Volume 1
Capítulo 07: Magnus
O sol parecia nascer de forma diferente no distrito de Mei. Quando seus raios invadiam o quarto de Haru, tocavam-lhe os olhos como se o convidassem a uma nova vida. Até os muros de paralelepípedo negro pareciam ganhar um tom mais vívido e pacífico quando ele despertava.
Sentou-se na cama e observou o quarto ao redor — muito maior do que o da academia. Havia um armário com roupas simples, brancas e negras, além do uniforme do clã. O banheiro era espaçoso, com ladrilhos brancos, uma banheira de cerâmica e um chuveiro moderno.
Haru gostava de assistir ao início do dia no castelo. Algumas poucas pessoas já seguiam para seus postos. Cavalos de diversas cores e raças saíam aos poucos, conduzindo os cavaleiros em suas missões pelo distrito. Era uma visão ampla e colorida do mundo — tão diferente do cinza e branco que conhecera atrás das grades. A liberdade era realmente reconfortante.
Os portões se abriram com um ranger metálico, e, após alguns minutos, um homem passou por eles. Era alto, de pele clara levemente queimada pelo sol, aparentando cerca de 35 anos. Vestia um sobretudo de camurça negro, com botões prateados polidos e detalhes dourados delineando linhas vermelhas verticais na frente e nos braços. Retirou as luvas de tecido vermelho-sangue e os óculos escuros. Ajustou brevemente os cabelos curtos, de um cobre rústico, enquanto apoiava a mala no chão com a mão direita.
— Senhor Magnus! Bem-vindo de volta! — disse uma mulher que se aproximava com simpatia, ajeitando a prancheta nos braços. Parecia uma secretária real.
— Bom dia, Mia! — respondeu ele, sorrindo sob a barba castanho-escura por fazer. Estreitou os olhos verdes, cor de esmeralda, ao encarar a luz da manhã. — Como estamos?
—Tudo dentro da rotina, Majestade — disse ela, ajeitando os óculos com a parte inferior da mão que segurava a caneta. — Alguns cavaleiros já saíram em missão durante a madrugada. A limpeza está em andamento, e a forja começou a ser aquecida por Niklas.
—Laki e Grimm já retornaram, certo? — questionou o Rei, levantando a maleta do chão.
—Ah, sim. Perfeitamente. — Ela estalou os dedos como se tentasse se lembrar de algo, prendendo a caneta no fecho da prancheta. — O companheiro deles se chama Haru. Veio direto das sete masmorras da capital. Já está em seus aposentos.
—Ótimo! — disse o Dragão-Rei, passando a mão pelos cabelos e coçando o rosto. — Peça a ele que me encontre no salão comunal do castelo após o almoço. Preciso resolver algumas questões com minha esposa antes.
—Majestade Alice pediu que falasse com ele ainda pela manhã — apressou-se em dizer a secretária. — Os preparativos para a cerimônia já começaram, então ela...
—Não se preocupe, Mia — interrompeu Magnus com um gesto calmo da mão. — Tudo será resolvido no tempo certo. Por ora, apenas o avise, está bem?
—Como desejar, Alteza.
Mia afastou-se após uma breve reverência, recuperando a caneta para fazer anotações na folha ainda em branco. Seu nome completo era Arthuria Mianfert, mas sempre insistira para que todos a chamassem de Mia, dispensando formalidades.
A Secretária Real tinha estatura mediana, corpo elegante e 1,77 de altura — incluindo os saltos agulha que usava diariamente desde os 23 anos. Seus passos eram firmes, mas suaves como os de uma felina. A pele era alva como o primeiro floco de neve do inverno de Anfell, e seus olhos, negros, permaneciam ocultos sob óculos de armação fina e lentes redondas. Os cabelos negros desciam até a altura dos ombros, tingindo-se de azul-claro nas pontas.
Arthuria, como sempre, cumprimentava cada membro que encontrava enquanto percorria os corredores. Buscava o quarto de Haru, até se deparar com a porta de número 21. Bateu firme, o bastante para ser ouvida.
— Só um momento… — respondeu a voz abafada de Haru lá dentro.
Minutos depois, ele abriu a porta. Estava sem camisa, secando o cabelo com uma toalha; as cicatrizes no tórax e nos braços — um rasgão profundo na lateral e vários cortes antigos — ficavam à mostra. A cena deixou o rosto de Arthuria imediatamente corado.
— V‑você é o Haru, certo? — pigarreou, ajeitando o cabelo, visivelmente tímida.
