responder, mas foi interrompido pelo estrondo da porta se abrindo. Um mensageiro irrompeu o salão, ofegante. Ao mesmo tempo, Mia corria pelo campo e, ao avistar Haru e Magnus, gritou para chamar sua atenção.

Haru, concentrado, controlava uma chama na palma da mão, mas a perdeu no susto. A chama se apagou no mesmo instante.

—Respire fundo, Mia —ordenou o rei, endireitando-se. Ele havia trocado as roupas casuais por uma camisa social e uma calça jeans, assumindo um aspecto mais formal. —O que aconteceu?

—A guilda —respondeu Mia, ofegante, curvando-se com as mãos sobre os joelhos, o rosto suado. —Ela convocou Haru, Laki e Grimm para a primeira missão.

Apoie a Novel Mania

Chega de anúncios irritantes, agora a Novel Mania será mantida exclusivamente pelos leitores, ou seja, sem anúncios ou assinaturas pagas. Para continuarmos online e sem interrupções, precisamos do seu apoio! Sua contribuição nos ajuda a manter a qualidade e incentivar a equipe a continuar trazendos mais conteúdos.

Novas traduções

Novels originais

Experiência sem anúncios

Doar agora