Volume 1

Capítulo 09: Me leve a sério

Ao cair da tarde, Haru retornou ao castelo sozinho. Magnus havia seguido à frente após o fim dos treinos, alegando ter obrigações pendentes. A sensação quente nas palmas das mãos do recrutado ainda o acompanhava, enchendo sua mente de perguntas — algumas com respostas, outras não.

Ao entrar pelos portões dos fundos do castelo, Haru observou o ambiente que envolvia o clã. Tinha realmente o direito de se sentir acolhido daquela forma? Haveria um momento em que seria impossível esconder como se sentia, mas até quando poderia continuar assim? Afinal, eles ainda não sabiam sobre o crime que o levara às masmorras. Quando estivera com o Mestre do castelo, notara que boa parte dos membros também era composta por recrutados. Ainda assim, não conseguia se sentir totalmente confortável com isso.

Seus pensamentos foram interrompidos ao sentir alguém esbarrar em seu corpo. Ao virar o rosto, reconheceu Grimm, também distraído.

— Olhe por onde anda — resmungou o cavaleiro negro, arregalando os olhos ao recobrar o choque. Quando viu que se tratava de Haru, sua expressão se fechou.

— Digo o mesmo — retrucou o rapaz de cabelos brancos, retribuindo o olhar sério.

— Francamente — bufou Grimm, seguindo seu caminho. — Não se esqueça de que ainda temos treino com o Ragna no fim do dia.

— Claro, sem problemas.

“Se todos me tratassem como ele, talvez eu me sentisse melhor?”, questionou-se Haru. A verdade era que a forma como aquele guerreiro o tratava correspondia ao que ele considerava ideal. Parecia que Grimm enxergava seus erros, mesmo que nunca os tivesse exposto. Ainda assim, o recrutado sentia que havia algo de estranho naquele homem.

Ele desistiu de suas indagações e caminhou até o refeitório para a última refeição do dia. Após alguns segundos na fila, com a bandeja em mãos, montou seu prato e se sentou em uma das mesas vazias. Enquanto cortava a carne, Laki se sentou à sua frente.

— Foi difícil te achar hoje — comentou a arqueira, acomodando-se no banco e desembalando os talheres descartáveis do plástico. — Pelo visto, o Oz pegou leve contigo.

— O que você está fazendo?

— Ué, está na hora do jantar — ela sorriu de forma acolhedora, comendo devagar. — E a gente não pode demorar muito...

— Mas... você se sentou aqui comigo? — Haru inclinou a cabeça de lado, curioso.

— Ah, sim. Não deveria? — a Dragoa Vermelha mastigou um pedaço de carne, retribuindo o gesto de Haru com o rosto virado para o lado oposto. — Se te incomoda...

— Não, não é isso — ele voltou sua atenção à comida, mordendo um pequeno pedaço de carne e desviando o olhar para um ponto aleatório no salão. — Só... faça o que quiser.

Laki riu brevemente, se divertindo com a situação. A forma como ela o tratava deixava o ex-detento desconcertado. O "Eu confio em você", dito na academia, ecoou por alguns segundos em sua mente. "Como alguém pode confiar em alguém que mal conhece daquela forma?", pensou, achando irônico agir assim. Isso o fez lembrar de um tempo em que, provavelmente, tinha a mesma idade dela. Haru já fora assim. O pensamento provocou um breve riso.

— Olha só... — a arqueira notou o gesto dele, encarando-o com serenidade. — Você consegue rir também.

— Eu sou o estranho, enquanto você fala com alguém que conheceu anteontem — retrucou Haru, erguendo os olhos em tom desafiador.

— Eu nunca disse que sou normal, lobo branco — ela deu de ombros e continuou sua refeição.

— Quem inventou esse apelido, meus doze? — ele suspirou, revirando os olhos.

— É só uma tradição boba — disse ela, estalando os dedos rapidamente diante do rosto do companheiro, assustando-o com sua agilidade. — Logo você vai ganhar sua “alcunha de dragão”.

— Alcunha de quê?

— Eu e Grimm temos uma — ela piscou de forma lúdica, despertando um leve interesse em Haru. — Ragna vai te dar a sua quando for o momento. Aliás, vamos logo! O Ragna odeia atrasos.

Haru terminou os restos de seu prato rapidamente e entregou a bandeja. A Arco Real o aguardava do lado de fora do refeitório, segurando um dos próprios pulsos atrás das costas. Fez questão de acompanhar o parceiro por todo o caminho até o salão de treinos, onde o mestre e Grimm já os esperavam.

O professor propôs uma série de exercícios para resistência física e fortalecimento muscular. Apenas o espadachim parecia se cansar, sentindo cada parte do corpo protestar. Seus cotovelos e joelhos estalavam entre flexões e agachamentos. Em alguns momentos, Ragna apenas esperava que ele terminasse, e logo Haru teve certeza de que sua carga havia sido propositalmente estendida.

Ainda assim, ele não via isso como algo ruim, nem pensou em questionar. Sabia que precisava acompanhá-los o quanto antes.