— Sou, sim — respondeu ele, inclinando a cabeça, ainda com a toalha sobre os fios úmidos.
— Sua Majestade Magnus pediu que o senhor o encontrasse no salão comunal depois do almoço — informou ela, esforçando‑se para manter a voz firme enquanto desviava o olhar.
— Claro, estarei lá. Está tudo bem co…
— Com licença! — cortou ela, fazendo uma breve reverência antes de se afastar às pressas, ainda ruborizada.
— Tem toda…
Haru ficou curioso, deu de ombros e fechou a porta. Concluiu seu ritual matinal e saiu do quarto, as mãos nos bolsos, a caminho do refeitório dos cavaleiros. Uma mesa comprida vivia coberta de doces, pães, bolos e frutas, repostos sem parar pelos cozinheiros. Tentou conter‑se, mas logo o prato estava repleto — e, para sua surpresa, o de Laki também.
— Você realmente acorda cedo — comentou ela, esbarrando de leve no ombro dele e sorrindo.
— Força do hábito — respondeu Haru, equilibrando o prato.
Notou então que, embora fosse mais velho, ambos tinham praticamente a mesma altura — cerca de 1,75. Era a primeira vez que via Laki com o cabelo totalmente solto, realçando os traços delicados num corpo atlético. O jeito descontraído com que ela puxava conversa já atraía olhares curiosos de veteranos: um sinal de quão respeitados eram seus novos parceiros.
— Vocês não dormem, não? — resmungou Grimm, aproximando‑se com um bocejo.
— Cuidado, Haru — brincou Laki, fingindo esconder‑se atrás dele. — Um Ghoul!
— Muito engraçado… — ironizou o rear. — Quero ver esse bom humor quando o Ragna arrancar nosso couro.
Laki sentou‑se e puxou Haru para a mesma mesa antes que ele se afastasse.
— Nós passamos: não estou preocupada.
— Pois devia — retrucou Grimm, sentando‑se de frente; Haru ficou pouco mais afastado. — Ficamos dois dias sem treinar.
— Foi justo, precisávamos descansar…
— Pelos Doze, assusta ver você tão tranquila — murmurou Grimm, balançando a cabeça.
A conversa seguiu, mas Haru permaneceu quase mudo, respondendo só quando era interpelado, concentrado na refeição. Ainda não se sentia parte daquele lugar — queria apenas cumprir o dever que lhe cabia. Embora Alice garantisse sua acolhida e os moradores do castelo agissem com gentileza, integrar‑se parecia difícil. Laki e Grimm percebiam isso e tentavam aproximá‑lo.
Às nove horas, começou o treino no salão do mestre. A ampla área abrigava bonecos de madeira, halteres, pesos livres, alvos para arco e flecha, estandes de tiro para pistolas e rifles de precisão — uma estrutura mais completa que qualquer quartel que Haru conhecera. No centro, um instrutor de voz trovejante gritava ordens capazes de encher o espaço inteiro.
—VAMOS! DEDICAÇÃO, FOCO! — bradou, batendo palmas com força, o que fez o coração de Haru estremecer.
O homem em questão era Ragna, o “senhor” de armas do castelo. Mesmo à distância, sua imponência era evidente. Com 2,13 metros de altura e um corpo tomado por músculos forjados em anos de trabalho braçal sob o sol, sua pele clara estava marcada pelo bronzeado rústico de longas jornadas ao ar livre. Seu bigode castanho-claro, com as pontas enroladas, combinava com a careca lustrosa. Vestia apenas uma regata branca e a calça do uniforme do Clã dos Dragões.
—Aí estão vocês! — exclamou, abrindo os braços colossais em um gesto caloroso que o fazia parecer ainda maior. —As futuras armas reais do castelo!
Cumprimentou Laki com um abraço surpreendentemente delicado e deu fortes palmadas nas costas de Haru e Grimm. Haru teve que dar alguns passos à frente para manter o equilíbrio, o que arrancou uma gargalhada estrondosa de Ragna.
—Pelo visto, vou ter que dar atenção especial a você, meu jovem — disse, voltando-se então aos outros Dragões. —Comecem o aquecimento. Vou apresentar o regime ao amigo de vocês.
Haru engoliu em seco ao ver o gigante se aproximar animadamente.
—Seu nome é Haru, certo? — perguntou Ragna, cruzando os braços.
—Sim, senhor — respondeu o rapaz, colocando-se em posição de sentido, como num reflexo. A reação arrancou mais uma risada do mestre.
—Me siga. Quero que faça algo antes.
Haru obedeceu, seguindo-o até uma área do salão que simulava os testes físicos da Academia. Ragna o instruiu a repetir os mesmos exercícios que havia feito nos testes de admissão, mas desta vez, sem trocar os calçados. O mestre observou em silêncio e fez anotações enquanto o jovem se dedicava com afinco. Ao final, Haru notou que se sentia menos exausto que da última vez, com mais resistência para carregar pesos, realizar flexões e correr longas distâncias.
Ragna aproximou-se, entregando-lhe duas folhas de papel.
—Adivinha qual dessas é a sua nota da Academia… e qual é a de agora.
Haru analisou os papéis. Uma delas exibia notas consideravelmente mais baixas que a outra. Ainda que não tivesse plena consciência de quanto os calçados restritivos o haviam prejudicado, ele acabou errando qual das avaliações era da Academia.
—Você sabe o que isso significa, não sabe?
—Nós poderíamos ter passado com folga em primeiro lugar… — respondeu Haru, cruzando os braços e soltando um suspiro, decepcionado por não ter conseguido mostrar seu verdadeiro potencial.
—Eu odeio essa visão de “membros ilegítimos” que eles pregam — resmungou Ragna, soltando um palavrão em uma língua que Haru não reconheceu. —Fazer vocês usarem aqueles sapatos com selos de contenção, rígidos e desconfortáveis, é revoltante.
—Eu compartilho desse sentimento. Mas acho que "membros ilegítimos" não é bem o termo — disse Haru, limpando o suor com as costas da mão. —Separar o joio do trigo pode ser necessário, se o objetivo é selecionar gente qualificada para proteger o reino.
—Entendo… — murmurou o mestre, voltando sua atenção para os demais na arena. Gritou: —ATENÇÃO! Levantem a mão todos os que são ou já foram recrutados!
Para a surpresa de Haru, a maioria levantou a mão. De cerca de trinta presentes, vinte se prontificaram. Todos eram membros condecorados.
Ragna então prosseguiu:
—O reino impôs a ideia de que os recrutados não devem e não podem ter os mesmos direitos. E, para ser justo, alguns casos ruins do passado alimentaram essa crença. —Fez sinal para que Haru o acompanhasse enquanto caminhavam. —Os oficiais se recusam a serem justos com você porque não querem ver alguém com a mesma capacidade que eles, vindo de baixo. Muitos privilégios foram dados a pessoas sujas… e eles têm medo de perder o que têm.
Ragna viu a indecisão de Haru e lhe deu um leve tapinha nas costas—desta vez o rapaz enrijeceu o corpo, sentindo uma fisgada.
—Não seja tão duro consigo mesmo, está bem? — disse o mestre, numa voz surpreendentemente branda. —Alice quer você na família, e nós também. Aprenda a se aceitar como nós o aceitaremos.
—Obrigado… — murmurou Haru, ainda pensativo.
O mestre de arma do castelo, então, o mandou integrar‑se aos parceiros. Haru ajudou Laki e Grim no alongamento e depois nos exercícios com armas de madeira. Apesar de o dia ter passado em ritmo puxado, ele repetia mentalmente os conselhos do mestre. A certa altura, no pátio, um trabalhador idoso passou por ele, mascando uma folha qualquer:
—Garoto! Cabeça erguida… e orgulho! — gritou, cuspindo a folha antes de seguir em direção aos estábulos. Haru só conseguiu ver os cabelos grisalhos e as costas largas do desconhecido.
Enquanto isso, Magnus subia para o quarto, ainda carregando a mala da viagem. Tentou abrir a porta, mas uma rajada de vento a fechou de volta. Na terceira tentativa, conseguiu.
—Posso entrar, Alice?
—Está atrasado… — respondeu a rainha, penteando os longos cabelos diante do espelho. Magnus aproximou‑se e beijou‑lhe o rosto com cuidado.
—Perdoe‑me. Perdi o primeiro trem. Seria tão mais fácil se o castelo tivesse uma zona de teleporte…
—Não vamos discutir isso — interrompeu‑a, fitando‑o pelo espelho. —É pela segurança de todos.
—Ao menos no nosso quarto — insistiu, abraçando‑a pelos ombros. —Economizaria uma fortuna em estadias.