— Sentem-se um pouco — disse o mestre gigante, distribuindo cantis de água aos discípulos e dando um leve tapinha no ombro de Haru, que ainda ofegava. — Em breve começaremos a etapa final de hoje.

Grande parte da água de Haru foi usada para molhar o próprio pescoço, e ele bebeu o restante em poucos goles. Sentiu o corpo quase tombar para trás, mas foi amparado por costas alheias. A voz de Laki soou em seu ouvido:

— Não tem problema se quiser pedir um descanso — ela sussurrou entre goles. — Ninguém está exigindo que você nos acompanhe em dois dias.

— Eu estou me exigindo. Não se preocupe — respondeu ele, alongando o pescoço de um lado para o outro, de olhos fechados.

Haru observou de soslaio Grim, afastado. O olhar do cavaleiro parecia distraído até perceber que estava sendo analisado. Os dois companheiros quase o chamaram para perto, enquanto a luz alaranjada se despedia, mas algo neles os fez hesitar — o Machadeiro Real parecia incomodado com algo.

— Ele tá estranho desde cedo — cochichou Laki. — É raro vê-lo tão pensativo...

— Você fala como se ele fosse exemplo de foco — retrucou Haru no mesmo tom, balançando o cabelo molhado instintivamente.

— Ele é. Isso que me preocupa...

— Acredito que já descansaram o suficiente.

As palmas ruidosas de Ragna interromperam os pensamentos dos colegas. O ex-militar percebeu que estava conversando casualmente com Laki em meio ao cansaço, mas mais do que isso, a distração de Grimm realmente o incomodava. O Espada se sentia desconfortável em vê-lo tão displicente.

Ao comando do mestre, os três se levantaram e se alinharam, enquanto o instrutor organizava as armas de madeira na parede mais próxima.

— Laki — chamou o professor, cruzando os braços. — Por hoje, quero que apenas observe.

— Observar? — a arqueira questionou, surpresa.

— Haru, Grim — continuou, estendendo uma das mãos em direção aos equipamentos de treino. — Escolham suas armas. Vocês terão um duelo agora.

— Como é? — Grim reagiu em um sobressalto, como se despertasse de um torpor.

— Teremos regras, então façam suas escolhas rapidamente para que eu possa explicá-las.

Haru foi o primeiro a se mover, pegando uma espada longa de madeira para testá-la. O peso, obviamente diferente do metal real, exigiu alguns ajustes enquanto ele a balançava para experimentar os movimentos. Grimm o seguiu, caminhando até um machado — mas algo o impediu. Sentiu-se julgado pelo olhar que Haru lançou por cima do ombro, como se estivesse sendo avaliado. Disfarçou o incômodo, mas apertou com mais força o cabo da espada, agora em sua mão dominante, tomado por uma raiva silenciosa.

O Rear acabou optando por uma espada longa também, mas seu jeito ao empunhá-la revelava a falta de familiaridade com a arma, o que perturbava seriamente o espadachim. "Estou sendo subestimado", pensou Haru, trincando os dentes discretamente. Após ambos se posicionarem no local indicado pelo mestre, Ragna os orientou:

— O objetivo é apenas desarmar. Quero que essa seja a tônica de seus golpes. O treino termina quando um de vocês estiver imobilizado de forma definitiva. Dúvidas?

— Nenhuma — respondeu Haru, mantendo os olhos fixos em Grim, que apenas suspirou.

— Então, preparem-se!

Grimm assumiu uma postura rígida, segurando a espada com ambas as mãos, enquanto Haru permaneceu imóvel, tranquilo, respirando fundo. O Dragão Negro observava, inquieto, como seu oponente parecia calmo demais.

— Comecem!

O veterano hesitou, esperando que Haru partisse para o ataque. No entanto, o Espada permaneceu onde estava, convidando-o a avançar com a guarda baixa. O cavaleiro sentiu que o outro analisava suas mãos, o olhar cerúleo parcialmente oculto pelos cabelos brancos. Permaneceram assim por alguns segundos, até que Grim, com um movimento súbito, avançou.

O espadachim rebateu o golpe que vinha de cima com a espada brandida em um movimento invertido. Quando as armas ricochetearam, ele aproveitou o recuo e golpeou com força a mão armada de Grimm. O impacto ecoou com um estalo seco. A dor fez o Dragão Negro soltar a espada, reclamando imediatamente.

— Agora que paramos de brincar... — disse Haru, girando a espada na mão canhota e esticando o ombro. — Pode pegar uma arma com a qual você realmente saiba lutar?

— Você tá maluco?! — protestou Grimm, balançando a mão atingida, tentando aliviar a dor. — Se fosse uma arma de verdade...

Se fosse uma arma de verdade — Haru o interrompeu, repetindo suas palavras com ênfase. — Você estaria, no mínimo, sem dois dedos da mão esquerda. Se eu tivesse mirado no seu pulso, teria perdido a mão.