—Deixe de preguiça e passe mais tempo em casa — disse ela, pousando a escova e fechando o livro diante de si. Retribuiu o beijo com ternura.
—E então, como eles se saíram no exame? — perguntou Magnus, largando a mala sobre a cama e abrindo‑a.
—Ficaram em primeiro lugar.
—Mesmo “com um a menos”? — Ele ergueu as sobrancelhas, surpreendido.
—Eles garantiram que não teriam conseguido sem o Haru — explicou Alice, estendendo‑lhe um papel. —Veja as notas.
Magnus analisou o documento; realmente, o desempenho de Haru no teste escrito e na avaliação prática elevara a média do trio. O rei, que conhecia Laki e Grim desde pequenos, não menosprezava o esforço dos dois, mas achar um recrutado tão talentoso era quase um prêmio de loteria.
—Pediu relatórios individuais? — quis saber.
—Mia já me trouxe o de Grim — disse a rainha, entregando‑lhe outra folha.
—Precavido, como sempre — comentou Magnus, sorrindo. —Puxou esse lado de você.
Alice riu, maternal.
—O Pai dos Onze deve ter nos presenteado com filhos de outras famílias.
Magnus sentou‑se à beira da cama, lendo. A descrição de Grim sobre a luta de Haru com o mago do clã Mastella chamou‑lhe a atenção. “Abençoado pela mana? Há quanto tempo não vejo um assim…”, pensou, esfregando o queixo.
—Você leu como ele desviou dos feitiços? — perguntou, sem tirar os olhos do relatório.
—Depois de nós dois e da Laki, ele é o quarto cavaleiro ‘abençoado’ do clã — confirmou Alice, sem surpresa alguma.
—Como o descobriu?
—Se eu soubesse, diria onde fica a Biblioteca de Ita — respondeu, fazendo‑os rir com a referência ao deus dos caminhos.
Magnus respirou fundo, ainda animado.
—Confia nele?
Alice fez um firme sinal de cabeça. Era o bastante para o rei decidir conhecê‑lo melhor.
—Quanto tempo até a cerimônia?
—Cinco horas, trinta minutos e dezesseis segundos — respondeu ela, com a precisão de sempre.
Magnus soltou um assobio baixo.
—Vou levar o Dente da Imperatriz ao Niklas, revisar a papelada pendente e prometo não me demorar.
Vestiu uma camisa simples, manteve a calça do uniforme e saiu. Alice observou‑o partir com um sorriso.
Magnus e Alice estavam casados havia três anos. Namoraram logo após a crise separatista de Anfell, dividindo-se entre a reconstrução do castelo, o cuidado com o clã e as missões, enquanto o rei Maximoff adoecia. Alice atribuía ao marido o crescimento de Mei; Magnus devolvia‑lhe os méritos. A “Aliança dos Dragões Quimera” nascera porque os quatro soberanos eram discípulos do lendário Rei Drakkon e haviam combatido juntos no pós‑guerra. Quando Nathiê e Soren atingiram a maioridade e receberam convites de outros clãs, assumiram os tronos simultaneamente aos Dragões — selando um pacto que, embora grandioso, ainda incomodava um antigo desafeto por razões bem pessoais.
Haru toma a frente de seus parceiros e almoça rapidamente. Mesmo que o cansaço do treino ainda reverbere em seu corpo, ainda havia o encontro com o Rei, o qual está apreensivo. Ele toma a liberdade de escrever o relatório enquanto come. O recrutado pensa que poderia estar mal cheiroso por causa do suor, então decidiu tomar um banho, afinal, logo deveria ser a cerimônia.
Haru tomou a frente de seus parceiros e almoçou rapidamente. Mesmo com o cansaço do treino ainda reverberando em seu corpo, permanecia apreensivo com o encontro marcado com o Rei. Aproveitou o momento para escrever seu relatório enquanto comia. Pensou que talvez estivesse com mau cheiro por causa do suor, então decidiu tomar um banho — afinal, a cerimônia se aproximava.
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Horas depois, quando o céu tingiu-se de laranja atrás das montanhas de Fénnut e alguns comerciantes começaram a chegar ao castelo como convidados, o Dragão Branco se dirigiu ao salão comunal. Bateu timidamente à porta, com os papéis em mãos, até que uma voz o autorizou a entrar.
— Haru, presumo? — disse o monarca, sentado em uma poltrona próxima à janela, observando o céu da tarde.
— Sim, senhor. — O recrutado usava o uniforme cerimonial, cujas listras vermelhas haviam sido trocadas por douradas. Afastando-se com cautela, aproximou-se do Rei e lhe entregou os papéis. — Tomei a liberdade de entregar o relatório em mãos.
— Como me disseram, você é bastante disciplinado. — O rei folheou os papéis, lendo-os brevemente. Assim como esperava, o conteúdo não diferia muito do que recebera de Laki e Grim, embora houvesse mais detalhes — sinal de uma honestidade consistente entre os três. — Ragna me contou que você também foi bem nos treinos de hoje. Isso é ótimo.
— Agradeço, senhor. Apenas tentei dar o meu melhor.
— Por favor, sente-se. — Magnus apontou para a poltrona à frente, incomodado por ainda vê-lo de pé. Haru obedeceu. — Quais foram seus elementos na placa de mitrío?
— Fogo e eletricidade, acredito... — respondeu, buscando nas memórias.
— Tem alguma experiência em manipulação de mana?
— Não, senhor. — A resposta negativa fez as sobrancelhas de Magnus se erguerem, intrigado. — Isso é um problema?
— Não, apenas incomum. — O rei se levantou, produziu uma pequena chama com a mão e acendeu a lareira ao lado, iluminando o salão. — Dizem que um grande cavaleiro nasce do instinto e, ao que parece, foi isso que aconteceu nos seus testes.
— Do instinto?
— O que pensou ao avançar para o ataque? — Magnus cruzou os braços, observando seu novo súdito.
— Que não queria falhar... — respondeu prontamente.
— Mas por quê?
— Não sei dizer, senhor... — Haru fixou o olhar na chama trêmula. — Senti que eles esperavam muito daquela chance. Havia muita gente a quem não queria decepcionar. Só queria... não falhar.
— E decidiu fazer isso por pessoas que nem conhecia? — Magnus inclinou o rosto, apoiando o queixo sobre uma das mãos.
— Eu também não entendo, senhor... — murmurou Haru, ainda olhando para o fogo.
— Você não nasceu aqui, sequer está entre nós há muito tempo. — O rei observou enquanto Haru voltava os olhos para ele. — Seu caminho está apenas começando.
— Não sei se posso me satisfazer com essa explicação, senhor. — suspirou, ajustando-se na poltrona.
— Então não se satisfaça! — bradou o Rei Dragão, orgulhoso. — Use esse sentimento para se moldar. Eu vou ajudar você nisso.
— Como assim, senhor?
— Além dos treinos com Ragna, ficarei responsável pelos seus treinos com mana. Também deixarei seu treinamento de combate nas mãos de OZ, nosso guarda-caça.
— Mas... por quê? — questionou, sentindo-se talvez indigno de tanto.
— Porque quero ter certeza de que nossa espada será afiada o suficiente. — respondeu Magnus com uma piscadela divertida. — Aqui, não formamos apenas cavaleiros — especialmente quando se trata de nossas armas reais. Aliás, Alice te contou por que não recrutamos há tanto tempo?
— Não, senhor.
— Há muitos anos, um recrutado chamado Paul entrou no clã antes mesmo da época oficial de testes. Tínhamos plena confiança de que ele se tornaria um cavaleiro. Mas, certo dia, ele a traiu. Aproveitou um momento de fraqueza de Alice, usou um veneno paralisante e a sequestrou. Eu o matei na hora.
Haru engoliu em seco. Sentiu a pressão emanar de Magnus como uma fera protegendo sua alcateia. Naquele instante, não era apenas um homem à sua frente, mas um leão protegendo sua família. O episódio só reforçou, dentro dele, a certeza de que jamais deveria trair — fosse por gratidão, fosse por temor.
—Sim, senhor. —o recrutado forçou a voz para que não falhasse naquele momento.
—Eu conto com você.
— Laki, Grim e Alice confiam em você. Minha esposa também. E, para mim, isso basta. — O olhar de Magnus era frio, penetrante como o de um predador diante da presa. Sua voz, impassível. — Se trair essa confiança, garanto que será a última vez. Estamos entendidos?
— Sim, senhor. — Haru forçou a voz para que ela não falhasse.
— Eu conto com você.
O rei então estendeu a mão, e Haru a apertou com firmeza, carregando dentro de si o desejo de corresponder àquela confiança. Ao deixarem o salão comunal, Magnus guiou seu discípulo até o portão do salão principal.