— Você não ouviu o que o Ragna falou?! — A angústia nos dedos do rear dos dragões deu lugar a uma raiva crescente. — Era só um treino de desarme!

— Mestre, eu descumpri alguma regra? — questionou o recrutado, sem tirar os olhos do adversário.

— Nenhuma — respondeu Ragna, mantendo os braços cruzados. O olhar do mestre para o novo discípulo deixava claro que compreendia o que Haru havia feito.

— Então, por favor, Grimm, escolha outra arma — continuou Haru, girando o pescoço para alongá-lo enquanto aguardava.

— Eu não sei o que você está tentando provar...

— Você me disse para não atrasar você e a Laki! — gritou, impaciente, fazendo Grim recuar, surpreso com o tom. — E agora, com essa atitude de criança mimada, quem está me atrasando é você!

Te atrasar? — retrucou Grim com um riso breve, surpreso com a postura do calouro. Procurou apoio no olhar de Laki ou do mestre. — Você chegou ontem!

— E mesmo assim, acabei de te desarmar em dois movimentos — disse o recrutado, girando a espada e trocando-a de mão. — Vai me provar que estou errado? Então pega logo a arma com a qual você é bom e treine direito!

Grimm ainda buscava compreensão no olhar da companheira ou no mestre gigante, mas a resposta era a mesma: olhares que esperavam uma atitude dele. Irritado e contrariado, obedeceu a provocação de Haru, retirando o machado de treino da parede. Livrou-se dos últimos resquícios da dor no braço, sinalizando a Ragna que podia reiniciar o treino.

A ordem foi dada.

O impacto entre as armas de madeira ecoou pelo salão com estrondo. Ambos recuaram após o primeiro choque, e então Haru endireitou a postura. Segurava a espada com uma mão apenas, distribuindo o peso do corpo igualmente entre as pernas.

Contra Oz, por ter usado uma espada real com lâmina afiada, Haru havia se contido. Temia ferir o novo instrutor. Durante os anos de treinamento com seu pai, raramente empunhara armas reais. Seus ensinamentos sempre foram guardados como último recurso, como fora constantemente advertido.

Agora, porém, a espada de madeira era perfeita para o que ele queria: extravasar. Não acreditava que merecia ser acolhido, mas também não achava justo ser maltratado. Os golpes ressoavam no ar, entrelaçados nos estalos secos da madeira. Ambos lutavam como se estivessem discutindo intensamente — não entre inimigos, mas como velhos amigos resolvendo diferenças. Embora nenhum dos dois percebesse isso naquele momento.

Haru desviou de um golpe vertical do machado e aparou o horizontal com a espada, trocando-a de mão e invertendo o pulso na pegada. Fingiu um ataque, ameaçando Grim com um soco no rosto enquanto preparava outro golpe com a lâmina. Pressionado, o machadeiro respondeu com o ombro, empurrando o espadachim para longe. Antes que Haru se recuperasse, Grim desferiu um chute certeiro no peito dele, que caiu e deslizou pelo chão duro.

Quando tentou se levantar, ofegante, Grim já estava sobre ele, apontando o fio do machado para o pescoço.

— Temos um vencedor! — anunciou Ragna. — Grim!

O Machadeiro permaneceu sério, observando Haru deitado, braços sobre o rosto, tentando recuperar o fôlego. Atirou o machado para o lado e apontou um dedo desafiador para o colega:

— Se coloque no seu lugar, recrutado — enfatizou com desdém.

— Pare, Grim — Ragna o repreendeu com firmeza.

— Esse recrutado aí te fez suar, não foi? — Haru provocou, rindo com sarcasmo, enquanto se apoiava nos cotovelos.

— Da próxima vez, não vou pegar tão leve.

— Então me leve a sério desde o começo — respondeu Haru, levantando-se num salto. A agilidade do movimento fez o Machado Real adotar uma postura de defesa imediata. — Ou quem vai ser o estorvo aqui... é você.

Grimm ergueu o punho em direção a Haru, mas foi detido por um tapa estalado no rosto. Ao virar o rosto de volta, viu Laki entre eles, afastando os dois.

— Nós não fazemos isso aqui, esqueceu? — disse a arqueira, olhando firmemente para o parceiro. — Não despreze quem você ainda não conhece.

— Ele não fez nada pra merecer reconhecimento.

— E você também não! — Laki ergueu o rosto, encarando o parceiro de longa data nos olhos. — Então, pra trás!

— Se vai me engolir, “Dragão” — resmungou ele, voltando o olhar para Haru. — Então que seja com uma boa luta.

O Dragão Negro se retirou, recolhendo a espada caída, enquanto Ragna os observava em silêncio. O mestre cruzou os braços, mas não conseguiu esconder um leve sorriso sob o bigode grosso e bem penteado. Aquela cena o fez lembrar de Alice, Magnus, Soren e Nathie nos velhos tempos. Não esperava ver algo novo nascer de forma tão intensa. Os Doze estavam realmente trilhando um caminho inédito — e o destino parecia, acima de tudo, curioso.

 

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