Ali, prestes ao evento, o recrutado e a arqueira espiaram o interior do salão já repleto de convidados. A arqueira apontou para alguns rostos conhecidos, enquanto o recrutado a ouvia atentamente. Mas Grimm os interrompeu, puxando-os pelos braços.
— A cerimônia já vai começar e vocês agindo como crianças!
Pensaram em retrucar, mas Alice chamou a atenção de todos ao bater uma colher contra a taça.
— Hoje é dia de festa! — anunciou com um sorriso, vestindo um deslumbrante vestido negro com uma faixa verde-esmeralda brilhante. Uma capa branca cravejada de pequenas pedras douradas repousava sobre seus ombros, e sua coroa de ouro exibia uma turmalina ao centro, um rubi à direita e uma âmbar à esquerda. — Agradeço a todos que puderam vir! Esta ocasião celebra nosso compromisso em defesa do distrito e do reino, sustentando a harmonia e a paz pela qual tanto lutamos. Demos início às condecorações!
As portas do salão foram abertas por dois membros temporários do clã, revelando Haru, Laki e Grimm em suas vestes cerimoniais. O cavaleiro de pele negra guiava os passos dos outros dois com firmeza, em direção ao altar onde Magnus os aguardava.
O rei usava seu uniforme de cavaleiro real: uma farda branca com medalhas no lado direito do peito, brasões dos dragões nos ombros e, nas costas, letras cravejadas de ônix e o símbolo do dragão acima do escudo de Granada — escamas reais da raça dos Dragões Granada, representando sua alcunha.
A espada Coração do Imperador, herança de seu pai, o antigo rei, estava apoiada com a ponta no chão, ainda na bainha, segurada com firmeza. Em seu rosto, era impossível esconder o sorriso orgulhoso ao ver seus pupilos veteranos se aproximando. A Haru, reservou um aceno de aprovação — uma confirmação silenciosa da conversa que tiveram.
Magnus então desembainhou a Coração e a ergueu diante do rosto.
— Eu, Magnus de Kaiser Drache Dagon, filho de Maximoff e Wanda Dagon, junto à alma do primeiro rei, fui confiado a uma missão perpétua: proteger, guardar e lutar pela harmonia entre os Cinco Reinos com minha própria vida! — declarou, enquanto seus discípulos se ajoelhavam com as cabeças inclinadas. — A partir de hoje, passo essa tarefa à espada, Haru Kurotska; ao machado, Grimm de Kaiser Drache ; e ao arco, Laki de Kaiser Drache.
Conforme dizia os nomes, tocava suavemente com a lâmina os ombros de cada um deles.
— Este serviço será simbolizado pelos Relógios de Ita... — Mia posicionou-se ao lado, abrindo uma caixa com os relógios forjados com os brasões respectivos. — Ita, Deus dos Caminhos, firmou o compromisso de conduzir a história de todos ao melhor destino da criação. Que esses relógios sejam o sinal da bênção que eles carregam.
Autorizados, cada um pegou seu respectivo relógio e prendeu a corrente ao polegar da mão oposta àquela que segurava o objeto.
—Com isso, faço as seguintes perguntas —disse Magnus, enquanto embainhava a Coração do Imperador.
—Vocês juram proteger os Anfell e preservar a harmonia entre os Cinco Reinos?
—Nós juramos! —responderam os três em uníssono.
—Juram renunciar às suas famílias, adotando o bem do clã como prioridade e única família, podendo abandoná-la apenas pelo fio da espada?
—Nós juramos!
—Juram guardar os sonhos da atual rainha de Anfell, Osíris, bem como os seus próprios e os dos reis futuros?
—Nós juramos!
—Senhoras e senhores! —anunciou Magnus, fazendo um gesto para que se levantassem e se voltassem para o público. —Apresento-lhes os mais novos guardiões de Anfell! Que as Armas do Primeiro Rei e a bênção dos Doze iluminem seus caminhos.
Um fotógrafo, com dificuldade em equilibrar a câmera antiga nas mãos, posicionou-se no centro do corredor. Laki não se conteve: correu para o meio do trio e abraçou seus companheiros pelos pescoços, sorrindo largo. Alice e Magnus se posicionaram ao lado de Haru e Grim.
O recrutado, ao observar seus dois parceiros, permitiu-se um gesto raro: ele sorriu, ainda que discretamente, mantendo as aparências. Aquela fotografia, tirada naquele instante, seria depois colocada sobre a cômoda, próxima à cama de Haru — uma lembrança silenciosa daquilo que ele jurara proteger.
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